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v. 26, n. 3, Passo Fundo, p. 620-623, set./dez. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
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ESPAÇO
PEDAGÓGICO
EDITORIAL
O tema justiça social assume uma grande relevância na atualidade. Desde
os anos 70 do século passado, o mundo é marcado por uma crescente acumulação
de riquezas, pelo dramático aumento da desigualdade social, pelo drástico enfra-
quecimento da democracia, assim como, na linha da teoria do capital humano,
pela crescente transformação da educação em meio de converter os sujeitos hu-
manos em seres economicamente produtivos. Organismos internacionais, como o
Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico,
continuam a estimular, com base na teoria do capital humano, uma concepção de
educação que tem como norte o investimento pessoal produtivo visando a dar conta
da competitividade econômica em escala global e do rendimento individual. Nessa
teoria, sustentáculo da nova ordem educacional mundial, o capital humano é con-
cebido fundamentalmente como um bem privado, concernente aos conhecimentos
que podem ser valorados economicamente e incorporados aos indivíduos, bem este
alicerçado em seus conhecimentos, qualificações, competências e características
individuais. Nesse cenário, configura-se uma crise da educação em escala global,
entre outros fatores, pela concentração de riquezas e pela redução de direitos, mo-
delo esse que mercantiliza a educação e desonera o Estado de sua responsabilidade
para com ela.
O fundamento ideológico da nova ordem educativa mundial, que concebe a
pessoa como recurso humano e como consumidor a satisfazer, é difundido visando
à formação de trabalhadores em condições de se adequarem, no que tange a conhe-
cimentos e técnicas, às novas exigências produtivas e organizacionais em um con-
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v26i3.9874
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texto marcado fortemente pela reestruturação dos processos produtivos. Trata-se
de uma nova ordem educativa em que o sistema educacional volta-se para a com-
petitividade econômica, é gerenciado segundo o modelo empresarial e estruturado
como um mercado. A educação deixa de constituir-se em um meio de democrati-
zação da cultura e passa a ser considerada como um bem de capital. Nessa lógica,
a educação é transformada em um negócio privado de consumidores que buscam
maximizar seus interesses.
Apresenta-se, assim, um novo modo de configuração da sociabilidade que afe-
ta diretamente tanto a forma de constituição dos processos de individualização
quanto o modo como se compreendem a ideia de um mundo comum e a democracia.
Também para a educação em prol da constituição de um ethos justo e democrático,
as consequências desse estado de coisas são profundas. Sob tal lógica, os direitos
são convertidos em produtos, e o cidadão, em mero consumidor destes. Todavia,
para além da desigualdade e de todas as consequências que decorrem dela, esse
modelo atinge a educação dos sujeitos e a formação da vontade democrática. Na
base de uma sociedade marcada pelo esgotamento da democracia liberal, na qual
mais e mais a educação é enfraquecida em sua condição de bem comum e direito de
todos, multiplicam-se formas de desigualdade e de injustiça social.
Urge, pois, pensar novas perspectivas que, considerando o atual cenário so-
ciopolítico-educativo, ajudem a lançar luzes sobre a necessária articulação entre
justiça social e educação. Apesar do cenário amplamente desfavorável em que se
encontra a educação no Brasil atual, sua esfera constitui-se, mesmo assim, em um
significativo e poderoso âmbito de resistência ao modelo neoliberal e a suas formas
estruturais de práticas de injustiça social. A educação formal constitui-se ainda
como uma importante esfera capaz de alavancar valores democráticos e, em sua
dimensão socializadora, o fomento da justiça social.
Mediante as questões até aqui apresentadas, a Revista Espaço Pedagógico
dedica o volume 26, número 3, à publicação de um conjunto de artigos e resenhas
subscritos por pesquisadores de diversas instituições e países, como Argentina,
Brasil, México e Portugal. Seguindo o escopo da revista, o primeiro conjunto de
artigos compõe o dossiê intitulado Justiça Social e Educação. Os demais artigos são
oriundos do fluxo contínuo e versam sobre as mais variadas temáticas de interesse
educacional.
“Justicia social, democracia y educación: la vigencia de viejos legados y desa-
fíos presentes” é o título do trabalho do professor Juan Carlos Geneyro, pesquisa-
dor da Universidad Nacional de Río Negro e da Universidad Nacional de Lanús,
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Argentina. Na sequência, está o artigo do professor Pedro Flores-Crespo, profes-
sor-investigador da Universidad Autónoma de Querétaro, México, que aborda “La
participación social en la escuela en México: ¿un problema de democracia y cultu-
ra política?”. O professor associado do Instituto de Educação da Universidade do
Minho, em Portugal, Manuel Gonçalves Barbosa, apresenta o debate “Educação,
justiça e empoderamento”. De autoria do professor Sidinei Pithan da Silva, pes-
quisador do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências, mestrado e
doutorado, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul,
tem-se o artigo intitulado “Educação e justiça social na contemporaneidade: repen-
sando o sentido da docência no âmbito escolar”. Também é de pesquisadores gaú-
chos o artigo “Educação ambiental e justiça social: reflexões em tempos de solidão
democrática”, assinado por Vilmar Alves Pereira e Simone Grohs Freire, ligados
ao Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal
do Rio Grande. Da Universidade Federal do Paraná procede o artigo “Educação
e justiça social à luz da teoria crítica da sociedade”, dos pesquisadores Geraldo
Balduino Horn e Luciana Vieira de Lima. Eldon Henrique Mühl e Elisa Mainar-
di, professores da Universidade de Passo Fundo, assinam o artigo denominado
“Educação, justiça social e direitos humanos: desafios da educação escolar”. “Lei
de cotas e promoção da justiça social: percepções de estudantes cotistas de um ins-
tituto federal” tem autoria da docente Fabiana Rodrigues de Sousa, do Programa
de Mestrado em Educação Sociocomunitária, do Centro Universitário Salesiano de
São Paulo, e da assistente social Ilca Freitas Nascimento. Simone Gonçalves da Sil-
va, pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas,
e Juliana Mezomo Cantarelli, docente efetiva do Instituto Federal Farroupilha,
subscrevem o artigo “Justiça social e discurso neoliberal: problematizações sobre
a Base Nacional Comum Curricular”. Encerra o dossiê o artigo “Desigualdades
educacionais como obstáculo à justiça social: análise da infraestrutura de escolas
de Minas Gerais”, de Marisa Ribeiro Teixeira Duarte, pesquisadora do Programa
de Pós-Graduação da Faculdade de Educação, da Universidade Federal de Minas
Gerais, e Daniel Santos Braga, docente no curso de Pedagogia, do Centro Univer-
sitário Newton Paiva, em Belo Horizonte.
Na parte de fluxo contínuo, estão publicados os seguintes trabalhos: “Tempo
de estudo, rendimento e estratégias de aprendizagem de alunos do 5º ano do en-
sino fundamental de escolas públicas municipais”, de Jussara Cristina Barboza
Tortella e Vivian Annicchini Forner, pesquisadoras vinculadas ao Programa de
Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Pontifícia Universidade Católica de Cam-
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pinas; “Saberes da formação profissional docente: uma análise a partir do contexto
Pibid”, de autoria de Ana Lucia Pereira, Tatiane Skeika e Leila Inês Follmann
Freire, ligadas à Universidade Estadual de Ponta Grossa; “O espaço da formação
inicial do coordenador pedagógico”, de Susana Soares Tozetto e Priscila Gabriele da
Luz Kailer, também da Universidade Estadual de Ponta Grossa; “O atendimento
educacional especializado para a educação infantil em Caxias do Sul”, de Cláudia
Rodrigues de Freitas, Joseane Frassoni dos Santos e Clarissa Haas, pesquisadoras
vinculadas ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul; por fim, “Educação escolar e direitos indígenas: uma revisão
integrativa de teses e dissertações a partir do BDTD”, assinado por Claudio Emídio
Silva e Lucas Antunes Furtado, respectivamente, da Universidade Federal do Sul
e Sudeste do Pará e da Universidade Federal do Amazonas.
Na seção Diálogo com Educadores, a entrevistada foi Margarita Sgró, profes-
sora titular do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências Humanas
da Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires, com sede na
cidade de Tandil, Argentina.
Duas resenhas encerram este número da Revista Espaço Pedagógico. Renata
Maraschin apresenta o livro Elogio da escola, organizado, entre outros, por Jorge
Larrosa e publicado em 2017; e Ênio Freire de Paula nos conduz pela obra de Mas-
simiano Bucchi, intitulada O frango de Newton: a ciência na cozinha, publicada em
2015, com tradução de Regina Célia da Silva.
Com esta edição, a Revista Espaço Pedagógico espera contribuir para a am-
pliação do debate sobre o tema justiça social, em estreita interlocução com o campo
educacional, de modo a fomentar saberes e práticas de enfrentamento às condições
de desigualdade que permeiam as relações humanas na contemporaneidade.
Ângelo Vitório Cenci (Organizador)
Flávia Eloisa Caimi (Editora-Chefe)