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Educação como fator de ressocialização de condenados: uma
experiência no Método APAC
Education as a factor for the resocialization of convicted: an experience
in the APAC Method
La Educación como factor de resocialización de los condenados: una
experiencia en el Método APAC
Helenara Regina Sampaio Figueiredo
*
Gislaine de Oliveira Spínola
**
Resumo
Este artigo é parte do recorte de uma dissertação, que apresenta uma pesquisa qualitativa realizada
em uma unidade prisional modelo a qual adota a metodologia da Associação de Assistência e Prote-
ção aos Condenados (APAC), na cidade de Itaúna/MG. A pesquisa foi realizada com 7 professores
que lecionam no estabelecimento prisional na modalidade Educação para Jovens e Adultos (EJA).
Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas e analisados segundo a categori-
zação de Bardin (2016). A pesquisa contou com 2 categorias: “O Professor da APAC e o Eixo
Transversal Trabalho e Consumo” e “O Trabalho do Professor e o Método APAC”, estas categorias
foram divididas em 7 subcategorias. Neste artigo foi abordada a sexta subcategoria “O professor e a
importância da educação para a cidadania” com o objetivo de evidenciar a compreensão do docente
acerca de seu papel na ressocialização de condenados para a promoção da pacificação social. Conclui-
se que o engajamento do professor e a sua atuação em consonância com os documentos oficiais de
ensino são fundamentais para a reinserção social.
Palavras-chave: ensino e educação; sistema prisional; APAC; EJA.
Recebido em: 12/02/2019 Aprovado em: 09/06/2022
https://doi.org/10.5335/rep.v29i1.9102
ISSN on-line: 2238-0302
*
Doutora em Educação para a Ciência e a Matemática, Licenciada em Pedagogia, Matemática e Ciência, docente do Programa
de Pós- Graduação em Metodologias para o Ensino de Linguagens e suas Tecnologias, Universidade Pitágoras Unopar. E-
mail: helenara@kroton.com.br. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7974-0818.
**
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Metodologias para o Ensino de Linguagens e suas Tecnologias, especialista em
Direito Público, advogada, docente do curso de Direito da Faculdade Pitágoras. E-mail: gisaspinola@gmail.com. Orcid:
https://orcid.org/0000-0003-4530-8458.
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Abstract
This study is part of a dissertation that presented qualitative research carried out in a model prison
unit that adopts the methodology of the Association of Assistance and Protection to the Convicted
(APAC) in the city of Itaúna / MG. The research was carried out with 7 lecturers who teach in the
juvenile and adult education prison (EJA). The data were collected through semi-structured
interviews and analyzed according to Bardin's categorization (2016). The research consisted of 2
categories: "The APAC Professor and the Transversal Work and Consumption Axis" and "The
Professor’s Work and the APAC Method", these categories were divided into 7 subcategories. This
work focusses in the sixth subcategory "The professor and the importance of education for
citizenship" was approached with the goal of demonstrating the professor' understanding of their
role in the resocialization of convicted persons in order to promote social pacification. It was
concluded that the professor engagement and its acting in accordance with official teaching
documents are fundamental for social reintegration.
Keywords: teaching and education; prison system; APAC; EJA.
Resumen
Este artículo forma parte de una disertación, que presenta una investigación cualitativa realizado en
una unidad penitenciaria modelo que adopta la metodología de la Asociación para Asistencia y Pro-
tección al Convicto (APAC), en la ciudad de Itaúna/MG. La investigación fue realizado con 7
profesores que imparten clases en la cárcel en la modalidad Educación para Jóvenes Adultos (EJA).
Los datos se recogieron mediante entrevistas semiestructuradas entrevistas semiestructuradas y ana-
lizadas según la categorización de Bardin (2016). La investigación incluyó con 2 categorías: "El
profesor de APAC y el eje transversal de trabajo y consumo" y "El El trabajo del profesor y el método
APAC", estas categorías se dividieron en 7 subcategorías. En este artículo, la sexta subcategoría "El
profesor y la importancia de educación para la ciudadanía" con el fin de destacar la comprensión del
profesor sobre su papel en la resocialización de los convictos para promover la paz social. Se concluye
que la contratación del profesor y su actuación se ajusten a los documentos oficiales de la enseñanza
son fundamentales para la reinserción social.
Palabras clave: enseñanza y educación; sistema penitenciario; APAC; EJA.
Introdução
A desigualdade social proporciona a exclusão, a segregação e a vulnerabilidade
que, muitas vezes, faz com que o indivíduo destituído do status de cidadão entregue-se
à criminalidade.
Relatórios do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias
(INFOPEN), do Ministério da Justiça, divulgados em 2017, apontam que o Brasil tem
a terceira maior população carcerária do mundo. Aliado a este dado verifica-se o índice
de reincidência próximo a 90%, segundo levantamento de 2014.
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Embora a Lei de Execução Penal (LEP) traga expressamente os direitos e deveres
dos condenados, estes dados comprovam a ineficácia do sistema carcerário brasileiro,
isto é, prende-se cada vez mais e ressocializa-se cada vez menos. Os noticiários exibem
todos os dias estabelecimentos superlotados, em condições insalubres, abusos de todas
as naturezas e um flagrante desrespeito aos Direitos Humanos.
No Brasil, a pena privativa de liberdade limita apenas o direito de locomoção e
os direitos políticos do condenado, mantendo-se todos os demais direitos constitucio-
nais, inclusive o direito à educação. (BRASIL, 1988)
Considerando que a educação é ferramenta de transformação social e o ensino,
principalmente de condenados, deve ser pautado pela formação para a cidadania, a
discussão desse tema é de suma importância para que a pena cumpra seu objetivo res-
socializador.
Faz-se necessário o entendimento do termo “ressocializar” segundo o viés do di-
reito penal e uma compreensão exata perpassa pela etimologia da palavra: reabilitação,
recuperação, readaptação, reinserção, entre outros léxicos correlatos, segundo Bechara
(2004).
O cidadão privado de liberdade precisa novamente inserir-se na sociedade, sentir-
se parte do corpo social e ser mais uma vez educado para o respeito às normas destinadas
à pacificação social. Neste sentido, ressocialização, reinserção e reeducação podem ser
tratadas como sinônimos uma vez que são imprescindíveis para a não reincidência.
(ROSA, 2019)
Para que haja justiça social é preciso que todos os direitos sejam respeitados, tanto
por parte do cidadão quanto por parte do Estado. Aquele que infringe as leis deve ser
punido, entretanto essa punição deve ocorrer em consonância com o Princípio da Dig-
nidade Humana. Pautando-se por esta afirmação, estabeleceu-se o estudo acerca de
uma metodologia alternativa de cumprimento de pena e o ensino dos apenados nela
inseridos.
Este artigo é parte de uma dissertação de mestrado apresentada em dezembro
de 2018, intitulada “Abordagem sobre a temática trabalho e consumo na Educação de
Jovens e Adultos na APAC de Itaúna/MG”.
Tem-se, aqui, por objetivo evidenciar a compreensão do professor acerca de seu
papel na ressocialização de condenados para a promoção da pacificação social. Pre-
tende-se ainda demonstrar a possibilidade de efetivação dos Direitos Humanos e do
cumprimento integral da Lei de Execução Penal em um estabelecimento prisional al-
ternativo, assim como apresentar a metodologia APAC no intuito de obtenção da
Justiça Social.
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Para que este objetivo possa ser alcançado, utilizou-se do arcabouço teórico da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Lei de Execução Penal, da Metodologia
APAC e os documentos oficiais de ensino, dentre os quais merece destaque os Parâme-
tros Curriculares Nacionais (PCNs). Os dados utilizados referem-se apenas a uma
subcategoria da pesquisa, qual seja: o professor e a importância da educação para a
cidadania.
Ao fim, pretende-se apresentar os resultados da pesquisa, analisados de forma
sistemática, envolvendo questões educacionais, carcerárias e humanitárias, com o in-
tuito de colaborar com a discussão em termos sociais.
Dispositivos internacionais que versam sobre o cidadão privado
de liberdade
Em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial, a publicação das atrocidades
cometidas pelo Nazismo e o elevado número de mortes em todos os países envolvidos
fez-se necessária a criação de um organismo internacional destinado a manter a paz
mundial. Assim, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU), nome sugerido
pelo então presidente americano Roosevelt, destinada a manter a segurança coletiva, os
direitos fundamentais, o progresso social e a paz entre os povos, tendo como signatários
cinquenta e um países na data de constituição (CLAUDE, 2005).
A ONU aprovou, em 1948, a resolução 217 na qual institui a Declaração Uni-
versal dos Direitos Humanos. O documento que passa a ter vigência em todos os países
integrantes das Nações Unidas, inclusive o Brasil, possui 30 artigos e estabelece direitos
fundamentais e irrenunciáveis de todo ser humano (TASCA, 2016).
Os Direitos Humanos passam a influenciar a legislação de todos os países que os
ratificaram, tendo como fundamento o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Neste contexto, estão instituídos os seguintes direitos fundamentais: direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade e à educação, dentre outros
(CLAUDE, 2005).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, que completou 70 anos, nada
mais fez do que positivar os direitos naturais defendidos por John Locke, em 1681. A
resolução, deu roupagem nova a uma teoria já concebida há 250 anos antes, por meio
do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. No entanto, o Brasil enquanto sig-
natário da ONU só incorporou esse princípio ao seu ordenamento jurídico, em 1988,
pela Constituição Federal vigente e ainda assim, trinta anos depois, não conseguiu efe-
tivá-lo.
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Os Direitos Humanos são vistos de forma pejorativa, “o direito dos mano”, por
ignorância e desinteresse coletivo atribui-se a eles a função exclusiva de defender ban-
dido. Ouve-se cada dia mais, independente do ambiente, vulgar ou acadêmico,
“Direitos Humanos para humanos direitos”, principalmente em relação aos presos, ex-
cluídos e pessoas em risco social e é esse pensamento que legitima a “criminalização da
pobreza” defendida por Wacquant (1999, p. 15). Pessoas socialmente inseridas e de-
tentoras de cidadania raramente buscarão respaldo para defender seu direito à vida, à
liberdade, à saúde, à educação e a existir de forma digna.
Por outro lado, a cidadania é alcançada por meio da educação, das relações de
trabalho protegidas, da assistência previdenciária, da estabilidade jurídica, da segurança
provida pelo Estado, das relações comerciais livres, da liberdade ideológica e religiosa,
da igualdade enquanto premissa e tudo isso está contido na Declaração Universal do
Direito do Homem. (ONU, 1948).
Esse diploma legal foi bem aceito no âmbito civil, comercial, trabalhista, previ-
denciário, entretanto, é rechaçado quando o assunto é Direito Carcerário e políticas
públicas, devido ao público a que se destinam. Muitos são os desdobramentos possíveis
no que se refere a esta questão, mas por questões didáticas serão analisados apenas os
aspectos educacionais e carcerários.
O caráter educacional do qual estão revestidos os Direitos Humanos é inegável,
a educação não é neutra e ensinar aos jovens sobre os ideais fraternos é a única forma
de evitar conflitos sociais e bélicos. Ao estabelecer a educação como direito do cidadão,
a impõe como dever do Estado, conforme descrito no artigo 26:
1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspon-
dente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e
profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em
plena igualdade, em função do seu mérito.
2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do
Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade
entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das
atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.
3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos
(ONU, 1948).
No intuito de garantir a efetivação dos Direitos Humanos, a ONU reuniu-se em
Genebra, em 1955, no “Primeiro Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do
Crime e o Tratamento dos Delinquentes” e deste encontro resultam as “Regras Míni-
mas para o Tratamento dos Reclusos” (ALMEIDA, 2014).
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O Brasil, enquanto membro fundador da ONU, ratifica esse tratado internacio-
nal comprometendo-se a incorporá-lo à legislação pátria. Deste documento merecem
destaque os seguintes artigos:
Art. 40 Cada estabelecimento deverá dispor de uma biblioteca para uso de todas as categorias de
reclusos, devidamente provida com livros recreativos e educativos, e os reclusos serão incentiva-
dos a utilizá-la plenamente.
(...)
Art. 77 (1). Deverão ser tomadas medidas no sentido de melhorar a educação de todos os reclusos
que daí tirem proveito, incluindo a instrução religiosa nos países em que tal seja possível. A edu-
cação de analfabetos e jovens reclusos será obrigatória, e a administração deverá prestar-lhe
especial atenção.
(2). Tanto quanto possível, a educação dos reclusos deverá estar integrada no sistema educativo
do país, para que após a libertação possam prosseguir os seus estudos sem dificuldade (ONU,
1955).
No entanto, a Constituição vigente no Brasil é a de 1946, anterior à declaração
Universal dos Direitos do Homem (ONU, 1948), por isso ainda não havia incorpo-
rando-a plenamente. O Código Penal de 1940 traz alguns aspectos da execução penal,
mas, ainda, existem lacunas legislativas neste sentido (ALMEIDA, 2014).
Sob forte influência dos tratados internacionais, principalmente o que estipula
“Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos” (ONU, 1955), é sancionado no
Brasil o Projeto de Lei 636 que dá origem à Lei n º 3.274/57 Normas Gerais de
Regime Penitenciário. Entretanto, este diploma legal não contemplava o Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana, incluindo a educação no regime de cumprimento de
pena, apenas de maneira formal (ALMEIDA, 2014).
Há que se considerar que a Lei nº 3.274/57 é o primeiro dispositivo legal a nor-
matizar a execução da pena, que até então era negligenciada pela legislação pátria e
tratada como apêndice do Direito Penal ou Processual Penal (ALMEIDA, 2014).
Como dito anteriormente, o Brasil passa a ter normatização carcerária, mas,
ainda, esta não compreendia o caráter humanitário estabelecido pelos tratados interna-
cionais. Muitos fatores importantes como a educação e as especificidades da execução
não tinham aplicabilidade. Posto isto, os direitos inerentes ao preso ainda são vagos,
com muitas brechas e omissões na lei (ALMEIDA, 2014).
Infelizmente, essa lacuna jurídica não será preenchida nos próximos anos, dado
ao Golpe Militar de 1964. A ditadura militar mancha as “páginas da história brasileira
com todo o tipo de arbitrariedades, presos políticos, torturas, estupros, sequestros, de-
saparecimentos misteriosos e morte de civis” (LIMA, 2012, p. 12).
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Houve muitas “prisões por divergências político-ideológicas e não interessava ao
governo regulamentar direitos carcerários. Nos “porões da ditadura” há todo o tipo de
desrespeito aos Direitos Humanos” (LIMA, 2012, p. 13).
O poder executivo sobrepõe o legislativo e o judiciário, passando o país a ser
governado através dos Atos Institucionais (AIs), paralelos à Constituição, dentre os
quais merece destaque o AI5 decretado em dezembro de 1968 e vigente por dez anos
(LIMA, 2012).
Este período de exceção enfrentado pelo país é o responsável pelo atraso na ela-
boração de leis que regulamentem a execução penal.
A LEP e demais dispositivos legais pátrios que versam sobre o
cidadão privado de liberdade e seu acesso à educação
Em 1984, sanciona-se a Lei de Execução Penal (LEP), que contempla a huma-
nização da pena, especifica todos os direitos e deveres do preso, assim como o alcance
da pena privativa de liberdade. O artigo 3º traz a seguinte redação: “[...] ao condenado
e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela
lei. Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa
ou política”. Assim sendo, a pena privativa de liberdade restringe apenas o direito de
locomoção do condenado e seus direitos políticos, mantendo-se todos os demais direi-
tos e garantias fundamentais. (BRASIL, 1984)
Um aspecto importante para este artigo é o direito à educação que passa a ser
garantido de forma expressa no artigo 17 e seguintes:
Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do
preso e do internado.
Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade Fe-
derativa.
Art. 19. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento téc-
nico.
Parágrafo único. A mulher condenada terá ensino profissional adequado à sua condição.
Art. 20. As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com entidades públicas ou
particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados.
Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de uma biblioteca,
para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos.
Em 1988, promulga-se a Constituição Federal sob a égide da recém conquistada
democracia que, ainda hoje, é tida como modelo Constitucional, e, assim, considerada
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um documento de vanguarda, que abrange todas as garantias fundamentais e sociais do
cidadão. Todos os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário estão recepci-
onados na Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), destacando-se a
Declaração dos Direitos Humanos e as Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclu-
sos (ALMEIDA, 2014).
Valendo-se dos preceitos constitucionais é editada a Lei de Diretrizes Básicas
LDB/1996, substituindo a versão de 1961, reformada em 1971. As principais inova-
ções foram: inclusão da Educação Infantil na Educação Básica, duzentos dias letivos
anuais, criação do Plano Nacional de Educação (PNE), regulamentação das verbas fe-
derais, estaduais e municipais destinadas à educação, exigência de curso superior para
atuar na docência, educação à distância, e uma seção destinada à Educação de Jovens e
Adultos – EJA (BRASIL, 1996).
Esses dois dispositivos legais conferem universalidade à educação. Entretanto,
estender este direito a toda população brasileira, inclusive à privada de liberdade, não é
tarefa fácil.
Em 2001, o Plano Nacional de Educação (PNE) inclui o preso na modalidade
EJA, por meio da meta 17 que estabelece:
Implantar, em todas as unidades prisionais e nos estabelecimentos que atendam adolescentes e
jovens infratores, programas de educação de jovens e adultos de nível fundamental e médio, assim
como de formação profissional, contemplando para esta clientela as metas n° 5 e nº 14 (BRASIL,
2001).
Embora o cidadão privado de liberdade, conste em vários dispositivos legais re-
ferentes à educação, a aplicabilidade destes ainda é muito pequena, o que motiva o
projeto “Educando para a Liberdade”. Este projeto foi executado entre os anos de 2005
e 2006, em parceria com o Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO
e o governo do Japão (UNESCO, 2006).
Além de ampliar a oferta do ensino carcerário, a intenção do projeto é propiciar
uma educação libertadora, crítica, no intuito de formar cidadãos aptos para a cidadania
e sujeitos de sua própria história. Os Estados participantes do projeto são Ceará, Para-
íba, Goiás e Rio Grande do Sul. A escolha dos participantes deu-se mediante o
comprometimento desses governos com a causa da inclusão por meio da educação
(UNESCO, 2006).
Este projeto deu origem a vários seminários nos quais outros estados brasileiros
são chamados à participação. Alguns teóricos internacionais compõem os eventos que
sempre contam com a participação de representantes do Ministério da Educação, da
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Justiça, da UNESCO e, por fim, passam a contar com representantes dos presos, que
contribuem através de peças teatrais. As discussões giram em torno dos principais pro-
blemas enfrentados pelo sistema prisional brasileiro e possíveis soluções (UNESCO,
2006).
Por meio do projeto “Educando para a Liberdade”, os problemas e as dificulda-
des enfrentados pela educação intramuros ganham corpo e podem ser analisados à luz
da efetividade. As discussões concentram-se em temas como: material didático, espaço
para as aulas, a evasão da escola em função da abertura de postos de trabalho, a possi-
bilidade de remição pelo estudo, o despreparo dos docentes, as condições de violência
diária enfrentadas pelos presos, superlotação, a falta de condições básicas de higiene e
a destinação dos recursos públicos (UNESCO, 2006).
A relevância deste projeto culmina, entre outras ações, na edição da Resolução
03/2009 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da
Justiça, que estabelece as Diretrizes da Educação Carcerária e na edição da Resolução
02/2010 do Ministério da Educação, estabelecendo a EJA como modalidade oficial de
ensino para os cidadãos privados de liberdade.
Ainda sob influência do projeto “Educando para Liberdade”, é estabelecida a
remição pelo estudo, a cada doze horas de estudo formal o condenado tem direito a
remir um dia de pena, direito concedido pela Lei nº 12.433/11 (BRASIL, 2011).
A remição pelo estudo é um grande passo para a efetivação da educação no sis-
tema carcerário, posto que, confere um incentivo a mais ao detento para aderir aos
projetos educacionais. Ainda que ele não tenha a educação como valor, a liberdade é o
fim que se pretende.
Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça por meio da Recomendação 44/2013,
preenche uma lacuna deixada pela Lei 12.433/11, que traz a expressão “atividades
educacionais complementares”, com a possibilidade de remição pela leitura. O preso
tem entre vinte e dois a trinta dias para ler uma obra literária e apresentar uma resenha
sobre o texto lido. Este trabalho efetuado pelo condenado é avaliado pela direção do
estabelecimento prisional, juntamente com o responsável pedagógico e, enviado para o
juiz de execução penal, o que confere ao apenado quatro dias de remição, limitados a
quarenta e oito anuais, isto é, sendo doze livros por ano (BRASIL, 2013).
Em 2015 a Lei 13.163/15 insere o Ensino Médio nos presídios em atendi-
mento ao princípio de Universalização da Educação.
Embora tenha ocorrido um avanço normativo no intuito de efetivar o direito do
cidadão privado de liberdade à educação, os obstáculos de ordem prática ainda são
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muitos. Falta estrutura física e investimento nas instituições prisionais, além do caráter
retributivo da pena ainda estar muito arraigado no corpo social.
Documentos orientadores do ensino
O Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Fundamental,
alterou a forma e o conteúdo do Ensino Fundamental, no intuito de contextualizar as
matérias ministradas e preparar os adolescentes para a vida. Atendendo a este propósito,
assim como à melhor capacitação dos docentes foi elaborado o documento intitulado
Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1998).
O PCN tem como fundamento a Lei de Diretrizes Básicas LDB de 1996 e visa
uma formação geral, opondo-se à formação específica que tinha como foco a capaci-
dade de memorização. O objetivo agora é a capacidade de pesquisa, o desenvolvimento
de competências para a compreensão e aplicabilidade das informações que se multipli-
cam cada vez mais rápido dada a globalização e a internet (BRASIL, 1998).
Com o advento da Constituição de 1988, houve uma reforma no pensamento
nacional e esta mudança de paradigmas não poderia deixar de afetar a educação. Pro-
mulgada e concebida sobre o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, em um
período pós-ditadura militar, a essência constitucional é garantista e cidadã.
A nação precisa de cidadãos e é com esse pensamento que o PCN traz objetivos
educacionais muito específicos que estão amparados no Princípio da Dignidade da Pes-
soa Humana, na Igualdade de Direitos, na Participação e na co-responsabilidade pela
vida social (BRASIL, 1998).
Focar na educação para cidadania implica discutir temas como política, distri-
buição de renda, exploração do trabalho, meio ambiente sustentável, preconceito,
discriminação, responsabilidade social e muitos outros capazes de propiciar reflexões
profundas, que conduzem ao pensamento crítico. Posicionar-se frente ao mundo é con-
dição essencial para a autonomia e proporcionar essa postura é também função da
escola (BRASIL, 1998).
• posicionar-se em relação às questões sociais e interpretar a tarefa educativa como uma interven-
ção na realidade no momento presente;
• não tratar os valores apenas como conceitos ideais;
incluir essa perspectiva no ensino dos conteúdos das áreas de conhecimento escolar [...]
(BRASIL, 1998, p. 55).
As orientações contidas no PCN almejam a formação humana pautada pela ca-
pacidade de escolha, pela convivência ética e por um profundo comprometimento
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docente. Os desafios para as práticas educacionais que se pretende são inúmeros, as
propostas de mudança nem sempre são bem vistas. Entretanto, o Estado realmente
Democrático de Direito não será alcançado sem compromisso com a educação.
O PCN, enquanto direcionamento para o docente, visa flexibilizar o currículo
atendendo às particularidades regionais e às demandas sociais mais urgentes. Foram
escolhidos alguns temas de grande relevância social para serem trabalhados transversal-
mente em todas as matérias, com respaldo ético e crítico (BRASIL, 1998).
A UNESCO em parceria com o Ministério da Educação, por meio da Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade SECAD, editou uma coleção
de livros didáticos voltados para a EJA tendo como foco a questão do Trabalho e Con-
sumo. Propiciar a inclusão dessa parcela social que não teve acesso à escolarização na
idade certa não se resume à oferta de vagas, mostra-se necessário contextualizar o apren-
dizado e conferir-lhe aplicabilidade cotidiana no mundo do trabalho (UNESCO,
2005).
O material foi elaborado como base em textos publicitários ou jornalísticos, tra-
zendo temas voltados para a formação cidadã, possibilitando a compreensão e a busca
de direitos. Para isso, abordam-se as questões de preço, marca, consumismo, direitos
do consumidor, transações bancárias, pirataria, tributos, direitos do trabalhador, ali-
mentação saudável e escolha de alimentos; enfim, existe aplicabilidade cotidiana do
ensino.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (2013) dedicam
uma seção para estabelecer e justificar a implantação da EJA como modalidade de en-
sino dedicada aos cidadãos privados de liberdade e os assegura o mesmo conteúdo,
metodologia e didática, guardada as devidas proporções, ministrados nas escolas públi-
cas.
A mudança trazida pelo PCN, assim como a globalização, alterou o perfil do
aluno. Lidar com discentes cada vez mais conectados tornou-se um desafio para o pro-
fessor. A geração pós Constituição de 1988 funciona de forma diferente, prender-lhes
a atenção e despertar-lhes o interesse é tarefa dificultosa e a sala de aula torna-se uma
zona de conflitos diários. “A impressão que se tem é que alunos e professores falam
línguas diferentes e culpam-se mutuamente pelas dificuldades vivenciadas no ambiente
escolar” (BRASIL, 2013, p. 9).
O conteúdo programático mudou, a didática foi reformulada, o perfil do aluno
também não é mais o mesmo, faz-se necessário capacitar o professor para que ele con-
siga adequar-se a esta nova engrenagem do saber. Formação e capacitação de professores
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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é o objetivo do Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, criado pelo
Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Básica, no ano de 2013.
Este documento orienta o professor a rever o conceito de juventude, dar voz ao
aluno, trabalhar e discutir conteúdos com base em suas vivências e, principalmente,
utilizar a tecnologia em favor do processo de ensino e aprendizagem. O que antes fora
idealizado no PCN, “hoje é demanda constante dos alunos, eles só aprendem de forma
significativa e contextualizada” (BRASIL, 2013, p. 21).
O aluno precisa ter um projeto de vida e, para que isso aconteça, muitas escolhas
são necessárias e, por conseguinte, a responsabilização por elas. A adolescência é uma
fase conturbada na qual surgem muitas perguntas de cunho existencial: Em que rede
de relacionamentos estou inserido? Com quem devo me relacionar? Quais as minhas
habilidades? Que profissão devo escolher? Serei um adulto bem sucedido? O que é ser
um adulto bem sucedido? (BRASIL, 2013).
Para responder a estes questionamentos, faz-se imprescindível o conhecimento
de si e do mundo, assim como dos fatores de inclusão e exclusão social. Afinal, um
projeto de vida viável é aquele que parte do possível, dos recursos disponíveis e é tarefa
da escola conscientizar e discutir possibilidades. Logo, a formação para cidadania pro-
porciona a capacidade de discernimento para escolhas socialmente saudáveis (BRASIL,
2013).
APAC: Conciliando execução penal, dignidade e educação em
prol da ressocialização
A APAC é um método de ressocialização idealizado por Mário Ottoboni, base-
ado na valorização do ser humano que se contrapõe à realidade vivida pelo cidadão
privado de liberdade, no sistema comum, e tem como objetivo diminuir os altos índices
de reincidência, próximos a 80% ((INFOPEN, 2017). O sistema prisional é, e, sempre
foi falho por distanciar-se dos objetivos primeiros da pena, quais sejam: ressocialização
e prevenção de crimes futuros. (WACQUANT, 1999).
Em 1972, na cidade paulista de São José dos Campos, um grupo católico lide-
rado pelo advogado e jornalista Mário Ottoboni constituiu uma Pastoral Carcerária,
objetivando amenizar os sofrimentos impostos aos presidiários de Humaitá. A pastoral
foi intitulada Amando o Próximo, Amarás a Cristo (APAC) e todos os integrantes tra-
balhavam de forma voluntária no intuito de amparar de forma material, moral e
espiritual os cidadãos reclusos (OTTOBONI, 2001).
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Educação como fator de ressocialização de condenados: uma experiência no Método APAC
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Os trabalhos não eram organizados de forma metodológica, as ações eram empí-
ricas objetivando a dignidade e a ressocialização dos apenados. Neste contexto, o grupo
não tinha a menor experiência com cadeias, presos, drogas ou violência, mas, tinham
muita fé em Deus e no ser humano (OTTOBONI, 2001).
No intuito de adquirir maior autonomia e titularidade de direitos, criou-se a
pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, Associação de Proteção e Assis-
tência aos Condenados (APAC) no ano de 1974. Vale ressalvar que, embora detentora
de personalidade jurídica, a sigla manteve-se com nova denominação no intuito de que
fossem preservados os ideais cristãos que deram origem à pastoral (OTTOBONI,
2001).
Em 1979, o único presídio de São José dos Campos, Humaitá, foi desativado
por falta de condições físicas para abrigar os presos do regime fechado, o juiz da Vara
de Execução Penal após uma reforma parcial no prédio onde funcionava Humaitá, o
entregou totalmente à APAC para administração sem o concurso de nenhuma força
policial. Há que se considerar que o presídio passou a funcionar apenas com 5 celas e
que entregá-lo à APAC foi uma saída emergencial porque as duas polícias se recusaram
a administrá-lo (OTTOBONI, 2001).
A experiência de Humaitá deu certo, assistindo aos três regimes foi possível es-
truturar o método, aperfeiçoá-lo, revisá-lo e difundi-lo. Após funcionar sem o auxílio
de força policial ou qualquer tipo de armas, a experiência bem sucedida da APAC, veio
a público, e, Mário Ottoboni escreveu livros, bem como realizou seminários e congres-
sos, tanto nacionais quanto internacionais e seu método passou a ser objeto de pesquisa
em várias áreas do conhecimento (OTTOBONI, 2001).
Valdeci Antônio Ferreira, morador da cidade de Itaúna, em Minas Gerais, era
um desses inconformados com a realidade do sistema prisional. Em 1984, fundou uma
pastoral carcerária na cidade e passou a corresponder-se com Mário Ottoboni. Empol-
gado com as notícias, Valdeci foi conhecer de perto o método APAC e o presídio sem
guardas.
A pastoral liderada por Valdeci adquire personalidade jurídica, é o surgimento
da primeira APAC de Minas Gerais, em 1986. Assim, seguindo seu trabalho ampa-
rando de forma mais efetiva, os presos do regime semiaberto e aberto no intuito de
conseguirem apoio social e jurídico para fundar um Centro de Reintegração Social na
cidade.
Após uma rebelião na cadeia pública de Itaúna, que a destruiu, anos depois, os
presos precisaram ser transferidos provisoriamente para cidades vizinhas, sendo neces-
sário a construção de um espaço para novamente abri-los. Nesse sentido, um espaço
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modesto que seria o Centro de Reintegração Social foi construído, em 1995, mas, ainda
sob os cuidados da polícia (OTTOBONI, 2001).
Em janeiro de 1996, a APAC de Itaúna com sede própria passa a abrigar os
três regimes, sendo administrada sem o concurso de armas ou policiais, sob a presidên-
cia de Valdeci Antônio Ferreira.
Um ano depois a entidade sem fins lucrativos ganha um terreno maior e com o
apoio da comunidade, passa a ser construído o Centro de Reintegração Social CRS,
no qual funciona a APAC masculina que é o lócus de estudo/objeto deste artigo.
Hoje, a APAC masculina de Itaúna abriga 170 (cento e setenta) recuperandos,
divididos em três regimes. O CRS conta com padaria, marcenaria, oficinas para mon-
tagem de peças automotivas, fábrica de blocos, produção de mudas e oficinas de
laborterapia.
A APAC não é um lugar, e sim “um método de valorização humana para oferecer
ao condenado condições de recuperar-se e com o propósito de proteger a sociedade,
socorrer as vítimas e promover a justiça” (OTTOBONI, 2001 p. 10).
Inicialmente, percebe-se duas grandes diferenças entre a metodologia e o sistema
comum de cumprimento de pena: o local onde a pena é cumprida diferencia-se dos
demais estabelecimentos prisionais por não ter vigilância armada, nem agentes policiais
e a denominação dada ao cidadão privado de liberdade não é preso e sim recuperando.
Parece utópico um presídio sem armas, sem intervenção policial, onde os conde-
nados não estão uniformizados e são chamados pelo nome de registro. Entretanto, para
que esse lugar exista são necessários os seguintes critérios: acolhimento social, senti-
mento de pertencimento ao grupo, trabalho adequado, religiosidade, assistência
jurídica, assistência à saúde, autovalorização, amparo familiar, educação, bons exem-
plos, progressão de regime, meritocracia e reconciliação.
O autor do método o dividiu em doze passos e afirma que a ausência de qualquer
deles compromete todo o trabalho, assim sendo, faz-se necessário apresentá-los na or-
dem de implementação.
O primeiro passo que compõe o método é a “Participação da Comunidade, sem
a aceitação social não é possível iniciar um processo de ressocialização. Mostra-se ne-
cessário que a sociedade entenda ser ela a maior beneficiária da recuperação do
delinquente, pois diminuindo a reincidência, diminui também a violência.
O segundo passo do método “Recuperando Ajudando Recuperando” visa resga-
tar o sentimento de respeito ao próximo, de cooperação e trabalho em equipe, no qual
os recuperando são estimulados a todo momento a unirem-se, a funcionarem como um
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microcosmo social harmônico. “Quando a cela vai bem, todo o presídio vai bem”
(OTTOBONI, 2001, p. 43).
O terceiro passo é o “Trabalho”, aqui, faz-se necessário considerar a condição
psíquica e moral do recuperando, por este motivo o trabalho é classificado conforme o
regime de cumprimento de pena.
O quarto passo é “A Religião e a Importância da Experiência de Deus”, em que
não existe a imposição de uma religião, mas, sim, a presença em todos os atos religiosos
que devem ser ecumênicos. Tais atos têm por finalidade a valorização humana por meio
da evangelização. Os representantes religiosos são voluntários e pregam a imagem do
Deus pai, que ama seus filhos de forma justa e igualitária e assim sendo “ninguém é
irrecuperável” (OTTOBONI, 2001, p. 37).
A “Assistência Jurídica” é o quinto passo do método que estabelece que haja de
forma muito acessível pelo menos um voluntário, advogado ou estagiário, para esclare-
cer e requerer todos os benefícios a que o recuperando fizer jus. Outrossim, recomenda-
se muita cautela para que a finalidade do método não seja vista tão somente como a
liberdade do recuperando.
Ressalta-se que a pena privativa de liberdade não retira do condenado o direito à
saúde, preconizado no artigo 5º da Constituição Federal, por isso o sexto passo é “As-
sistência à Saúde”. Logo, um ambiente limpo apresenta-se fundamental para evitar a
proliferação de doenças.
Sendo assim, o CRS deve ser limpo, pintado, ter fornecimento de água potável,
cuja caixa d’água deve ser lavada pelo menos uma vez por ano, a comida deve estar bem
acondicionada e deve haver dedetização periódica. A prevenção é sempre mais fácil e
barata, se comparada ao tratamento, no entanto, precisa-se que haja a atuação de pro-
fissionais da saúde dentro do CRS, médicos, dentistas, enfermeiros, psicólogos e
psiquiatras.
A base do método é a “Valorização Humana” que, também, constituiu o sétimo
passo idealizado por Mário Ottoboni. Dessa forma, ao adentrar no sistema prisional, o
condenado é despido de toda e qualquer dignidade, a primeira coisa que lhe é tirada é
o seu nome, ele passa a ser tratado por um número, depois tiram-lhe as roupas e todos
os seus pertences, ocorre a massificação do sujeito pela uniformização.
O recuperando precisa ver-se como protagonista de sua história, mostra-se ne-
cessário chamá-lo pelo nome, conhecer seus sonhos, sua família, sua história e,
principalmente, fazer com que ele entenda que a mudança é possível, que apesar de ter
errado ele continua sendo um ser humano valoroso, merecedor do perdão, do amor e
da confiança social. Há que se restituir ao cidadão privado de liberdade sua condição
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de ser único, com identidade própria. A construção de uma autoimagem positiva é
condição essencial para a ressocialização.
“A família” é de suma importância para a ressocialização do recuperando, mas
para isso é preciso que ela esteja estruturada, harmoniosa e bem assistida. E, conside-
rando que no seio familiar encontra-se a origem da maioria dos fatores que geraram a
delinquência, é preciso modificar esse ambiente. Assim, são oferecidos cursos e realiza-
dos trabalhos psicológicos e assistenciais no intuito de melhor estruturar o grupo
familiar, constituindo-se o oitavo passo.
O nono passo é: “O voluntariado e o Curso para sua Formação”, considerando
que a base sobre a qual se ampara o método APAC é a comunidade e, para que ela
esteja totalmente engajada, faz-se necessário que todo o trabalho, com exceção do ad-
ministrativo, seja voluntário. Essa gratuidade inibe o oferecimento de propina, impede
a corrupção e comove o recuperando para que o trabalho seja realizado de forma
adequada são oferecidos cursos de capacitação.
O “Centro de Reintegração Social” consiste no décimo passo e existe para que a
LEP seja cumprida, porque embora exista previsão legal de progressão de pena, na prá-
tica, muitas vezes o preso não usufrui deste benefício, pois existem pouquíssimas
colônias agrícolas ou industriais onde deveriam ser cumpridas as penas do regime se-
miaberto. A progressão penal funciona como estímulo para que o recuperando se
esforce, pois ela o aproxima de seu objetivo maior que é a liberdade.
O “Méritoé o caminho pelo qual o recuperando alcançará a ressocialização. Na
APAC não é requisito para a obtenção de benefícios penitenciários a obediência. Cum-
prir as normas simplesmente não caracteriza o valor do recuperando. Nada lhe será
concedido sem que haja a sua cota de comprometimento com o método. O homem
novo e integrado socialmente é uma conquista! Eis o décimo primeiro passo do mé-
todo.
A metodologia é finalizada com a “Jornada de Libertação com Cristo”. Esse passo
consiste em três dias de retiro espiritual, destinados à reflexão e ao autoconhecimento.
A parábola do Filho Pródigo é o norte da experiência religiosa que é destinada apenas
aos recuperandos. Finalizando a jornada, o recuperando encontra-se com seus parentes
simbolizando a volta para casa do filho e a acolhida do pai que o recebe em júbilo.
Eis uma síntese do método APAC e seus doze passos para que a pena privativa
de liberdade alcance de fato seus objetivos, quais sejam: ressocialização e prevenção de
crimes futuros.
A escrita desta seção foi baseada no livro Vamos Matar o Criminoso? No qual
Mário Ottoboni (2001) explica o método APAC.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Descrição do local de pesquisa
O estudo aconteceu na Associação de Proteção e Assistência aos Condenados
(APAC) na cidade de Itaúna, em Minas Gerais. A escolha do lócus de pesquisa se deu
em função de ser o único local onde a metodologia criada por Ottoboni foi totalmente
implementada, além de ser um estabelecimento prisional em que a LEP é cumprida. A
unidade de ressocialização contava, em agosto de 2018, com 170 recuperandos
1
, todos
do sexo masculino e a maioria participante da educação formal na modalidade Educa-
ção de Jovens e Adultos (EJA).
A APAC funciona em um prédio próprio e abriga diferentes regimes prisionais,
quais sejam: fechado, semiaberto e semiaberto com trabalho externo. Conforme deter-
mina a LEP, os recuperandos de regimes diferentes não têm contato. Na comarca de
Itaúna, os presos do regime aberto o cumprem de forma domiciliar.
O Regime fechado possui 17 celas e comporta 87 recuperandos, todos têm cama
de alvenaria e armário individual. O pavilhão do regime fechado conta com farmácia,
consultório médico e odontológico, refeitório, pátio fechado, auditório, biblioteca e
oficinas de terapia ocupacional, e laborterapia.
No período noturno, a biblioteca e o auditório funcionam como salas de aula,
os espaços são divididos entre séries diferentes. Os recursos didáticos disponíveis são
quadro, computadores, projetor, aparelho de TV, aparelho de DVD e livros.
No regime semiaberto, existem 6 celas com 55 recuperandos, todas com camas
em alvenaria, armário individual. Este regime possui refeitório, cozinha, padaria, mar-
cenaria, olaria, horta, oficinas terceirizadas, quadra, playground, quiosque, suítes para
visita íntima, auditório e a sede administrativa.
Neste regime as aulas acontecem no auditório, também com várias séries divi-
dindo o mesmo espaço, são improvisadas aulas no quiosque. Os recursos didáticos
disponíveis são os mesmos do regime fechado. Todos os recuperandos do regime fe-
chado e semiaberto são obrigados ao estudo formal e existem turmas do Ensino
Fundamental e do Ensino Médio.
Existem ainda recuperandos que fazem cursos técnicos e, 2 cursam o ensino su-
perior, na modalidade de Ensino à Distância. Os recuperandos do regime semiaberto
com direito ao trabalho externo são 28, divididos em 2 celas, todas estruturadas como
as demais, e para estes não há a obrigatoriedade do estudo formal.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Procedimentos metodológicos
A pesquisa foi autorizada pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) sob o número
2.893.204.
Para alcançar o objetivo foram entrevistados 7 professores voluntários, que
atenderam aos critérios de inclusão da pesquisa: lecionarem na modalidade Educação
para Jovens e Adultos (EJA) na APAC de Itaúna. Para coleta de dados utilizou-se de
uma entrevista composta por questões semiestruturadas.
Os professores entrevistados têm entre 30 e 47 anos de idade, todos possuem
licenciatura e pós-graduação lato sensu. O tempo de docência varia entre 5 e 26 anos e
o tempo de ensino dentro da APAC varia de 8 meses a 5 anos. Foram ouvidos partici-
pantes de ambos os gêneros e disciplinas distintas.
Todos os participantes são designados, ou seja, contratados por um ano letivo e
estes contratos podem ou não serem prorrogados posteriormente. Não lecionam na
APAC professores concursados pelo Estado de Minas Gerais. Sendo esta a política ado-
tada para o projeto de fornecimento de educação formal, por meio da EJA no
estabelecimento prisional.
Esta pesquisa foi realizada em cinco etapas, as quais seguem descritas:
1ª etapa Elaborou-se o instrumento de coleta de dados;
2ª etapa Validou-se o instrumento de coleta de dados, submetendo-o a uma
validação por pares, com professores que participam de um grupo de pesquisa e de
professores que lecionam em outras unidades prisionais, a fim de avaliar se as questões
foram redigidas com clareza e se são pertinentes à temática. O pré-teste pode evidenciar
se ele apresenta, como descrito por Marconi e Lakatos (2003, p. 230) fidedignidade,
(serão obtidos os mesmos resultados por quem o aplicar) validade(os dados são ne-
cessários a pesquisa) e operatividade(o vocabulário é acessível aos participantes).
3ª etapa Submeteu-se o projeto ao Comitê de Ética em Pesquisa;
4ª etapa Após aprovação do projeto pelo comitê de ética, coletou-se e tabulou-
se os dados;
5ª etapa Realizou-se a análise dos dados. A análise dos dados proveniente das
questões semiestruturadas foi realizada qualitativamente por meio da análise do conte-
údo, baseando-se em Bardin (2016).
Em acatamento aos princípios que norteiam as pesquisas realizadas com seres
humanos, nenhum participante será identificado. Assim sendo, os entrevistados foram
identificados como P1, P2, P3, P4, P5, P6 e P7.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Para analisar os dados obtidos por meio das entrevistas, optou-se pela Análise de
Conteúdo (AC), e tomou-se por referência Bardin (2016). Para a aplicação desta téc-
nica foram necessárias 3 etapas: P-análise, Exploração do material e Tratamento dos
resultados inferência e interpretação (BARDIN, 2016).
Na “Pré-análise”, estão compreendidos 7 passos, quais sejam: “Leitura Flutu-
ante”, que consistiu na audição das entrevistas; “Escolha dos Documentose foi a
transcrição das entrevistas, “Regra de Exaustividade” caracterizada pela conferência mi-
nuciosa entre os áudios. E, as transcrições por permitir a integralidade do material,
“Regra da Representatividade” garantia de que a amostra representaria um universo de
pesquisa, “Regra de Homogeneidade” a conferência de que foram feitas as mesmas per-
guntas a todos os entrevistados, “Regra de Pertinência” caracterizada pela certeza de
que o material atendia aos objetivos da pesquisa e por último a “Regra de Exclusivi-
dade”, em que cada elemento deveria constar em apenas uma categoria.
Na segunda etapa, “Exploração do Material” foram definidos os recortes, anali-
sadas as unidades de repetição, a objetividade e estabelecidas as categorias.
Optou-se por 2 categorias pela pertinência das falas e similaridade de conteúdo,
observando critérios de exclusão mútua, ou seja, cada recorte pertence a uma única
categoria e subcategoria. A primeira categoria referiu-se ao professor e o eixo transversal
Trabalho e Consumo, sendo dividida em 4 subcategorias, a saber: Conhecimento da
Temática Trabalho e Consumo, Participação em Cursos de Formação Continuada,
Efetivação da Abordagem do Eixo Trabalho e Consumo e Interdisciplinaridade. A se-
gunda categoria foi estabelecida com base no trabalho do professor frente o método
APAC e suas implicações, compreendendo 3 subcategorias: Dificuldades Enfrentadas
Pelos Docentes, O professor e a Importância da Educação para a Cidadania e Conhe-
cimento e Credibilidade do Método APAC.
Na terceira etapa da Análise de Conteúdo, realizou-se o “Tratamento dos Dados
Inferência e Interpretação, que consistiu em conferir significado indutivo e proposi-
tivo ao material coletado.
Como explicado anteriormente, o objetivo deste artigo consistiu em demonstrar
a compreensão docente acerca da importância do papel do professor na ressocialização
dos condenados que cumprem pena na APAC. Assim sendo, a análise dos dados versará
sobre a segunda categoria e segunda subcategoria da pesquisa: O professor e a Impor-
tância da Educação para a Cidadania.
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Os resultados obtidos no método APAC: ressocializar mostra-se
possível?
A proposta de formação cidadã vai ao encontro das necessidades dos indivíduos
que infringiram as leis por não se ajustarem às normas de conduta, ou ainda, não as
perceberem como tal. Muitas vezes o termo correto seria socialização do condenado,
porque a ressocialização presume que em algum momento ele possuiu o status de cida-
dão, o que nem sempre ocorre. (ROSA, 2019)
Cidadania pressupõe acesso aos direitos fundamentais e sociais: inclusão, acesso
às políticas públicas, direitos trabalhistas, previdenciários, saúde, educação, moradia e
lazer (BRASIL, 1988). Neste viés, a maioria dos condenados sempre esteve à margem
da condição de cidadão.
O papel do professor vai além da didática e da transmissão de conteúdo acadê-
mico, espera-se que o docente tenha um pensamento consoante com a reforma do
conhecimento trazida pelas diretrizes da educação pós Constituição de 1988, e com a
chamada revolução do conhecimento.
A fala dos professores que lecionam na modalidade EJA na APAC de Itaúna re-
produz os princípios contidos nos documentos oficiais de ensino e mostram o
comprometimento com a formação do sujeito que voltará ao convívio social. “P1: [...]
Eu acredito que a educação tem um papel muito importante nessa reintegração, nessa
ressocialização, sim [...]” (SPÍNOLA, 2018, p. 94).
Ao conferir importância à educação, esta importância também é conferida ao
professor que se apresenta como o veículo que conduz o discente pelos caminhos do
saber. A educação formal passa pela mediação docente que percebe-se como parte in-
tegrante em um processo de transformação proporcionado pela educação, condição
essencial para o exercício desta função.
P2: [...] muitos entram lá (na APAC) com 30, 40, 50 anos com fundamental incompleto, sem
saber ler e escrever, e lá a escola oferece desde a alfabetização até a conclusão do ensino médio.
Então, com certeza o cidadão que sai da APAC com o diploma na mão, ele tem muito mais
possibilidade de conseguir né? Muito mais possibilidade de conseguir um emprego, uma experi-
ência, saber ler e até uma formação, a visão crítica de mundo mesmo né? (SPÍNOLA, 2018, p.
94).
A fala, acima, revela além da preocupação em transmitir o conteúdo, uma preo-
cupação em despertar o entendimento do mundo. Para que haja inserção é preciso que
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o processo social seja compreendido, mostra-se preciso que se reflita sobre os aconteci-
mentos. Neste caso, não há protagonismo sem visão crítica.P3: [...] Mas eu acho que
a educação ela transforma sim, transforma mais é muito, principalmente se ela for bem
aplicada, entendeu? [...]” (SPÍNOLA, 2018, p. 95).
Esta concepção transformadora, conferida à educação e aliada à aplicabilidade,
nada mais é do que o fundamento sob o qual o PCN e os demais documentos oficiais
de ensino foram concebidos.
P4: [...] eu acho que a gente tem duas formas de ascensão social hoje, você ficar rico ou você
estudar, a primeira é muito mais difícil que a segunda. E eu acho que você pode ficar rico por
uma sorte do destino, por um trabalho muito duro e aí tem que ser muito mesmo, nós estamos
falando da realidade de um país ainda de terceiro mundo, e eu acho que o fato de estudar de
passar por essa oportunidade te dá mais, eu vou repetir, te dá maiores oportunidades você tem
um leque maior pra buscar quando você faz isso, quando você estuda, não só lá, não só lá no
sistema prisional, na vida cotidiana [...] (SPÍNOLA, 2018, p. 95).
Conferir valor à educação e compreendê-la como meio de mobilidade social é a
orientação trazida pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversi-
dade para o trabalho na modalidade EJA. O docente mostra que comunga com o
arcabouço teórico sobre o qual os documentos de ensino foram elaborados.
P7: [...] Você vê a alegria quando você está formando uma turma, você vê assim, a sensação para
eles tem quando eles formam no ensino fundamental é a mesma coisa quando eu formei na fa-
culdade. A relação daquele dever cumprido e a família chora. [...] O caminho é esse, são os
estudos fazer com que eles entendam que talvez esse caminho é mais demorado, mas esse que vai
ter uma luz no fim do túnel. [...] é cada dia um degrauzinho (SPÍNOLA, 2018, p. 95).
A fala deste professor mostra sua convicção no trabalho realizado, a conscienti-
zação para si, bem como para os alunos, sobre a importância da educação para a
reintegração social. Pode-se auferir, aqui, a formação integralizada como via de acesso
à cidadania.
Considerações finais
A pena privativa de liberdade traz em si acessórios sem previsão legal, violência
institucionalizada, abusos sexuais, doenças em virtude das condições de higiene precá-
rias, que culminam na impossibilidade de uma existência digna. (FOUCAULT, 2004)
Embora exista legislação pertinente à execução da pena, garantindo-lhe o cará-
ter educacional e ressocializador, essa ainda não é efetiva. A superlotação e o
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desinteresse por políticas carcerárias inviabilizam o acesso aos direitos penitenciários,
principalmente ao direito à educação. (ROSA, 2019)
A metodologia APAC é uma opção para o cumprimento do que preconiza a
LEP e as normas internacionais de caráter humanitário, uma vez que são cumpridos os
direitos à progressão de regime, à educação e ao trabalho. Ao respeitar os dispositivos
da execução penal, o método contribui para a efetiva ressocialização, assim, tendo me-
nor reincidência comprovada por várias pesquisas. (SPÍNOLA, 2018)
Evidenciou-se que é possível que cidadãos condenados cumpram sua pena de
forma digna e em conformidade com o que preconizam as normas nacionais e interna-
cionais no que se refere a direitos carcerários e humanitários.
A APAC provê a educação formal, que é direito do cidadão privado de liber-
dade e este ensino é pautado pelo que determina os documentos oficiais de ensino,
estando em harmonia com todo o sistema de ensino público. Os princípios norteadores
da formação integralizada com vias à cidadania estão sendo aplicados em prol da resso-
cialização.
Os professores que lecionam na unidade prisional compreendem a importância
do seu papel enquanto agentes de transformação social. Os docentes são profissionais
comprometidos com o caráter ressocializador da pena e de sua obtenção por meio da
educação.
Além de ministrarem os conteúdos estabelecidos na grade curricular, os profes-
sores têm a preocupação de formar sujeitos críticos, socialmente inclusos e capazes de
mudarem o rumo da própria história. A cada cidadão ressocializado, acredita-se que a
educação tenha cumprido seu papel de instrumento de transformação e que mais um
passo tenha sido dado em direção à obtenção da Justiça Social.
Sim, é possível ressocializar o cidadão privado de liberdade por meio da educa-
ção!
Notas
1
Termo utilizado para designar o condenado que cumpre pena na APAC.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Educação como fator de ressocialização de condenados: uma experiência no Método APAC
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