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ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Ireno Antônio Berticelli
v. 28, n. 1, Passo Fundo, p. 339-358, jan./abr. 2021 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
ideologia está presente e assume a forma do mito. Carro ideal, família ideal, que
são, afinal, mais que mitos? “O mito é uma fala”, diz Barthes (1982, p. 131) com
um título de Mitologias. “Naturalmente, não é uma fala qualquer [...]”. “O signifi-
cante do mito apresenta-se de uma maneira ambígua: é simultaneamente sentido
e forma, pleno de um lado e vazio do outro” (BARTHES, 1982, p. 139). Se, de um
lado, o mito da propaganda da Weekend (o carro ideal, a família ideal) suscita o
cotidiano verdadeiro, o familiar, por outro, no criar este mito, esvazia-o ao transfe-
ri-lo para outra coisa que não é a família, isto é, o automóvel. O automóvel institui
a não-família ideal que o discurso ambíguo produz em forma de mito. É tão estreita
a ligação entre o conceito de família ideal e de carro ideal que esta relação acaba
por desconstruir qualquer verdade por tênue que seja, em torno da família ideal.
Ocorre, nesta propaganda fotográfica, exatamente o processo de ideologização que
Barthes atribui ao mito. Diz ele: “A semiologia ensinou-nos que a função do mito
é transformar uma intenção histórica em natureza, uma contingência em eterni-
dade. Ora, este processo é o próprio processo da ideologia burguesa” (BARTHES,
1982, p. 162). Ao criar o mito da família ideal para o carro ideal, naturaliza-se
ideologicamente esta relação. A mediação entre o conceito e a materialidade destas
coisas é a ideologia que as transforma em ideais, naturalizando tal relação. É a
inversão a que se refere Barthes (1982, p. 163) da anti-physis que se converte em
pseudo-physis. Com isto, perde-se a lembrança da produção do mito e passa-se a
ver apenas natureza. Mas, em perfeito acordo com Adorno e Horkheimer, também
neste caso específico, o mito já institui a ideologia capitalista.
Diante disto tudo, considero que o texto materializado na fotografia da Wee-
kend cercada pela família ideal revela impasses de significado que viabilizam sua
desconstrução
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. A família ideal se converte em família real, para o carro real. Mas
este fenômeno é circular (dialético). Uma espécie de gangorra semântica de inver-
são contínua de sentido. Se repararmos bem nas figuras, nas posturas, nas atitu-
des, nada encontraremos além do cotidiano. O conjunto, porém, composto por uma
família em um automóvel se compõe e decompõe continuamente, por força de seus
elementos componentes. Não existe nada além do cotidiano em cada figura (parte
do todo) em particular. O todo, porém, se constitui num texto acirradamente ideo-
lógico, reforçado por uma legenda que reforça a écriture que constitui o todo: texto
e imagem. E, neste caso, estamos diante de um fenômeno cuja força e importância,
em nossos dias, corresponde ao que diz Judith Williamson (1978, p. 11, tradução mi-
nha): “A propagandas são um dos mais importantes fatores culturais que moldam e
refletem nossa vida hoje”. Na propaganda se realiza a troca de valores, uma espécie