
Educação e justiça social na contemporaneidade: repensando o sentido da docência no âmbito escolar
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v. 26, n. 3, Passo Fundo, p. 676-700, set./dez. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
Os destinos da liberdade, da democracia que a torna possível – ao mesmo tempo que é
possibilitada por ela – e da educação que produz a insatisfação com o nível de liberdade
e democracia até aqui atingido são inextricavelmente ligados e não podem ser separados
um do outro. Pode-se ver essa conexão íntima como outra espécie de círculo vicioso – mas
é nesse círculo, e só nele, que as esperanças humanas e as chances da humanidade se
inserem (2009, p. 23).
Sobre esse panorama, uma luta de fundo anima nosso esforço para pensar
a justiça social em tempos de modernidade líquida/flexível e ela tem um caráter
eminentemente prático, assim como eminentemente teórico. Trata-se, ao mesmo
tempo, de a tornarmos efetiva, no sentido que permita conquistas e alargamentos
das liberdades, combatendo desigualdades, discriminações e formas de opressão,
dentro de um mundo que está em curso, como também de repensarmos, do ponto
de vista teórico, o próprio significado do termo e sua relação potente com os desa-
fios do presente. Este parece um movimento contemporâneo que tem atravessado
o debate nas ciências humanas e na filosofia, ganhando destaque nos escritos de
Fraser, Sen, Rawls, Dubet, entre muitos outros (ESTEVÃO, 2015).
Um sentido para a ideia de justiça social, associada ao combate das desigual-
dades, está bem configurada nos escritos de Dubet (2003) e de outros pensadores.
Numa clara alusão a Tocqueville e a seu senso de igualdade, Dubet evidencia como
este marco significativo pode servir de referência para pensar nas democracias
modernas, bem como nos direitos humanos. Dubet, assim como Castoriadis (1992),
distingue os dois sentidos fortes e paradoxais da modernidade, explicitando como
ela comporta, de um lado, um projeto de exploração, movido pelas forças do capital,
e, de outro, um projeto de autonomia, de igualdade e de emancipação, marcado pela
ideia de democracia.
Um relato otimista sobre a modernidade poderia mostrar sem dificuldade que as socieda-
des democráticas, no sentido definido por Tocqueville, fizeram recuar pouco a pouco as desi-
gualdades de castas e de ordens, a escravatura, a ausência de direitos políticos, a margina-
lização das mulheres, as aristocracias de nascimento [...]. A segunda face da modernidade é
encarnada por Marx, para o qual as desigualdades de classes não constituem uma herança
do passado, mas um elemento fundamental, estrutural, das sociedades modernas, isto é
das sociedades capitalistas. Na medida em que o capitalismo se baseia num mecanismo de
extração permanente da mais-valia a partir do trabalho, especialmente exigindo o inves-
timento de uma parte crescente das riquezas produzidas, a oposição dos trabalhadores e
dos donos dos investimentos, do trabalho e do capital, torna as desigualdades sociais um
elemento funcional do sistema das sociedades modernas (DUBET, 2003, p. 25-26).
O destaque conferido por Dubet (2003) a duas tradições antagônicas para
a leitura da modernidade ajuda a explicitar a natureza da análise que estamos
conduzindo para pensar um outro sentido para a ideia de justiça social entre o