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Ensino Remoto Emergencial no Brasil: reflexões teóricas à luz
da teoria dos habitus de Pierre Bourdieu
Emergency Remote Teaching in Brazil: theoretical reflections in
the light of Pierre Bourdieu's theory of habitus
Aprendizaje Remota de Emergencia en Brasil: reflexiones teóricas a
la luz de la teoría del habitus de Pierre Bourdieu
Hans Carrillo Guach*
Andréa Vettorassi**
Resumo
Dentre os muitos impactos da pandemia global da COVID-19 nos anos de 2020 e 2021, destacam-
se os referentes à suspensão dos calendários acadêmicos nos mais diferentes níveis de formação. Nas
universidades brasileiras, o Ensino Remoto Emergencial foi adotado como possibilidade de
permanência das atividades de ensino durante o isolamento social. Nesse contexto, o objetivo geral
do artigo é o de trazer reflexões, à luz da teoria do habitus de Pierre Bourdieu, sobre o impacto que
a implementação do Ensino Remoto Emergencial teve no processo de ensino-aprendizagem em
cursos de graduação da Universidade Federal de Goiás (UFG). O principal pressuposto é que a teoria
de Bourdieu é pertinente para analisar dinâmicas educacionais, no entanto, pelo menos no contexto
institucional antes referido, esta modalidade de ensino também tem condicionado processos de
ensino-aprendizagem que revelam a necessidade de aperfeiçoar a compreensão da relação entre
sucesso escolar, habitus e instituições educativas, especialmente a partir de realidades que não foram
consideradas por este autor. Do ponto de vista metodológico, o artigo se baseia em uma abordagem
exploratória, bem como na aplicação de métodos empíricos como a revisão bibliográfica, documental
e a observação participante.
Palavras-chave: Ensino remoto emergencial; Habitus; Bourdieu; Ensino-aprendizagem.
Recebido em: 30.11.2022 Aprovado em: 11.02.2023
https://doi.org/10.5335/rep.v29i3.14155
ISSN on-line: 2238-0302
*
Doutor em Ciências Sociais com ênfase em Estudos Comparados sobre as Américas, pelo Departamento de Estudos Latino-
americanos (ELA) da Universidade de Brasília (UnB), Brasil (2017). Professor Adjunto vinculado ao Departamento de Sociologia da
Faculdade de Ciências Sociais (FCS), da Universidade Federal de Goiás (UFG). Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5002-3601. E-mail:
hanscarrillo@ufg.br.
** Doutorado em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora adjunta, orientadora e pesquisadora da
Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Goiás (UFG). Orcid:
https://orcid.org/0000-0002-5615-4100. E-mail: avettorassi@ufg.br.
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Abstract
Among the many impacts of the global pandemic of COVID-19 in the years 2020 and 2021, those
referring to the suspension of academic calendars at the most different levels of training stand out.
In Brazilian universities, Emergency Remote Teaching was adopted as a possibility of permanence
of teaching activities during social isolation. In this context, the general objective of the article is to
identify, in the light of Pierre Bourdieu's theory of habitus, the impact that the implementation of
Emergency Remote Teaching had on the teaching-learning process in undergraduate courses at the
Federal University of Goiás (UFG). The main assumption is that Bourdieu's theory is relevant to
analyze educational dynamics, however, at least in the aforementioned institutional context, this
teaching modality has also conditioned teaching-learning processes that reveal the need to improve
understanding the relationship between school success, habitus and educational institutions,
especially from realities that were not considered by this author. From a methodological point of
view, the article is based on an exploratory approach, as well as on the application of empirical
methods such as bibliographic and documentary review and participant observation.
Keywords: Emergency remote teaching; Habitus; Bourdieu; Teaching learning.
Resumen
Entre los múltiples impactos de la pandemia mundial del COVID-19 en 2020 y 2021, se destacan
los referidos a la suspensión de los calendarios académicos en los más distintos niveles educativos. En
las universidades brasileñas, la Enseñanza Remota de Emergencia fue adoptada como posibilidad de
permanencia de las actividades docentes durante el aislamiento social. En ese contexto, el objetivo
general del artículo es traer reflexiones, a la luz de la teoría del habitus de Pierre Bourdieu, sobre el
impacto que tuvo la implementación de la Enseñanza Remota de Emergencia en el proceso de
enseñanza-aprendizaje en los cursos de pregrado de la Universidad Federal de Goiás (UFG). El
supuesto principal es que la teoría de Bourdieu es relevante para analizar la dinámica educativa, sin
embargo, al menos en el contexto institucional mencionado, esta modalidad de enseñanza también
ha condicionado procesos de enseñanza-aprendizaje que revelan la necesidad de mejorar la
comprensión de la relación entre el éxito escolar, el habitus e instituciones educativas, especialmente
de realidades que no fueron consideradas por este autor. Desde un punto de vista metodológico, el
artículo se basa en un enfoque exploratorio, así como en la aplicación de métodos empíricos como
la revisión bibliográfica y documental y la observación participante.
Palabras clave: Enseñanza remota de emergencia; Hábito; Bourdieu; Enseñanza-aprendizaje.
Introdução
A COVID-19 se alastrou por todo o planeta e impôs o isolamento social em
milhares de cidades como principal medida para diminuir o contágio acelerado da do-
ença. De acordo com relatórios da Organização Mundial da Saúde (OMS), em abril
de 2020, quatro em cada seis habitantes do mundo estavam em isolamento social total
e forçado.1
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Dentre os impactos que decorreram dessa medida, destacam-se a suspensão dos
calendários acadêmicos nos mais diversos níveis (desde o berçário ao ensino superior)
e, posteriormente, a adoção de alternativas para retomar e manter as diferentes ofertas
escolares. A principal alternativa universalmente implementada para estes fins foi a edu-
cação a distância (EaD).
No Brasil, a maioria das instituições de ensino permaneceu com atividades pre-
senciais canceladas de março a setembro de 2020. Nesse período, as instituições
também recorreram a atividades que se convencionou chamar de Ensino Remoto
Emergencial (ERE). Essas atividades buscam os recursos da educação a distância, mas
diferem dela sobretudo pelas limitações estruturais, de formação dos docentes e discen-
tes, bem como pelo caráter emergencial e não planejado.
Não só a própria estrutura da socialização formal foi posta em xeque em face do
caos social como o habitus (BOURDIEU, 1989) dos envolvidos, sejam eles os docentes,
os discentes ou os responsáveis pelos discentes em seus primeiros anos escolares. Como
mencionado em outros estudos, similar à educação através de vínculos presenciais, as
práticas educativas no contexto do ERE também devem ser pensadas enquanto ações
dialógicas em relacionamentos horizontais e de compartilhamento de ideias, ancoradas
na reflexividade e no pensamento crítico, político e ativo que transversalizam processos
sócio históricos e simultâneos de exteriorização e interiorização das realidades internas
e externas respectivamente (VETTORASSI, 2021). No entanto, cabe ressaltar que,
para que os discentes caminhem nessa direção, é necessário que estejam envolvidos em
uma ação baseada no diálogo com o docente e com os demais envolvidos no processo
educacional, de forma que, mesmo nesse contexto de ERE, possa-se construir favorá-
veis processos afetivos e de construção coletiva de conhecimentos. Quer dizer, as novas
propostas de representações sociais no ERE, por meio das tecnologias digitais, pressu-
põem a construção de um modelo comunicacional numa “via de mão dupla”: qual seja,
no sentido de uma aprendizagem colaborativa, num processo de parceria e coautoria,
sendo o docente mediador e orientador das atividades de aprendizagem desenvolvidas,
a priori, pelo discente.
Nesse contexto, quais são os impactos do ERE na transmissão, correlação e ab-
sorção de conhecimentos por parte dos discentes? O ERE é uma modalidade de ensino
que reelabora o habitus nos processos de ensino-aprendizagem e, com isso, ameniza as
desigualdades que existem entre diferentes classes de discentes no interior desses pro-
cessos?
Questionamentos como esses são os que sustentam o presente artigo, cujo obje-
tivo geral é identificar, à luz da teoria do habitus de Pierre Bourdieu, o impacto que a
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implementação do Ensino Remoto Emergencial (ERE) tem tido no processo de ensino-
aprendizagem no âmbito dos cursos de graduação na Universidade Federal de Goiás
(UFG). Porém, as reflexões que oferecemos aqui com base em tais interrogantes não
necessariamente constituem respostas a cada uma delas. Estas apenas almejam assinalar
realidades que permitem chamar a atenção sobre peculiaridades que poderiam ter ad-
quirido as relações entre habitus e instituições escolares, a partir de circunstâncias
educativas tão específicas como foram o ERE.
O principal pressuposto do qual partimos é que a teoria de Bourdieu é pertinente
para analisar dinâmicas educacionais como as desenvolvidas no ERE, por sua ênfase e
seu sucesso na análise da reprodução das desigualdades sociais em instituições educati-
vas e, particularmente, nos aprendizados escolares. No entanto, pelo menos no
contexto institucional antes referido, esta modalidade de ensino também tem condici-
onado processos de ensino-aprendizagem que, ao contrastar com algumas ideias de
Bourdieu, revelam a necessidade de aperfeiçoar ainda mais a compreensão da relação
entre sucesso escolar, habitus e instituições educativas, especialmente a partir de reali-
dades que não foram consideradas pelo autor no caso, o ERE em Instituições de
Ensino Superior (IES) no Brasil.
O artigo tem como metodologia uma abordagem exploratória, bem como a apli-
cação de técnicas como a revisão documental, bibliográfica e a observação participante.
A primeira dessas técnicas foi útil para examinar textos científicos e diagnósticos reali-
zados pela UFG sobre o impacto da situação de isolamento social em estudantes de
graduação. São relatórios de natureza quantitativa aplicados ao longo do primeiro se-
mestre de 2020, cujo objetivo era mapear as condições econômicas, estruturais e
psíquicas dos discentes durante o isolamento social e a suspensão das aulas. Em uma
perspectiva qualitativa, a observação participante foi aplicada isoladamente por cada
um/a de nós e por diferentes discentes e docentes especificamente do curso de Ciências
Sociais, no qual atuamos na condição de docentes. Nesta ocasião, aplicamos questio-
nários semiabertos entre os discentes das disciplinas que atuamos com a finalidade de
receber retornos sobre a experiência do ensino remoto, seus prós e contras. A observa-
ção participante foi realizada entre agosto de 2020 e janeiro de 2022, ao ministrarmos
aulas remotas em nível de graduação e pós-graduação no curso de Ciências Sociais da
UFG, utilizando plataformas como o Google Meet e o Moodle. A troca de experiências
entre os outros docentes foram feitas em reuniões como as de Conselho Diretor, todas
de forma remota por conta do isolamento social. Ao final das disciplinas, um questio-
nário semiaberto foi aplicado com o objetivo de receber retornos dos discentes
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concernentes às novas dinâmicas de ensino e aprendizagem proporcionadas pelo En-
sino Remoto Emergencial.
Ensino remoto emergencial à luz da teoria do habitus de Pierre
Bourdieu: apontamentos necessários para um exame empírico
A teoria sociológica de Pierre Bourdieu se caracteriza por vários aspectos. Um
deles é a ênfase em compreender a sociedade a partir de posturas epistemológicas que
transcendam as dicotomias conceituais comuns no período clássico do pensamento so-
ciológico. As dicotomias podem ser observadas nas teorizações sobre indivíduo
sociedade, subjetivo objetivo, realidades micro macrossociais e ação estrutura,
dentre outras (DURKHEIM, 2001; WEBER, 2015; PARSONS, 1968; MERTON,
2002).
Embora Bourdieu trabalhe com várias ferramentas conceituais que revelam cla-
ramente essa postura mais dialética entre pares conceituais dicotômicos, há um
conceito que resulta uma peça central nesse arcabouço teórico. É o conceito de habitus,
o qual representa uma clara ruptura com os dualismos da sociologia clássica, ao permi-
tir, de acordo com Wacquant (2004), aproximações aos modos como se produzem
processos simultâneos de interiorização da exterioridade e de exteriorização da interio-
ridade.
Para Bourdieu, o habitus molda a ação social e envolve uma natureza dinâmica e
multidimensional. Dinâmica porque se refere a relações dialéticas entre mundos subje-
tivos e objetivos a partir de uma ótica que reconhece a transversalidade, nestas relações,
de conexões entre diferentes contextos históricos. Multidimensional porque a dialética
implica a inter-relação entre múltiplos componentes desses mundos objetivos e subje-
tivos. Dentre esses podem-se destacar a linguagem, as formas de vestir, de andar e
jantar; as percepções, classificações, crenças e motivações; os conhecimentos, valores e
significados.
Consequentemente com a anterior noção, o habitus é entendido por Bourdieu
(1997) como um processo simultâneo de internalização de estruturas, instituições e
práticas externas, bem como de externalização das realidades internas: cognitivas, sim-
bólicas e afetivas. Assim, o conceito faz referência às estruturas mentais socialmente
constituídas, através das quais os agentes sociais lidam com as relações em sociedade.
Enquanto processo simultâneo de internalização externalização, o habitus alude
a um sistema de disposições para agir, perceber, sentir e pensar diante de determinadas
circunstâncias, cuja conformação responde aos históricos processos de aprendizagem
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por parte dos agentes sociais, segundo suas respectivas posições na sociedade. As dispo-
sições entendidas por Bourdieu (1997) como modos de ser, propensões ou
inclinações práticas e/ou subjetivas manifestam-se como sentidos práticos que resul-
tam constitutivos e constituintes de estratégias sociais.2
Por estratégias, Bourdieu (2002, p. 95-165) entende o conjunto de ações ou prá-
ticas realizadas pelos agentes no contexto de um campo específico, visando manter ou
mudar sua posição na estrutura social e/ou se adaptar às diferentes circunstâncias pro-
duzidas (aspirações realistas, oportunidades objetivas etc.). Essas ações não implicam
necessariamente a efetivação das suas intenções, porque elas são influenciadas pela ma-
neira como se estruturam as relações sociais no próprio campo social e na sociedade
como um todo. Tanto as ações em si como suas intenções se manifestariam a depender
das inter-relações entre o habitus individual historicamente adquirido nas posições dos
agentes (habitus diretamente associado à posição ou à classe) e o habitus coletivo (regras,
valores, conhecimentos etc.) que fundamenta as relações no interior de um campo so-
cial concreto. Igualmente, essas inter-relações são transversalizadas pelo volume e pela
estrutura dos recursos relevantes (capitais) que, no campo social, esses agentes possam
ter para desenvolver tais estratégias. Ou seja, os campos são relacionados pelas relações
de força, que são irredutíveis às intenções dos agentes individuais ou mesmo às intera-
ções diretas entre os agentes (BOURDIEU, 1989, p. 134).
O conceito de espaço social em Bourdieu é importante para a compreensão dos
campos sociais (dentre eles o campo educacional) e tem diversas dimensões. Bourdieu
rompe com a representação unidimensional do mundo social (a visão dualista marxista
que reduz a estrutura social à oposição entre os proprietários dos meios de produção e
os vendedores de força de trabalho). O espaço social é multidimensional, um conjunto
aberto de campos relativamente autônomos e subordinado a transformações. Os ocu-
pantes das posições dominantes e dominadas estão envolvidos em lutas de diferentes
formas, mas não constituem necessariamente grupos antagonistas. Tudo dependerá de
seu habitus e aquisição de capitais para a aquisição de forças diversas.
De acordo com as ideias anteriores, o habitus tem uma natureza duradoura, sis-
temática, dinâmica, dialética e evidentemente social; já que constitui um produto das
relações sociais e, concomitantemente, orienta a ação dos agentes de acordo com suas
posições, com vistas a reproduzir e/ou transformar as próprias relações que o geram.
Conforme expressa Bourdieu, o habitus é respectivamente uma estrutura estruturante
e uma estrutura estruturada que “organiza as práticas e a percepção das práticas”, ao
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tempo em que institui “o princípio de divisão em classes lógicas que organiza a percep-
ção do mundo social” e “o produto da incorporação da divisão em classes sociais”
(BOURDIEU, 2007, p. 164).
O habitus, enquanto ferramenta teórico-conceitual, tem sido central na análise
sociológica desenvolvida por Bourdieu sobre diferentes contextos sociais. A Educação
tem sido um desses contextos em que, justamente, se vislumbra esta centralidade e o
significativo potencial analítico que esta ferramenta tem.
Uma das principais particularidades do pensamento sociológico de Bourdieu
aplicado à educação diz respeito ao entendimento das relações entre instituições esco-
lares e desempenho escolar. Após os anos 60 do século XX, desenvolveram-se
movimentos acadêmicos que questionavam a natureza neutral e as concepções otimistas
das instituições escolares que, até esse momento, prevaleciam no âmbito das Ciências
Sociais. Essas concepções entendiam as escolas como instituições que difundem conhe-
cimentos racionais e objetivos e, portanto, impactam favoravelmente na superação do
atraso econômico e das desigualdades, bem como na construção de sociedades mais
justas (meritocráticas), modernas (centrada na razão e nos conhecimentos científicos)
e democráticas (fundamentada na autonomia individual) (NOGUEIRA;
NOGUEIRA, 2002).
Diante do quadro otimista a respeito das instituições escolares, autores como
Bourdieu (1998) demostraram que essas na verdade contribuíam para reproduzir desi-
gualdades escolares ao não conseguir atender eficientemente os impactos que as origens
sociais dos/as estudantes (etnia, sexo, classe social, raça, gênero etc.) têm nos seus de-
sempenhos escolares. Contrário ao que se pensava, as escolas, mesmo podendo ser
públicas e gratuitas, são culturalmente parciais e não garantem aos cidadãos uma igual-
dade de oportunidades de sucesso escolar nem de ascendência social. Tampouco
baseiam as avaliações em critérios justos, associados necessariamente aos dons indivi-
duais e às capacidades cognitivas inatas dos/as alunos/as. Na verdade, estas constituem
instituições a partir das quais se reproduzem e legitimam as desigualdades sociais e os
privilégios das classes dominantes, já que representam e exigem dos/as estudantes fun-
damentalmente pautas cognitivas e culturais dessas classes.
Na compreensão dessas relações entre instituições escolares e desempenho aca-
dêmico, as noções sobre o habitus cumprem um papel relevante. É a partir delas que se
pode entender como Bourdieu (1998) assume que os/as estudantes não competem em
condições relativamente igualitárias na escola, porque eles são agentes socialmente
constituídos segundo suas trajetórias históricas.
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Essas trajetórias estruturam uma bagagem social e cultural diferenciada nos alu-
nos, nos quais influenciam as maneiras como lidam satisfatoriamente ou não com os
processos educativos e aproveitam seus conteúdos. Assim, para Bourdieu (1998), o su-
cesso escolar não deve ser explicado apenas pela existência de dons biológicos e
psicológicos dos/as estudantes, visto que suas origens sociais determinam consideravel-
mente suas condições favoráveis ou não para cumprir com as exigências que
fundamentam seus êxitos.
É nessa compreensão sobre o aproveitamento acadêmico em que o conceito de
habitus anteriormente explicado tem um papel relevante. Com base nesse conceito,
reconhece-se que agentes sociais como, por exemplo, os discentes da UFG que focali-
zam as presentes reflexões têm estruturado suas subjetividades mediante a incorporação
de disposições para a ação social, em dependência das suas posições e trajetórias histó-
ricas. Essas disposições implicam um conjunto de conhecimentos práticos que dizem
respeito à relação dinâmica entre preferências, aptidões, comportamentos, experiências,
habilidades, sentimentos, aspirações, conhecimentos e valores, os quais determinam as
maneiras como os agentes lidam com diversos cenários sociais ao longo das suas vidas.
Cabe afirmar que, dentre esses cenários, se encontram os processos de aprendizagem
em instituições escolares como a própria UFG.
Com base nessa perspectiva, compete entender que os discentes não são plena-
mente conscientes dos conhecimentos práticos ou disposições que influenciam suas
estratégias e ações acadêmicas. Assim, Bourdieu compreende que os processos de apren-
dizagem por parte dos discentes estão inseridos em relações formalmente igualitárias
que também implicam direitos, deveres e cobranças igualitárias, mas que, na prática,
reproduzem e legitimam as desigualdades históricas e os privilégios das classes superio-
res.
Na reprodução das desigualdades históricas que implicam os processos de apren-
dizagem, os docentes cumprem funções vitais; os quais transmitem ideias e
conhecimentos de forma homogênea, sem reestruturar eficientemente seus discursos
em função das diferenças dos discentes, a respeito de seus instrumentos de decodifica-
ção dessas mensagens. O aprendizado dos conteúdos escolares seria um processo mais
confortável para aqueles discentes das classes superiores que tenham adquirido uma
bagagem cognitiva e cultural mais próxima aos códigos e às condutas próprias do am-
biente escolar.
Tais diferenças nos processos de aprendizado não são suficientemente claras para
os agentes envolvidos nessas relações: docentes discentes. O melhor ou pior aprovei-
tamento desses conteúdos são vistos como meras diferenças de capacidades
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psicológicas: inteligência, vontade etc. Assim, os insucessos ou as dificuldades escolares
são tomadas como inferioridades inatas, e não às desigualdades históricas dos discentes
que implicam facilidades para alguns e dificuldades para outros no cumprimento das
exigências escolares.
Para Bourdieu (1998), tais desigualdades sociais e escolares são legitimadas atra-
vés de dois mecanismos essencialmente. O primeiro deles é o desconhecimento dos
privilégios culturais dos alunos pertencentes às classes dominantes. O segundo é a im-
posição de códigos culturais aos estudantes pertencentes às classes populares, bem como
a reprodução e a legitimação de distinções entre grupos de discentes.
A reprodução da legitimação das desigualdades escolares, especialmente das dis-
tinções dos discentes, está ao mesmo tempo relacionada a duas principais realidades.
Por um lado, Bourdieu reconhece a existência de um grupo de estudantes desvalorizado
nessa distinção hierárquica, aos quais é atribuído o dever-ser de se esforçarem e se dedi-
carem arduamente aos estudos, a fim de compensar a distância de seus habitus em
relação à cultura escolar, entendida como legítima referência. Um segundo grupo, mais
favorecido na hierarquia, carrega sentidos associados ao talento, à inteligência e à habi-
lidade, já que seu habitus historicamente configurado lhes facilita atender mais
facilmente às diversas exigências escolares.
De acordo com Bourdieu (1998), as instituições escolares, essencialmente nos
níveis superiores, valorizariam e cobrariam a segunda tipologia de estudantes anterior-
mente descrita. Especialmente nas avaliações formais ou informais, por exemplo, as
provas orais em que as instituições exigiriam, por meio de seus docentes, muito mais
do que o domínio do conteúdo transmitido. Nesse caso, exigiriam destreza discursiva
e atitudes que só poderiam ser atendidas pelos estudantes com habitus mais próximos
à cultura dominante que permeia tais instituições.
Ao aplicar essas ideias de Bourdieu no âmbito concreto que pretendemos analisar
no presente texto no caso, os processos de ensino-aprendizagem no âmbito do ERE,
tendo como referência realidades do curso de graduação em Ciências Sociais da UFG
parece que essa modalidade constitui mais um processo educativo que reforça a na-
tureza de dominação das instituições escolares. O ERE implicou vários desafios que
exigiram maiores destrezas das pessoas envolvidas.
O ERE constitui mais um processo transversalizado pelas interações entre dis-
centes e docentes com base nos seus respectivos habitus. Isso significa que as estruturas
mentais socialmente constituídas desses agentes influenciam as formas como lidam com
esta modalidade de ensino. Modos de ser e inclinações práticas e/ou subjetivas, depen-
dentes das posições sociais dos discentes e docentes, conformam os sentidos práticos
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que resultam constitutivos e constituintes da interiorização e exteriorização de conteú-
dos no contexto dos processos de ensino-aprendizagem. Mas, como se dão as interações
entre habitus individuais e coletivos, representando, os últimos, as lógicas do campo da
educação no âmbito do ERE implementado no curso de Ciências Sociais na UFG?
Por enquanto não temos suficientes argumentos para sustentar que, através do
ERE, a UFG exemplificaria a natureza neutral atribuída comumente às instituições
escolares no pensamento otimista dos anos 1960. Pelo contrário, seguindo as ideias de
Bourdieu, esta modalidade de ensino vislumbra uma aproximação mais clara ao fato de
que a dita instituição implementa apenas outro mecanismo para a reprodução das de-
sigualdades escolares e das hierarquizações das origens sociais dos estudantes.
Através do ERE, tornou-se mais difícil ainda atender eficientemente os impactos
que as origens dos discentes têm no desempenho escolar. Dessa forma, a UFG não está
isenta da tendência a ser entendida como instituição que reproduz e legitima as desi-
gualdades sociais e os privilégios das classes dominantes. Seus docentes, similar ao que
acontece na interação física em sala de aula, transmitem ideias e conhecimentos sem
reestruturar eficientemente seus discursos em função das capacidades de decodificação
de seus discentes, historicamente constituídas em formas de habitus. Assim, através da
cobrança de pautas cognitivas e culturais que fazem os docentes neste contexto do ERE,
também se acaba desconsiderando as influências das origens histórico-sociais dos estu-
dantes na adaptação às novas circunstâncias e, por extensão, no cumprimento
satisfatório às exigências das aprendizagens.
O aprendizado dos conteúdos escolares seria um processo mais confortável para
aqueles discentes das classes superiores que tenham adquirido mais experiência com as
tecnologias aplicadas no ERE (computadores, videoconferências Google Meet, leitura
de textos em meios digitais, sistemas internos de gerenciamento da aprendizagem etc.)
e absorvido mais habilidade com o estudo individual. Quer dizer, aqueles discentes que
adquiriram uma bagagem cognitiva e cultural mais próxima aos códigos e às condutas
próprias do ambiente escolar e dos meios digitais. Porém, essa realidade não seria sufi-
cientemente transparente para os discentes nem para os docentes, de modo que o
sucesso no aproveitamento dos conteúdos socializados também seria visto como sim-
ples diferenças de capacidades psicológicas: inteligência, vontade, capacidade de
adaptação e concentração, dentre outras.
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Ensino remoto emergencial e realidades discentes na
UFG: aproximações descritivas a um objeto de estudo
Com o início do isolamento social decretado em março de 2020, em decorrência
da pandemia da COVID-19, a vida da comunidade universitária no mundo todo so-
freu radicais transformações. Neste sentido, a UFG não foi diferente, embora seja
lógico assumir que cada transformação vivida por diferentes comunidades acadêmicas
em distintos países e regiões no Brasil teve certos graus de peculiaridade, a depender de
diferentes fatores: desenvolvimentos tecnológicos, urbanísticos, políticas adotadas pelas
instituições escolares, dentre outros.
No caso específico desta IES, várias experiências podem nos relatar alguns dos
principais desafios enfrentados por suas comunidades durante este período de calami-
dade pública. Uma dessas experiências é o levantamento de dados por meio de
questionário online, realizado pela Comissão de Gestão da Escola de Engenharia Civil
e Ambiental (EECA) COVID 19. Esses dados deram lugar a vários relatórios como
o que interessa destacar aqui: o “Diagnóstico da situação de ISOLAMENTO SOCIAL
Discentes GRADUAÇÃO”, o qual recompilou informações dos/as estudantes dos cur-
sos de graduação em Engenharia Civil (EC) e em Engenharia Ambiental e Sanitária
(EAS), no período de 23 a 29 de abril de 2020. Além desse relatório, outras experiências
foram o nosso próprio envolvimento nessa modalidade de ensino, particularmente no
curso de Ciências Sociais (CS) da Faculdade de Ciências Sociais (FCS), nos períodos
de agosto de 2020 a fevereiro de 2021 e dezembro de 2021 a abril de 2022.
De acordo com o Diagnóstico da EECA, o questionário aplicado foi respondido
por 48% dos/as estudantes da EC e 57% dos/as estudantes da EAS. Desse total, 14 a
15% pertenciam a grupos considerados vulneráveis economicamente, já que a maioria
declarou ter a renda familiar reduzida. Igualmente, uma porcentagem significativa des-
ses estudantes alegou ter uma renda familiar de até 3 salários-mínimos: 38 % do curso
de EC e 55% do curso de EAS.
Além do anterior, cabe ressaltar que entre os dois cursos se visualiza uma signifi-
cativa dificuldade para o acesso ao ERE, seja por causa da conexão à internet, pela
ausência de equipamentos necessários, como computadores, seja pelas características
das plataformas a serem utilizadas. Além de que vários/as estudantes declararam ter
acesso à internet apenas pelo celular, em que o sinal foi considerado péssimo por 4% e
regular por 27% dos estudantes do curso de EC, enquanto no curso de EAS 6% e 40%
dos estudantes declararam ter um sinal de internet péssimo e regular, respectivamente
(UFG, 2020a, p. 22). Igualmente, no primeiro curso, 34% dos/as estudantes informaram
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não ter computador individual, enquanto no segundo essa realidade atingia 26% dos estu-
dantes. Para o caso de estudantes com computadores compartilhados com outros membros
familiares, foi destaque o fato de que o uso do equipamento poderia conflitar com os ho-
rários de aula. No geral, as dificuldades com a conectividade indicavam uma necessidade
de priorizar a implementação do ERE, o uso de plataformas com menor consumo de trans-
missão de dados, o que não necessariamente coincidia com as ferramentas mais conhecidas
tanto por discentes quanto por docentes.
Os dados citados são corroborados por um segundo relatório, mais completo e rea-
lizado pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE), em que a pesquisa realizada entre
julho e agosto de 2020 contou com a resposta de 2.259 estudantes de todas as unidades
acadêmicas da UFG (UFG, 2020b). No contexto de aplicação do questionário havia a
implementação de políticas acadêmicas para a facilitação de acesso à internet e bons com-
putadores para a permanência nos cursos.
De acordo com as experiências que individualmente conseguimos constatar no caso
da Graduação em CS3, algumas realidades desse curso parecem coincidir com as anterior-
mente descritas referentes aos cursos de EC e EAS. A turma da graduação em CS analisada
teve inicialmente 32 discentes matriculados/as, e apenas 21 permaneceram participando
ativamente até a finalização da disciplina. Desse total foi possível recompilar informações
de pelo menos 18 estudantes. Desistências ao longo das disciplinas são relatadas por todos
os docentes ouvidos em reuniões de Conselho Diretor e outras instâncias da vida acadê-
mica.
Na referida turma, constatou-se que a maioria dos/as discentes (55,6%) tem uma
renda familiar que não ultrapassa o valor de 2 salários-mínimos e mora em residências onde
não possuem algum cômodo ou quarto específico para estudar (66,7 %). O Gráfico 1, a
seguir, ilustra as informações sobre a renda dessa turma:
Gráfico 1 Renda familiar de estudantes de graduação em Ciências Sociais
Fonte: questionário aplicado pelos autores (2021).
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Nos cursos de EC e EAS, a maioria dos estudantes teve uma renda familiar re-
duzida, e uma parte significativa deles pertencia a grupos de baixa renda: até 3 salários-
mínimos. No curso de CS, segundo as turmas analisadas, não foi possível conferir se
houve redução da renda familiar, mas constatamos nesse item econômico um aspecto
comum com os outros cursos: maioria dos discentes (55,6%) tinha baixa renda, com
valores que não ultrapassam os 2 salários-mínimos. Os dados são compatíveis com os
índices gerais da universidade constatados pelo relatório da PRAE (UFG, 2020b).
Além dessas semelhanças na renda dos três cursos, algumas diferenças podem ser
mostradas. No momento em que tivemos informações sobre a realidade das turmas do
curso em CS aqui analisadas, a maioria dos/as estudantes tinha equipamentos como
computadores e/ou celular com internet, o que lhes facilitava aproveitar as disciplinas
em ERE. Porém, não foi possível identificar quais desses equipamentos tinham sido
adquiridos através de, por exemplo, o Plano Emergencial de Conectividade para estu-
dantes da UFG, que teve como objetivo contribuir com o acesso dos estudantes de
baixa renda à internet e permitir o uso das Tecnologias Digitais de Informação e Co-
municação (TDICs) em atividades acadêmicas no contexto da pandemia.
Considerando as realidades socioeconômicas que foram levantadas pela P-Reitoria
de Assuntos Estudantis (UFG, 2020b) que incentivaram este programa social da UFG
inclusive declaradas na Resolução CONSUNI/UFG nº 27/2020 junto à maior
porcentagem de discentes de baixa renda no curso de CS, suspeitamos de que, para
uma parte significativa desses estudantes, foram imprescindíveis os equipamentos para
conseguir desenvolver suas atividades acadêmicas.
Apesar das pequenas semelhanças e diferenças até aqui apontadas, identificamos
outra realidade comum que resulta central para os fins analíticos do presente artigo,
fundamentados na perspectiva teórica de Bourdieu. Essa realidade diz respeito ao im-
pacto emocional e cognitivo que o ERE teve na maioria dos discentes dos cursos de EC
e EAS (UFG, 2020a), mas que também coincidem com alguns fatos apontados pelos/as
estudantes das turmas analisadas do curso de CS.
Do ponto de vista do impacto emocional, para parcelas significativas de discentes
dos cursos de EC e EAS, suas relações com o ERE estiveram mediadas por sentimentos
de ansiedade, falta de paciência, angústia e nervosismo. Os dados levantados pela
PRAE, no que se referem à saúde mental dos estudantes da UFG, igualmente demons-
tram altos índices de ansiedade e profundas dificuldades enfrentadas no início da
pandemia. São eles:
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95% estavam em isolamento social no momento de aplicação do questionário
(julho e agosto de 2020);
33% fazem uso de medicação (ansiedade, depressão, anticonceptivos e outros);
38% relatam violência doméstica/sexual;
51% tiveram um familiar ou amigo que adoeceu por COVID-19;
13% tiveram um familiar ou amigo que faleceu por COVID-19;
52% dormem menos que de costume;
66% sentem-se mais nervosos/as e tensos/as;
40% têm menos prazer nas atividades do dia a dia;
48% se sentem infelizes e deprimidos;
44% perderam a confiança em si mesmos;
43% se sentem inúteis;
38% se sentem ultrapassados pelos acontecimentos e incapazes de superar suas
dificuldades;
19% usam medicamento, álcool e outras drogas para aliviar desconfortos e so-
frimentos;
44% se sentem menos seguros que de costume com a rede de apoio;
74% têm preocupações com recursos financeiros.
Esses elementos sustentam dificuldades no aproveitamento acadêmico, que fo-
ram reveladas de forma explícita pelos dados levantados pela PRAE (UFG, 2020b). No
que diz respeito aos dados dos cursos de engenharia e ciências sociais, a maioria dos
discentes de ambos os cursos conseguiu desenvolver poucas atividades acadêmicas,
como projetos de pesquisa, Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) e consulta aos
sistemas internos de gerenciamento das atividades acadêmicas. Porém, ao que tudo in-
dica, a maioria conseguiu estudar bastante, mesmo tendo estabelecido pouco contato
com os docentes (11% e 12% dos discentes dos cursos de EC e EAS estiveram respec-
tivamente em contato com docentes), e mesmo tendo olhado muito pouco o Sistema
Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas (SIGAA), sendo essa a principal plata-
forma utilizada na UFG durante o ERE para orientar atividades e disponibilizar textos,
segundo o próprio relatório (UFG, 2020a). Isso sugere que, ainda que a leitura fosse
uma das atividades mais desenvolvidas pelos discentes durante o isolamento social, es-
pecialmente no caso do curso de EAS (68%), essas leituras poderiam não se referir
especificamente ao conteúdo das disciplinas ofertadas pela UFG.
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Nas turmas da CS, o impacto emocional não foi muito diferente ao dos cursos
antes referidos, em relação às limitações para aproveitar conteúdos acadêmicos. Conse-
guimos identificar que, de 18 estudantes, 88,2% deles/as afirmaram ter dificuldades
para se concentrar nos estudos, enquanto 41,2% relataram sentir pouca motivação para
dialogar na sala de aula virtual. Igualmente, um 55,6% relataram insegurança diante
dos debates realizados em sala de aula, além de empolgação (88,9%) e curiosidade
(66,7%). Os Gráficos 2 e 3 ilustram esses dados:
Gráfico 2 Dificuldades para compreender o conteúdo da disciplina
Fonte: questionário aplicado pelos autores (2021).
Gráfico 3 Principais emoções diante dos debates no decorrer da disciplina
Fonte: questionário aplicado pelos autores (2021).
Apesar dos dados anteriores, a maioria dos/as discentes expressou sentir satisfação
com a aprendizagem no decorrer da disciplina, mesmo no contexto do ERE. Especifi-
camente, 61,1% desses declararam sentir níveis de satisfação de mais de 80%, conforme
ilustra o Gráfico 4:
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Gráfico 4 - Nível de satisfação com aprendizagem em disciplina Cultura, Poder e
Relações Raciais
Fonte: questionário aplicado pelos autores (2021).
De acordo com os depoimentos de vários discentes, a compreensão dos conteú-
dos da disciplina e, em decorrência disso, os níveis de satisfação com o aprendizado
previamente informado, relacionam-se com as maneiras de interação social e pedagó-
gica entre discentes e docentes. Dos/as 18 estudantes da turma de CS com os/as quais
interagimos, conseguimos 15 declarações que constatam essa argumentação. Algumas
destas são as seguintes:
[...] a interação com os colegas e professor em momentos fora da aula”. Exposição do
professor… e discussão em sala”. “Explicação do professor e temas abordados.
“Interações entre os discentes”. “[...] ambiente tranquilo e amistoso, clareza das
apresentações e diálogos harmónicos”. “Maneira do professor e sua dedicação”.
“Motivação do professor, interação e inclusão em todos os debates, liberdade de escolha
e expressão nas aulas, compreensão das dificuldades de cada aluno com o apoio do
professor”. “A leveza do professor facilitou bastante entender e compreender o conteúdo”
“linguagem de fácil compreensão.
Os dados acima abrem caminhos para a compreensão de outras possíveis manei-
ras de apreensão da relação entre discentes e instituições escolares a partir da perspectiva
teórica de Bourdieu.
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Ensino remoto emergencial em cursos de graduação na UFG:
leituras à luz da teoria do habitus de Pierre Bourdieu
Conforme apontamos em seções anteriores, uma das principais características do
pensamento de Bourdieu sobre a relação entre estudantes e instituições escolares diz
respeito ao papel que estas instituições cumprem na reprodução, isto é, a legitimação
das distinções hierárquicas entre discentes e das desigualdades escolares que estas im-
plicam. Essa distinção tem na sua base a existência de estudantes respectivamente
favorecidos e desfavorecidos, aos quais se lhes atribuem sentidos e deveres. O primeiro
grupo de estudantes, associado ao talento e à habilidade supostamente inata – nunca a
uma ideia de favorecimento sociohistórico , determina a norma, o academicamente
correto em termos de exigências escolares. Assim o dever atribuído se relaciona com a
manutenção dessas habilidades. Simultaneamente, o segundo grupo, associado à ideia
de limitações escolares, mas com a capacidade de chegar aos patamares escolares de
referência caso se esforce, carrega o dever de se dedicar arduamente aos estudos para
compensar suas distâncias em relação à cultura (conhecimentos escolares, mas também
formas de interação e de linguagem) legítima no âmbito escolar (BOURDIEU, 1998).
Ainda que essas ideias sejam pertinentes para pensar diferentes contextos escola-
res, a conjuntura atual do ERE no Brasil especificamente no âmbito dos cursos de
graduação aqui analisados oferece caminhos para outras possíveis leituras. O ERE
trouxe uma relativa flexibilização das hierarquizações dos estudantes por parte das ins-
tituições e dos/as docentes e, portanto, nos sentidos e deveres atribuídos a estes
estudantes. Diferentes experiências de docentes da UFG, entre estas, as nossas, revelam
que esta modalidade não necessariamente esteve marcada pelo privilégio de grupos de
estudantes. Isto se deveu a vários motivos.
O ERE se caracterizou por reproduzir uma interação em sala de aula exclusiva-
mente de forma virtual e sem a obrigatoriedade dos/as discentes ligarem suas câmeras.
Esta modalidade implicou várias dificuldades para avaliar o aprendizado como um todo
(conteúdos, destrezas discursivas, atitudes) e colocou barreiras para a construção de
estereótipos por parte dos agentes sociais envolvidos (docentes/discentes). Igualmente,
a mudança repentina das dinâmicas de ensino-aprendizagem decorrente da passagem
do ensino presencial para o ERE, a urgência de ter que lidar com as plataformas online,
além das mencionadas dificuldades, acarretaram maior insegurança nos docentes (em-
bora reconheçamos que tal insegurança é heterógena a depender das trajetórias sócio-
históricas de cada qual). Assim, todos esses elementos confluíram para influenciar a
flexibilização de exigências por parte dos/as docentes diferente como era comumente
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feito no âmbito presencial , fazendo com que o conteúdo transmitido passasse a ter
mais importância nas cobranças acadêmicas, em detrimento das posturas, atitudes e
destrezas discursivas. Os métodos didáticos mais comuns para materializar as cobranças
foram as avaliações através de resenhas de textos e debates coletivos.
Levando em consideração que o campo acadêmico se caracteriza pela valorização
de habitus que dizem respeito à valorização de volumes significativos de capitais cultu-
rais incorporados (Bourdieu, 1989), aparentemente, a experiência do ERE, em
conjunto com os elementos anteriormente mencionados, influenciou a flexibilização
de exigências acadêmicas que derivam desta valorização. Os/as docentes diferente-
mente do que era comumente feito no âmbito presencial , sentiram-se mais
inclinados/as a que o conteúdo escolar passasse a ser transmitido priorizando maior
empatia com as limitações e dificuldades dos/as discentes (transversalizadas por seu ha-
bitus), diminuindo, assim, as preocupações por cobranças de posturas, atitudes e
destrezas discursivas, conforme críticas realizadas por Bourdieu (1998) sobre institui-
ções escolares e as relações de poder que as constituem.
Por outro lado, o cansaço psicológico resultante das situações anteriormente re-
latadas também repercutiu no desenvolvimento dos processos de ensino, no sentido de
limitar a produção de distinções hierárquicas entre discentes por parte de docentes.
Estes últimos se sentiram mais sensíveis diante dos grandes esforços que teriam que
fazer os estudantes para cumprir com as tarefas acadêmicas, porque para eles/as também
era desafiador lidar com as novas dinâmicas impostas pelo isolamento social e pelo
ERE. Desta forma, o habitus dominante que permeia a UFG enquanto instituição de
ensino superior não foi tão estritamente exigido. Um exemplo desses argumentos, que
demonstram alguns dos impactos que o ERE tem tido, por exemplo, na transmissão
de conhecimentos, são as seguintes expressões referentes ao compartilhamento de ex-
periências que tivemos com outros docentes da UFG:
Não tenho coragem para exigir de meus estudantes aquilo que nem para mim está sendo
fácil fazer, como: escrever um artigo como trabalho final, exigir uma resenha de texto toda
semana ou orientar leituras sistemáticas que sejam longas e densas. Se eu fizer isso, sinto
que estaria contribuindo para uma existência acadêmica mais tediosa dos discentes, com
possibilidades de maiores impactos negativos em grupos de estudantes vulneráveis do
ponto de vista socioeconômico e da saúde.
A forma como o cansaço psicológico influenciou os processos de ensino não se
sustenta somente através da figura dos/as docentes e suas atitudes de flexibilização nas
exigências. Os/as estudantes também se sentiram afetados/as, limitando suas disposi-
ções para lidar com os conteúdos ministrados em sala de aula, independentemente de
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suas origens socioeconômicas e seu habitus socialmente adquirido. No entanto, isto não
significa alguma universalidade nas maneiras como estas disposições foram influencia-
das por tal cansaço psicológico. Entendemos que, se bem a maioria ou todos/as
discentes sofreram este cansaço, existem diferenças no que se refere aos modos como
distintos grupos de estudantes (de baixa e alta renda) lidaram com este cansaço -em
termos de atitudes e ações diante dos processos de ensino-aprendizado- e com a interi-
orização de conteúdos escolares, de acordo com suas condições socioeconômicas
historicamente constituídas.4 Um exemplo desta realidade, que no caso revela alguns
impactos do ERE nos processos de ensino-aprendizado é o fato de que a maioria dos
grupos de estudantes (considerando os de baixa e alta renda) revelaram ter tido dificul-
dades para se concentrar e estudar. O relato abaixo ilustra bem essas relações:
A UFG me pergunta se tenho condições estruturais para me manter no curso. E eu tinha!
Tenho computador, boa conexão de Internet. Mas descobri que eu permanecia na
faculdade para estar com as outras pessoas. Para olhar no olho do professor e para tomar
um café com a turma no intervalo. Eu nem tinha ideia do quanto essa parte era importante
em meu aprendizado (estudante do terceiro período do curso de Ciências Sociais da UFG).
Eu tenho a estrutura necessária para estudar, mas não tenho o psicológico para fazer isso
sozinho em casa. E por isso eu tranquei minha matrícula (estudante do terceiro período
do curso de Ciências Sociais da UFG).
O fato de que estudantes de diferentes classes sociais tenham tido as mesmas
dificuldades de concentração nos estudos também abre espaços para repensar as supos-
tas facilidades que o aprendizado dos conteúdos escolares teria para as classes
privilegiadas. Bourdieu (1998) entendia que o aprendizado seria mais confortável para
os discentes das classes superiores que tenham adquirido uma bagagem cognitiva e cul-
tural mais próxima aos códigos do ambiente escolar. Porém, a nossa experiência do
ERE na UFG, junto ao fato assinalado ao início deste parágrafo, parece indicar que a
questão emocional tem tido um impacto significativo nessas facilidades, sem desapre-
ciar as questões cognitivas e culturais. Os estudantes mais favorecidos, com habitus
culturais incorporados e objetivados (computadores, celulares) mais próximos aos con-
teúdos e às exigências escolares se sentiram limitados para lidar com os processos de
ensino-aprendizado de forma similar aos grupos menos favorecidos? O fator emocional
foi um fator decisivo nestas limitações? O apoio material (habitus culturais objetivados)
que receberam os discentes de grupos menos favorecidos socialmente, com habitus cul-
turais incorporados menos familiarizados com os conteúdos e as exigências escolares,
constituíram incentivos que equilibraram as dificuldades entre os diferentes grupos de
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discentes para lidar com os processos de ensino-aprendizado? Embora se deva aprofun-
dar melhor essas questões, com base em análises da maneira como o habitus dos
diferentes grupos de estudantes influenciou o desenvolvimento de estados emocionais
e as formas como estes, em conjunto, repercutiu no relacionamento com os conteúdos
acadêmicos, cabe um certo ceticismo sobre o impacto que as facilidades dos aprendiza-
dos teriam nos instrumentos de decodificação historicamente adquiridos pelos distintos
discentes em formas de habitus.5
À guisa de conclusão
No contexto do ERE não se pode afirmar que os docentes deixaram de transmitir
ideias e conhecimentos de forma homogênea, indo de contramão ao que afirma Bour-
dieu (1998). Mas, nesse contexto se desenvolveram dinâmicas de ensino-aprendizagem
que, se bem tem sido possível analisar através da perspectiva deste autor, algumas das
suas caraterísticas não foram suficientemente consideradas por ele.
Em primeiro lugar, como bem foi dito anteriormente, a interiorização dos con-
teúdos acadêmicos não necessariamente foi mais fácil para os discentes de classes
superiores, por causa do grande peso que o isolamento social teve na estrutura emoci-
onal dos discentes de diferentes classes, ainda que possamos dizer que cada grupo lidou
com a situação de forma diferente a depender de suas respectivas condições sociais e
históricas. Em segundo lugar, em alguma medida (que também precisaria ser consta-
tada mediante outros estudos) o ERE parece ter impactado no processo de transmissão
de ideias e conhecimentos e de exigência de aprendizados por parte dos docentes. Este
impacto teria na sua base uma flexibilização nas maneiras de transmitir e avaliar os
conhecimentos, mais propensas a diálogos e negociações e muito mediadas pela empa-
tia com o outro por meio das circunstâncias de um estresse coletivo.
Por outro lado, as reflexões até aqui mostradas permitem dialogar com a ideia de
que o sucesso escolar não deve ser explicado através de supostos dons biológicos e psi-
cológicos dos/as estudantes, porque suas origens sociais determinam suas condições
favoráveis ou não para o cumprimento das exigências escolares (BOURDIEU, 1998).
Também dialogam com noções de privilégios das classes sociais superiores que trans-
versalizam os processos de ensino-aprendizagem, seja pelo desconhecimento dos
privilégios culturais das classes dominantes, seja pela imposição de códigos culturais aos
estudantes das classes populares.
A maneira como ditas reflexões dialogam com tais ideias de Bourdieu é reconhe-
cendo que estas últimas ainda persistem, mesmo em contexto tão diferente como foi o
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ERE na UFG. Porém, as formas de existência destas realidades têm potencial para com-
plementar as noções bourdieusianas que guiaram a análise, até aqui realizada, sobre as
relações entre instituições escolares, docentes e estudantes nos processos de ensino-
aprendizagem.
O ERE, ao exigir modificações comportamentais de docentes e discentes (senti-
dos e práticas de acordo com Weber e Bourdieu), exaltou a necessidade de transcender
o reconhecimento dos privilégios culturais e valorizar outras formas culturais e de inte-
ração, diante das transformações sociais e profissionais às quais estiveram acometidos
os/as discentes e docentes. Dito isso, não é possível afirmar que a imposição de códigos
culturais das classes dominantes foi eliminada porque ela continuou, por exemplo, nos
currículos e avaliações, mas com dinâmicas diferentes em sala de aula que precisam de
outras pesquisas para serem mais profundamente compreendidas. Assim, uma das rea-
lidades que mais contribuiu para outras dinâmicas é o fato dos/as próprios/as docentes
também estarem mais expostos a fragilidades e cobranças por parte dos discentes a res-
peito das suas formas de lidar com o ERE. Diante das novas realidades do ERE houve
uma negociação tácita entre discentes e docentes que sustentou outras dinâmicas de
interação nem sempre transversalizadas pela hierarquização do habitus dos/as estudan-
tes.
A partir das reflexões que temos apresentado até o momento, ainda não é possível
oferecer respostas decisivas a essa interrogante. Por enquanto, apenas temos mostrado
algumas possibilidades de caminhos analíticos que, além de ratificarem a pertinência
da teoria do habitus de Bourdieu para o exame de processos de ensino-aprendizagem,
também poderiam aprofundar a compreensão desses processos a partir da aplicação
desta proposta teórica em contextos diferentes daqueles que a sustentaram.
Notas
1 Dados disponíveis no site https://www.who.int/eportuguese/countries/bra/pt/. Acesso em 22 de abril
de 2020.
2 As estratégias e ações sociais possuem significativas possibilidades de estarem objetivamente de acordo
com os interesses dos membros do campo social onde se desenvolvam, sem que necessariamente
tenham sido expressamente concebidas para este propósito.
3 Os dados apresentados não se referem a todos/as estudantes do curso no geral, apenas ilustram as
realidades de várias turmas em níveis diferentes e a partir de respostas dadas a questionários semiabertos
no período de conclusão das disciplinas, bem como observação participante dos docentes realizada
entre agosto de 2020 e janeiro de 2022.
4 Não foi possível identificar nesta pesquisa diferenças ou semelhanças concretas nos processos de
interiorização de conteúdos escolares por parte os/as discentes (uma das dimensões do habitus)
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atreladas às suas condições sócio-históricas. Esta seria uma das pendências analíticas que derivam das
reflexões aqui apresentadas. O que mais se identificou foram semelhanças entre diferentes grupos de
discentes (de acordo com suas condições econômicas) nos processos de exteriorização de realidades
internas como as emoções (outra dimensão do conceito de habitus). Estas formas de exteriorização se
manifestam nas dificuldades para se dedicarem aos estudos.
5 Não pretendemos com esta ideia fazer alusão a uma independência no interior dos habitus dos
componentes cognitivos, simbólicos e afetivos. Reconhecemos a interdependência entre esses
elementos. Porém, a partir das experiências apresentadas no âmbito do ERE, é possível conjeturar que
a questão emocional (também constitutivos e constituintes de conhecimentos e significados
historicamente apreendidos, segundo as posições dos estudantes) tem tido um peso significativo na
maneira como os agentes se têm envolvido com as dinâmicas de ensino-aprendizado.
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