O espaço da formação inicial do coordenador pedagógico
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
O espaço da formação inicial do coordenador pedagógico
The initial formation space of the pedagogical coordinator
La formación inicial del coordinador pedagógico
Susana Soares Tozetto
*
Priscila Gabriele da Luz Kailer
**
Resumo
Analisar a formação inicial do coordenador pedagógico torna-se uma tarefa árdua quando se considera as con-
tradições presentes no processo formativo e, consequentemente, no trabalho desse prossional.A conquista
do escopo especíco de trabalho do coordenador pedagógico, na escola, precisa estar atrelada a saberes de
bases teóricas e práticas. Este artigo tem como objetivoanalisar os saberes que compõem a formação inicial do
coordenadorpedagógico. Os relatos de oito coordenadoras pedagógicas, sujeitos desta pesquisa, coletados por
meio de entrevista, deagram uma formação que desvaloriza os conhecimentos práticos e uma atuação que
desconsidera os conhecimentos teóricos. Assim, o entendimento errôneo da universidade como espaço exclu-
sivamente teórico e da escola como peculiar às questões práticas manifesta-se nas falas dessas prossionais.
Palavras-chave: Coordenador pedagógico. Formação inicial. Saberes.
Abstract
Analyzing the initial training of the pedagogical coordinator becomes an arduous task when one considers the
contradictions present in the formative process and, consequently, in the work of this professional. The achieve-
ment of the specic scope of work of the pedagogical coordinator at school must be linked to theoretical and
practical knowledge. In this sense, this paper aims to analyze the knowledge that make up the initial training of
the Pedagogical Coordinator. The reports of eight pedagogical coordinators, subjects of this research, collected
through interviews, trigger a training that devalues the practical knowledge and an enactment that ignores
theoretical knowledge. Thus, the erroneous understanding of the university as exclusively theoretical space and
of the school as peculiar to the practical questions manifests itself in the speeches of these professionals.
Keywords: Pedagogical coordinator. Initial training. Knowledge.
*
Doutora em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Docente Asso-
ciada do Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de
Ponta Grossa (UEPG). Brasil. ORCID: http://orcid.org/OOOO60002616966667X. E-mail: tozettosusana@hotmail.com
**
Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Docente da rede municipal de Ponta Gros-
sa e da Faculdade Arapoti (FATI). Brasil. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-2490-4509. E-mail: kailer.priscila@yahoo.
com.br
Recebido em 08/10/2018 – Aprovado em 18/06/2019
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v26i3.7262
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
Resumen
Analizar la formación inicial del coordinador pedagógico se convierte en una tarea ardua al considerar las contra-
dicciones presentes en el proceso formativo y, en consecuencia, en el trabajo de este profesional. El logro del
alcance especíco del trabajo del coordinador pedagógico en la escuela debe estar vinculado al conocimiento
de bases teóricas y prácticas. Este artículo tiene como objetivo analizar los conocimientos que conforman la for-
mación inicial del coordinador pedagógico. Los informes de ocho coordinadores pedagógicos, sujetos de esta
investigación, recopilados a través de una entrevista, desencadenan una formación que devalúa el conocimien-
to práctico y una acción que ignora el conocimiento teórico. Así, el malentendido de la universidad como un
espacio exclusivamente teórico y de la escuela como peculiar a los temas prácticos se maniesta en los discursos
de estos profesionales.
Palabras clave: Coordinador pedagógico. Formación inicial. Conocimiento.
Introdução
Os avanços e os retrocessos em relação à formação de professores são resul-
tados de um conjunto de transformações históricas que afetam de maneira signifi-
cativa a definição de políticas e as práticas pedagógicas que temos na atualidade.
Nesse sentido, Nóvoa (1995) aponta que a formação de professores se encontra
como elemento central das mudanças que ocorrem no sistema educativo. A atenção
destinada à formação dos professores nos últimos anos advém da responsabilização
dos profissionais da educação, conforme pressupostos das políticas neoliberais, que
atribuem ao professor o sucesso ou o fracasso de seu trabalho (GIMENO SACRIS-
TÁN, 1999). Da mesma forma, a formação fica fragilizada quando está arraigada
ao significado de competências e de habilidades, propondo um novo sentido ao en-
sino (KUENZER, 2006).
Não cabe responsabilizar a formação dos profissionais da educação pelos
problemas da educação, mas compreender a formação inicial como um espaço sig-
nificativo, que, permeado por um contexto social, político, econômico e cultural,
esforça-se em preparar esse profissional para exercer uma ação consciente e trans-
formadora. Para tanto, faz-se necessário que essa ação esteja atrelada à realidade
da escola e que contribua com a atuação do profissional da educação. Assim, a
universidade, espaço de produção e legitimação dos saberes, precisa compreender
aspectos centrais do trabalho dos profissionais que pretende formar.
O curso de Pedagogia no Brasil forma docentes para atuação nos anos ini-
ciais do ensino fundamental, na educação infantil e, também, na área da gestão
escolar, ou seja, os coordenadores pedagógicos. Cabe pontuar que, se a concepção
do coordenador pedagógico e/ou professor, já no processo formativo, encontra-se
fragmentada ou dispersa, isso tem consequência no desenvolvimento de seu traba-
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lho na escola. Nesse contexto, destacam-se as pesquisas de Gatti (2010), que têm
apontado a fragilidade na formação inicial dos profissionais da educação. Assim, o
presente artigo tem como objetivo analisar o processo formativo inicial do coorde-
nador pedagógico que atua nos anos iniciais do ensino fundamental.
Ao considerar os contextos de atuação do coordenador pedagógico na escola
e sua influência no trabalho dos professores, para esta pesquisa, delimitamos os
coordenadores pedagógicos egressos do Curso de Pedagogia da Universidade Esta-
dual de Ponta Grossa no ano de 2010 e que atuam nas escolas públicas municipais
de Ponta Grossa, a fim de retratar de forma mais precisa a realidade desse con-
texto. Após contato com os 76 pedagogos, encontramos 6 egressos do referido curso
que se encontram na coordenação pedagógica das escolas públicas municipais de
Ponta Grossa.
Ressaltamos que as coordenadoras pedagógicas, em sua maioria, cursaram
pós-graduação, o que retrata uma preocupação com o desenvolvimento profissional
e que possibilita condições para níveis mais elevados da carreira docente. Do mes-
mo modo, cabe destacar o período expressivo de atuação na docência das coordena-
doras pedagógicas: entre 11 e 13 anos em sala de aula.
As entrevistas foram gravadas com o consentimento dos sujeitos e transcritas
de forma fidedigna, o que resultou em uma média de duas horas de duração. As
entrevistas, com perguntas semiestruturadas, foram realizadas nos espaços das es
-
colas em que as coordenadoras pedagógicas atuam, com exceção de uma profissional
que preferiu fazer em sua residência. Para tanto, o termo de consentimento livre
e esclarecido (TCLE) foi devidamente apreciado por todas as participantes da pes
-
quisa, as quais serão citadas neste trabalho como: CP1, CP2, CP3, CP4, CP5 e CP6.
Para compreender os saberes que emergem da formação inicial, utilizamo-nos
da análise de conteúdo de Bardin (1977, p. 33), que se caracteriza como “[...] um
conjunto de técnicas de análise das comunicações”. No entanto, não se trata de um
instrumento simples, mas de uma análise rigorosa, marcada por diferentes formas
e adaptável a um campo vasto de aplicação.
Diante disso, as entrevistas foram analisadas rigorosamente e agrupadas
de acordo com uma estrutura interna, em categorias de análise. A categoria que
analisamos no presente artigo foi denominada de formação inicial do coordenador
pedagógico. Assim, consideramos importante iniciar a discussão contextualizando
a pedagogia historicamente.
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
A pedagogia no Brasil
A pedagogia possui sua gênese em um vínculo estreito com a educação, pois
era entendida na Grécia como um modo de apreender ou de instituir o processo
educacional. Nesse sentido, o conceito de pedagogia, desde a Grécia, delineou-se
de maneira dualista, com uma concepção ora voltada para uma reflexão de ordem
filosófica, ora compreendida em um sentido prático e empírico.
Para compreender o sentido filosófico destacado por Saviani (2008), é preciso
considerar o contexto grego, que, sustentado pela supremacia da razão e pela re-
dução da importância prática, colocava a transformação do mundo material como
um objetivo secundário dos pensadores. Ao reconhecer o protagonismo do mundo
real em detrimento do homem, os primeiros pensadores voltaram seus estudos a
compreender o cosmo, visando à contemplação do universo, sem haver a preocupa-
ção em transformar a natureza ou desenvolver estudos que pudessem modificar as
estruturas sociais e o sentido das ações humanas (VÁZQUEZ, 1968). Em decorrên-
cia desse entendimento, a pedagogia obtinha forte influência da filosofia, orientada
pelos princípios e pelas ideias de maneira distante dos processos educativos.
A visão prática, apontada por Saviani (2008), estava intrínseca à formação
realizada pela paidéia
1
, na qual se afirmava o aspecto metodológico, pautado pelo
entendimento etimológico da palavra, como meio e caminho e, posteriormente, sen-
do incorporada à terminologia pedagogia. Assim, a terminologia “pedagogo”, na
Grécia, designava o escravo que acompanhava a criança até o professor. A crença
da superioridade da atividade intelectual em relação ao trabalho prático demons-
tra-se na oposição entre uma atividade considerada elevada – atividade intelectual
– e a outra servil e humilhante – trabalho prático (SAVIANI, 2008). O trabalho
prático era tarefa designada aos escravos, por ser considerada indigna para os
homens livres, atribuindo, então, a estes atividades filosóficas e políticas, pautadas
pela ação contemplativa. Já no período medieval, havia forte influência da igreja
e do cristianismo, o que se expressou em um modelo de paidéia cristianizada, ou
seja, uma formação com abordagem hierárquica e ambígua.
Na busca de validar e reconhecer um conhecimento como científico, a ciência
moderna, pautada pela concepção positivista, promove mudanças profundas e es-
tabelece uma nova concepção de ciência. As características de cientificidade, como
a questão da racionalidade e da veracidade, enfatizadas pela ciência moderna,
não se assemelham aos métodos, aos objetivos e aos instrumentos para a área das
ciências humanas, na qual a pedagogia está inserida. Entretanto, para garantir o
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
estatuto científico, as ciências humanas adotam caraterísticas do rigor do método
quantitativo pautado pela abordagem positivista. Com a rigorosidade matemática
e a exigência de quantificação, não havia espaço no padrão moderno para as ciên-
cias humanas e, consequentemente, para a pedagogia, a psicologia e a sociologia.
A rigorosidade matemática das ciências humanas implica uma nova abordagem do
conhecimento e, consequentemente, uma exclusão da troca das ideias e da necessi-
dade filosófica (BOURDIEU, 2008).
Diferente do paradigma greco-medieval voltado para a produção da ciência
embasada nas leis da espiritualidade, a modernidade elabora um pensamento em-
basado nas leis matemáticas. Desse modo, as ciências naturais foram as primeiras
a estabelecerem os critérios científicos de validação, sendo reconhecidas como as
ciências exemplares.
O caráter do estudo das ciências humanas, tendo como foco a relação do ho-
mem com a realidade social, enquanto uma relação dinâmica, mutável e complexa,
não permite ao pesquisador uma análise exclusivamente mensurável e observá-
vel dos fatos sociais. A compreensão da relação que ocorre entre os sujeitos não
se realiza por meio de técnicas, a realidade e as influências culturais, históricas,
econômicas e sociais tornam esse conhecimento muito mais complexo (ZAVAGLIA,
2008). Ao tratar da ciência, Zavaglia (2008) destaca que não há uma única forma de
enquadrar a ciência e todo o conhecimento, produto da ciência, pois estão pautados
por elementos sociais, culturais e políticos.
Nesse cenário, Plaisance e Vergnaud (1993) destacam a vulnerabilidade da pe-
dagogia em relação às outras ciências, ao considerar que ela se mostra associada à
formação de professores para atuar nos cursos primários. O dilema de compreender
a pedagogia como ciência percorreu longos anos. A submissão da pedagogia, ora à
sociologia, ora à psicologia, ora à filosofia, tornou-a independente de outros objetos,
linguagens e métodos, o que resultou na falta de uma autonomia, reduzindo-a, con
-
forme postula Saviani (2008), à mera aplicação dos resultados de outras ciências.
De acordo com Saviani (2008), o século XIX tendeu a generalizar o entendi-
mento da pedagogia para designar a relação entre a elaboração consciente do en-
sino e o fazer sobre o processo educativo, desse modo, intitulava a relação entre os
processos teórico e prático do ensino. Cabe considerar que o distanciamento entre
os segmentos da teoria e da prática tornou-se uma questão evidente no processo de
formação de professores, que, conforme Gatti (2010), permanece até os dias atuais.
Compete esclarecer que os desígnios da pedagogia, no Brasil, obtiveram dis-
tinção do modo como ela se delineou em outras partes do mundo. Enquanto em
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outros países a pedagogia firmou-se como parte estruturante das ciências da edu-
cação, sendo compreendida nos cursos de formação docente, no Brasil, embora não
haja consenso, a nomenclatura “pedagogia” refere-se aos cursos de formação de
professores dos anos iniciais do ensino fundamental e da educação infantil e de
coordenadores pedagógicos. Pimenta (1999), Libâneo (2001) e Franco (2003) defen-
dem a ideia da pedagogia como ciência da educação.
Formação inicial do coordenador pedagógico
Notamos que o século XX foi o palco de grandes transformações
2
no cenário
nacional e mundial, entrando em voga a supervalorização da educação como com-
ponente principal do progresso. A fim de adequar-se aos interesses mercantis e às
novas exigências no trabalho, a universalização do ensino passa a ser uma neces-
sidade do Estado. Com a supremacia da educação, a formação dos professores pas-
sou a ser tema importante no âmbito de reformas
3
, leis e projetos. Para Kuenzer
(2006), a concepção positivista influenciou de maneira significativa o modelo de
organização e de seleção dos conteúdos do processo formativo do século XX. Com
isso, prevaleceu uma noção de ciência formalizada e fragmentada, na qual cada
objeto corresponde a uma singularidade que, ao construir seu próprio campo, se
desvincula das demais especificidades e perde seu vínculo com as relações sociais
e produtivas.
No contexto da formação, o coordenador pedagógico não estava vinculado às
funções inerentes do trabalho pedagógico. No início, seu viés ainda estava se refe-
rindo a um técnico ou especialista da educação (SAVIANI, 2008). O reflexo dessas
funções na escola dá-se pelo viés de fiscalização e pelas incumbências de inspeção.
Nesse sentido, ocorreram mudanças decorrentes das reformas com destaque para
a implantação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que surgiu, primeira-
mente, na Universidade de São Paulo. Somente em 1939, a terminologia “Pedago-
gia” ganhou espaço universitário e passou a fazer parte, juntamente a Didática, Fi-
losofia, Ciências e Letras, de uma das sessões da Faculdade Nacional de Filosofia.
Posteriormente, com a duração de quatro anos, os cursos de licenciatura, inclusive
Pedagogia, seguiam o modelo conhecido como 3+1, em que se destinavam os pri-
meiros três anos para a formação dos bacharéis com os conhecimentos metodológi-
cos e cognitivos, e o último ano para a formação da licenciatura com conhecimentos
didáticos (SAVIANI, 2008).
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Nessa conjuntura, desde a década de 1970 até a de 1990, a organização do
curso de Pedagogia não refletia um caráter escolar, muito menos de aprendizagem
para docência. A organização fragmentada trazia um distanciamento entre a teoria
e a prática, que não possibilitava ao estudante perceber qual era sua real função
no âmbito da escola.
Aproximando-se, dessa forma, das funções cada vez mais técnicas e menos
vinculadas às ações docentes e pedagógicas, a fala de uma coordenadora pedagógi-
ca entrevistada pontua sobre a dificuldade em reconhecer o trabalho do coordena-
dor pedagógico na formação inicial:
No curso, eu não conseguia perceber o trabalho do coordenador pedagógico, eu não me
reconhecia neste trabalho [...]. Inclusive nos primeiros meses como coordenadora eu me via
voltando para a sala de aula (CP4).
O reconhecimento do saber específico do futuro profissional manifesta-se no
processo de formação inicial. Desse modo, o trabalho que o coordenador pedagógico
exerce na escola deveria estar atrelado à formação inicial, no entanto, a coordena-
dora CP4 relata que não se percebia na função e desejava retornar para a sala de
aula. Assim, inferimos que o curso de Pedagogia lhe deu o direito de exercer a fun-
ção de coordenadora pedagógica, mas não ofereceu fundamentação teórico-prática
suficiente para tal.
Com isso, percebe-se que o pertencimento a um grupo profissional requer a
apropriação de um conhecimento específico e sistematizado, que se realiza na for-
mação do profissional nos espaços universitários.
Impulsionadas pelas ideias de progresso e pela necessidade de mão de obra, as
décadas de 1960 e 1970 foram marcadas por uma expansão do sistema de ensino.
A ampliação das escolas e, consequentemente, o aumento do número de vagas ofer-
tadas trouxeram uma necessidade de formar professores em grande escala, sem,
contudo, haver proporcional investimento na qualidade dessa oferta.
No contexto desse movimento questionador sobre qualidade da formação ini-
cial do professor, o curso de Pedagogia apresentava uma profunda crise, que se
manifestava sem perspectivas de melhoras, levando em consideração os novos com-
ponentes a serem instaurados no âmbito da formação: os institutos superiores de
educação (IES) e as escolas normais superiores, na década de 1990. Tais espaços
de formação do professor foram implementados pela Lei nº 9.394/1996 (BRASIL,
1996), alicerçada pela concepção das políticas educacionais vigentes.
Cabe considerar que as reformas realizadas na década de 1990 tinham como
intuito alterar a estrutura do ensino desde a educação infantil até o ensino supe-
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rior, destinando a educação como alternativa de superar a crise equacionada pelo
modelo de produção capitalista. Com essa configuração, a Lei nº 9.394/1996 (BRA-
SIL, 1996) promoveu uma ampla modificação no ensino e, consequentemente, na
formação do professor e do coordenador pedagógico.
No relato a seguir, a coordenadora pedagógica pontua sobre a importância do
curso de Pedagogia no trabalho que realiza na escola:
Eu nunca tinha trabalhado em escola e foi lá que eu aprendi tudo. Não me acho diferente de
uma pessoa que teve Magistério, eu não tive Magistério. Tudo que eu aprendi foi na Pedagogia
como organização pedagógica, metodologia, planejamento. A base para o trabalho que realizo
hoje, eu tive no curso. Quando eu cheguei na Prefeitura, eu não tive alguém para me orientar,
eu não sabia nem preencher um livro de chamada, ninguém me ensinou e eu não tinha expe-
riência em escola, eu aprendi lá no curso de Pedagogia, nos estágios e nas disciplinas (CP2).
Em virtude das políticas e do modelo de formação instaurados historicamente
nos anos 1990 e 2000, Pabis (2014) destaca que o curso de Pedagogia permaneceu
fragmentado. Cabe considerar as inúmeras intervenções da Associação Nacional
pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE) e de outros movimentos
dos professores, na tentativa de alterar o quadro de distinção entre a formação do
professor e a do especialista. Após muita discussão, propôs-se que o curso de Peda-
gogia se fundamentasse nos três eixos de formação: pesquisador, gestor e professor.
Pautados na concepção crítica de ensino e contrários ao modelo de fragmentação da
formação do coordenador pedagógico, os movimentos dos professores tornaram-se
importantes no processo de defesa da profissionalização do magistério. De uma for-
mação inicial consistente teoricamente, permitiram-se condições para a formação
do professor, com referência ao exercício em sala de aula, do gestor, como o res-
ponsável pela organização do trabalho pedagógico, e do pesquisador investigador,
aquele que realiza a pesquisa educacional.
O relato a seguir pontua sobre a importância do conhecimento da teoria que se
faz presente nas atividades realizadas pelo coordenador pedagógico:
Porque tem muito da teoria que você vai precisar. E você vê, plenamente, a pessoa que tem
um certo descaso com algumas questões, às vezes é por não conhecer. Então, é necessário,
por exemplo, para o preenchimento de uma ata, saber o que é direito da criança, o que você
vai cobrar, porque é uma questão familiar. Tem situações que você vai encaminhar para outros
órgãos, mas não é você que vai tentar resolver, sabe? E você vê que a pessoa não domina a
área. Daí você já tem que ficar mais atento. Porque numa equipe é o trabalho de todos que pre
-
cisa ser estabelecido, e daí você precisa resolver esse tipo de situação se for necessário (CP4).
Todavia, cristalizado por teorias e práticas voltadas ao especialista, ao fiscali-
zador e ao técnico, poucos conseguem enxergar o coordenador como parte integrante
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da equipe docente e organizador do trabalho pedagógico. Conforme Saviani (2008),
esse perfil passou a estar intimamente ligado às atribuições administrativas, que
já se caracterizam como marcas profundas na representação do coordenador peda-
gógico e na formação desse profissional. Carneiro e Maciel (2006) apontam sobre a
necessidade de o coordenador estar vinculado aos saberes teóricos e práticos, arti-
culando-os de acordo com a realidade de sua atuação. É preciso ampliar os saberes
teóricos sem distanciá-los dos conhecimentos práticos.
Com base em Gauthier (1998), os saberes não se apoiam somente na expe-
riência pessoal, ou se reduzem à cientificidade de forma dissociada do espaço real.
Essa compreensão contribui para desprofissionalizar o trabalho dos profissionais
do ensino. O autor afirma que o repertório de saberes é um elemento essencial para
toda profissão. Identificar e validar um conjunto de saberes específicos tornam-se
alicerce para definir o status profissional e identificar conhecimentos próprios que
o distinguem de outras profissões. Gauthier (1998) destaca a importância dos sa-
beres das ciências da educação, e isso é essencial ao coordenador pedagógico para
exercer sua função na escola.
No relato a seguir, a coordenadora pedagógica aponta os saberes das ciências
no trabalho do coordenador pedagógico, ao relatar a importância da filosofia para
compreender o ser humano:
Teve aula que era muita teoria, mas aula de didática dava para fazer essa junção com a sala
de aula, aula de gestão, até a própria aula de Filosofia, não com a escola, mas como lidar com
o ser humano (CP2).
Nesse sentido, os saberes são elementos centrais para todo o processo de pro-
fissionalização docente. Tardif (2002) afirma que é a articulação entre a prática e
os saberes que faz dos profissionais um grupo social, cuja existência depende, em
grande parte, de sua capacidade de dominar, integrar e mobilizar tais saberes.
Ressaltamos a importância de uma formação que ofereça uma bagagem sólida
de saberes específicos do trabalho do coordenador pedagógico, que, para tanto, vol-
te seu olhar aos processos educacionais que estão atrelados ao ensino proposto pelo
professor e à aprendizagem do aluno. Tal processo deve ocorrer sem se distanciar
da realidade escolar e das necessidades da sala de aula. Assim, pontuamos que o
curso de Pedagogia se constitui em espaço privilegiado para a formação do coorde-
nador pedagógico, o qual possibilita condições de problematizar a prática pedagógi-
ca do professor e de constatar/discutir a lógica ideológica que marca o trabalho na
sociedade capitalista (PABIS, 2014).
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A coordenadora pedagógica entrevistada relata a importância da trajetória na
escola para a mobilização de saberes na função que exerce:
É fundamental a experiência para o coordenador, porque ele tem que passar pela sala de aula,
por vários segmentos e por várias modalidades, educação infantil, EJA, ensino fundamental.
Porque, senão, você não tem uma prática certa. Às vezes você fala para o professor: “Ah, o au-
tor fala isso! E que se você ensinar daquele jeito, dá certo!”. Mas será que dá mesmo? (CP5).
Como pondera Gimeno Sacristán (1999), a prática pedagógica, entendida
como práxis, é dotada de sentido. Assim, a atuação do professor em sala de aula é
um importante espaço para mobilizar saberes, definir estratégias e legitimar práti-
cas pedagógicas para o trabalho docente. Com esse entendimento, Gauthier (1998)
elege o saber experiencial como um espaço/tempo privilegiado do profissional da
educação, o qual busca mecanismos para sua prática pedagógica e a reproduz de
acordo com as necessidades.
O saber adquirido durante a trajetória das coordenadoras pedagógicas na qua-
lidade de professoras, em atuação em sala de aula, é reconhecido pela entrevistada
como um componente importante para orientar o trabalho dos professores:
Sem a experiência pedagógica de sala de aula, eu jamais conseguiria orientar as minhas
professoras como eu oriento agora. Porque não adianta querer orientar uma coisa que você
não sabe fazer (CP6).
Entretanto, para Pinto (2011), não basta ao coordenador pedagógico ter ex-
periência em sala de aula, é preciso obter saberes que envolvem a organização
sistêmica da escola, teorias de currículo, políticas públicas na área de educação
escolar, avaliação dos processos de ensino e aprendizagem, entre outros saberes
que envolvem a atuação do coordenador pedagógico e que ultrapassam os saberes
da experiência em sala de aula.
Nesse sentido, destacamos, nos relatos a seguir, os saberes coparticipativos
que estão presentes na atuação do coordenador pedagógico. Tratam-se de saberes
que envolvem parcerias e experiências adquiridas no espaço escolar por professo-
res, coordenador pedagógico, diretor e todo o coletivo da escola:
Eu fazia parte da equipe dos professores quando fui convidada para assumir como coorde-
nadora pedagógica. Foi complicado em relação às amizades com as outras professoras, pois
você não é mais apenas colega das professoras, tive que tomar outra postura. Às vezes eu
tenho que dar uma orientação, e, em outras, eu tenho que lembrar algumas normas e as
professoras podem não gostar. Então, eu tentei encontrar maneiras de conversar com elas, de
me relacionar de forma diferente. Buscando sempre resolver os problemas de maneira coletiva
(CP1).
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
É preciso saber lidar com as pessoas, para conviver no trabalho com os diferentes pensa-
mentos. No que envolve os conflitos por exemplo, é preciso ter calma, compreender que as
pessoas não são todas iguais, isso foi coisas que eu aprendi no curso de Pedagogia e no
cotidiano da escola (CP2).
O papel do coordenador pedagógico é complexo, pois não é neutro, conside-
rando que há sempre um posicionamento presente na prática pedagógica que pode
realizar tanto a transformação como a confirmação do status quo. Ao refletir sobre
o trabalho do coordenador pedagógico no cotidiano da escola, Pabis (2014) aponta
que os desafios encontrados estão em desempenhar seu próprio trabalho, com base
no repertório de saberes adquiridos ao longo de seu processo formativo.
Tendo em vista que as questões emergentes da dinâmica da escola se tornam
preponderantes no trabalho do coordenador pedagógico, na busca por soluções para
os problemas momentâneos, esse profissional pode acabar realizando uma atuação
desordenada e imediatista. Assim, a velha ideia de “apagar incêndios” torna-se
uma referência para o trabalho do coordenador pedagógico, o qual desconsidera
a intencionalidade de seu trabalho e os propósitos que envolvem sua atuação no
espaço escolar.
Para compreender a condição de trabalho do coordenador pedagógico, é pre-
ciso considerar as questões históricas que, para Kuenzer (2006), estão associadas
às contradições que envolvem a organização do trabalho na sociedade capitalista.
Nesse contexto, permeados por conflitos e determinantes próprios do modo de pro-
dução capitalista, a escola e os profissionais que nela atuam se descaracterizam de
suas principais finalidades educativas, em favor de ações que produzem resultado
em curto prazo.
As precárias condições de funcionamento que a escola apresenta causam um
contrassenso no que envolve as possibilidades de ações dos profissionais que atuam
nesse espaço, por isso a tendência das contradições entre os saberes adquiridos na
formação inicial e as reais possibilidades de atuação no espaço escolar. Desse modo,
os profissionais desvinculam-se da sua função, para assumir outras atribuições
determinadas por situações que emergem do próprio cotidiano escolar. Assim, é
necessário buscar elementos, já no processo formativo do coordenador pedagógico,
que permitam compreender os limites do trabalho pedagógico e os determinantes
que assolam essa atuação, a fim de ampliar o escopo de possibilidades de interven-
ção (KUENZER, 2006).
A formação inicial como lócus privilegiado para preparar os futuros profissio-
nais da educação, com sólidos fundamentos teórico-práticos e saberes específicos
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
para a prática consciente e autônoma do professor e do coordenador pedagógico, en-
contra-se desvalorizada nas pesquisas recentes. Gatti (2010) denuncia os cortes de
investimento nas universidades públicas, a falta de fiscalização e de normatização
dos cursos de formação de professores nas universidades privadas, a falta de equi-
paração salarial com outros profissionais, entre outros fatores. Considera-se que a
desvalorização é ainda reforçada com o entendimento de que qualquer profissional
que tenha ensino superior, ou até mesmo ensino médio, pode ser professor.
Assim, a formação inicial é dicotômica, ao considerar o processo de aprendi-
zagem da docência e do coordenador pedagógico, ao mesmo tempo que legitima,
também desconsidera práticas cristalizadas. Cabe, dessa forma, à formação inicial
exercer o papel de oferecer elementos para o egresso do curso problematizar sobre
a prática que exerce. Assim, entra em pauta a exigência de uma formação bem
alicerçada em saberes teóricos e práticos, que contemple o rigor científico em con-
sonância com a realidade escolar.
O trabalho do coordenador pedagógico e seus saberes
A fim de compreender os saberes que envolvem o trabalho do coordenador pe-
dagógico, fez-se necessário abordar as principais contribuições dos autores que es-
tudam sobre essa temática. Para tanto, destacamos os trabalhos de Gauthier (1998)
e Tardif (2002), que discorrem sobre os saberes docentes e a importância destes
para o processo de profissionalização do professor, e de André e Vieira (2007), que
desenvolvem estudos acerca dos saberes específicos do coordenador pedagógico.
Os esforços de todos os profissionais da educação em incluir a sua formação
inicial nos espaços universitários inserem-se na perspectiva de reconhecer o estatuto
epistemológico da ciência da educação. De modo contrário a esse movimento, as refor-
mas políticas vêm descaracterizando o profissional da educação como o responsável
por uma área específica do conhecimento, reduzindo seus saberes a uma dimensão
técnica e tarefeira, que desconsidera sua identidade como cientista e pesquisador.
A desvalorização da formação inicial como espaço de preparação do profissio-
nal do ensino e os conceitos preconcebidos do senso comum sobre os saberes que
embasam o trabalho do coordenador pedagógico dificultam a constituição de um
saber pedagógico. Gauthier (1998) elucida que os saberes encontram-se demarca-
dos por uma espécie de cegueira conceitual, tendo em vista que historicamente se
desconsideram a cientificidade e a especificidade dos saberes e que não ponderam
a complexidade do trabalho pedagógico.
O espaço da formação inicial do coordenador pedagógico
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
Faz-se necessário ultrapassar as concepções demarcadas historicamente que
limitam o ofício do professor ao entendimento de que basta conhecer o conteúdo,
ter talento, ter bom senso, seguir a intuição, ter experiência ou ter cultura para
formalizar os saberes do ensino, seja do professor ou do coordenador pedagógi-
co. Entendemos, como Gauthier (1998), que a prática do ensinar ocorre em uma
ampla e abstrusa dimensão. Nesse sentido, os objetivos que orientam a prática
pedagógica, os projetos coletivos que estruturam o trabalho realizado na escola, a
organização do ambiente físico e social, entre outros aspectos, envolvem a dinâmica
do trabalho da escola e obtêm como fim prover melhores condições ao processo de
aprendizagem do aluno. Assim, percebe-se como é complexo o trabalho do coorde-
nador pedagógico na organização do espaço escolar.
Nunes (2001) compreende que os saberes são construídos, reconstruídos e mo-
bilizados de acordo com as necessidades profissionais do professor e, no mesmo
sentido, do coordenador pedagógico. Portanto, o saber curricular é colocado como
imprescindível para o trabalho que o coordenador realiza na escola. No entanto,
uma profissional entrevistada afirmou que esse saber foi pouco aprofundado no
curso de Pedagogia, o que gerou dificuldades em seu trabalho realizado na escola:
Alguns saberes não foram tão trabalhados no curso e eu considero relevante no meu trabalho
na escola, como o currículo que poderia ser mais aprofundado. É preciso um currículo dife-
renciado para a educação infantil, e isso não foi muito aprofundado no curso. E esse conhe-
cimento me fez falta. Às vezes, na graduação, o acadêmico até pensa que é bom quando o
professor não dá muito trabalho, mas depois você percebe que alguns conhecimentos fazem
muita falta (CP1).
Domingues (2014) define o coordenador pedagógico como aquele que orienta
a organização curricular e o desenvolvimento do currículo. Para tanto, esse pro-
fissional precisa obter saberes curriculares para realizar a assistência direta aos
professores na elaboração dos planos de ensino, nas práticas de avaliação da apren-
dizagem, na formação continuada, nas práticas pedagógicas, entre outras atribui-
ções que lhe são pertinentes.
Para Gauthier (1998), o saber curricular é selecionado pela escola a partir dos
saberes produzidos cientificamente, para construir um corpus que será ensinado
nos programas escolares. Assim, o saber curricular formula-se de maneira externa
ao professor, podendo ser produzido pelos funcionários do Estado ou especialistas
das diversas disciplinas. O coordenador pedagógico tem nos saberes curriculares
seu lócus de trabalho, tendo em vista que cabe a esse profissional organizar e sele-
cionar, de forma coletiva, o conjunto de conhecimentos pertinentes na formação do
aluno. Todos os conhecimentos são dotados de posicionamentos, assim, ao excluir
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
ou adotar determinado conhecimento, a escola aguça uma concepção que valoriza
em detrimento de outra.
Pensar que o ato de ensinar está atrelado a apenas transmitir um conteúdo
é reduzir uma atividade tão complexa quanto o ensino a uma única dimensão. Do
mesmo modo, a atuação de coordenar e organizar o trabalho pedagógico não se
limita ao saber-fazer – ela possui intencionalidades e pauta-se em saberes peda-
gógicos definidos. A partir dessa premissa, destacamos que é preciso aprofundar
a compreensão sobre os saberes específicos do coordenador pedagógico, para que
este não limite sua ação ao talento, à experiência ou à intuição. A formalização
do ensino envolve o reconhecimento do coordenador pedagógico como profissional
que detém um corpo de saberes particulares do seu trabalho e que, para tanto,
necessita de um espaço próprio para concretizá-lo, nesse caso a escola: saberes cur-
riculares, saberes sociais, saberes da prática pedagógica, saberes da experiência
(GAUTHIER, 1998; TARDIF, 2002).
Ao tratar dos saberes, Tardif (2002) destaca que o conjunto de processos for-
mativos e de aprendizagem socialmente elaborados destina-se a instruir os mem-
bros da sociedade nos saberes sociais. Para isso, cabe aos grupos de educadores
que realizam os processos educativos definir suas práticas em relação aos saberes
que possuem e transmitem (TARDIF, 2002). Assim, o escopo dos saberes deixa
de ser entendido como elemento exclusivo dos docentes e envolve os grupos de
educadores. Destacamos, neste trabalho, os saberes que envolvem o coordenador
pedagógico como o profissional responsável na organização do trabalho pedagógico.
Todavia, é preciso considerar que as ações de formação continuada e orientação
que o coordenador pedagógico realiza na escola não devem se limitar aos saberes
curriculares, incluindo, assim, no seu trabalho a realidade da escola e sua cultura
organizacional (PINTO, 2011). Portanto, ao concretizar suas atribuições, o coorde-
nador pedagógico precisa mobilizar também o saber formador, conforme relatado
pelas profissionais a seguir:
A formação continuada eu faço na hora-atividade com a leitura e discussão. Não há tempo
disponível, então eu aproveito a hora-atividade. Eu divido o planejamento em três momentos,
para fazer o planejamento, para preparar o material que vai ser usado nas aulas e para as
discussões (CP1).
Na escola, é preciso uma formação mediada pela equipe gestora, deveria haver sempre uma
formação. Momentos de aprender e refletir sobre a prática sua e do outro, mas não tem tempo
(CP2).
O espaço da formação inicial do coordenador pedagógico
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
Segundo Nóvoa (1995), a formação continuada possibilita o desenvolvimento
pessoal, profissional e organizacional do professor. Assim, a formação continuada é
parte integrante de um amplo processo formativo, que abrange aspectos históricos,
culturais e sociais do “ser professor”. Desse modo, a escola configura-se como lócus
de formação do docente, efetivada pelo coordenador pedagógico. Com o entendi-
mento da prática pedagógica como uma ação complexa e intencional, a formação
continuada não pode atingir o indivíduo, mas compreende todo o coletivo da escola.
A dificuldade em organizar momentos de formação continuada na escola é
retratada pela coordenadora pedagógica da seguinte forma:
Porque é difícil ter reunião pedagógica para trabalhar no coletivo. Na verdade, tem poucos
momentos durante o ano letivo, mas, normalmente, é feita já sobre questões do dia a dia.
Questões de sala de aula, de disciplina, de trabalho com material diversificado, auxílio aos alu-
nos que têm dificuldade na aprendizagem. Todas essas situações normalmente são realizadas
nas reuniões (CP4).
Cabe ao coordenador pedagógico possibilitar que a formação continuada se
concretize, a fim de superar a mera aplicação de técnicas e assumir a prática pe-
dagógica como práxis, como fio condutor da formação continuada dos professores.
Entretanto, o relato de uma das coordenadoras pedagógicas sobre essa atribuição
responsabiliza o professor pelo seu desenvolvimento profissional:
Se o professor não ir atrás, se ele não buscar, não vai conseguir colocar na prática. Então o
professor tem que permanecer sempre em formação, sempre buscando, e usar essa formação
para colocar em prática aqui na escola. Uma das nossas orientações é que professor tem sem-
pre que reservar um tempo dentro da hora-atividade [...] uma ou duas horas para pesquisa,
para leitura de livros mais aprofundados para usar na sua prática (CP1).
A formação continuada é um importante momento para entender a prática
pedagógica além do espaço da sala de aula. Compreendemos como limitada a for-
mação continuada que se basta no desenvolvimento da reflexão sobre a própria
ação, voltada para uma ação solitária do professor. Cabe ao coordenador pedagógi-
co articular e mobilizar o saber formador, a fim de realizar a formação continuada
de forma coletiva e colaborativa.
Ao realizar a formação continuada, valorizam-se os conhecimentos docentes,
contribuindo para a construção do coletivo escolar. Nesse sentido, o coordenador
pedagógico assume a função de problematizador e mediador na organização da
formação continuada no espaço escolar, por meio de referenciais teóricos e de uma
postura baseada na cooperação, na alteridade e no diálogo, a qual permite que o
professor assuma o processo de construção da sua profissão, como protagonista.
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
No que tange ao trabalho em equipe, a coordenadora pedagógica entrevistada
reconhece a importância de as ações que se realizam na escola obterem um caráter
de coletividade:
Eu acredito que a escola não funciona sem o trabalho em equipe. Até porque hoje eu posso ser
coordenadora pedagógica, mas amanhã eu posso voltar para a sala de aula, então as ações
não são para o bem individual, é para o coletivo (CP2).
Ao apresentarem os saberes do coordenador pedagógico, André e Vieira (2007)
ressaltam que em seu cotidiano, imerso por acontecimentos imprevisíveis, mobili-
zam-se saberes a cada nova situação. Com base nas autoras, evidenciamos que, no
trabalho do coordenador pedagógico, são necessários saberes para realizar ações
que envolvem o planejamento da rotina escolar, o acompanhamento do profissional
docente e o atendimento de alunos e de pais. Destacamos os saberes que são mo-
vimentados pelo coordenador pedagógico na mobilização de pessoas na escola de
forma democrática e colaborativa.
A gestão democrática se apresenta a partir dos saberes dialógicos que buscam
superar as relações de poder que perpetuam historicamente no espaço escolar. No
entanto, a gestão de pessoas, com viés democrático, só acontece quando as ações
ultrapassam o âmbito do discurso e se efetivam na escola sustentadas nos princí-
pios dialógicos e na alteridade. O modo como a coordenadora pedagógica mobiliza
os saberes no cotidiano da escola denota os sentidos e os significados do partilhar
coletivamente. Ou seja, ao privilegiar determinada atuação, o coordenador pedagó-
gico estabelece atitudes de colaboração e partilha. Destarte, consideramos que, ao
realizar uma atuação desordenada e/ou autoritária, esse profissional secundariza
atos democráticos no espaço pedagógico.
Ao estabelecer as contribuições de alguns autores (GAUTHIER, 1998; TAR-
DIF, 2002), demarcamos a necessidade de analisar os saberes da formação inicial
que balizam o trabalho do coordenador pedagógico e as contribuições da formação
inicial de licenciatura em Pedagogia. A formação do coordenador pedagógico está
atrelada à formação do professor, por isso entendemos que a formação do pedagogo
precisa considerar a dimensão teórico-prática da educação. De acordo com a pes-
quisa realizada por Cruz (2009), os saberes pautados nos fundamentos da educa-
ção prevaleceram como principal motriz no início do curso de Pedagogia, o que se
modificou ao longo dos anos, a fim de adequar-se às influências da epistemologia
da prática.
A ênfase dos saberes apoiados nos fundamentos da educação permitia ao coor-
denador pedagógico exercer sua profissão com maior segurança em relação às ciên-
O espaço da formação inicial do coordenador pedagógico
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
cias da educação. Portanto, o conhecimento desse profissional não ficava restrito
ao domínio técnico do conteúdo, que resolve os problemas encontrados na escola
com a aplicação de um repertório de conhecimentos e soluções preestabelecidas
cientificamente. Entretanto, a ênfase teórica no curso de Pedagogia foi alvo de crí-
ticas porque, ao não reconhecer a importância da prática no processo de formação,
dificultou a formulação de um saber de cunho pedagógico. Gauthier (1998) aponta
que o fracasso em relação à formação de ordem científica do curso contribuiu para
desprofissionalizar a atividade docente, ao desconsiderar a importância da pesqui-
sa acadêmica.
Contudo, sustentando-se por um viés estritamente prático, a formação do pe-
dagogo recai no modelo pragmático e utilitário, conforme as necessidades neolibe-
rais. Para Gauthier (1998, p. 27), é como se, ao substituir um modelo formativo por
outro, “[...] tivéssemos passado de um ofício sem saberes a saberes sem um ofício”.
Trata-se de desviar a preocupação de ordem estritamente científica dos saberes,
para recair em saberes que desconsideram o contexto real da sala de aula.
Ao conhecer a pluralidade de saberes que envolvem a prática do pedagogo,
Cruz (2009) aponta a dificuldade em nomear um saber específico para a pedagogia,
considerando os inúmeros conhecimentos que envolvem a formação e a prática pe-
dagógica desse profissional. A autora afirma que o saber da pedagogia deve estar
pautado por um entendimento de um saber composto, no qual considera tanto os
saberes de base teóricos como também os saberes práticos. Desse modo:
[...] o aprofundamento teórico, pela via das diferentes disciplinas, precisa considerar a edu-
cação como prática social e o trabalho pedagógico e docente como a referência primeira da
pedagogia e, consequentemente, do seu curso. O tratamento específico dos conhecimen-
tos educacionais, a partir da lógica de cada disciplina e de seu professor, precisa se ligar
ao estudo, à reflexão e à pesquisa sobre a educação como prática social, propiciando aos
pedagogos em formação fundamentos para teorizar sobre suas práticas e condições para
submetê-las à discussão (CRUZ, 2009, p. 13).
Os saberes advêm de diversos contextos e de vários períodos que perpassam
a carreira e a história profissional do ensino: as experiências pessoais, a formação
inicial, a formação continuada, as atividades docentes, as atividades realizadas na
coordenação pedagógica, etc. Assim sendo, os saberes são vastos e diferenciados e,
dessa forma, estabelecem-se individualmente e coletivamente, considerando que
as ações se configuram como um saber social também subjetivo ao pedagogo. Cabe
ressaltar que as ações do coordenador pedagógico não estão desvinculadas das ati-
vidades docentes, é necessário compreender os processos de ensino e aprendizagem
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
como aspectos basilares para a ação desse profissional na escola, para que a educa-
ção seja uma prática social.
Envolvida por uma dimensão complexa e ampla, a prática pedagógica não é
uma ação mecânica, o coordenador pedagógico e o professor exercem influências
que não permitem neutralidades políticas e epistemológicas em suas ações. Dessa
forma, a escola é permeada por concepções sociais, políticas, históricas, econômicas
e culturais, que estão presentes nas características singulares de cada ação edu-
cativa, desde o planejamento até o desenvolvimento das práticas pedagógicas. As
ações são cercadas de saberes específicos que caracterizam as práticas com conhe-
cimentos próprios, conforme suas exigências e sua área de atuação.
A ação do coordenador pedagógico é constituída por vários saberes que, de
acordo com Gauthier (1998), englobam conhecimentos, competências, habilidades
e atitudes. A formação é um aspecto complexo da educação, que envolve uma gama
de conhecimentos que estão além de técnicas e de soluções prontas. Dessa forma,
é preciso considerar os saberes que os professores e os pedagogos já possuem ao
adentrar no curso de formação inicial e os saberes que serão construídos no proces-
so formativo.
Tardif (2002) corrobora ao destacar que o saber não é algo indefinido ou que
flutua no espaço; ao contrário, o saber está relacionado a uma pessoa e à sua iden-
tidade. Para compreender os saberes, é necessário estudá-los, relacionando-os com
os elementos constitutivos do trabalho docente (TARDIF, 2002). Nesse mesmo sen-
tido, Gauthier (1998) pontua que os saberes próprios do ensino não são identifica-
dos no vazio, é preciso levar em consideração o contexto real em que o ensino se
realiza, caso contrário temos o risco de formalizar um ofício que não existe.
Para Cruz (2009), o saber é composto, sendo teórico e prático, que reúne traços
conceituais de diferentes campos, mas, quando voltado propositivamente a deter-
minado contexto, transforma-se em um novo saber – não mais vinculado à sua
fonte de origem, mas como expressão de um novo saber de base teórico-prática.
Na busca de consolidar um repertório de conhecimentos específicos do ensi-
no, visando garantir a legitimidade da profissão e definir o status profissional dos
professores, Gauthier (1998) apresenta um conjunto de saberes docentes, a fim de
perceber de que modo os professores os mobilizam, são eles: saber disciplinar, saber
das ciências da educação, saber da tradição pedagógica, saber experiencial, saber
da ação pedagógica.
Ainda de acordo com Gauthier (1998), o saber disciplinar é produto das pes-
quisas e corresponde a diversas áreas do conhecimento. Esse saber não é produzido
O espaço da formação inicial do coordenador pedagógico
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
pelo professor, mas, sim, pelos cientistas, os quais deflagram uma dualidade entre
o espaço de produção de pesquisa e o ensino. Entretanto, ao mobilizar o conheci-
mento, o professor extrai o saber produzido pelos pesquisadores, para transformá-
-los em conhecimentos relevantes em sala de aula. Assim, o ato de ensinar exige
um conhecimento. Como pondera Tardif (2002), “[...] um professor é, antes de tudo,
alguém que sabe alguma coisa e cuja função consiste em transmitir esse saber a
outros”. Dessa forma, o domínio do conteúdo torna-se necessário para compreender
determinados conceitos.
Do mesmo modo, para Gauthier (1998), o ato de ensinar exige um conheci-
mento de determinado conteúdo, levando em consideração que não há condições de
ensinar algo sem conhecimentos peculiares de determinada área. Nesse sentido,
o saber disciplinar possibilita ao professor superar o saber-fazer e obter domínio
dos conteúdos que mobiliza em sala de aula. Sem conteúdo, o ensino torna-se va-
zio e cercado de senso comum. Por isso, “[...] os conteúdos são fundamentais, sem
conteúdos relevantes, conteúdos significativos, a aprendizagem deixa de existir,
ela transforma-se num arremedo, ela transforma-se numa farsa” (SAVIANI, 2008,
p. 45). Assim, o saber disciplinar não se realiza com base no entendimento do pro-
fissional do ensino como técnico, mas em uma prática consciente que contribui
para a emancipação dos sujeitos, que passam a obter conhecimentos de conteúdos
historicamente sistematizados. Gauthier (1998) coloca que o conteúdo do saber da
ação, ou seja, o saber-fazer, não é suficiente para atender a complexidade da ação
pedagógica, seja do professor ou do coordenador pedagógico.
Pinto (2011) destaca que a escola realiza inúmeras práticas educativas, mas
que não estão ligadas exclusivamente à sala de aula; elas vão além do trabalho
entre o professor e o aluno. Então, a sala de aula não é um espaço isolado da escola;
ela é cercada por outros elementos e profissionais que, mesmo fora desse espaço,
têm suas contribuições, obtendo como fim o processo de aprendizagem dos alunos.
Assim, entende-se o coordenador pedagógico como profissional que atua tanto no
espaço de sala de aula, na qual realiza o suporte pedagógico para o trabalho docen-
te, como na organização do trabalho pedagógico, articulando os espaços coletivos
de formação contínua do professor, mobilizando a construção e a implementação
coletivas do projeto político-pedagógico, entre outras atribuições.
Ao considerar que o coordenador pedagógico realiza ações tanto em sala de
aula, de forma indireta, como no espaço escolar, é necessário compreender os sabe-
res disciplinares que são mobilizados em sala de aula e como se encontram orga-
nizados na estrutura da escola em um escopo mais amplo. Em relação à atuação
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
do coordenador pedagógico na educação infantil e no ensino fundamental, com-
preender os conteúdos para melhor orientar o professor torna-se imprescindível,
sobretudo com os professores iniciantes.
O saber das ciências da educação é responsável por caracterizar o coordenador
pedagógico, já que esse saber se adquire pelo próprio profissional do ensino duran-
te a sua formação ou em sua trajetória na escola. Conforme Gauthier (1998), é um
saber profissional específico, que nem sempre está ligado à ação pedagógica, mas
se refere à maneira de o professor existir profissionalmente. Em suma, este saber
compreende as noções do coordenador relativas ao sistema escolar, como o projeto
político-pedagógico, o conselho escolar, a Associação de Pais, Mestres e Funcioná-
rios, entre outras noções específicas do espaço escolar e do seu trabalho.
A tradição pedagógica refere-se ao modelo de escola instaurado no século
XVII, que, conforme pontua Gauthier (1998), deixa de ocorrer no singular, no qual
o professor atende o aluno individualmente, passando a realizar-se de maneira si-
multânea. Esse modelo de escola cristalizou uma tradição pedagógica que remonta
às ações desenvolvidas na escola durante períodos anteriores e encontram-se pre-
sentes até os dias atuais. Nesse sentido, a escola não é um espaço neutro, e muito
menos seus agentes o são, pois desenvolvem as atividades escolares arraigados e
permeados por um contexto cultural e histórico.
As atitudes e os automatismos inerentes às profissões do professor e do coor-
denador pedagógico não dizem respeito somente a gestos e atos concretos obser-
váveis, mas, além disso, se realizam por percepções e emoções. Assim, o habitus
constitui-se por meio da reprodução de percepções, de pensamentos e de ações
(BOURDIEU, 2008). Os esquemas de percepções, ações e emoções reproduzem-se
na escola na relação entre o individual e o coletivo. Eles estão presentes desde o
currículo até as práticas cotidianas, muitas vezes sem a devida compreensão dos
significados que nutrem a escola e seus agentes com um sistema de habitus que
perpassa e desenvolve uma cultura escolar.
O saber experiencial compõe os saberes advindos da prática do profissional
da educação e denota um campo significativo para a produção de um repertório
de saberes da experiência e produzido pelo próprio professor (GAUTHIER, 1998).
Do mesmo modo, Tardif (2002) seleciona os saberes da experiência como conjunto
de saberes utilizados, adquiridos e necessários no espaço da prática da profissão
docente, que são elaborados pelo próprio professor. O autor aponta que é no cotidia-
no do professor que os saberes experienciais se consolidam e se estabelecem como
núcleo vital do saber docente, que são, acima de tudo, de ordem pessoal.
O espaço da formação inicial do coordenador pedagógico
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
O saber da ação pedagógica é legitimado pela pesquisa. Desse modo, é o saber
experiencial dos professores que se torna público, para alvo de avaliação, reprodu-
ção e comparação. Entretanto, Gauthier (1998) denuncia a dificuldade de o saber
fazer-se presente no reservatório de saberes do professor, tendo em vista que o do-
cente se encontra isolado nas práticas em sala de aula e poucas vezes torna públi-
cas as suas experiências particulares. Assim, Gauthier (1998, p. 34) discute sobre
a importância do saber da ação pedagógica para “[...] contribuir enormemente para
o aperfeiçoamento da prática docente”, ao considerar que esse saber constitui um
elemento da profissionalização docente, já que favorece a realização de comprova-
ção científica sobre o saber da ação pedagógica.
As experiências tanto profissionais como pessoais interferem na consolidação
dos saberes do coordenador pedagógico, que os desenvolve em relação às suas prá-
ticas pedagógicas exercidas na escola. Sobre a temporalidade dos saberes, Tardif
(2002) afirma que estes sofrem modificações ao longo do tempo, de modo que não
são imutáveis e homogêneos. No espaço da escola, o coordenador pedagógico elege,
modifica e recompõe seus saberes de acordo com as necessidades do seu trabalho.
Pontuamos que a profissionalização do coordenador pedagógico não está dire-
ta e unicamente associada à constituição de saberes. Gauthier (1998) aponta que
os saberes se caracterizam como elementos imprescindíveis para estabelecer uma
legitimidade ao profissional, mas também é necessário que “[...] se estabeleça uma
distinção nítida entre a produção e a utilização dos conhecimentos” (GAUTHIER,
1998, p. 286). Para tanto, compreendemos que a profissionalização, também, está
relacionada às dimensões políticas do reconhecimento da especificidade do seu tra-
balho. Cabe, então, à formação inicial a preparação do profissional do ensino com o
real reconhecimento do seu trabalho, para que não recaia somente no saber-fazer,
mas nas amplas dimensões históricas, econômicas, culturais, políticas e epistemo-
lógicas da profissão.
Considerações nais
Sendo a universidade, no curso de Pedagogia, o lócus da formação do coorde-
nador pedagógico, esta precisa dotar-se de saberes que permitam ao profissional da
educação que se forma “[...] construir uma competência profissional que o ajude a
intervir frente às demandas de seu trabalho, em especial, na condução dos proces-
sos de formação do docente sistematizadas na escola” (DOMINGUES, 2014, p. 35).
Para além desses aspectos, a formação inicial é uma possibilidade de compreender
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as contradições que envolvem a escola e o trabalho do coordenador pedagógico.
Porém, muitas vezes, o trabalho do coordenador pedagógico se envolve em uma
atuação fragmentada e alienada.
A atuação dispersa do coordenador pedagógico, que desconsidera os saberes
específicos do seu trabalho, é resultado das contradições presentes na organização
do trabalho na sociedade capitalista. Kuenzer (2006) ressalta que essa atuação
é decorrente da fragmentação do trabalho pedagógico, que inclui a formação ini-
cial, em um espaço que divide o pensamento prático e o teórico. Nesse sentido, a
fragmentação curricular na formação desse profissional divide o conhecimento em
áreas e disciplinas trabalhadas de forma isolada, que supõem uma autonomia da
prática social impossível de acontecer. Analisar a formação inicial do coordenador
pedagógico torna-se uma tarefa árdua quando se consideram as contradições pre-
sentes no processo formativo e, consequentemente, no trabalho desse profissional.
Por meio da análise empreendida nesta pesquisa, pontuamos algumas conside-
rações sobre as contribuições do curso de Pedagogia na construção dos saberes neces-
sários para a prática do coordenador pedagógico. Entretanto, ressaltamos que estas
considerações são partes de um inconcluso processo de problematizar a formação e o
trabalho do coordenador pedagógico, pois esta é uma tarefa complexa, que, segundo
Gauthier (1998), envolve saberes da experiência, saberes da tradição pedagógica,
saberes das ciências da educação, saberes curriculares e saberes disciplinares.
Consideramos a necessidade de um curso de formação inicial consistente teo-
ricamente, que seja desenvolvido pela articulação da teoria com a prática e que
promova mecanismos para tratar e aprofundar os saberes necessários ao trabalho
pedagógico do coordenador. Ao assumir a função na escola, o coordenador peda-
gógico mais se aproxima de um multitarefeiro e deixa de realizar suas principais
atribuições, entre elas a organização e mobilização da construção coletiva do pro-
jeto político-pedagógico e a formação continuada dos docentes, com ações que mar-
ginalizam seus saberes específicos. Nesta pesquisa, apontamos a dificuldade dos
coordenadores em estabelecer espaço e tempo destinados para a formação contínua
dos profissionais do ensino.
Embora se reconheça a formação inicial como um importante espaço de cons-
trução dos saberes do coordenador pedagógico, evidenciamos que a indefinição nas
atribuições desse profissional se torna mais agravante quando se consideram os
modelos assumidos no processo formativo. Conforme analisado, o modelo de forma-
ção do especialista e do professor, ora pesquisador, ora docente e ora gestor, resulta
em uma compreensão histórica de fragmentação, tanto no perfil como no trabalho
O espaço da formação inicial do coordenador pedagógico
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que assume esse profissional. A amplitude da formação do coordenador pedagógico
desafia as possibilidades de educar um mesmo profissional para diversas funções
que, apesar de correlatas, possuem especificidades próprias.
O curso de Pedagogia apresenta um aspecto abrangente, pois insere várias te-
máticas e disciplinas que caracterizam um “inchaço curricular”, apesar de conside-
rar a importância das temáticas apresentadas. Trata-se de uma formação voltada
mais à docência, que, em decorrência, secundariza saberes específicos da formação
do coordenador pedagógico. Logo, a formação com um aspecto amplo concentra dis-
ciplinas na formação docente, o que resulta, ao final do curso, em um profissional
que não reconhece quem são: o coordenador pedagógico, o gestor e o docente.
Notas
1
Se faz presente na Grécia Antiga o termo paidéia, que se referia à formação do homem para viver em
sociedade. A paidéia estava fundamentada nos conhecimentos filosóficos e culturais, abordando aspectos
teóricos do ensino (SAVIANI, 2008).
2
Ao destacar tais transformações, apontamos: a crise do Estado de bem-estar social; o aumento das taxas
de inflação; o modelo de organização do trabalho com base no taylorismo-fordismo; o questionamento das
noções de razão, de verdade, de progresso, de emancipação, de igualdade; as críticas às metanarrativas, às
noções de estrutura e de totalidade; a descrença no sujeito histórico; entre outras (BOURDIEU, 2008).
3
Vieira (2009) destaca as propostas de reformas do período da Primeira República (1889-1930): Reforma
Benjamin Constant (1890-1891), Reforma Epitácio Pessoa (1901), Reforma Rivadávia Corrêa (1911), Re-
forma Carlos Maximiliano (1915) e Reforma João Luiz Alves (1925).
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