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Metodologias ativas: Aprendizagem Baseada em Projetos
como proposta interdisciplinar no Ensino Médio
Active Learning Methodologies: Project Based Learning as an
Interdisciplinary Proposal to Ensino Médio
Metodologías activas: el aprendizaje basado en proyectos como propuesta
interdisciplinar en Secundária
Fernando Augusto Treptow Brod
*
Valesca de Matos Duarte
**
Resumo
A sociedade atual demanda mudanças e inovação no processo educativo, motivando reflexões sobre
a diversificação metodológica no ensino e na aprendizagem. O estudo apresenta uma proposta de
transformação do fazer docente no Ensino Médio, utilizando a Aprendizagem Baseada em Projetos
como metodologia ativa interdisciplinar associada a um Ambiente Virtual de Aprendizagem. A pes-
quisa buscou analisar o que dizem os docentes sobre a estratégia metodológica realizada em duas
turmas de terceiro ano do Ensino Médio de uma escola localizada no interior do município de Can-
guçu/RS. O procedimento metodológico foi efetivado com abordagem qualitativa utilizando os
princípios da pesquisa-ação. Os dados foram coletados através de questionário e analisados pela téc-
nica do Discurso do Sujeito Coletivo. A análise dos dados constatou que a efetivação de práticas
relacionadas a ensinar e aprender através de metodologias ativas, de maneira interdisciplinar em redes
de conversação, oportunizou um transformar no fazer pedagógico dos docentes, possibilitando a
interação entre os conhecimentos abordados e o cotidiano, a integração entre as diversas áreas do
conhecimento e a construção de um trabalho colaborativo.
Palavras-chave: Metodologias Ativas; Aprendizagem Baseada em Projetos; Ambiente Virtual de
Aprendizagem.
Recebido em: 16.07.2018Aprovado em: 06.03.2022
https://doi.org/10.5335/rep.v29i2.8396
ISSN on-line: 2238-0302
*
Doutor em Educação em Ciências FURG, Mestre em Educação em Ciências - FURG, Especialista em Planejamento e
Administração em Informática - UCPEL, Graduado em Tecnologia em Processamento de Dados - UCPEL. Professor do
Ensino Básico, Técnico e Tecnológico no IFSUL/CaVG. Instituto Federal Sul-rio-grandense Campus Pelotas-Visconde da
Graça, Pelotas/RS. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5754-2869 E-mail: fernandobrod@ifsul.edu.br.
**
Mestra em Ensino de Ciências e Tecnologias na Educação - IFSUL/CaVG. Especialista em Práticas Pedagógicas
Interdisciplinares - FACVEST. Bacharela e Licenciada em Química - UFPEL. Professora do Ensino Básico na Escola
Estadual de Ensino Médio Doutor Carlos Mesko, Canguçu/RS. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0969-1277 E-mail:
valesca.gat.mesko@gmail.com.
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Abstract
Current society demands changes and innovation in the educational process provoking reflections
about the teaching and learning methodological diversification. The study presents a changing pro-
posal to the teaching work in the Ensino Médio using the Project Based Learning as an
interdisciplinary active learning methodology supported by a Virtual Learning Environment. The
research tried to analyze what teachers say about the methodological strategy carried out in two third
grade groups of students of an Ensino Médio state school located in a rural area of the city of
Canguçu, Rio Grande do Sul, Brazil. The methodological procedure was done in a qualitative ap-
proach making use of the action research principles. Data were collected in a questionnaire and
analyzed upon the Discourse of the Collective Subject technique. Data analysis showed that the
development of teaching and learning exercises through active learning methodologies, in an inter-
disciplinary way and making use of network conversation, promoted a transformation in the
teachers’ pedagogical work, enabling interaction between contents and daily facts, integration be-
tween different areas of knowledge and the construction of a collaborative work.
Keywords: Active Methodologies; Project Based Learning; Virtual Learning Environment.
Resumen
La sociedad actual exige cambios y innovación en el proceso educativo, motivando reflexiones sobre
la diversificación metodológica en la enseñanza y el aprendizaje. El estudio presenta una propuesta
para la transformación de la enseñanza en Secundária, utilizando la Aprendizagem Baseada em Pro-
jetos como metodología interdisciplinar activa asociada a un Ambiente Virtual de Aprendizagem. La
investigación buscó analizar lo que dicen los docentes sobre la estrategia metodológica realizada en
dos clases de tercero año de Secundaria en una escuela ubicada en el interior del municipio de Can-
guçu/RS. El procedimiento metodológico se llevó a cabo con un enfoque cualitativo utilizando los
principios de la pesquisa-ação. Los datos fueron recolectados a través de un cuestionario y analizados
utilizando la técnica del Discurso do Sujeito Coletivo. El análisis de datos encontró que la imple-
mentación de prácticas relacionadas con la enseñanza y el aprendizaje a través de metodologías
activas, de manera interdisciplinaria en redes de conversación, brindó una oportunidad para trans-
formar la practica pedagógica de los docentes, posibilitando la interacción entre los saberes abordados
y la vida cotidiana, la integración entre las diferentes áreas del conocimiento y la construcción de un
trabajo colaborativo.
Palabras clave: Metodología Activa. Aprendizagem Baseada em Projetos. Ambiente Virtual de Apren-
dizagem.
Introdução
O artigo apresenta um estudo sobre o processo de ensino e aprendizagem no
Ensino Médio (EM) com a proposta de transformação docente através da efetivação de
um trabalho colaborativo e interdisciplinar em uma escola da zona rural do munícipio
de Canguçu/RS.
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Ao analisamos a metodologia utilizada na disciplina de Química nesse educan-
dário verificamos que, paralelos aos conteúdos curriculares, projetos eram
desenvolvidos com o sentido de proporcionar uma formação integrada com as vivências
cotidianas, porém, de forma singular, empírica e baseada no senso comum.
A percepção desses aspectos desencadeou inquietações que buscamos superar a
partir de um trabalho colaborativo e interdisciplinar, utilizando como metodologia
ativa a Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP) apoiada por um Ambiente Virtual
de Aprendizagem (AVA) através da efetivação do projeto Biomas Brasileiros.
Acreditamos no educar em espaços de convivência onde haja aceitação mútua
ampliando o conviver em reciprocidade, provocando alterações em prol do bem co-
mum. Nesse sentido, o presente estudo teve por objetivo investigar o que dizem os
docentes sobre uma estratégia didática promotora de ensino e aprendizagem através de
projetos colaborativos e interdisciplinares, como oportunizadores da aceitação do outro
como legítimo outro, da formação integral, do protagonismo e do exercício da cidada-
nia.
Metodologias ativas: aprendizagem baseada em projetos e a uti-
lização de um ambiente virtual de aprendizagem
Existem formas diferentes de ensinar e de aprender, resultando na pluralidade de
possibilidades frente aos desafios da educação atual com ações fundamentadas na soli-
dariedade, amorosidade, cooperação e respeito às diferenças bem como com a utilização
de diversos recursos e ferramentas, incluindo as digitais. As metodologias ativas
(BACICH; MORAN, 2018) são estratégias de ensino que possibilitam ao discente ser
mais criativo, empreendedor e protagonista do aprendizado levando em conta seu pró-
prio ritmo, tempo e estilo e ao docente cabe o papel de parceiro na construção de
aprendizagens, ou seja, orientador na busca pela apropriação do conhecimento. “Me-
todologias ativas dão ênfase ao papel protagonista do aluno, ao seu envolvimento
direto, participativo e reflexivo em todas as etapas do processo, experimentando, dese-
nhando, criando, com orientação do professor” (MORAN, 2018, p.4). Como
exemplo, podemos citar a ABP associada a utilização de AVA.
A metodologia ativa de ABP promove a construção do conhecimento a partir da
análise da realidade local, da aproximação da formação integral e do protagonismo dos
discentes. Possibilita um ensino e aprendizagem que almeja a formação de discentes
autores e não meros espectadores na produção do conhecimento, ou seja, que refletem
e agem sobre a prática educativa. Nessa perspectiva, os discentes são capazes de aplicar
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suas aprendizagens, resolver problemas, planejar e avaliar seu próprio desempenho, as-
sim como expor suas ideias, demonstrando a construção do conhecimento (DUARTE;
BROD, 2017).
Segundo Markham, Larmer e Ravitz (2008) com ABP as percepções dos discen-
tes se aguçam e a participação de forma crítica e relacionada com a vida cotidiana cresce
significativamente durante as aulas.
A Aprendizagem Baseada em Projetos fornece um treinamento para a sobrevivência no século
XXI. Ela oferece aos alunos a oportunidade de aprender a trabalhar em grupos e realizar algumas
tarefas comuns. Exige que os alunos monitorem seu próprio desempenho e suas contribuições ao
grupo. Ela força os alunos a confrontar problemas inesperados e descobrir como resolvê-los, além
de fornecer aos alunos tempo para se aprofundar em um assunto e ensinar aos outros o que
aprenderam (MARKHAM; LARMER; RAVITZ, 2008, p. 7).
Para a efetivação de um trabalho colaborativo e interdisciplinar através da ABP
estudamos utilizar o Facebook como ferramenta de auxílio na superação das dificuldades
relacionadas ao tempo de encontro entre docentes e discentes, considerando que ele
poderia proporcionar o estreitamento das relações de colaboração entre os envolvidos
na pesquisa para além do tempo de convivência na escola.
Entretanto, o consideramos um ambiente virtual informal onde facilmente po-
deriam ocorrer distrações com assuntos diversos, já que possui recursos variados sendo
que o assédio através de mensagens e informes, públicos ou privados, poderiam trazer
dificuldades de concentração e prejudicar a interação docente/estratégica didática/dis-
cente. Assim sendo, consideramos um AVA o espaço educativo que possibilita
interações curriculares para a execução da proposta metodológica.
Para integrar múltiplas mídias, softwares e recursos, propiciar interações dos educadores com os
educandos, bem como entre pessoas e objetos de conhecimento, no ambiente da internet, dife-
rentes soluções de sistemas de processamento foram desenvolvidos, especialmente a partir de
1990, na forma de Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs) (KLERING; SCHRÖEDER,
2011, p. 44).
Nesse contexto, primamos pelo uso de um AVA como aliado tecnológico em-
pregado para disponibilizar uma diversidade de materiais e ampliar o espaço de trabalho
no EM.
A perspectiva do EM atual promove a integração das áreas do conhecimento com
ação coletiva visando a interdisciplinaridade e a utilização das Tecnologias Digitais de
Informação e Comunicação, sendo, nesse processo, o discente construtor dos seus sa-
beres enquanto o docente tem o papel de orientador de ensino. Portanto, surge um
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docente em transformação no sentido de apropriar-se de diferentes formas de ensinar
e de aprender.
Transformação do fazer docente
As demandas docentes estão em constante transformação, com vistas ao cumpri-
mento do papel social da escola, o que vem proporcionando um desacomodar nas
práticas pedagógicas, requerendo docentes “mais competentes, adaptados e capazes
profissionalmente” (FELÍCIO; SILVA, 2017, p. 151). Atualmente vive-se um pro-
cesso de expansão do fazer docente, pois exige-se dos profissionais da educação muito
mais que ministrar aulas e sim uma atuação voltada para a vida na sociedade do conhe-
cimento. Em Veiga (2009) encontramos,
No sentido formal, à docência é o trabalho dos professores; na realidade, estes desempenham um
conjunto de funções que ultrapassam a tarefa de ministrar aulas. As funções formativas conven-
cionais, como ter um bom conhecimento da disciplina e como explicá-la, foram tornando-se
mais complexas com o tempo e com o surgimento de novas condições de trabalho (VEIGA,
2009, p. 24).
Nessa perspectiva a formação permanente é fundamental, tanto quanto aos co-
nhecimentos teóricos das disciplinas curriculares quanto aos conhecimentos sociais
relacionados ao cotidiano, a resolução de problemas e ao trabalho colaborativo. Gri-
boski (2017) evidencia o profissional docente como agente social que concebe a
educação como
[...] prática social e emancipatória, trabalha em prol da qualidade social para todos, busca a uni-
dade teórico-prática, desenvolve a ação coletiva, incentiva a autonomia profissional e busca a
valorização profissional a partir dos saberes da docência revelados na ação educativa inclusiva e
para todos (GRIBOSKI, 2017, p. 129).
O docente atualizado, crítico e realista faz parte da perspectiva de ensino de for-
mação integral do discente na sociedade do século XXI. Sem o estudo, o entendimento
e a motivação, não há a efetiva materialização de um trabalho diferenciado na escola.
Um docente de olhar respeitoso, sensível e afetuoso percebe que em uma turma há
sujeitos oriundos de diversos meios sociais, cada qual com suas experiências de vida,
que influenciam no modo em como aprendem. Portanto, não há como ensinar através
de conteúdos curriculares de forma estanque, alicerçados apenas pela transmissão de
conteúdos, como coloca Freire “[...] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar
as possiblidades para a sua produção ou a sua construção” (2011a, p. 24).
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Na sociedade do século XXI,
[...] o trabalho dos professores se desenvolve em uma realidade escolar em que é cada vez mais
questionado pelas mudanças sociais, culturais, tecnológicas e econômicas, as quais demandam
professores com capacidades e competências que extrapolem o ato de ‘transmitir’ conteúdos
(FELÍCIO; SILVA, 2017, p. 152, grifos do autor).
Sendo assim, o processo educativo está imbricado com metodologias que possi-
bilitem a representação do real viver e conviver com a aceitação do outro como legítimo
outro (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004), oportunizando a visão do todo,
tendo em mente um mundo interativo em constante transformação. Metodologias que
proporcionem reflexões e ações interligadas, onde haja diálogo com a comunidade es-
colar, ou seja, colocando em prática os princípios básicos da ABP em um trabalho
colaborativo enfatizando a troca de saberes com um objetivo comum.
No contexto atual, um dos principais desafios da Educação Básica é a transfor-
mação do fazer docente. Um fazer que valorize as vivências e conhecimentos da
comunidade escolar,
1
que propicie a formação humana integral, significativa e realista,
que leve em conta o interesse discente oportunizando o entendimento do homem como
um ser de relações que está com o mundo (FREIRE, 2011b) e que compreende os
aspectos científicos, tecnológicos, humanísticos e culturais da vida em sociedade.
Para que haja essa transformação, antes de tudo, podemos criar redes de conver-
sação (MATURANA, 2001) que proporcionem um novo olhar, um estudo e/ou
reestudo de estratégias didáticas baseadas no conviver, na qual o humano seja visto
como um ser plural, dotado de emoções e onde exista a valorização do eu pessoal e
profissional. Para Freire (2011a)
[...] O que importa, na formação docente, não é a repetição mecânica do gesto, este ou aquele,
mas a compreensão do valor dos sentimentos, das emoções, do desejo, da insegurança a ser supe-
rada pela segurança, do medo que, ao ser ‘educado’, vai gerando a coragem (FREIRE, 2011a, p.
45, grifos do autor).
Transformação docente ancorada em processo de formação baseado na constante
análise crítica e reflexiva sobre a própria prática. Uma prática onde a formação humana
integral seja pautada na competência e no compromisso ético, que se revela em uma
atuação profissional entrelaçada com as transformações sociais e culturais necessárias à
edificação do exercício da cidadania (BRASIL, 2013a). Em um exercício docente que
oportunize a análise ponderada da sociedade atual, através do acompanhamento das
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evoluções científicas e tecnológicas, do conhecimento da realidade das vivências e da
compreensão das formas de interação usadas pelos discentes.
Para o avanço no processo de transformação prima-se pelo envolvimento da ges-
tão escolar e do docente, buscando por evolução nas condições do exercício profissional
(remuneração e plano de carreira), ao mesmo tempo apropriando-se criticamente dos
conteúdos das DCNEM, em especial no que diz respeito à formação humana integral
e às práticas interdisciplinares, para que, assim, seja possível promover coletivamente
um fazer docente que oportunize a ampliação dos conhecimentos desenvolvidos em
aula conduzindo o discente no processo de aprendizagem.
Através do estudo, do conversar, da reflexão e da reelaboração das concepções
sobre a prática educativa o docente pode apoderar-se de metodologias amplas que pro-
movem a construção de uma educação com sentidos e significados entrelaçados com
suas percepções, gerando ações concretas, efetivadas em um fazer pedagógico que valo-
riza a construção do conhecimento pela pesquisa na forma de projetos colaborativos e
interdisciplinares.
O reconhecimento do professor como sujeito e protagonista desse novo desenho curricular re-
presenta uma possibilidade de êxito do projeto a ser construído. Um olhar sobre a realidade nos
mostra que a escassa participação dos segmentos institucionais, principalmente dos docentes, é
uma das causas que contribui para que muitos projetos pedagógicos não passem de documentos
os quais apenas atendem às exigências burocráticas dos sistemas de ensino e terminam sendo
arquivados e esquecidos. Tais documentos geralmente elaborados por pequenos grupos não ad-
quirem sentido para o processo pedagógico institucional, pois não conseguem afetar a vida da
escola. Por essa razão é que valorizamos processos coletivos, os diálogos, as decisões tomadas em
conjunto e democraticamente (BRASIL, 2013c, p. 38).
O estudo apresenta os princípios da ABP como possiblidade de apoio num tra-
balho colaborativo interdisciplinar que não requer apenas mudança na prática
pedagógica, mas um novo olhar que possibilite ações integradoras entre as áreas do
conhecimento, sem esquecer o estudo de conceitos nas disciplinas, potencializando a
aprendizagem em sua totalidade e não de forma fragmentada. “Para fins formativos,
isso significa identificar componentes e conteúdos curriculares que permitam fazer re-
lações cada vez mais amplas e profundas entre os fenômenos que se quer ‘apreender’ e
a realidade na qual eles se inserem” (BRASIL, 2013c, p. 40, aspas do documento).
No processo educativo, docentes são profissionais inseridos na sociedade que tra-
zem consigo suas próprias histórias de vida, concepções, identidades, orientação sexual,
cultura, etnia, são constituídos na pluralidade e diversidade assim como toda a huma-
nidade, ou seja, antes de tudo, são seres humanos que efluem no mundo. “O ser
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humano é, naturalmente, um ser de intervenção no mundo, a razão de que faz a His-
tória. Nela, por isso mesmo, o ser humano deve deixar suas marcas de sujeito e não
pegadas de puro objeto” (FREIRE, 2000, p.119).
Pimenta e Anastasiou (2002) afirmam que o exercício docente
[...] constrói-se, também pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor confere à
atividade docente em seu cotidiano, em seu modo de situar-se no mundo, em sua história de
vida, em suas representações, em seus saberes, em suas angústias e anseios, no sentido que tem
em sua vida o ser professor (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p. 77).
Sendo assim, o docente atuante estabelece relações com suas vivências em con-
texto de heterogeneidade, interagindo com a comunidade escolar de forma que suas
ações transponham a sala de aula e estejam mediadas pelos conhecimentos científicos,
tecnológicos, culturais e sociais, proporcionando a formação integral.
Momentos de análise das ações possibilitam um conversar, planejar, escrever,
efetivar e avaliar as práticas pedagógicas, para que refletindo a partir da prática, em
grupos de conversação (MATURANA, 2001), seja efetivado um processo de ensino e
aprendizagem interativo e integrador.
Diferentes podem ser as estratégias didáticas adotadas pelos docentes para opor-
tunizar formas de enfrentar as novas e diversificadas tarefas que, na sociedade do
conhecimento, ultrapassam o espaço da sala de aula, porém lembramos:
[...] no espaço de sala de aula cabe ao docente o delicado exercício da mediação entre os alunos e
a cultura elaborada, em particular, da manutenção do ambiente dialógico e cooperativo, pois
somente assim se ampliam as capacidades humanas e se constroem a democracia e o espírito
colaborativo entre os discentes (BRASIL, 2013d, p. 47).
Brasil (2013e) realizando referência as DCNEM orienta que os docentes, em sua
atuação, aumentem as percepções sobre as áreas do conhecimento e seus componentes
curriculares, assim como, vislumbrem outras possibilidades de organização do conhe-
cimento escolar, a partir de quatro dimensões:
a) compreensão sobre os sujeitos do Ensino Médio considerando suas experiências e necessidades;
b) escolha de conhecimentos relevantes de modo a produzir conteúdos contextualizados nas di-
versas situações onde a educação no Ensino Médio é produzida; c) planejamento que propicie a
explicitação das práticas de docência e que amplie a diversificação das interversões no sentido da
integração nas áreas e entre áreas; d) avaliação que permita ao estudante compreender suas apren-
dizagens e ao docente identifica-las para novos planejamentos (BRASIL, 2013e, p. 4).
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Nas dimensões há a valorização das vivências, da realidade, do planejamento e
da avaliação como forma de articulação dos diversos saberes e superação da simples
transmissão de conteúdos. Em princípio, o exercício docente, pautado pelas DCNEM,
oportuniza a formação integral do humano.
Em Brasil (2013b), há argumentos que permitem a interpretação que a formação
integral proporciona o exercício da autonomia, da reflexão e da crítica voltadas para a
compreensão do ser em sua plenitude, levando em conta suas dimensões afetiva, social,
intelectual, potencializando o desenvolvimento de seu próprio conhecimento, favore-
cendo a aprendizagem. Freire (2011a) aponta que
[...] ensinar não se esgota no ‘tratamento’ do objeto ou do conteúdo, superficialmente feito, mas
se alonga à produção das condições em que aprender criticamente é possível. E essas condições
implicam ou exigem a presença de educadores e de educandos criadores, investigadores, inquie-
tos, rigorosamente curiosos, humildes e persistentes (FREIRE, 2011a, p. 28, grifos do autor).
A formação integral do discente ressalta o compromisso da escola e de seus pro-
fissionais em estruturar metodologias de ensino que promovam a aprendizagem
colaborativa, autônoma e criativa pensando no trabalho coletivo, na problematização e
nas ações dinâmicas e inovadoras como oportunidade de melhoria no ensino e na
aprendizagem com a possibilidade “[...] de dinamizar as experiências oferecidas aos
jovens alunos e de ressignificar os saberes e experiências com os quais se interage nas
escolas” (BRASIL, 2013c, p. 10).
Em Griboski (2017) encontramos que ser docente é viver e conviver com o im-
previsível, com o que ainda, por vezes, nem tem resposta, com o que não está previsto,
com a instabilidade cotidiana, ou seja, com a transformação constante da vida.
Enfim, o docente é um ser humano como qualquer outro com seus saberes e
sentidos aguçados pelo fazer pedagógico. “O professor é a pessoa; e uma parte impor-
tante da pessoa é o professor” (NÓVOA, 1992, p. 15). Neste trabalho é dado ênfase
aos colaboradores docentes, ouvindo suas inquietações e respeitando suas opiniões,
como simples seres humanos, imersos no processo de ensinar e aprender.
O trabalho colaborativo e interdisciplinar
Analisando o EM percebemos que embora ele esteja organizado por áreas do
conhecimento, na prática, as aulas ainda são disciplinares e há rara integração entre
elas. Em processos que visam o alcance da aprendizagem e geração do conhecimento é
recomendado apropriação dos aspectos científicos, tecnológicos e culturais produzidos
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ao longo da história, porém não pela simples transposição dos fatos em conteúdos den-
tro das disciplinas e sim de forma integrada oportunizando a compreensão da realidade.
[...] as disciplinas escolares, quando consideradas apenas como acervos de conteúdos de ensino,
isoladas e desprendidas da realidade concreta da qual esses conceitos se originaram não permitem
que o processo de ensino e aprendizagem redunde efetivamente na compreensão da realidade do
educando (BRASIL, 2013d, p. 13).
Este processo de ensino particularizado nas disciplinas dificulta o entendimento
integrado dos diversos saberes, pois se encontra descontextualizado das vivências, tanto
dos docentes como dos discentes e tornam o exercício de autoconhecimento e compre-
ensão do mundo, por muitas vezes, utópicos.
Maturana (2001) nos incita a refletir sobre as relações com o mundo em uma
perspectiva de autoprodução de saberes, fazeres e aprendizagens interligados com o vi-
ver/conhecer/viver em amorosidade, reciprocidade, aceitação do outro e em
colaboração, rompendo com metodologias de ensino e aprendizagem ancoradas em
certezas absolutas. A metodologia da ABP associada ao uso do AVA oportuniza um
ensino integrado e contextualizado
2
através da conexão das diferentes áreas do conhe-
cimento, permitindo análises dos acontecimentos que historicamente envolvem as
vivências em sociedade para além do espaço/tempo sala de aula. No entanto, há pouca
produção científica que relacione as teorias das metodologias educacionais com a reali-
dade da sala de aula (ROSA; DARROZ; ROSA, 2014) requerendo uma adaptação dos
diversos saberes e não, apenas, sua aplicação direta na realidade escolar. Cabe salientar
que cada sala de aula é um ambiente diversificado que precisa ser analisado antes da
proposição de uma metodologia educativa, pois “[...] todo aprendizado deve encontrar-
se intimamente associado à tomada de consciência da situação real vivida [...]
(FREIRE, 2011b, p. 11).
O exercício interdisciplinar depende de uma mudança de postura docente e, por
consequência, de prática educativa. Reiterando, cabe ao docente ultrapassar a formação
básica disciplinar, proporcionar a compreensão do indivíduo ativo na sociedade, en-
tender que a vida é integrada.
A promoção do autoconhecimento, da conversação, da aceitação do outro como
legítimo outro, do emocionar (MATURANA; VARELA, 2001), influem positiva-
mente no cotidiano contribuindo com o processo de ensino e de aprendizagem
integrador de vivências. Esse processo de formação humana diário transforma a si pró-
prio e tem a capacidade de modificar a realidade produzindo ciência, tecnologia,
cultura, enfim, conhecimento.
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No entender de Japiassu, a “interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade
das trocas entre os especialistas e pelo grau de interação real das disciplinas no interior
de um mesmo projeto de pesquisa” (1976, p. 74).
A interdisciplinaridade promove a integração das diferentes áreas do conheci-
mento e a visão de que a realidade não está pronta e acabada. Consideramos a realidade
como energia fluída, e sua análise, em um primeiro momento, gera o caos, porém atra-
vés do estudo de suas transformações induz a organização e auto-organização
produzindo a aprendizagem (PELLANDA, 2009). Esse processo sugere um transcen-
der em busca do próprio conhecimento docente para a efetivação da formação integral
do discente. Para Buss, “Em termos educacionais e pedagógicos, a interdisciplinaridade
implica na articulação de ações que buscam um interesse em comum, oferecendo uma
nova postura diante do conhecimento” (BUSS, 2016, p. 70).
Há inúmeras publicações que dialogam sobre a temática interdisciplinar, porém
Rosa, Rosa e Giacomelli (2016), ao observarem a presença da interdisciplinaridade nos
periódicos nacionais, salientam que a produção nacional está distante de descrever tra-
balhos interdisciplinares eficientes e que sejam reais alternativas a prática docente. Os
autores indicam como relevante um olhar especial do pesquisador para a sala de aula,
transformando a produção acadêmica em possibilidades pedagógicas que, adaptadas a
cada realidade, auxiliem o docente na caminhada interdisciplinar, reafirmando o cons-
tatado por Rosa, Darroz, Rosa (2014).
Contudo a proposta de uma prática pedagógica interdisciplinar gera insegurança,
pois como dito anteriormente, apesar de termos o currículo organizado por áreas do
conhecimento, na prática o ensino ainda é disciplinar, compartimentado e fechado.
Encontramos em Buss (2016) a perspectiva latino-americana, ligada à cultura educaci-
onal brasileira que vem ao encontro da nossa visão interdisciplinar de ensino. Essa
concepção trata a interdisciplinaridade como uma maneira de formação humana inte-
gral que salvaguarda os aspectos afetivos, ou seja, onde o processo de ensino e
aprendizagem é formado por uma rede de conversação para o autoconhecimento, para
a aceitação recíproca do outro, para a autonomia amparada no viver e conviver em
respeito ao humano, ao ambiente, à vida em sociedade, ao mundo (MATURANA;
VERDEN-ZÖLLER, 2004).
Maturana e Varela (1997) concebem uma relação constante entre o biológico, o
social e o cultural ao dizer que os seres vivos e o mundo não podem ser vistos em
separado, mas em constantes interações, que o homem não foi formado para receber
informações passivamente, isto é, “[...] os indivíduos em suas interações constituem o
social, mas o social é o meio em que esses indivíduos se realizam como indivíduos, [...]
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não há contradição entre o individual e o social, porque são mutuamente gerativos”
(MATURANA; VARELA, 1997, p. 43).
Um trabalho interdisciplinar promove a integração de planejamentos e metodo-
logias que assegure a abertura do diálogo, diversas visões, problematizações e
articulações abrangentes de temáticas relevantes presentes no cotidiano escolar. Con-
tudo, reafirmamos, em grande parte das escolas, encontramos um currículo isolado e
compartimentado, docentes presos a uma listagem de conteúdos e por muitas vezes
acomodados à prática metodológica da transmissão do conhecimento. Esses fatores,
provavelmente, são os geradores da não efetivação da interdisciplinaridade, pois na prá-
tica não estamos acostumados a conceber o todo em uma visão coletiva, integrada e
contextualizada, voltada a uma reflexão e ação que realize conexões entre as partes e o
todo.
A visão limitada da maioria dos professores, relativa ao conhecimento como algo restrito ao seu
campo de domínio ou, mesmo, a carência de saberes do que lhe é externo tem acarretado
prejuízos ao processo de aprendizagem. Tal processo disciplinar, muitas vezes, traz consigo a ideia
de que cada fenômeno estudado acontece de forma isolada, despersonalizada, descontextualizada
e, não raras vezes, atemporal. Com isso, acaba-se esquecendo de que os problemas postos no
cotidiano são de natureza interdisciplinar e, logo, não podem remeter a uma única área de co-
nhecimento (ROSA, 2015, p. 57).
Por consequência, o trabalho interdisciplinar é, em especial, orientado a docentes
abertos à conversação, à reciprocidade, à aceitação do outro como legítimo outro, à
amorosidade, (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004), a variadas metodologias, à
análise do todo, a diferentes saberes. Profissionais dispostos à troca de conhecimentos,
gerando a própria aprendizagem e dos discentes com os quais convive, oportunizando
os princípios da formação integral e do protagonismo. Segundo Cristiano Buss,
A formação do professor interdisciplinar procuraria dar ao docente a capacidade de atuar em uma
atitude pedagógica interdisciplinar, em conjunto com seus pares, numa prática que esteja estabe-
lecida na colaboração, na comunicação e na troca de saberes e experiências entre os professores e
entre professores e alunos. Uma vez que a interdisciplinaridade indica ação, o professor formado
com tal concepção assumiria a intencionalidade de ser investigativo, reflexivo e comunicativo em
sua atitude pedagógica. Iria trabalhar não na transmissão do conhecimento, mas na construção
desse conhecimento e nas suas possíveis inter-relações, sendo o professor o mediador e, ao mesmo
tempo, o sujeito da própria aprendizagem (BUSS, 2016, p. 75).
Em Fazenda (2007) percebemos que a construção da interdisciplinaridade está
imbricada a um docente que apresente uma postura inovadora em relação ao processo
de ensino e aprendizagem, deixando de lado a comodidade do trabalho disciplinar. No
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método interdisciplinar a apropriação do conhecimento está articulada nas emoções e
vivências diárias associadas às ideias e teorias científicas, tecnológicas, culturais e sociais
que estão em constantes conversação entre si.
Rosa, Rosa e Giacomelli (2016) nos lembram que uma análise sobre como a
comunidade escolar entende a atividade interdisciplinar colabora na identificação dos
elementos limitadores de sua utilização. Em suma, uma possibilidade é construir e
acompanhar a efetivação de um projeto interdisciplinar, de preferência, com natureza
lúdica e mensurar o envolvimento dos diferentes sujeitos durante sua execução, neste
trabalho, em especial, avaliar as percepções docentes.
Reafirmamos a partir de Fazenda (1991), a exemplo de Japiassu (1976), a inevi-
tabilidade de que os docentes revisem suas práticas didáticas como oportunidade de
progresso em direção ao autoconhecimento e o conhecimento/ aceitação do outro atra-
vés de ações transformadoras que possibilitem a interdisciplinaridade.
Em Maturana e Verden-Zöller (2004) percebemos a importância das emoções e
que elas estão diretamente relacionadas à maneira como nos relacionamos com o outro.
Somos seres em constante construção e reconstrução. A cada momento e a cada nova
vivência há possibilidades para um sonho, um pensar, um saber, uma aprendizagem.
Existimos em constante transformação e somos interdisciplinares diariamente - ao sor-
rir, chorar, conversar, aprender, ensinar, emocionar, conviver enfim, ao viver.
Estratégia metodológica: o projeto biomas brasileiros
Para desenvolver a estratégia metodológica usamos os princípios da ABP, em um
projeto colaborativo interdisciplinar tendo o AVA Minha Escola Virtual (MEV)
3
,
como espaço de trabalho e convivência no EM. O AVA MEV disponibiliza, gratuita-
mente, a plataforma Moodle para escolas públicas.
Em reunião pedagógica foi colocado aos gestores, docentes e funcionários da es-
cola a intenção de desenvolver um projeto colaborativo interdisciplinar usando os
princípios da ABP através do AVA MEV no EM. Gestores e docentes presentes soma-
ram-se ao propósito e se dispuseram a apoiá-lo e a colocá-lo em prática. Em uma rede
de conversação, optamos por executar a proposta em um coletivo de três a quatro dis-
centes por grupo, nas turmas 301 e 302, terceiros anos, com temática ambiental
considerada relevante pelos docentes na atualidade: os Biomas Brasileiros.
No segundo encontro pedagógico o grupo de docentes colaboradores, através de
conversações e reflexões, optou por uma proposta com ênfase no estudo dos conteúdos,
elaboração e efetivação de atividades que oportunizaram o desenvolvimento da escrita,
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da oralidade, do domínio das TDIC e da linguagem corporal relacionados ao modo de
vida cotidiano e a sua influência sobre os Biomas Brasileiros, usando os recursos do
AVA MEV como ferramenta de auxílio na concretização das atividades através da cri-
ação e customização de um curso específico para a execução do projeto.
Como afirma Freire, “Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra,
no trabalho, na ação-reflexão” (FREIRE, 1987, p.78).
O projeto interdisciplinar Biomas Brasileiros foi executado, concomitantemente
às aulas disciplinares, utilizando o AVA MEV como espaço de trabalho e convívio que
oportunizou ir além do tempo/espaço presencial da escola. Ao docente regente de cada
disciplina coube apresentar recortes e dialogar sobre os conteúdos curriculares através
do estudo dos Biomas, com o intuito de que os discentes percebessem os conteúdos
incorporados à temática do projeto, assim como os princípios da formação integral, do
protagonismo e do exercício da cidadania foram o norte de sua execução. O esboço das
atividades propostas foi idealizado nos intervalos entre as aulas e/ou em recreios, como
também através da rede social Whatsapp, sendo esses os ambientes nos quais ocorreram
as conversações durante o desenvolvimento do projeto.
A partir da rede de conversação estabelecida entre os docentes foi customizado o
curso no AVA MEV intitulado “Biomas Brasileiros/Carlos Mesko 301 e 302” que tor-
nou possível a realização do projeto, ampliando o contato docente/discente e
possibilitando a postagem das propostas e das execuções de atividades.
A customização do AVA foi executada contando com o auxílio do Laboratório
de Aprendizagem e Desenvolvimento de Software do Instituto Federal do Rio Grande
do Sul (IFRS).
As atividades presencias e virtuais envolveram os discentes e contribuíram para o
desenvolvimento de habilidades e hábitos mentais propostos por Markham, Larmer e
Ravitz (2008) quando dialogam sobre o processo educativo através da ABP. Para os
autores, docentes podem verificar a evolução dos discentes com a identificação de ha-
bilidades como: criatividade, comunicação, pensamento crítico, resolução de
problemas, planejamento, colaboração, capacitação na era digital, autogestão, produti-
vidade, gerenciamento de grupo e compreensão interdisciplinar.
E com a identificação de hábitos mentais como: bom humor, persistir, criar,
imaginar, inovar, aprender continuamente, pensar de maneira independente, empe-
nhar-se por exatidão e precisão, pensar flexivelmente, administrar a impulsividade,
questionar e propor problemas, responder com surpresa e administração, assumir riscos
com responsabilidade, reunir dados por meio dos sentidos, aplicar conhecimento pré-
vio a novas situações e escutar os outros com compreensão e empatia.
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Conforme o andamento do projeto (maio a agosto), foram efetivadas avaliações
formativas e somativas, baseadas nos princípios da ABP apresentados por Markham,
Larmer, e Ravitz (2008) que entendem a avaliação como um processo de identificação
de habilidades e hábitos mentais.
O plano de avaliação, pensado em colaboração pelos docentes, abordou a capa-
cidade discente de desenvolver uma série de produções (pesquisa, resumo expandido,
seminários, mostras culturais, artefatos multimídias, autoavaliação), envolvendo habi-
lidades, hábitos mentais, conteúdos curriculares e associações com a realidade através
de redes de conversão presenciais e virtuais, sendo que, por meio da proposição e efeti-
vão das atividades foram oportunizados transformações no processo de ensinar e
aprender.
Para a análise da estratégia metodológica efetivamos pesquisa aplicada com abor-
dagem qualitativa através dos princípios da pesquisa-ação em conjunto com oito dos
doze colegas docentes do EM da escola.
Aos oito docentes aplicamos um questionário contendo questões referentes ao
ensino e à aprendizagem através de projeto colaborativo e interdisciplinar. Expressamos
o pensamento coletivo através da técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), como
forma de reconhecimento de cada colaborador envolvido, buscando a compreensão do
que eles dizem sobre uma estratégia didática efetivada em um ambiente colaborativo a
partir do ensino por projetos usando um ambiente virtual como como espaço de tra-
balho e convívio.
O DSC, desenvolvido por Lefevre e Lefevre (2003), constitui-se numa estratégia
metodológica que fala em nome da coletividade, desde o momento da elaboração das
perguntas, até a análise dos dados.
O DSC como técnica de processamento de dados com vistas à obtenção do pensamento coletivo
dá como resultado um painel de discursos de sujeitos, na 1ª pessoa do singular, justamente para
sugerir uma pessoa coletiva falando como se fosse um sujeito individual de discurso. [...] Confere
naturalidade, espontaneidade, vivacidade ao pensamento coletivo (LEFEVRE; LEFEVRE, 2005,
p. 32).
Para fazer os DSC existem figuras metodológicas que auxiliam sua construção e
análise. As Expressões-chave (ECH), pedaços, trechos ou transcrições do discurso que
revelam a essência do depoimento. As Ideias Centrais (IC), que buscam revelar o sen-
tido de cada um dos discursos analisados. A Ancoragem (AC), uma manifestação
linguística de uma dada teoria, ideologia ou crença usada para enquadrar uma situação
específica.
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Após identificação das figuras metodológicas o DSC é redigido na primeira pes-
soa do singular e composto pelas ECH que tem as mesmas IC e AC.
Na sequência, apresentamos a opinião dos docentes colaboradores da pesquisa
através de três DSC elaborados a partir das respostas dadas ao questionário, revelando
o que mencionam sobre a estratégia metodológica na efetivação do projeto Biomas
Brasileiros.
O que dizem os docentes sobre a proposta interdisciplinar
Para o entendimento do que dizem os docentes sobre um trabalho interdiscipli-
nar ressaltamos o movimento no sentido da integração entre as áreas do conhecimento
apresentando práticas interdisciplinares realizadas no projeto Biomas Brasileiros utili-
zando o AVA MEV. São elas:
- Na área das Ciências Humanas e suas Tecnologias, a disciplina de Geografia
abordou aspectos relevantes sobre a formação de cada Bioma Brasileiro, a disciplina de
História oportunizou o estudo dos aspectos históricos do processo de transformação
(degradação) dos Biomas e a disciplina de Sociologia identificou os aspectos culturais
das comunidades que formam os Biomas.
- A área da Matemática e suas Tecnologias abordou a temática das dimensões do
território, da população e do índice de degradação dos Biomas Brasileiros.
- Na área das Ciências da Natureza e suas Tecnologias, as disciplinas de Biologia
e Química estiveram envolvidas, em especial, na Mostra de Pratos Típicos. Os profes-
sores propuseram aos alunos a realização de uma pesquisa para apresentação à
comunidade escolar em forma de Seminário. A pesquisa realizada pelos alunos abordou
aspectos bioquímicos de diferentes grupos alimentares, bem como suas funções bioló-
gicas no organismo com a apresentação de estruturas químicas orgânicas.
- A contribuição da área das Linguagens e suas Tecnologias esteve relacionada ao
desenvolvimento da escrita e da oralidade. A disciplina de Literatura possibilitou o es-
tudo das Lendas Regionais e de Educação Física oportunizou o desenvolvimento da
expressão corporal através de Danças Típicas, ambas apresentadas na Mostra Cultural.
Nesse sentido, percebemos que o ensino por projetos presumiu integração, seja
entre os aspectos curriculares estudados nas áreas do conhecimento ou entre os envol-
vidos no processo educativo. Bender (2014), sustenta que projetos de ABP devem estar
relacionados às vivências da atualidade e que podem ser propostos por apenas um su-
jeito ou podem ser interdisciplinares. Consideramos o trabalho descrito como
interdisciplinar, pois como escrito acima, foi realizado em rede de conversação, com
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relações integradoras de disciplinas, em reciprocidade, propondo atividades que fomen-
taram a participação ativa do discente de forma que possibilitou o uso da imaginação e
da criatividade. Rosa; Rosa; Giacomelli (2016) salientam que docentes podem motivar
discentes ao favorecer sua participação e argumentação ativa no desenvolvimento de
atividades envolventes entre as áreas, sendo que a incorporação de uma metodologia
integradora favorece a construção do conhecimento. Para os autores, a ação docente
[...] poderá favorecer o desenvolvimento de diferentes capacidades que contribuem com a cons-
trução do conhecimento, ampliando a rede de significados construtivos tanto para as crianças
como para os jovens (ROSA; ROSA; GIACOMELLI, 2016, p. 537).
Nogueira (2001), acredita que os projetos interdisciplinares apresentam maior
eficiência no processo de ensinar e aprender, porém salienta que há inquietações refe-
rentes a sua prática efetiva. Em relação à interdisciplinaridade, o autor afirma:
Acreditamos que muitos são os ‘nós’ na prática interdisciplinar, mas se repensarmos as posturas
individuais e a questão do coletivo, com certeza já estaremos dando passos largos para eliminar
as ‘gavetas de arquivos’ existentes na cabeça de nosso aluno, que fragmenta disciplina por disci-
plina e compartimenta seus diferentes saberes nas suas múltiplas ‘gavetas’ (NOGUEIRA, 2001,
p. 136).
Os princípios da ABP apresentam conceitos e processos didáticos que proporci-
onaram uma participação dinâmica e integradora entre os docentes. Permanecendo
com a concepção de Nogueira (2001), um projeto interdisciplinar prevê que um dos
docentes atue como coordenador e estimule tanto docentes quanto discentes a terem
momentos de convivência em redes de conversação onde ocorra a troca, a integração e
a complementação dos diversos saberes. Nessa perspectiva, o primeiro discurso do su-
jeito coletivo (DSC1) aborda a ABP relacionada a Interdisciplinaridade.
DSC1 Interdisciplinaridade
Em primeiro lugar, as informações desta proposta foram expostas de maneira clara e objetiva,
com o apoio e ajuda necessários ao desenvolvimento. Todavia, eventualmente, no processo de
execução pode e tende a ocorrer alterações no que diz respeito ao planejamento original. Por
certo, o “chavão” Não somos seres divididos, ensino de gavetinhas, sempre foi debatido, ques-
tionado, os projetos interdisciplinares vieram “de” encontro a esta realidade. A possibilidade de
fazer conexões entre os saberes, torná-los significativos para a vida em sociedade, o partilhar,
debater, discordar, são pontos chaves para o crescimento e a construção do conhecimento, seja
educador-educador, educando-educando ou educador-educando.
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As relações entre os saberes concebem o entendimento da totalidade na sociedade
e os conhecimentos das partes só fazem sentido se estiverem relacionados ao todo, bem
como as relações humanas através de um viver e conviver em redes de conversação
induzem ao crescimento do ser em sua integralidade. Por conseguinte, o conhecimento
adquirido através das conexões entre os diversos saberes tem capacidade de transformar
o ser e o fazer do indivíduo. Portanto, é possível transformar a realidade de uma socie-
dade, ou seja, “[...] somos sujeitos de nossa história e de nosso conhecimento”
(BRASIL, 2013d, p. 31).
O ensino e a aprendizagem por projetos exigiram uma mudança no papel do-
cente, que, em um primeiro momento, gerou resistências e dificuldades inerente aos
seres humanos.
[...] os professores precisarão aprender diversas habilidades novas para facilitar o ensino na ABP
ou desenvolver de forma mais aprofundada suas habilidades nessa área de ensino relativamente
nova (BENDER, 2014, p. 107).
Na APB os docentes são colaboradores na compreensão dos conteúdos relacio-
nados ao todo das vivências cotidianas e não transmissores de conteúdos curriculares
(MARKHAM; LARMER; RAVITZ, 2008). Os princípios da ABP relacionados ao en-
sinar e aprender em reciprocidade alicerçados na formação integral e no protagonismo
discente promovendo a interdisciplinaridade gerou um desacomodar no processo edu-
cativo constatado no segundo discurso do sujeito coletivo (DSC2) que relata a
resistência e a dificuldade no ensino por projetos.
DSC2Resistência/Dificuldade ao ensino por projetos
O discurso evidencia as dificuldades de colocar em prática uma estratégia didática
não tradicional. Nogueira (2001) aponta que, na prática, o trabalho docente por pro-
jetos apresenta um obstáculo que merece atenção especial, a postura docente. A
estratégia didática prioriza uma postura docente aberta ao todo e ao que ocorre nele,
Trabalhar com os colegas, tentando atingir um objetivo comum, nem sempre é tarefa fácil, logo
dificuldade de trabalhar por projetos, afinal são métodos e modos de “ver” a escola muito
diferentes. O trabalho com projetos tem muita resistência por parte de alguns educadores que
não conseguem “visualizar” a interdisciplinaridade. Um pouco se deve a falhas na construção do
conhecimento nas licenciaturas. A área das exatas se torna menos maleável por ter um conhe-
cimento rígido e estático. O ser humano por si só tem dificuldade de desacomodar-se.
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aos próprios saberes e não-saberes e, aos docentes, falta “coragem” de participar ativa-
mente de redes de conversação onde seus não-saberes são abordados, sentindo-se,
talvez, ameaçados, o que, por vezes, inviabiliza a troca e a integração.
[...] o grande problema: ‘estar aberto aos seus não-saberes’. Sem a postura de humildade e reco-
nhecimento de seus não-saberes, diante de seus pares, o professor não se dispõe a realizar trocas
com os demais especialistas (NOGUEIRA, 2001, p. 136).
Por vezes, docentes apresentam desassossegos relacionados à interdisciplinari-
dade por não entenderem seu significado e sua amplitude. Na busca por uma definição
que abrande a inquietude apresentada pelos docentes no DSC2 encontramos em Rosa
que
[...] a interdisciplinaridade remete ao reconhecimento de novas linguagens, na superação das es-
pecíficas, quase um “desaprender”, com vistas a uma nova aprendizagem que permita e forneça
uma compreensão de ser humano envolvido em sua totalidade (ROSA, 2015, p. 61, grifos do
autor).
Outra abordagem observada a partir do DSC2 é a formação docente em cursos
de licenciaturas. Não somente em cursos de licenciaturas que, por vezes, formam ba-
charéis docentes,
4
como também os cursos Lato Sensu e Stricto Sensu realizam pesquisas
e produzem materiais de pesquisa acadêmica que se fecham nas universidades e não
chegam aos docentes da base. Como salientam Rosa, Rosa e Giacomelli (2016), no
campo da prática, o material e o estudo acadêmico sobre ensino por projetos interdis-
ciplinares ainda se encontram restritos. Sendo assim “[...] julga-se cada vez mais
importante que pesquisadores olhem para a sala de aula e estudem possibilidades de
transpor a produção acadêmica em situações didáticas” (ROSA; ROSA;
GIACOMELLI, 2016, p. 536).
Nogueira (2001) analisa como professores que tem sua carga horária completa,
dando aula nos três turnos e em escolas diferentes, poderiam apresentar condições de
realizar leituras, refletir sobre a própria prática e diversificar sua metodologia de traba-
lho. Segundo o autor,
O quadro drástico mencionado, serve apenas para demonstrar nossa hipótese de que o ‘educador
da ponta’ é carente dos recursos materiais e de tempo para a sua reciclagem e atualização, e se
não receber informações mais direcionadas, conhecimentos já digeridos e materiais de aplicação,
pouco fará para tomar atitudes interdisciplinares. Não acreditemos em sua falta de vontade, mas
na sua falta de recursos (NOGUEIRA, 2001, p. 138).
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No cotidiano atual, a atividade docente vem sofrendo crescente descrédito e des-
respeito por parte dos governantes e da sociedade do conhecimento, fatos que afetam
diretamente o ser e o fazer docente que, por vezes, encontra-se acomodado, sendo um
espectador no processo educativo. Esse contexto vivido acaba afetando diretamente as
práticas didáticas, pois no cotidiano há medos, angústias, incertezas, excesso de traba-
lho, falta de tempo que dificultam uma convivência autêntica com o outro e geram
dúvidas sobre a própria capacidade.
A prática da ABP se mostrou uma proposta integradora, autêntica e colaborativa
que modificou, parcialmente, o fazer de docentes e discentes, caminhando para a su-
peração das dificuldades apresentadas no processo educativo.
A partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de estar nela, pelos
atos de criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu mundo. Vai dominando a reali-
dade. Vai humanizando-a. Vai acrescendo a ela algo de que ele mesmo é o fazedor (FREIRE,
2011b, p. 60).
A metodologia proporcionou um ambiente de reflexão e transformação de vivên-
cias cotidianas pela implantação de uma prática que envolveu o ensinar e aprender em
colaboração, tendo o docente como orientador e o discente ativo na construção do seu
aprendizado.
A superação dos medos e das inquietudes e, acima de tudo, o respeito às diversas
opiniões foram fatores fundamentais para a construção da rede de conversação colabo-
rativa promotora da aceitação do outro como legítimo outro (MATURANA;
VERDEN-ZÖLLER 2004).
Um trabalho colaborativo ocorre em redes de conversação, com diálogo respei-
toso e crítico. Para Freire (2011b), o diálogo:
Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso, só o diálogo comu-
nica. E quando os dois polos do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um
no outro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se, então uma relação de simpatia entre
ambos. Só aí há comunicação (FREIRE, 2011b, p. 141).
Tendo por base as concepções de Maturana (2002) referenciamos o ensino e a
aprendizagem através de projetos como um processo contínuo de transformação na e
pela convivência em colaboração, que ocorre em toda parte e no decorrer de toda a
vida, com efeitos que perpetuam e não se modificam facilmente. O terceiro discurso
do sujeito coletivo (DSC3) apresenta o relato da realização de um trabalho colaborativo
como enriquecedor e transformador do ambiente educativo.
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DSC3. Trabalho colaborativo
No trabalho a convivência harmoniosa permitiu um trabalho colaborativo que
propiciou trocas de ideias, de experiências, de inquietudes e desassossegos, promoveu
o estreitamento dos laços através da comunicação com os pares. Houve comunicação
efetiva que contribuiu para um transformar do processo educativo no qual o ensinar
em colaboração produziu aprendizagem em uma real rede de conversação no viver e
conviver com o outro (MATURANA, 2002).
Em prática, houve o desenvolvimento de habilidades e hábitos promotores de
uma aprendizagem coletiva. Segundo Markham, Larmer e Ravitz (2008), habilidades
de comunicação, planejamento, criatividade, autogestão, colaboração, compreensão in-
terdisciplinar, produtividade, pensamento crítico, capacitação nas TDIC e resolução
de problemas, assim como hábitos como o respeito, a flexibilidade, a persistência, a
compreensão, a eficiência, a aplicação de conhecimentos, a autonomia, a empatia, o
posicionamento e a criticidade fazem parte de um trabalho colaborativo e foram obser-
vados através de interações recorrentes em redes de conversação.
Os DSC demonstram que a prática da ABP associada ao uso do AVA MEV
oportunizou o trabalho colaborativo, presencial e virtual, e possibilitou o desenvolvi-
mento de práticas relacionadas ao ensinar e aprender em reciprocidade de maneira
interdisciplinar, assim como se aproximou da formação integral e de protagonismo do
discente.
No entanto, pela disponibilidade de tempo livre dos docentes ser restrita, o pro-
cesso de implementação da metodologia e da ferramenta diversificada, apresentou
resistências e dificuldades, pois exigiu certo tempo para leituras, reflexões e adaptações.
Isso não impediu a ocorrência de ações transformadoras na prática educativa por parte
daqueles que se sentiram emocionados por uma possibilidade diferenciada do usual e
que propiciou um ambiente de amorosidade e aceitação do outro como legítimo outro
(MATURANA; VERDEN-ZÖLLER 2004).
Acredito no “regime” de colaboração entre os educadores com o propósito de nos deixar
unidos, interagindo mais no ambiente escolar, tanto com os colegas como com os alunos. Por
certo, agrega, constrói e enriquece o trabalho docente através da troca de saberes. Possibilita a
participação de todos na elaboração e execução das propostas, como também facilita ações
concretas e oportuniza novas abordagens. Dessa forma, o trabalho através de projetos, propicia
a interação com os colegas de forma agradável possibilitando a troca de ideias, de experiências
e de conhecimento, ou seja, se discute estratégias para o andamento harmonioso do projeto.
Com este tipo de trabalho todos os envolvidos crescem intelectualmente e como seres humanos
que somos, porque compartilhar nos faz crescer.
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Considerações finais
O processo educativo no EM do educandário em estudo suscitou reflexões sobre
ensinar e aprender a partir de uma proposta de projeto colaborativo interdisciplinar
usando a metodologia ativa de ABP e o AVA MEV como meios articuladores em busca
de transformações nas práticas docentes, possibilitando também ao discente uma par-
ticipação ativa, autônoma e de protagonismo na apropriação de conhecimentos
relacionados ao trabalho, ciência, tecnologia e cultura na sociedade do século XXI.
Nesse sentido, paralelo ao andamento das aulas tradicionais, foi proposto uma
prática de ensino que oportunizou a convivência em um ambiente colaborativo, tendo
os docentes como orientadores e os discentes construtores de seu conhecimento voltado
a percepção de situações cotidianas relacionadas aos conteúdos escolares. A prática pro-
porcionou um processo educativo por meio do uso de redes de conversação, da
aceitação do outro como legítimo outro, da amorosidade e do emocionar através da
proximidade na convivência (MATURANA, 2002).
A pesquisa problematizou o uso da ABP associada ao AVA na execução de um
projeto colaborativo no EM com o propósito de superação das inquietações provocadas
pelos projetos singulares e pelo curto período das aulas presenciais. No entanto, os
docentes colaboradores são provenientes do ensino tradicional e presencial e trazem
consigo seus preceitos os reproduzindo em sua prática pedagógica, demonstrando re-
sistências na internalização de alternativas diversificadas nas formas de ensinar e
aprender. De certo, notamos que uma execução efetiva no ensino por projetos usando
um ambiente virtual requer interesse, disponibilidade, plasticidade e mudança cultural,
já que novos conhecimentos são relevantes para o planejamento e efetivação da meto-
dologia. Sendo assim, é considerável que as experiências vividas sejam assimiladas,
refletidas e introjetadas para que possam, aos poucos, serem utilizadas.
A inserção da metodologia através da execução do projeto Biomas Brasileiros
contribuiu para a diversificação do processo educativo e oportunizou análise de enten-
dimentos e desassossegos que emergiram junto aos DSCs.
Destacamos que, através do primeiro e do segundo discurso, percebemos o en-
tendimento de que os objetos de estudo não são divididos e, sim, se constituem em
uma integralidade de saberes diversos. Ficou evidente que em uma escola, há variedade
de pensamentos e atitudes relacionados ao processo educativo, e que a metodologia da
ABP provocou inquietações, pois exigiu um trabalho colaborativo e um pensamento
interdisciplinar. Bender (2014) afirma que é normal, em docentes, que adotam a estra-
tégia da ABP a sensação de estarem sobrecarregados e de apreensão com sua execução
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prática, pois a metodologia envolve mudanças na dinâmica pedagógica que, por vezes,
pode provocar certa perda de controle docente no desenrolar do processo educativo,
portanto gerando um pouco de desconforto com a ABP. Os desassossegos foram sendo
superados com o andamento prático do projeto, em especial quando tornou-se percep-
tível a produtividade, o interesse, a participação e a aprendizagem do discente.
O terceiro discurso demonstrou a relevância do desenvolvimento de um trabalho
colaborativo, sendo criado um ambiente onde prevaleceu o diálogo em reciprocidade
abordando as experiências e saberes da coletividade que contribuíram para o cresci-
mento do ser humano em sua integralidade.
Em suma, docentes atentos, em constante reflexão/ação no cotidiano onde exer-
cem a prática educativa e, motivados por seus modos de ser, fazer, conviver e ver o
mundo foram os promotores da diversificação do ensino e da aprendizagem através da
metodologia da ABP associada ao uso do AVA MEV. Assim sendo, na prática tornou-
se fundamental aos docentes o entendimento de seus saberes experienciais cotidianos,
atrelados aos seus conhecimentos dos conteúdos curriculares e aos seus fazeres pedagó-
gicos para a realização do trabalho colaborativo e interdisciplinar.
Notas
1
Entendemos que a comunidade escolar é compreendida por gestores, docentes, funcionários, discentes
e familiares.
2
O ensino contextualizado faz relação entre a parte e totalidade. Não serve apenas exemplificar onde ele
se aplica ou que situação explica e sim evidenciar que qualquer conhecimento existe em resposta a
necessidades sociais (BRASIL, 2013d).
3
Espaço criado pelos pesquisadores do Laboratório de Aprendizagem de Desenvolvimento de Software
do Instituto Federal do Rio Grande do Sul - Campus Bento Gonçalves/RS - http://minhaescolavir-
tual.com.br/
4
Bacharéis docentes: Termo usado para os docentes que, embora licenciados, tenham sua forma-ção
ancorada no bacharelado.
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