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Família e propaganda – imagem restaurada: um exercício de leitura de imagens
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Família e propaganda – imagem restaurada: um exercício de leitura de imagens
Family and advertising – restaured image: an exercise of image reading
Familia y propaganda – imagen restaurada: un ejercicio de lectura de imágenes
Ireno Antônio Berticelli
*
Resumo
Este artigo é uma análise cultural da família, assim como ela é vista numa/pela propaganda de um modelo de
automóvel. Insere-se na proposta dos Estudos Culturais (ECs), neste caso, com ns educativo-pedagógicos de
leitura de imagens. O método de análise é predominantemente qualitativo, no sentido de que a verdade bus-
cada se insere essencialmente no campo da interpretação e do ensaio crítico: prática corrente de método, nos
ECs. Dentre as metodologias mais correntes nos ECs, escolhi a que Barker (2008) caracteriza como abordagem
textual. A mesma autoridade deixa claro que a perspectiva teórica da semiótica ocorre normalmente em autores
dos ECs, de modo que eu mesmo, neste estudo, faço incursões semióticas. O texto-imagem encerra ideologias
e mitos – mito proposto por uma propaganda de fundo ideológico. A imagem se constitui num texto revelador
de intenções/mensagens cuja signicação é por ela mediada de modo complexo, numa dialética de mostrar e
esconder, de dizer e silenciar, onde o poder se exerce em nome de uma vontade que se materializa na linguagem
textual: uma fotograa. Trata-se do exercício da leitura de um texto não convencional, cuja presença é uma das
características marcantes de nosso tempo: a imagem. Nela, lemos sobre um padrão cultural de família através de
um modelo de automóvel, em que busco as forças de persuasão que a imagem exerce, na produção da subjeti-
vidade de uma família restaurada.
Palavras-chave: leitura de imagens; leitura; imagem como texto.
Abstract
This article is a cultural analysis of the family as it is seen in an/through an advertising of a car model. It is inserted
in the proposal of Cultural Studies (CS), in this case, for educational-pedagogical purposes of image lecture. The
method of analysis is prevailingly qualitative, in the sense that the sought truth is essentially inserted in the eld
of interpretation and of the critic essay: a current practice of method, in the CS. Among the methods most fre-
quent in the CS, I have chosen the one that Backer (2008) characterizes as textual approach. The same authority
makes clear that the theoretical perspective or semiotics occurs normally in authors of CSs, so that myself, in this
study, make semiotic inroads The image-text, in this case, contains ideologies and myths – the proposed myth
by an advertisement ideologically based. The image is a discloser text of intentions/messages whose signica-
tion is mediated by it, in a complex way through a dialectical of to show and to hide, of to say and to mute, where
*
Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Educação: Ensino Superior
pela Universidade Regional de Blumenau (Furb). Docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu (Mestrado em
Educação) e no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências da Saúde (Doutorado em Ciências da Saúde) da
Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3498-9999. E-mail:
ibertice@unochapeco.edu.br
Recebido em: 12/05/2019 – Aprovado em: 15/04/2021
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v28i1.9437
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the power is exerted in the name of a will that is materialized in textual language: a photography. This study is an
exercise of lecture of a not conventional text whose presence is one of the most remarkable characteristics of our
time: the image. In it we read about a family cultural pattern through a car model, in which I search for the forces
of persuasion that the image exercises, in the production of the subjectivity of a “restored” family.
Keywords: image reading; reading; image as text.
Resumen
Este artículo es un análisis cultural de la familia, así como ella es vista en/por una publicidad de un modelo de
coche. Se incluye en la propuesta de los Estudios Culturales (EC), en este caso, con nes educativo-pedagógico
de lectura de imágenes. El método de análisis es predominantemente qualitativo, em sentido de que la verdade
buscada se inserta essencialmente en el ámbito de la interpretación y el ensayo crítico: práctica común em los
EC. Entre las metodologías mas comunes em los EC, elegí aquella que Backer (2008) caracteriza como enfoque
textual. La misma autiridad deja claro que la perspectiva teórica de la semiótica ocorre normalmente em los au-
tores de los ECs, de modo queyo mismo, em este estudio, hasgo incursiones semióticas. El texto-imagen, em este
caso, contiene ideologias y mitos – el mito propuesto por uma publicidad ideológica. El método de análisis es
predominantemente qualitativo, em sentido de que la verdade buscada se inserta essencialmente en el ámbito
de la interpretación y el ensayo crítico: práctica común em los EC. Entre las metodologías mas comunes em los
EC, elegí aquella que Backer (2008) caracteriza como enfoque textual. El texto-imagen, em este caso, contiene
ideologías y mitos – el mito propuesto por uma publicidad ideológica. La imagen se constituye en un texto re-
velador de intenciones/mensajes cuyo signicado es por ella mediada de modo complejo, en una dialéctica de
mostrar y ocultar, de decir y silenciar, adónde el poder se ejerce en nombre de una voluntad que se materializaa
en el lenguaje textual: aquí, una fotografía. Este estudio es un ejercicio de lectura de un texto no convencional
cuya presencia es una de las características de nuestro tiempo: la imagen. En ella leemos a respecto de un están-
dar cultural de familia, a través de un modelo de coche em la que busco las fuerzas de persuasión que la imagen
exerce em la productioón de la subjectividad de uma familia “restaurada.
Palabras clave: lectura de imágenes; lectura; imagen como texto.
Introdução
Passados mais de 22 anos da publicação do número da revista Quatro Rodas,
da qual extraí uma imagem para realizar, em torno e a respeito dela, um estudo
cultural, há de convir que as condições sociais e conceptuais de “família” sofreram
grandes transformações, principalmente com a disseminação generalizada dos
meios eletrônicos de informação como a internet e os artefatos como os computa-
dores, os celulares, os tablets e outros gadjets semelhantes. Mesmo a TV digital
trouxe profundas modificações ao acesso de informação. Com isto, o processo de
homogeneização cultural, em alguns aspectos, se tornou uma realidade corrente.
Mesmo assim, mutatis mutandis, a imagem que escolhi para análise não perdeu
seu vigor informativo/deformativo/reformativo/performativo.
Na intencionalidade deste estudo, a metodologia lhe é constitutiva, ou seja, leva
diretamente à compreensão das significações do signo, neste caso, uma fotografia,
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com seus elementos que a compõem. Os Estudos Culturais (ECs), havendo mesmo
muitos “caminhos investigativos” (não raro até conflitantes) propostos pelos múlti
-
plos autores que neles operam, a meu alvitre, mantém algumas características que
são constantes. Assim, admitem a complexidade dos fenômenos/artefatos que anali
-
sam. Propõem-se a produzir conhecimentos com relevância social (PINA, 2003). Por
outro lado, a pretensão de um estudo cultural nunca opera como se o conhecimento
fosse neutro. É sempre um posicionamento político e ideológico. A ideologia, diferen
-
temente do conceito marxista, é parte constritiva de todo discurso. Não é oculta em
intenções escusas, mas “visível”, como parte mesmo que caracteriza qualquer texto/
discurso. É desta maneira que a ideologia é entendida por mim, neste texto. Barker
(2008), importante nome, neste campo, confirma esta posição. Tal como em Stuart
Hall (1972), a perspectiva que orienta os ECs é a articulação entre as preocupações
teóricas com as inquietações concretas. E a questão da ideologia, ganha intensidade,
sob a compreensão aqui defendida, quando os autores dos ECs começaram a dar sus
-
tentação argumentativa às suas produções com Michel Foucault. Assim, este estudo
busca a articulação entre os valores meramente capitalistas com os valores sociais/
familiares (as posições hierárquicas includentes e excludentes ocupadas pelos perso
-
nagens da propaganda em análise). Na trama do pensamento deste artigo, pode-se
identificar rastros de política cultural, mais uma característica teórico-metodológica
dos ECs. Ou seja, a ordem em que se distribui o poder através do artefato (o automó
-
vel) e os diversos personagens que completam o quadro analisado. São visíveis, nele,
o poder do mercado articulando-se com a cultura popular e a quase veneração dos
“carrões”, tão ligados ao conceito de status social.
O estudo tem por objetivos:
a) fazer um exercício de leitura de imagem, com fins pedagógico-educativos para
discentes e docentes;
b) analisar uma peça publicitária, decodificando seus componentes materiais e
imateriais (simbólicos), de sorte a propiciar a possibilidade de compreender pro
-
cessos de produção de subjetividades, pela força ilocucionária da imagem-texto;
O significado de texto e leitura, na contemporaneidade, alcança uma amplitude
muito maior do que se supunha, a bem menos de um século atrás. Ou seja, o mundo
é texto que pode ser lido a partir de muitos horizontes de visão e de interpretação.
E nunca, como na contemporaneidade, a imagem ocupou tamanha significação,
tanto em tempo, quanto em espaço, na vida cotidiana de todas as pessoas, sob todas
as idades e condições socioeconômicas, políticas, geográficas. Na educação, a lei-
tura de imagens se tornou uma demanda emergente e aguda. Desde a mais tenra
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idade, as crianças manipulam milhões de imagens, em sempre maior profusão, com
sempre maior complexidade e apelo. E os adultos também estão neste mesmo jogo.
O mundo digital faz parte constitutiva das identidades contemporâneas. As novas
gerações já nem conseguem mais imaginar o mundo sem televisão, sem computa-
dores, sem iPhones, sem tablets e numerosos outros meios técnicos de comunicação
e entretenimento, de trabalho cotidiano/diuturno, em que o mundo se expõe em
profusão de cores e imagens que moldam as identidades contemporâneas. Tempo
e espaço se fundem no virtual imagético e a educação mesma é, com isto, ressig-
nificada. O tempo e o espaço do aprender foram inteiramente ressignificados pelo
acesso ao conhecimento, independentemente de lugar, de espaço físico, como há tão
pouco tempo fazia parte do cotidiano das pessoas. Examinem-se, por exemplo, os
materiais escolares, incluídos, nisto, os manuais de 1960 para trás para constatar
quão pouco havia neles de imagens. E se havia, eram, em geral, imagens por vezes
precárias e desprovidas de cor. Sendo imagens reais, sua profusão e difusão era
muitíssimo ou quase infinitamente limitada se compararmos os meios para tal com
os atuais meios eletrônicos que oferecem a virtualidade. O virtual, hoje, se confun-
de com o real (não é seu contrário, nem lhe é contraditório), com a diferença que
a multiplicação de imagens se faz à velocidade inimaginável daqueles tempos. A
preocupação de Walter Benjamin expressa em A obra de arte na era da reprodução
técnica (2013) ainda não subentendia, obviamente, o que acontece, hoje, com as
novas possibilidades de reprodução sempre mais perfeita. Vivemos o tempo em que
se nos impõe refletir sobre A imagem na era de sua reprodutibilidade eletrônica,
conforme tematizou, em sua dissertação de mestrado, Ruy Sardinha Lopes (1995,
p. 8), que inicia sua introdução dizendo: “A pletora de imagens constitui um dos
traços marcantes da cultura contemporânea. A se dar ouvidos à crítica da cultura,
podemos afirmar que a percepção contemporânea tem nas imagens seu elemento
fundante”.
Este estudo pretende ser um exercício de leitura de imagem, quando os educa-
dores necessitam familiarizar-se com este mundo novo das imagens em profusão, em
que a propaganda ocupa espaço significativo na vida de todos os cidadãos, de todas as
idades. A imagem adotada para o estudo foi escolhida propositadamente de um con
-
texto histórico afastado do presente, para manter a necessária e desejável distância
de qualquer conotação de marketing, pois este não é, em absoluto, o objetivo do artigo.
A fotografia, que nunca é “[...] simplesmente uma visão capturada do outro,
mas antes um lugar dinâmico onde muitos olhares e pontos de vista se cruzam”
(LUTZ; COLLINS, 1994, p. 363), abre inúmeras possibilidades de manipular o
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“real” para torná-lo virtual, no sentido de ser possível adequar qualquer “realida-
de” a um quadro cultural típico. E a arte/ciência da propaganda/do marketing sabe
muito bem disto.
A produção publicitária se tornou um elemento de produção de identidades
que ocupa diuturnamente o imaginário social. A propaganda captura os desejos e
os sonhos dos sujeitos, obedecendo, inclusive, as diferenças de gênero e de idade
das pessoas. Faz uso de uma trama complexa de conhecimentos que vão da psico-
logia, à antropologia e à arte gráfica extremamente sofisticada, hoje, graças aos
meios digitais. A cada dia, o virtual e o real se aproximam mais e mais. Já vivi
a experiência de aguardar um pouco para entrar numa agência de automóveis,
pensando que o vendedor estivesse junto à entrada conversando com uma família
cliente. Ao invés dito, era uma propaganda da loja colada à parede envidraçada. A
produção publicitária consegue associar a preconizada excelência dos produtos à
excelência das pessoas que os consomem. O virtual “[...] tem somente uma pequena
afinidade o com o falso, o imaginário ou o ilusório” (LÉVY, 2011, p. 12). Assim, a
peça publicitária que ora analiso, excita vários sentimentos dos possíveis consu-
midores do modelo de automóvel proposto: a família ideal/idealizada, o vestuário
ideal/idealizado, a distribuição ideal/idealizada do poder, no seio de uma “família
ideal”, no mínimo tão ideal/idealizada como o próprio automóvel proposto oferecido
à venda. Para compreender a mensagem da peça publicitária como um todo, há
que atentar para cada elemento que a compõe: elementos materiais e imateriais.
O apelo publicitário se distribui sobre todos esses elementos constitutivos da peça
que produz, quando ela é resultado de efetivo conhecimento do assunto. Assim, a
imagem publicitária objeto desta análise há que ser desdobrada em seus vários
elementos materiais e imateriais constitutivos, sem perder de vista o conjunto que
produz o restauro da família contemporânea.
Através da análise de uma propaganda fotográfica que começa na capa da
revista Quatro Rodas, n. 38 (1998) e se estende por algumas páginas mais, tentarei
ver a metamorfose da família urbana, mas pelo avesso, ou seja, não o processo de
esvaecimento e desintegração por que passa. Pelo contrário: perquiro a imagem
restaurada da família. Restaurada pela propaganda de automóveis (neste caso,
alguns modelos da Fiat). Ainda que a revista faça a avaliação dos vários modelos
de automóveis, mantém-se (financeiramente) da propaganda desses mesmos au-
tomóveis. Bem por isto pode, a um momento, estampar uma imagem fotográfica
em que as legendas dizem tratar-se do melhor automóvel e, em outro momento,
na avaliação, poderá estar apontando falhas e defeitos quanto a espaço, equipa-
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mentos, desempenho, consumo, design ou outras questões mais. A mim interessa,
neste momento, o meu tema ou, seja, buscar gazes, olhares lançados pelo visor das
câmeras fotográficas sobre a família, em função de propaganda de automóveis da
Fiat que, segundo a hipótese que adotei, fazem uma restauração de sua imagem.
Tentarei verificar quais são os traços restaurados e quais são os traços mantidos,
de acordo com a tradição da família tipicamente burguesa, a família-padrão. Aliás,
família e fotografia são coisas que andam quase sempre juntas: é costume, sobre-
tudo na cultura ocidental, fotografar constante e persistentemente a família. A
família é produzida pela imagem fotográfica: fotos de casamento, de batizado, de
festas, de aniversários (com ênfase no primeiro), enfim, até praticamente a morte,
a fotografia acompanha a família. Incluída nisto aquela foto tumular com algum
epitáfio, às vezes e, na maior parte das vezes, simplesmente a foto do casal. A foto-
grafia do casal remete à saudade dos filhos sobreviventes. São bem menos comuns
as fotografias tumulares de indivíduos. São inúmeras as oportunidades em que
as fotografias e retratos instituem materialmente o conceito abstrato de família.
Como as flores, as fotografias acompanham o homem/a mulher do berço ao túmulo.
O estudo se desdobrará em mais quatro seções. A primeira lança um primeiro
olhar sobre a peça publicitária, com vistas a entendê-la sob o ponto de vista teoré-
tico e sígnico. Na segunda, trata-se do texto como hipertexto. Na terceira, diferen-
ciam-se texto e fotografia. Finalmente, a quarta seção versará sobre a imagem no
contexto do processo educacional.
A fotograa transcende a referência
Quando se pretende fazer retrospectivas de famílias, dificilmente não faz par-
te do processo a apresentação de fotografias. Há muito tempo, o programa de TV
Domingão do Faustão apresentado por Fausto Silva, na Rede Globo, vem refazen-
do históricos de artistas, onde a apresentação da família é uma constante. Velhas
fotos familiares são mostradas ao olho das câmeras que, por sua vez, as mostram
aos nossos olhos. Assim:
O papel crucial da fotografia no exercício do poder está em sua habilidade de oportunizar
estudo acurado do Outro e promover, conforme palavras de Foucault, “olhar normalizador”,
uma vigilância que torna possível qualificar, classificar e punir. Ela estabelece sobre os indi
-
víduos uma visibilidade através da qual os diferenciamos e os julgamos (LUTZ; COLLINS,
1994, p. 366).
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A fotografia é, para Foucault, o recurso que estabelece interligação entre co-
nhecimento e poder. A fotografia funciona como algo bem mais forte que uma sim-
ples referência. A seguir, a Figura 1 apresenta o objeto de estudo deste artigo.
Figura 1 – O carro ideal para a sua família
Fonte: capa da revista Quatro Rodas, n. 38, 1998.
Não se tendo a si mesmos como disciplina acadêmica, os ECs, não por aca-
so, reúnem intelectuais estudiosos da Literatura, da linguística, da Sociologia, da
História, da Antropologia, da Comunicação, da Geografia, dos Estudos Fílmicos,
da Psicologia, da Educação e da Filosofia (BAPTISTA, 2009). Na verdade, por ca-
minhos muito diferentes entre si, convergem na busca das relações a que me referi
adrede: o liame entre o mundo concreto dos artefatos resultantes de qualquer uma
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das áreas de conhecimento arroladas, com a prática ou micropráticas políticas.
A imagem de “O carro ideal para a sua família”, tanto produz a identidade de
um carro ideal, quanto de uma “família ideal”, como consequência direta ou como
causa (o carro) e efeito (a família ideal” que, claro, não é para quem quer, mas para
quem pode e tem interesse nisso. Afinal, está aí a “imagem restaurada” da famí-
lia contemporânea evanescente: metamorfose da família urbana em desagregação
histórica transmudada numa família “hierarquicamente correta”, sob os melhores
padrões burgueses. A compreensão sociológica e a compreensão antropológica ser
entrelaçam na imagem em estudo.
A ilustração referente ao Palio Weekend coloca em primeiro plano uma família.
É de se notar que o homem, o pai da família, representa bem o chefe da família, o
pátrio poder, na melhor tradição da família clássica. Sua posição central recebe o
olhar da mulher (da mãe de família) e do filho. O pai comanda a cena: introduz as
malas no bagageiro do automóvel. A mulher se coloca na cena como quem espera
que o marido apanhe de suas mãos a mala. E o filho também depende de seu pai
para completar seu gesto de colocar a mala no bagageiro, enquanto a filha, que
é menor/criança, já está no interior do automóvel, mas com a bolsa na mão como
quem solicita que seja colocada no bagageiro.
A identificação entre as pessoas e a Weekend se dá em grau muito mais ele-
vado com as do sexo masculino: pai e filho usam camisa da mesma cor que a da
Weekend: o azul. Aliás, olhando para o quadro fica-se um pouco tentado a exclamar
Alles blau!” - “Tudo azul!” (em alemão). A harmonia entre o automóvel e a família
parece ser a mais perfeita possível! O pai é extremoso. Encarrega-se da tarefa mais
pesada. O filho, atrás dele, olha confiante e levemente sorridente, enquanto a mãe
e a filha também expressam sorriso de satisfação que se confunde com a satisfação
pelo novo automóvel ou, igualmente, pela visão do pai que distribui/irradia segu-
rança e no filho: promessa grandiosa de futuro. Trata-se de uma família idealizada
para o contemporâneo: homem, mulher e dois filhos. O primeiro, na ordem crono-
lógica de nascimento, é homem e o segundo é mulher (ainda criança), a realização
burguesa de um sonho: ter dois filhos nesta ordem. A identificação menor das duas
mulheres, uma criança e sua mãe, com a Weekend é muito bem compensada pela
segurança que oferecem: para a mulher, o marido e para a criança a Weekend, no
interior da qual já se encontra muito bem abrigada. O filho está no caminho do pai
que, pelo mérito do trabalho garante uma continuidade segura do clã.
O vestuário da família, como ilustração, é altamente significativo: distinção,
sem cair no clássico. Esportividade, sem excessos. O pai de família usa sapato es-
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porte, mas escuro; calça e camisa jeans, o que conota ainda, passados mais de 22
anos, atualidade, esportividade, mas com moderação. Se utilizasse tênis, como o
filho, perder-se-ia a necessária seriedade para corresponder a uma van: carro tipi-
camente de família ou, como diz a legenda de capa da revista em análise, “O carro
ideal para a sua família”. Aliás, é de notar que não se diz apenas “Carro ideal para
a”, mas diz “para a sua família”, o que garante a plenitude da proprietas (proprie-
dade), o proprium (a coisa própria) ou seja, a família e a Weekend: propriedade e
pátrio poder.
As cores mais vivas e alegres são reservadas, em primeiro lugar, para a crian-
ça: amarelo da camiseta e vermelho de bolinhas para a mochila, diadema e sus-
pensórios e, provavelmente, o restante da roupa, que não aparece toda. O moço
(filho) se projeta, de certa forma, no pai, pela utilização da mesma cor da camisa a
cor da bermuda correspondendo aproximadamente à cor da calça do pai. Trata-se
do herdeiro das virtudes paternas, o sucessor na ordem da tradição. A mãe usa
um conjunto creme: cor delicada, como convém a uma mulher que acompanha um
proprietário de uma Weekend: sem ostentação de joias e colares: trata-se de família
de classe média. Todos os membros da família exibem corte moderado do cabelo.
A fotografia forma um quadro extremamente clean. Nenhum elemento trai
a finalidade principal que é mostrar “o carro ideal para a sua família”. Todos os
membros da família são emoldurados pela Weekend. Para todos ela oferece con-
forto e segurança. Nenhum olhar das pessoas se dirige ao espectador do quadro.
Ainda que os olhares se dirijam basicamente ao pai de família, todos os membros
familiares fazem convergir seu gaze (olhar) para o centro principal de interesse: o
porta-malas da Weekend, de maneira a não distrair os espectadores da propaganda
e, por outro lado, para focar a abundância que o porta-malas oferece.
Todos os membros da família da ilustração deixam transparecer excelente
saúde, um desenvolvimento físico saudável. A mulher, ainda que em posição dis-
cretamente secundária e dependente em relação ao marido, é alta e de formas har-
mônicas. Trata-se, pois, de uma família em que os valores da mulher não sofrem
maiores ameaças de ofuscamento. Como família burguesa ideal
1
, é claro que não
se poderia dar excessivo destaque à emancipação feminina. Assim, a mala que ela
carrega é menor. A do moço parece ter as mesmas proporções que a do pai. Caso
contrário, não se justificaria a robustez de sua juventude, a legitimidade de filho
herdeiro das virtudes de uma família idealizada que optou por um carro ideal. E
a filha também é menor que o filho, mantendo-se a hierarquia, tal como convém.
O quadro se constitui uma metáfora perfeita em relação ao carro. Ou seja: carro
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ideal = família ideal. Ou, ainda, inversamente: família ideal = carro ideal. O signo
se constitui à medida que se constituem significante e respectivos significados.
Traço por traço, a propaganda da Weekend recompõe a família classe média bem-
-sucedida, de bom gosto, bem constituída, bem disciplinada e educada: uma nobre
hierarquia natural. A disciplina aparece na ação e postura hierárquica de cada
membro. O pai, ao centro. A mãe, logo a seguir (repare-se a ordem em que as malas
serão colocadas no bagageiro), com especial destaque para a proteção que a mulher
necessita (mala menor, de peso menor, mais delicada - é de tecido -, mais suave),
vestida em cores mais leves, mais suaves, mais iluminadas (mais etéreas), bem
por isto, no conjunto do quadro não há como não perceber o sexo frágil. Os próprios
sapatos que usa têm detalhe em cor mais clara. O moço já vai adiantando sua ta-
refa, não pela ordem de precedência, mas pela ordem do vigor físico: já conseguiu
introduzir metade da mala no bagageiro, como o pai, ainda que fique em posição
menos confortável, o que determinará sua espera para que o pai complete primeiro
sua tarefa. Por fim, mais a distância e mais isolada, a criança (uma menina), que
não poderia faltar para completar a família idealizada, talvez ainda não entenda
estar diante do “carro ideal para a sua família”. Por isto mesmo, ocupa o interior
do caro, uma extensão uterina da proteção materna, garantida pelo vigor paterno.
A leitura da propaganda: um texto/hipertexto
Naturalmente, estamos de acordo com Barthes (apud LUTZ; COLLINS, 1994,
p. 368) quando afirma que “[...] fotografia não é apenas percebida, recebida, ela é
lida, conectada mais ou menos conscientemente pelo público que a consome a um
estoque tradicional de signos”. Afinal, uma fotografia (uma imagem) é um texto/
hipertexto que permite leituras. Não apenas uma leitura. Como os desejos são dife-
rentes, as leituras lhes correspondem. Desejo e leitura estão intimamente ligados.
O olhar dos diversos leitores obedece à diversidade dos elementos culturais que
o constitui. Elementos culturais e modelos estruturam, por sua vez, o olhar dos
leitores. Modelos ligados a gênero, a sexo, a etnia definem olhares que põem à
mostra determinados elementos da mesma fotografia ou os escondem. Isto vale
para o próprio olhar do que cria um texto (lato sensu): padrões e modelos culturais
conduzem o olhar para determinados pontos que vão se tornar salientes. Assim, o
patriarcalismo de nossa cultura ocidental, a pretensa supremacia da raça branca,
a domesticação da mulher e outros traços culturais determinam destaques nos
textos como as fotografias, as imagens em geral produzidas pelo olhar do fotógrafo,
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a quem se encomenda e se paga a fotografia transformada em propaganda. “Em
Linguística”, diz Barthes (1997, p. 46), “[...] a natureza do significado deu lugar
a discussões sobretudo referentes a seu grau de ‘realidade’; todas concordam, en-
tretanto, quanto a insistir no fato de que o significado não é uma ‘coisa’, mas uma
representação psíquica da ‘coisa’”. Saussure (1995) também concorda com isto e
põe em destaque a natureza psíquica do significado ao denominá-lo conceito. A
fotografia produz este efeito que ultrapassa a realidade, a materialidade das coisas
fotografadas. Assim, uma família idealizada remete ao carro ideal - se é ideal é
conceptual, é ideia, produção dos sujeitos. Ainda que o processo de compreensão a
que remete “o carro idealizado para a família idealizada” seja um retorno a Platão,
a melhor maneira de tornar imperecível, eterno, perfeito o objeto de desejo é en-
viá-lo para o mundo das ideias, porquanto o mundo material é dele apenas pálida
imagem, imperfeita imitação, o que poderia pôr à mostra suas imperfeições. Assim,
no mesmo processo, envia-se (joga-se, lança-se: jactare, da língua latina), no caso
que estamos analisando, o objectum (Palio Weekend) e o subjectum para o mundo
ideal, onde tudo é perfeito. Mas para isto, há que se retocar profundamente a ima-
gem evanescente e defeituosa da família dita moderna, sobretudo urbana. E isto, a
fotografia em discussão faz muito bem. “O signo é uma fatia (bifacial) de sonorida-
de, visualidade etc.”, diz Barthes (1997, p. 50). “A significação pode ser concebida
como um processo; é o ato que une o significante e o significado, ato cujo produto
é o signo” (1997, p. 51). Identificar o Palio Weekend com as necessidades, com os
sonhos, com os desejos da família exige a convergência da cor, da visualidade e de
tudo quanto possa mover os sentimentos na direção dessa identificação. Peça por
peça, vai-se compondo esse construto complexo de identidades e afinidades. Produz
aquilo que, em O óbvio e o obtuso: ensaios críticos III, Barthes (1990, p. 34) deno-
mina mensagem operatória:
[...] nunca se encontra (pelo menos em publicidade) uma imagem literal em estado puro;
mesmo que conseguíssemos elaborar uma imagem inteiramente “ingênua”, a ela se in-
corporaria, imediatamente, o signo da ingenuidade e a ela se acrescentaria uma terceira
mensagem, simbólica.
Sim, as coisas (esse automóvel) não nos é “entregue”, na peça publicitária,
simplesmente em sua consistência material. Elas nos são entregues como huma-
namente simbólicas: símbolos que nos acabam constituindo em novos sujeitos. Lin-
guagem dos objetos passam a se verterem em linguagem humanas. Exemplo: a
tinta azul do carro, a tinta azul do vestuário ou do sapato das pessoas que compõem
o quadro no que ele tem de material, se tornam linguagem humana que diz quem
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queremos ser ou quem é que alguém quer que sejamos. Assim: “Você é membro de
uma ‘família ideal’, tal como o automóvel que você está vendo é ‘ideal’”. Derrida
(1973) não exagera quando diz que “Não há o fora do texto”. O virtual se verte no
real e vice-versa. A peça publicitária-texto “nos fala” a seu modo. Só a lógica da
diferença consegue acolher esta posição teórica. “Além de serem interdependentes,
identidade e diferença partilham uma importante característica: elas são o resul-
tado de atos de criação linguística” (SILVA, 2000, p. 76). A peça publicitária-texto
transfunde o ideal no real das vidas realmente humanas: as pessoas. Desta mesma
forma é que sustento o conceito de imagem-texto; coisa-texto; mundo-texto.
É, bem por isto, interessante notar que por mais clean que seja a ilustração
que estamos a analisar, sua leitura não deixa de ser complexa e os elementos redu-
zidos em número compõem um texto cuja leitura demanda muita atenção e oferece
sentidos múltiplos, sem deixar, contudo, de ser tematizados em torno de objetivos
específicos e de um objetivo geral, neste caso, vender a Weekend a um número de
pessoas maior possível. E como o sonho capitalista de consumo tem maior chance
de realização, para este tipo de produto, entre as famílias de classe média, o eixo
em torno do qual se constrói a mensagem que passa por ela (a família ideal para
comprar esse produto ideal). Trata-se daquilo que Barthes denomina “a imagem
denotada”. Lembra, ainda, Barthes (1990, p. 38) que: “A diversidade das leituras
não é, no entanto, anárquica, depende do saber investido na imagem (saber prá-
tico, racional, cultural, estético)”. Ou, dito de outra forma pelo mesmo autor, “[...]
a mesma lexia mobiliza léxicos diferentes”. Porque a leitura é sempre um processo
em que interagem um texto e um leitor. Um texto e muitos leitores, onde como
já destaquei, os elementos culturais não são neutros. Produzem, ou induzem a
produzir leituras várias (mas sem anarquia, como bem lembra Barthes). Aliás, em
seu estudo intitulado “Estudos culturais: o quê e o como da investigação”, Baptista
(2009) toma o conceito de complexidade como uma das constantes das múltiplas
metodologias dos ECs. Além dito, nada é neutro, nada se produz, em cultura, via
natureza. Toda a ação cultural é ação política. Na produção da propaganda não se
olha por um visor de uma câmera para captar o casual, o natural: é, bem antes, um
ato criador, instituidor/destituidor. Percebemos, em minha análise, como se insti-
tui e se destitui a família. Como se institui um modelo de automóvel, determinam-
-se sua permanência e seu desaparecimento do mercado. A mesma análise pode ser
feita para verificar como se destitui um modelo cultural qualquer. No texto intitu-
lado “Eles são de família”, da Quatro Rodas (1998, p. 410), que tem como assunto
principal o modelo de automóvel Palio Weekend da Fiat, cuja propaganda é objeto
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deste estudo, encontrei um texto que diz: “MÉDIOS - Correndo por fora, o veterano
Kadett levou a melhor contra Corsa e Ford Escort”, que institui e destitui, a um
tempo (destitui enquanto se trata de um carro veterano e institui quando se diz que
“levou a melhor” contra...). E a destituição se torna definitiva para o Kadett quando
se fala sobre a “[...] falta de evolução de seu projeto” (1998, p. 44). A transitorieda-
de é um fenômeno e um valor de nosso tempo que demanda projetos constante e
rapidamente renovados, sob pena de obsolescência rápida. Nossa cultura ociden-
tal capitalista, consumista, põe como um dos valores o consumo. É um parâmetro
cultural que a ele as coisas devem corresponder. Entre as mudanças culturais fa-
miliares que devem corresponder às mudanças dos automóveis e vice-versa está
o pequeno número de filhos: o ideal é, quase sempre, um menino primeiro, depois
uma menina. Se o homem/macho é um pouco atarracado... não faz tanta diferença.
Mas a mulher deverá ser impreterivelmente esbelta, preferencialmente alta, uma
Barbie (apesar das adequações que sofreu) e assim por diante. Nossa propaganda
está em dia com estas características culturais de nosso mundo capitalista. Ao
disciplinamento do corpo deve corresponder o disciplinamento do novo modelo de
automóvel. Ou é o contrário? Não é nem isso, nem aquilo. São ambas as coisas que
se produzem mutuamente: o automóvel reproduz a família e, esta, ao automóvel. O
consumo é o denominador comum.
Desenho e fotograa
Para este estudo e análise se torna importante uma distinção entre desenho e
fotografia. Barthes adverte para esta diferença:
Deve-se, pois, opor a fotografia, mensagem sem código, ao desenho, que, embora denotado,
é uma mensagem codificada... o desenho não reproduz tudo, frequentemente reproduz mui-
to pouca coisa, sem, porém deixar de ser uma mensagem forte, ao passo que a fotografia, se
por um lado pode escolher seu tema, seu enquadramento e seu ângulo, por outro lado não
pode intervir no interior do objeto (salvo trucagem) (BARTHES, 1990, p. 35).
Mas é justamente por este lado ideológico da fotografia que pela trucagem se
podem produzir sentidos desejados, fatos não existentes na natureza fotografada,
e que sua riqueza semântica tem um grande ganho. No nosso caso específico, cria
o mito da família perfeita, entendido o mito no sentido que lhe conferem Adorno
e Horkheimer em Dialética do esclarecimento (1985), como “produto do próprio
esclarecimento”, ou seja, modos de abstrair os processos de controle e dominação,
os mesmos processos que o esclarecimento utiliza na modernidade. Portanto, a
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ideologia está presente e assume a forma do mito. Carro ideal, família ideal, que
são, afinal, mais que mitos? “O mito é uma fala”, diz Barthes (1982, p. 131) com
um título de Mitologias. “Naturalmente, não é uma fala qualquer [...]”. “O signifi-
cante do mito apresenta-se de uma maneira ambígua: é simultaneamente sentido
e forma, pleno de um lado e vazio do outro” (BARTHES, 1982, p. 139). Se, de um
lado, o mito da propaganda da Weekend (o carro ideal, a família ideal) suscita o
cotidiano verdadeiro, o familiar, por outro, no criar este mito, esvazia-o ao transfe-
ri-lo para outra coisa que não é a família, isto é, o automóvel. O automóvel institui
a não-família ideal que o discurso ambíguo produz em forma de mito. É tão estreita
a ligação entre o conceito de família ideal e de carro ideal que esta relação acaba
por desconstruir qualquer verdade por tênue que seja, em torno da família ideal.
Ocorre, nesta propaganda fotográfica, exatamente o processo de ideologização que
Barthes atribui ao mito. Diz ele: “A semiologia ensinou-nos que a função do mito
é transformar uma intenção histórica em natureza, uma contingência em eterni-
dade. Ora, este processo é o próprio processo da ideologia burguesa” (BARTHES,
1982, p. 162). Ao criar o mito da família ideal para o carro ideal, naturaliza-se
ideologicamente esta relação. A mediação entre o conceito e a materialidade destas
coisas é a ideologia que as transforma em ideais, naturalizando tal relação. É a
inversão a que se refere Barthes (1982, p. 163) da anti-physis que se converte em
pseudo-physis. Com isto, perde-se a lembrança da produção do mito e passa-se a
ver apenas natureza. Mas, em perfeito acordo com Adorno e Horkheimer, também
neste caso específico, o mito já institui a ideologia capitalista.
Diante disto tudo, considero que o texto materializado na fotografia da Wee-
kend cercada pela família ideal revela impasses de significado que viabilizam sua
desconstrução
2
. A família ideal se converte em família real, para o carro real. Mas
este fenômeno é circular (dialético). Uma espécie de gangorra semântica de inver-
são contínua de sentido. Se repararmos bem nas figuras, nas posturas, nas atitu-
des, nada encontraremos além do cotidiano. O conjunto, porém, composto por uma
família em um automóvel se compõe e decompõe continuamente, por força de seus
elementos componentes. Não existe nada além do cotidiano em cada figura (parte
do todo) em particular. O todo, porém, se constitui num texto acirradamente ideo-
lógico, reforçado por uma legenda que reforça a écriture que constitui o todo: texto
e imagem. E, neste caso, estamos diante de um fenômeno cuja força e importância,
em nossos dias, corresponde ao que diz Judith Williamson (1978, p. 11, tradução mi-
nha): “A propagandas são um dos mais importantes fatores culturais que moldam e
refletem nossa vida hoje”. Na propaganda se realiza a troca de valores, uma espécie
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de câmbio de valores em correspondências simbólicas que Williamson (1978, p. 12,
tradução minha) assim explica: “A propaganda traduz para nós essas afirmações
de ‘coisa’; elas nos são dadas como humanamente simbólicas”. A propaganda con-
segue fornecer estruturas capazes de verter a linguagem dos objetos em linguagem
das pessoas e vice-versa. A foto da Weekend cercada da família dos usuários produz
uma narrativa, um hipertexto familiar a partir de objetos: o próprio automóvel,
as malas sendo colocadas no interior do automóvel, a bolsa retida pela criança
no exterior da porta do carro, enfim, a indumentária dos personagens, as cores,
tudo é uma materialidade que recompõe, reestrutura, retoca, recompõe a imagem
em estado crítico de uma família moderna urbana, idealizando-a, remetendo-a ao
mundo incorruptível das ideias platônicas e, pelo processo ideológico interno, a
torna eterna, um conceito racional de perfeição e permanência. “Tomando”, como
diz, ainda, Williamson (1978, p. 11), “[...] o signo por aquilo que ele significa, a coisa
pelo sentimento”. Nada mais transitório que qualquer modelo de automóvel, que
muda ao menos uma vez por ano e cada vez mais rapidamente desaparece. Con-
tudo, a duração, a tradição e a permanência fiel da família ideal produzem e são
produzidas pela propaganda que analisamos, ao mesmo tempo que reproduzem a
fugacidade do consumo
3
. “Esta família está metonimicamente para a família, como
um tipo idealizado” (THWAITES; DAVIS; MULES, 1994, p. 53, tradução minha).
A transitoriedade dos modelos de automóveis subverte a duração, a perenidade da
família idealizada, segundo uma classe determinada.
Formação/educação pela imagem
No Brasil, a televisão chegou em 1950. Mas nem de longe chegou, então, para
todos os brasileiros. O cinema já havia alcançado longínquos rincões, bem antes
disto. Mas não há dúvida que a imagem invadiu, por atacado, os lares, com o ad-
vento da TV. Com ela, o mundo imagético passa a fazer parte do cotidiano diuturno
de todas as gerações: dos recém-nascidos aos mais provectos dos homens e mulhe-
res. A imagem passou a ocupar um tempo muito dilatado na formação/constituição
dos sujeitos. As atuais gerações sequer podem imaginar a escassez de imagens
em tempos que precedem o advento da televisão. Hoje, como se expressa Santos
(2015, p. 17), “[...] as imagens medeiam as relações de crianças, adolescentes e
mesmo adultos com novos saberes. Também inauguram novas expressões de sub-
jetividade, firmando-se como componentes qualitativos para a formação das novas
gerações por constituírem referência para os sujeitos”. Em escala nunca dantes
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vista e imaginada, sobremaneira com o advento do iPhones, os iPods, os iPad, os
tablets e numerosos outros recursos tecnológicos disponíveis no mercado, o mundo
se subverteu literalmente: o tempo e o espaço se encurtaram e nossos possíveis
interlocutores que moram do outro lado do planeta podem, em tempo real, dispo-
nibilizar sua voz juntamente com sua imagem, produzindo uma estreita relação e
sensação/vivência de proximidade. Assim, Santos (2015, p 18) pode afirmar:
Pode-se dizer que as imagens, de modo geral, habitam os sujeitos e, a partir de então, me-
deiam o relacionamento destes com o mundo, com os demais indivíduos da cultura e consigo
próprios. São, antes de qualquer outra coisa, forças comunicantes íntimas dos seres hu-
manos de longuíssima data, portanto, importantes como partes constitutivas dos saberes.
Se é bem verdade que a imagem faz parte da humanidade desde a mais re-
mota ancestralidade, também é verdade que na contemporaneidade a gigantesca
profusão e veiculação imagética nos cerca por todos os lados, 24 horas por dia e se
tornam centralizadoras dos mais diferentes modos de expressão, formas de comu-
nicação e autorreferência, dando intenso suporte às dinâmicas culturais, incluída,
em especial, a educação. A imagem vem moldando as sociedades e os indivíduos
intensa e persistentemente. Em consequência disto, como entende Santos (2015,
p. 19-20), “[...] as imagens se formam como componentes culturais relevantes na
atualidade, sobretudo se considerarmos o campo educacional que hoje se vê desa-
fiado por um novo sujeito de conhecimento que se compõe tanto verbalmente quan-
to visivelmente”. Mais e mais, as experiências visuais e as experiências educacio-
nais se aproximam. A cada dia surgem renovados meios inteiramente compatíveis
com os objetivos de compor a trama complexa do que se denomina educação. A
imagem passou a ser subsumida na própria constituição e destituição dos sujeitos
como, também, na sua formação ou deformação (os abismos da dark web). Como
constitutiva das diferentes culturas e vivências socioculturais, a imagem é uma
linguagem a cada dia mais expressiva, graças ao rapidíssimo avanço de suas dife-
rentes formas e recursos de produção. Com isto, o que desde os gregos antigos se
denominou escola como um locus privilegiado do ensinar e do aprender, mercê dos
meios que disponibiliza a profusão de imagens, esse locus se esfacelou num núme-
ro, na prática, quase infinito de loci (lugares) e tempos do ensinar e do aprender. A
heterotopia se instaurou. Todos os tempos e todos os lugares, a um só tempo podem
ser os espaços e os tempos da escola (de todos os níveis).
Contudo, foi tão rápida a emergência da profusão imagética e se complexificou
tão rapidamente que penso em não subestimar nada e a ninguém ao entender que
os educadores nos encontramos, em grande número, em estado de perplexidade.
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Esta perplexidade atinge a todos os educadores formais e informais e até natu-
rais da criatura humana. À emergência desta realidade, o ritmo da formação e da
aprendizagem do uso de tão espetacular linguagem pelos docentes lato sensu não
foi de longe acompanhado a contento. Não é nenhum exagero afirmar que vivemos
uma nova cultura visual. Nova, porque o visual sempre se constituiu em importan-
te modo de acesso ao mundo, ao outro e a si mesmo, tal como, em remotos tempos, o
desenho rupestre já o testemunhou. Mas o que se vê, hoje, alcançou uma escala de
proporções e profundidade que parece ter-se literalmente aberto à infinitude. Diz,
ainda, Santos (2015, p. 68): “O fenômeno da visualidade que se expande global-
mente sinaliza para uma mudança considerável dos paradigmas que decorrem e,
ao mesmo tempo, são decorrentes das transformações das formas de olhar, ver e ser
visto”. Não bastasse esse olhar sobre nosso planeta e sobre si mesmos, os humanos
já implantaram olhos artificiais em outros mundos que transmitem, sem cessar,
imagens/textos que são verdadeiros hipertextos cuja leitura expande nossa cida-
dania para uma (se assim se pode dizer), cosmocidadania. Por outro lado, isto não
é o anúncio de um fim, mas o anúncio de que este processo mal começou. A velha
escola, lato sensu, limitada a pequenos espaços circunscritos pelo real, expandiu-se
e implodiu em espaços e tempos virtuais, acessíveis à velocidade da luz. Bibliotecas
virtuais gigantescas se tornaram pocketbibliotecas (com a devida permissão do ter-
mo) que se levam ao bolso, na bolsa ou se guardam em chips minúsculos, onde quer
que seja. E nessas bibliotecas não se levam apenas textos convencionais estáticos.
Podem ser levadas imagem e som na forma de palestras, de vídeos com os mais di-
versos conteúdos, que tratam de toda e qualquer área de saber de nosso interesse.
Esta é a realidade nova que condiciona o educando dos novos tempos. O que
sempre se denominou escola viu seu tempo e seu espaço se expandirem, sem li-
mites físicos, no virtual, através de uma infinidade de meios. As velhas (nem tão
velhas assim) transparências que professores acumulavam para ministrar suas
aulas, evanesceram. Preparação de aulas para o ano inteiro, já não mais limita-
das a textos fixos, mas abertas a um sem número de possibilidades textuais em
que a imagem se tornou uma possibilidade rápida, qualificada, acessível e barato.
Podem estar confinadas no virtual, com possibilidades infinitas de atualizações,
remodelagens, reconfigurações e em total compartilhamento com os educandos.
As instituições de ensino, elas mesmas, sempre mais, colocam à disposição novos
meios eletrônico-informáticos em que, além do texto convencional, além do som, a
imagem estática ou dinâmica se integra, a cada dia mais intensamente, ao mundo
vivido no processo que medeia entre professores e alunos: a educação.
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Considerações nais
A partir desta análise, aportei para algumas das possíveis conclusões: a peça
publicitária analisada constrói uma identidade de família burguesa tradicional
(branca; com predominância do gênero masculino sobre o gênero feminino, com
uma posição social menor da criança; família com poucos membros e, em geral,
abastada e, muitas vezes de costumes conservadores, ora mais, ora menos). O estu-
do evidencia que o poder é instituinte. Este estudo se voltou, de forma particular, a
uma imagem. Trata-se apenas de uma amostragem que revela o potencial educati-
vo ou não da imagem. A ideologia não está apenas em lugares privilegiados, nem é
uma espécie de vilão da história: é a condição mesma para que o texto se produza,
para que a comunicação se estabeleça, na diferença. Mas o que se estabelece pelo
texto (que pode ser uma propaganda, apenas ilustração), se estabelece, se institui
a partir de parâmetros nela privilegiados (harmonia das cores; hierarquia dos su-
jeitos, e assim por diante). Não há, também, neste caso, parâmetros privilegiados,
tais como os do capital, os da economia. Os parâmetros culturais são muito mais
complexos, muito menos localizados em pontos aparentemente estratégicos, pontos
privilegiados. David Harvey (1996, p. 158), ao discorrer sobre a nova compreensão
do tempo-espaço na condição pós-moderna e ao abordar a temática da dinâmica
típica da sociedade do descarte, lembra, muito oportunamente, que: “Ela significa
mais do que jogar fora bens produzidos (criando um monumental problema sobre o
que fazer com o lixo); significa também ser capaz de atirar fora valores, estilos de
vida, relacionamentos estáveis, apego a coisas, edifícios, lugares, pessoas e modos
adquiridos de agir e ser”. Acrescentaria mais um item à lista dos descartes, muito
significativo de nossa cultura: os automóveis.
Enfim, o texto está aí para ser lido. Para ser mais que lido: consumido. Pro-
dução e consumo reproduz a circularidade ideal de quem queira estar on the top...
por algum momento fugaz. Aprender a ler imagens é uma demanda premente até
mesmo dos sistemas educacionais. As imagens deixaram de ser eventuais. Estão
por toda parte. Basta comparar, entre muitas outras coisas, os manuais escolares,
por exemplo, da década de 1960 para trás, ou nem tanto, para verificar como a
imagem ocupava espaço eventual.
Sem dúvida, a fugacidade da informação no contemporâneo provoca vertigens
e para não cair em desiquilíbrio, nada melhor do que familiarizar-se com a leitura
da imagem, meio pelo qual boa parte da educação no contemporâneo passa. É ta-
refa difícil. Não fazia parte do cotidiano dos docentes há não muito tempo passado.
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No Brasil, antes da década de 1990 fazia parte de um número bem reduzido de
pessoas, se levarmos em conta a emergência dos computadores e dos telefones ditos
celulares. Hoje, a imagem é uma realidade que abrange praticamente a todos, até
mesmo independentemente da vontade individual. Ela está em toda parte e já nem
é possível ignorá-la, nem se livrar dela. Melhor é aprender a lê-la. Este artigo é um
pequeno verbete desse volumoso compêndio representado pelas demandas educa-
cionais de nosso tempo, face ao mundo imagético.
Notas
1
Elizabeth Cristina Landi de Lima e Souza e Maria Angélica Magalhães Rodrigues ([1986]), em seu texto
intitulado Família e paternidade: o papel do pai na criação dos filhos, assim configuram a família da clas-
se média: “Principalmente no âmbito da classe média, difunde-se a ideia da família ‘ideal’ dentro de um
padrão americano, onde o pai é um trabalhador bem sucedido e a mãe, sempre feliz, é responsável pela
organização do lar e pelo cuidado com os filhos, que sempre bem cuidados aguardam o pai retornar do
trabalho para juntos desfrutarem os bens adquiridos e a casa bem equipada”.
2
Como afirma Eagleton (2006, p. 144), “A leitura típica habitual de Derrida consiste em tomar um fragmen-
to aparentemente periférico da obra - uma nota de rodapé, um termo ou imagem menor e repetido, uma
alusão casual - e nele trabalhar tenazmente até o ponto em que ele ameace desmantelar as oposições que
governam o texto como um todo. A tática de crítica desconstrutiva é em outras palavras, demonstrar como
os textos podem embaraçar seus próprios sistemas lógicos dominantes. E a desconstrução mostra isso to-
mando os pontos ‘sintomáticos’, os aporia ou impasses de significado, nos quais o texto enfrenta problemas,
perde a coesão esse abre a contradições”.
3
No interior do número da revista que analiso, a mesma Weekend é mostrada com uma família que acaba
de descarregar o carrinho de mercado no bagageiro. O carrinho ainda está aí, símbolo e realidade do con-
sumismo da família burguesa contemporânea: o transitório, o fugaz, como transitórias e fugazes são as
mercadorias, na voragem do consumo.
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