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O ensino como atividade mediadora no processo de apropriação de conceitos
Teaching as a mediating activity in the process of appropriating of concepts
La enseñanza como actividad mediadora en el proceso de apropiación de conceptos
Sandro Roberto Cossetin*
Marli Dallagnol Frison**
Resumo
Este artigo socializa resultados de um estudo que teve como objetivo analisar e discutir questões relacionadas
à atividade de ensino e ao processo de formação de conceitos nos ambientes de estudo e às implicações desses
processos no desenvolvimento humano. Faz-se a análise, também, com pressupostos marxistas em relação à
formação escolar e acadêmica quanto ao ensino e à aprendizagem e seus direcionamentos para o mundo do
trabalho. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que buscou apoio em teóricos da linha histórico-cultural. Os re-
sultados indicam a necessidade de mudanças quanto às concepções referentes à formação de conceitos, desde
a organização curricular, na direção da apropriação do conhecimento pelos sujeitos a partir da coletividade
pelos pressupostos das mediações e da formação docente para atuar na educação básica e superior.
Palavras-chave: aprendizagem; atividade; conceito; ensino; formação de conceitos.
Abstract
The present article socializes understandings regarding the process of formation of concepts from the pers-
pective of historical-cultural psychology. This production is a section from a Doctoral research in Education in
Sciences under development, and it aims to analyze and discuss issues related to the process of formation of
concepts in the study environments, and the implications of these processes in human development. There is
also an analysis, with Marxist assumptions in relation to the school and academic formation, of the teaching and
the learning, and their directions to the job market. It is a qualitative research that sought support from theorists
of the historical-cultural line. Results indict the need for changes in the conceptions regarding the formation of
concepts, from the curricular organization towards the construction of knowledge by the subjects with basis on
the collectivity by the assumptions of the mediations and the formation of teachers to work in basic and higher
education.
Keywords: learning; activity; concept; teaching; formation of concepts.
* Professor da Escola Técnica Estadual 25 de Julho. Doutor e Mestre em Educação nas Ciências pela Universidade Regio-
nal do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí). Especialista em Gestão e organização da escola pela Unopar.
Licenciado em Física pela Unijuí. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1763-0178. E-mail: scossetin@gmail.com
** Pós-doutora pela Unesp. Professora do Departamento de Ciências da Vida e do Programa de Pós-graduação em Educa-
ção nas Ciências da Unijuí. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4985-1992. E-mail: marlif@unijui.edu.br
Recebido em: 09/09/2019 – Aprovado em: 28/04/2021
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v28i3.9905
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Resumen
El presente artículo socializa las comprensiones sobre el proceso de formación de conceptos desde la perspecti-
va de la psicología histórico-cultural. Esta producción es un recorte de una investigación de Doctorado en Edu-
cación en las Ciencias en desarrollo, cuyo objetivo es analizar y debatir cuestiones relacionadas con el proceso de
formación de conceptos en entornos de estudio y las implicaciones de estos procesos en el desarrollo humano.
También, se hace un análisis, con presupuestos marxistas en relación con la formación escolar y académica, la
enseñanza y el aprendizaje, y sus direccionamientos hacia el mundo del trabajo. Se trata de una investigación
cualitativa que buscó el apoyo de los teóricos de la línea histórico-cultural. Los resultados indican la necesidad
de cambios en los conceptos relacionados con la formación de conceptos, desde la organización curricular hacia
la construcción del conocimiento por parte de los sujetos a partir de la colectividad por los presupuestos de
mediación y de la formación docente para actuar en la educación básica y superior.
Palabras clave: aprendizaje; actividad; concepto; enseñanza; formación de conceptos.
Introdução
O desenvolvimento humano é, com recorrência, debatido em diversos âmbitos,
como nos da educação, da sociologia, das ciências, da religião, da política e da psico-
logia, entre outros. Os debates pelo viés da educação, da mesma forma, referentes
ao desenvolvimento dos sujeitos e à sua formação possibilitam diversas percepções
e proposições para que participem do mundo contemporâneo, bem como sejam in-
seridos no mundo do trabalho.
Se, de um lado, percebemos tendências por uma formação racional e técnica,
cuja preocupação principal é desenvolver nas pessoas habilidades e capacidade
produtiva condizentes com as expectativas do empregador e do mercado, por outro,
observamos preocupações na direção de uma formação mais ampla e humanista,
cuja intencionalidade é desenvolver sujeitos capazes de estabelecer relações diver-
sas a partir do conhecimento científico. Há, portanto, entendimentos distintos, com
alguns pontos antagônicos para a formação e o desenvolvimento humano percebi-
dos ao longo dos anos.
O mundo contemporâneo é resultado da criação da humanidade. O que vive-
mos e o que adquirimos são produtos das criações do homem, via transformação
da natureza que o circunda, processo pelo qual o próprio homem é transformado.
Segundo Leontiev (2004), essas criações produzem o mundo objetivo, os bens tan-
gíveis e, também, o mundo das relações, da convivência e da cultura, portanto, um
mundo complexo e diverso. O conhecimento, formal ou não, possibilita que ocorram
as relações do homem com este mundo criado por ele e, desse modo, ele próprio é
constituído por este mundo.
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O desenvolvimento humano é um processo dependente dos aspectos cognitivos
e afetivos do indivíduo e de como estes são desenvolvidos. Na Revista Superinte-
ressante de outubro de 2018, edição 394, a capa apresenta a matéria “A era da
burrice”, desenvolvida por Eduardo Szklarz (repórter) e Bruno Garattani (jornalis-
ta e editor). A temática abordada, anunciada no título da matéria, convoca-nos à
reflexão sobre discursos que circulam em nossa sociedade e que estão relacionados
à constituição do intelecto humano. A indagação é acerca da diminuição da inteli-
gência humana em âmbito mundial, inclusive em países como Dinamarca, Finlân-
dia, Inglaterra, França e outros. Os indicadores considerados foram os testes de
quociente de inteligência (QI) elaborados em 1905, originalmente, pelos psicólogos
Alfred Binet e Thédore Simon, na França, e aperfeiçoados em 1916, pelo ameri-
cano Lewis Terman. Apenas em 1955, porém, foram estruturados para avaliar a
inteligência de adultos, pelo psicólogo David Wechsler, nos Estados Unidos, sendo
mundialmente utilizados pelos profissionais da psicologia e da psiquiatria.
Nos últimos anos, segundo a matéria, foi verificada uma significativa redução
dos índices de QI em diversos países, inclusive nos desenvolvidos, o que levou espe-
cialistas a buscarem respostas para essa realidade. O psicólogo sueco Michael Woo-
dley (apud SZKLARZ; GARATTANI, 2018, p. 28) afirmou que “a capacidade cogni-
tiva é fortemente influenciada pela genética”, atribuindo que parte da inteligência
seria um atributo hereditário. No entendimento desses autores, a hereditariedade
seria determinante para a constituição do potencial intelectual do indivíduo. Con-
trapondo essas ideias, defendemos, com base em Vigotski (2007, 2008, 2010) e Leon-
tiev (1960, 2004, 2005), que o homem herda características biológicas da sua espécie
(filogenética), porém, a sua constituição humana, ou seja, a sua humanização só é
possível pela apropriação da cultura humana. Para Leontiev (2004, p. 170),
[...] apropriação é um processo que tem por resultado a reprodução pelo indivíduo de ca-
racteres, faculdades e modos de comportamento humanos formados historicamente. Por
outros termos, é o processo graças ao qual se produz na criança o que, no animal, é devido a
hereditariedade: a transmissão ao indivíduo das aquisições do desenvolvimento da espécie.
Podemos herdar a inteligência ou a “burrice”? Como nos constituímos mais
inteligentes? Como o ser humano se desenvolve cognitivamente? Essas questões
nos levam a pensar acerca da constituição humana – cognitiva e afetiva – e do de-
sempenho dos sujeitos no mundo do trabalho a partir da formação escolar e acadê-
mica. As possibilidades do desenvolvimento cognitivo humano foram pesquisadas
e analisadas pelo pesquisador russo Lev Semyonovich Vigotski1, que contribuiu
profunda e significativamente no entendimento do funcionamento da mente hu-
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mana. À luz da sua teoria, denominada histórico-cultural, Vigotski descreveu que
o ser humano é potencialmente capaz de se desenvolver intelectualmente diante
das possibilidades de constituição da sua estrutura mental e do ambiente social e
cultural em que está inserido. Assim, é constituído como homem, pois “é o ser me-
nos pronto ao nascer”, posto que o desenvolvimento do seu intelecto está totalmen-
te em aberto, apesar das características biológicas do seu cérebro. Nessa mesma
perspectiva, outro pesquisador russo, Alexis Nikolaevich Leontiev (2004, p. 267),
defende que “cada indivíduo aprende a ser homem. O que a natureza lhe dá quando
nasce não lhe basta para viver em sociedade. É-lhe ainda preciso adquirir o que foi
alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana”.
Assumimos e defendemos, com os autores citados, que a constituição huma-
na só é possível por intermédio das relações sociais que ocorrem entre pessoas e
entre elas e o meio social, histórico e cultural que as circunda, relações mediadas
por instrumentos e signos. Sendo assim, o ser humano atinge diferentes níveis de
desenvolvimento, a depender do seu processo de apropriação da cultura humana,
pois, como refere Leontiev (2004, p. 171),
[...] o processo principal que caracteriza o desenvolvimento psíquico da criança é um pro-
cesso específico de apropriação das aquisições do desenvolvimento das gerações humanas
precedentes; estes conhecimentos adquiridos, diferentemente do desenvolvimento filogené-
tico dos animais, não se fixam morfologicamente e não se transmitem por hereditariedade.
As pesquisas desenvolvidas acerca do psiquismo humano revelam a comple-
xidade do funcionamento da mente humana e a importância de oferecer às pes-
soas as condições necessárias para a apropriação de sua cultura, para que elas se
desenvolvam humanas nas suas máximas potencialidades. Nesse contexto, é de
responsabilidade das instituições de ensino, sejam de educação básica ou de ensino
superior, apresentar a cultura humana, ou seja, os conhecimentos científicos histo-
ricamente produzidos e selecionados para serem ensinados.
A organização das instituições de ensino, situada e fortemente influenciada
por um mundo de relações sociais, pessoais e de trabalho, também é complexa,
dinâmica e elaborada pelo homem que interage socialmente. Essa condição coloca
as instituições de ensino no centro de muitos debates diante das demandas con-
temporâneas do mundo do trabalho e da inserção social pelo conhecimento. Para
Leontiev (2004), o trabalho, compreendido como atividade, é essencial ao ser hu-
mano, uma vez que, por seu intermédio, o homem transforma a natureza, relacio-
na-se, transforma-se e humaniza-se. Por meio do trabalho alienado, característico
do atual sistema capitalista, contudo, o homem se desumaniza.
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Nesses debates, surgem tensionamentos nos entendimentos da formação dos
sujeitos (MARTINS, 2015; REHEM, 2009; REGO, 1995), em particular nas pró-
prias instituições de ensino, desafiando os profissionais da educação a contraporem
diversas políticas para a educação a partir de reflexões e, também, a proporem
ações para tais processos formativos. Esses momentos enfrentam, constantemente,
interesses externos às escolas e às universidades advindos de concepções de siste-
mas produtivos da nossa sociedade.
Alguns encaminhamentos dos processos educativos, no entanto, tendem, por
um lado, a nos potencializar como profissionais e especialistas (CUNHA, 2000;
FRIGOTTO, 2004), mas, por outro, a nos enfraquecer como cidadãos, em virtude de
processos educativos realizados de forma descontextualizada e fragmentada. Essa
realidade é percebível e debatida, nos últimos anos, em momentos de estudos acer-
ca da formação (BAZZO, 2011). Tal realidade remete ao distanciamento entre os
saberes e parece estar naturalmente aceita desde a educação básica. Percebem-se
uma demarcação e uma compartimentalização de disciplinas com separação entre
os saberes, à medida que o ensino avança em níveis de escolarização, que, segundo
Santomé (1998), pode ser visualizada por meio do currículo organizado por discipli-
nas específicas oferecidas pelas instituições de ensino, do nível básico ao superior, o
que leva à “incompreensão daquilo que é estudado”, pois a “fragmentação dificulta
a compreensão” (SANTOMÉ, 1998, p. 104).
No ensino médio, de maneira geral, evidencia-se a disciplinariedade, resultan-
do num maior distanciamento entre os diversos saberes e dificultando a sua inter-
locução e, consequentemente, a aprendizagem dos conceitos trabalhados. No ensino
superior, tais distanciamentos acentuam-se, uma vez que o foco está centrado na
formação profissional. Nesse espaço-tempo formativo, as atenções voltam-se para
os conhecimentos requeridos conforme a escolha profissional. Tradicionalmente,
a concepção de uma eficiente preparação para o exercício da profissão, por vezes,
fragmenta, ao mesmo tempo em que fragiliza o desenvolvimento de conceitos de
algumas áreas do conhecimento que são, culturalmente, entendidas como “desne-
cessárias”, tendo em vista a necessidade da formação profissional.
Esses processos educativos nas áreas das ciências exatas são frequentemente
concebidos pelo viés do domínio de técnicas para obtenção de resultados condizentes
com as expectativas de parâmetros para uma eficiente formação profissional, uma
característica pertinente em virtude das necessidades de resultados precisos em
projetos e processos concebidos nas engenharias; é uma peculiaridade necessária e
intrínseca à área, porém não exclusiva e suficiente. Os conhecimentos específicos
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da formação dos engenheiros, por exemplo, pressupõem exatidão e objetividade em
cada etapa. A Matemática, a Física e a Química, exemplarmente, possuem funções
específicas e bem definidas na formação dos alunos em futuros engenheiros, cujo
objetivo é a apropriação de conhecimentos científicos, com o domínio de técnicas
e a obtenção de resultados exatos. Destaca-se, porém, que, antes do profissional
engenheiro, tem-se a formação humana e integral da pessoa. Tal preocupação é
pertinente, pois é também necessária a obtenção de resultados exatos e isentos
de falhas para um eficiente exercício da profissão. Essa condição coloca os alunos
diante da dureza das ciências exatas e, de alguma forma, das ciências da natureza,
pela exigência de racionalidade na condução dos processos de produção (como obje-
to e com preço), que primam por técnicas e métodos que atendam as expectativas
de um sistema produtivo.
Diante desses entendimentos da formação, os alunos necessitam aprender
determinados conhecimentos científicos e técnicas de aplicação de maneira mais
marcante nas ciências exatas. Precisam aprender para corresponder, de forma re-
flexiva e contextualizada ou não. Nessa perspectiva, o processo de ensino é conce-
bido pelo viés da racionalidade técnica e de decoreba dos conhecimentos ensinados,
em detrimento de uma formação com amplitude e com desenvolvimento pessoal,
proporcionando apropriação de conceitos científicos.
Nessas circunstâncias, o motivo pelo qual o estudante realiza sua atividade
de estudo é o domínio de técnicas para corresponder às demandas da profissão de
engenheiro que está inserida no mundo do trabalho, fragilizando, assim, consequen-
temente, o processo de apropriação de conceitos científicos. Para Leontiev (2004, p.
97), o motivo é “aquilo em que a necessidade se concretiza de objetivo nas condições
consideradas e para as quais a atividade se orienta, o que a estimula”, e, também,
“aquilo que se refletindo no cérebro do homem excita-o a atuar e dirige essa atuação
à satisfação de uma necessidade determinada” (LEONTIEV, 1960, p. 346).
Nesse contexto, Duarte e Eidt (2007, p. 56) ressaltam que a atividade de ensi-
no não deve ser “limitada” ou “reduzida” à “decoreba” e às técnicas de aplicação de
conceitos científicos, mas, sobretudo, deve “visar o desenvolvimento do pensamento
dos alunos, sua capacidade de analisar e generalizar os fenômenos da realidade
material, bem como de raciocinar corretamente”. Esses pesquisadores afirmam,
também, que, no exercício da docência, a “atividade de ensino” deve vislumbrar
a “ampliação dos horizontes culturais dos alunos, mediante a apropriação dos co-
nhecimentos científicos [...]” (2007, p. 55), condição que permitirá, nesse processo
formativo, que o aluno tenha “consciência de qual seja o objeto de conhecimento
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para o qual se dirige sua atividade de estudo, bem como da consciência dos motivos
e dos fins dessa atividade [...]” (2007, p. 60). Para Rego (1995, p. 78):
O processo de formação de conceitos, fundamental no desenvolvimento dos processos psico-
lógicos superiores, é longo e complexo, pois envolve operações intelectuais dirigidas pelo uso
das palavras. [...]. Para aprender um conceito é necessário, além das informações recebidas
do exterior, uma intensa atividade mental por parte da criança. Portanto, um conceito não
é aprendido por meio de um treinamento mecânico, nem tampouco pode ser meramente
transmitido pelo professor ao aluno: o ensino direto de conceitos é impossível e infrutífero.
As palavras de Rego (1995) alertam para a complexidade do processo de forma-
ção de conceitos pela necessidade de o sujeito se colocar em atividade de estudo, o
que requer sua implicação ativa no referido processo. Diante dessas considerações,
este estudo foi orientado pela seguinte questão de pesquisa: quais as implicações
da atividade de ensino e do processo de formação de conceitos nos ambientes de
estudo para o percurso de desenvolvimento humano? Tais considerações teóricas
são referenciadas com autores da linha histórico-cultural, com destaque para os
estudos de Vigotski e a Teoria da Atividade, a partir das pesquisas de Leontiev.
Em buscas no Portal Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes) e na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dis-
sertações (BDTD), não foi encontrado trabalho nesta linha de pesquisa. De Lara
(2014), na sua dissertação fundamentada na metodologia de ensino baseada em
um projeto de investigação do consumo de energia elétrica, apresenta uma forma
alternativa de ensino de conceitos de eletricidade com alunos do ensino médio.
Silva Júnior (2015), na sua tese, analisa o processo de construção de conceitos cien-
tíficos em aulas de Física no ensino médio com suporte no ensino por investigação.
Os trabalhos descobertos e analisados, portanto, são referentes a estudos quanto à
formação de conceitos no ensino fundamental e médio, o que justifica a importância
da pesquisa aqui apresentada.
Também, a partir da experiência de um dos autores desta pesquisa, que, na
condição de docente em Física nos cursos de Engenharia e na Educação Profis-
sional, observou dificuldades de os alunos se apropriarem efetivamente de diver-
sos conceitos requeridos na atuação profissional, em razão de o aprendizado estar
acontecendo de maneira fragmentada, mecanizada e descontextualizada. Nesse
sentido, apresentamos, na sequência, a análise de possibilidades de formação de
conceitos na perspectiva histórico-cultural, considerando a problemática desta
pesquisa, que se apoia em autores como Vigotski (2008, 2010), Leontiev (1960,
1983, 1994, 2004), Leontiev et al. (2005) e em outros pesquisadores com a mesma
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perspectiva, como Bernardes e Moura (2009), Duarte e Eidt (2007), Duarte (2016),
Martins (2015), Rehem (2009), Rego (1995) e Saviani (2008).
Processos de formação/apropriação de conceitos na perspectiva histórico-cultural
O desafio para os professores, nas mais distintas áreas do conhecimento, para
que propiciem a efetivação do aprendizado por parte dos alunos é enorme, o que
convoca educadores e pesquisadores comprometidos com a educação como um todo,
para que reflitam e busquem entendimentos para o enfrentamento de tal proble-
mática e que proponham diretrizes para que se pense uma formação profissional
e humana.
Pelos anos de experiência docente proporcionados no trabalho com o ensino
superior e a educação profissional, pode-se inferir que há, em grande parte das
instituições de ensino, uma tendência para uma formação racional e técnica dos
sujeitos, para o desenvolvimento de habilidades e capacidades produtivas condi-
zentes com as expectativas do empregador e do mercado de trabalho.
As demandas oriundas do mundo do trabalho, espaço a ser futuramente ocu-
pado pelos profissionais das mais distintas áreas, são fortemente pautadas por
resultados imediatos para atender os interesses do capital. Esta análise também
se faz necessária e é referenciada nos pressupostos marxistas, referendada na pe-
dagogia histórico-crítica. De acordo com Duarte (2016, p. 16):
Este tipo de imediatismo é aceitável nas pedagogias do aprender a aprender como, por
exemplo, a pedagogia das competências, que postula uma relação imediata entre as ativi-
dades escolares e as demandas da vida cotidiana dos alunos. Mas essas relações imediatas
limitam-se ao plano da adaptação à lógica do capitalismo, o que é coerente com a visão de
mundo que fundamenta a pedagogia das competências.
Duarte (2016, p. 26) enaltece, ainda, que atualmente é denotada a “dispo-
nibilidade para aprender de acordo com as exigências do momento, sejam elas
determinadas pelo mercado de trabalho ou pelas mudanças na cotidianidade”.
Nessa perspectiva, Rehem (2009, p. 31) destaca que “antigamente os conhecimen-
tos adquiridos tinham utilidade para solucionar as situações para o resto da vida,
em virtude de situações previsíveis e duráveis”. A análise dessas percepções com
os pressupostos de Marx é “natural”, bem como necessária, tendo em vista que
a psicologia histórico-cultural e a pedagogia histórico-crítica são fundamentadas
fortemente nas suas ideias, criticando tais relações dos sujeitos com o mundo sem
consciência dos ditames do capital.
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Entendermos as influências históricas e contemporâneas do mundo do traba-
lho é fundamental, pois estas impactam fortemente nas instituições de ensino, tan-
to em nível médio quanto no superior. Diante do contexto em que as instituições de
ensino se encontram para perceber interferências, entraves e fatores condicionan-
tes, é imprescindível refletir para que, na condição de educadores, sejamos críticos
e propositivos nos espaços de estudos, pesquisas e atividades em prol da melhoria
da educação como um todo.
Nessa conjuntura, as necessidades dos homens também possuem um cunho
imediatista, ou seja, a atividade que o sujeito desempenha é condicionada externa-
mente por demandas que induzem a ações meramente reprodutivistas, mecanicis-
tas, imediatistas, fragmentadas e de entendimentos superficiais, para atender os
interesses do capital, motivos pelos quais os sujeitos se colocam em atividade (ou
não, conforme as concepções da Teoria da Atividade) no desenvolvimento do pro-
cesso formativo pelo estudo escolar e acadêmico. Na atualidade, a mera aquisição
de conhecimentos para comprovação da formação, com o objetivo de conquistar
um espaço no mundo do trabalho, resulta em um processo formativo com alguns
limites e lacunas. Para Duarte (2016, p. 26):
Assim como o que se valoriza hoje não é o emprego, mas a empregabilidade, também no
campo escolar o que se valoriza não é o conhecimento que tenha sido adquirido, mas a for-
mação da educabilidade, isto é, da disponibilidade para aprender de acordo com as exigên-
cias do momento, sejam elas determinadas pelo mercado de trabalho ou pelas mudanças
na cotidianidade.
Essa condição relativiza o processo educativo, no sentido de os fatores motiva-
dores serem restritos a aprender a fazer e a adquirir “competências” para o exercí-
cio de uma função específica no mundo do trabalho. Duarte (2016, p. 26) enfatiza
tal situação ao descrever: “quando a seletividade precisa ser atenuada por alguma
razão, acionam-se os mecanismos de precarização”.
Segundo Saviani (2008, p. 25), “[...] a escola sofre a determinação do conflito
de interesses que caracteriza a sociedade”, no entanto, há que se produzir um mo-
vimento na tentativa de romper com o que já vem sendo imposto historicamente
pelo sistema capitalista, objetivando a alienação dos sujeitos que vendem o seu
trabalho. Contrapondo essa alienação, Leontiev (2004, p. 122) assim se refere: a
“vida do homem tem por consequência a discordância entre o resultado objectivo
da actividade humana e o seu motivo”.
Nesse sentido, a seguir, expomos acerca do conceito de atividade no contex-
to histórico-cultural com contribuições da pedagogia histórico-crítica, com o olhar
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para as atividades de ensino e de aprendizagem no que se refere à formação de
conceitos ou à ausência desta.
A atividade no processo de formação dos conceitos cientícos
No processo formativo dos alunos, nas atividades de ensino e de estudo, a
formação de conceitos é necessária para proporcionar condições ao estabelecimento
de relações com outros conceitos da futura atividade profissional. Nessa linha de
pensamento, identificar e atribuir sentidos, apresentando motivos para nortear
quanto à formação dos conceitos intrínsecos da atividade profissional, é impor-
tante para o processo de aprendizagem. Nas diferentes áreas do conhecimento, é
fundamental a apropriação de conceitos, para que as relações desses contribuam,
de fato, para uma formação profissional eficiente, possibilitando, ainda, a evolução
científica em prol do desenvolvimento humano.
Os conceitos e as suas devidas compreensões e apropriações são indispen-
sáveis nas distintas áreas do saber, como o conceito de vetor na Matemática, de
substância na Química, de isonomia no Direito e de gestão na Administração. A
apropriação conceitual é indispensável para a formação profissional e humana,
evitando o ato de “decorar” e a reprodução mecânica e descontextualizada do co-
nhecimento, situações que não oferecem as condições mínimas necessárias para a
aprendizagem conceitual. Debates recorrentes nos espaços destinados às reflexões
quanto aos processos de aprendizagem buscam identificar e compreender fatores
que potencializam e/ou dificultam o desenvolvimento de atividades de ensino e de
estudo nos ambientes escolares e acadêmicos.
Neste estudo, portanto, consideramos a perspectiva histórico-cultural como base
teórica na análise dos dados diante das evidências verificadas. Assim, é necessário
discorrermos acerca da definição de atividade2 sob o prisma da psicologia soviética,
pois é essencial o entendimento do termo nos estudos sobre o psiquismo humano com
foco para as atividades de ensino e de estudo no contexto do ensino superior.
Em seus estudos, o pesquisador russo Vigotski aborda e destaca a importân-
cia da atividade como constituidora da consciência a partir da significação social
e da sua construção pela mediação e pelo uso de instrumentos e signos. Pelo viés
histórico-cultural, a necessidade é reguladora e norteadora dos sujeitos no mundo
real e objetivo. Diferentemente dos animais, os homens idealizam e constroem seus
objetos para auxiliá-los na superação de suas necessidades. Ao superá-las, surgem
novas necessidades e, logo, novas atividades.
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
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O ensino como atividade mediadora no processo de apropriação de conceitos
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O pesquisador russo Leontiev (2004, p. 296) define por atividade “os processos
que são psicologicamente caracterizados pelo fato de aquilo para que tendem no
seu conjunto (o seu objeto) coincidir sempre com o elemento objetivo que incita o
sujeito a uma dada atividade, isto é, com o motivo”. Para esse autor, nem todo o
processo, portanto, é uma atividade; para ser atividade, precisa responder a uma
necessidade particular. A partir da atividade, podem ser determinados processos
que possibilitam que necessidades específicas do ser humano possam ser supridas
pela relação (ou relações) que o homem estabelece com o mundo (BERNARDES;
MOURA, 2009).
Leontiev (1994, p. 68), considerando os motivos, descreve a atividade como
um processo que coincide “com o objetivo que estimula o sujeito a executar esta
atividade, isto é, o motivo”. Bernardes e Moura (2009) asseveram que a atividade
também pressupõe objetividade e intencionalidade das ações humanas na direção
do(s) motivo(s) que a origina, bem como a necessidade da realização desta ativida-
de em ação(ões) consciente(s). Nessa linha de pensamento, Leontiev (1994, p. 83)
menciona que “o conceito de atividade está necessariamente relacionado ao concei-
to de motivo. A atividade não pode existir sem um motivo [...]”, para que as ações
dos sujeitos sejam conscientes na direção dos objetivos advindos da atividade.
Bernardes e Moura (2009, p. 468), então, destacam:
Em síntese, a atividade definida pelo seu objeto fundamenta-se numa necessidade humana
representada pelo motivo que excita a execução da ação. Esta, por sua vez, vincula-se ao
objetivo da atividade que se liga diretamente ao objeto da própria atividade e que por isso
é estável. Diante das condições de execução das ações, as operações estabelecem-se como
funções automatizadas, que concretizam o objetivo da atividade.
O conceito de atividade é marcantemente referenciado com ações e operações
potenciais que possibilitem aos sujeitos o desenvolvimento humano na interação
com o mundo diante do seu contexto real (social, cultural e histórico), no qual in-
terage e age. A partir da atividade desencadeada pelos motivos é que o processo
de estudo se efetiva, sendo esse possível pela intermediação do outro, para que
apresente a realidade objetiva (aparência e essência) para a apropriação do conhe-
cimento, portanto, um processo educativo.
O papel das instituições de ensino é determinante e está intencionalmente
organizado para a efetivação deste processo que é educativo, para que as ações e as
operações aconteçam pela intermediação do professor via saberes sistematizados
do mundo, sendo eles adequadamente apropriados pela humanidade, e, consequen-
temente, sejam efetivados a hominização e o desenvolvimento humano. Assim, “[...]
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o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada in-
divíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo
conjunto dos homens” (SAVIANI, 2008, p. 13) e é uma atividade intencionalmente
organizada e conduzida por fins (DUARTE, 2016).
Leontiev (2004) avança nos estudos a partir de ideias de Vigotski (2007, 2008)
no tocante a “ações individuais e atividades coletivas”, definindo três níveis de aná-
lise: operação, ação e atividade. A operação é característica das rotinas do sujeito,
provindas da inconsciência e de hábitos, ou seja, resulta em ações que acontecem
automaticamente; a ação, em um grau superior ao da operação, já em nível de
consciência, é vinculada a uma meta e composta por operações. Por fim, a ativida-
de, no âmbito superior, pressupõe realização coletiva, mais durável e norteada por
motivo(s) e meta(s). Para Leontiev (2004, p. 303-304), operação significa:
[...] o modo de execução de uma ação. A operação é o conteúdo indispensável de toda a
ação, mas não se identifica com a ação. Uma só e mesma ação pode realizar-se por meio de
operações diferentes, e, inversamente, ações diferentes podem ser realizadas pelas mesmas
operações. Isto explica-se pelo fato de que enquanto uma ação é determinada pelo seu fim,
uma operação depende das condições em que é dado este fim.
Considerando os níveis elencados por Leontiev, os processos educativos de-
veriam ser conduzidos na dimensão de proporcionar ao sujeito condições de es-
tar em atividade, operando e agindo, estando ele (sujeito) orientado por motivo(s)
que possibilite(m) estabelecer compreensões consistentes e sólidas, para significar
os conhecimentos envolvidos na formação dos sujeitos. Consoante, Duarte (2016,
p. 43) assevera que:
Os seres humanos agem a partir de circunstâncias com as quais se deparam; estabelecem
objetivos, fazem planos, traçam estratégias e põem em movimento os recursos disponíveis
para transformar a realidade, atingindo algo diferente do que antes existia. Isso desenca-
deia novos processos que estabelecem novas necessidades, novos desafios, para cujo enfren-
tamento os seres humanos constroem novos planos e assim por diante, num processo que
não tem fim enquanto exista a humanidade.
As ideias citadas nos levam ao entendimento de que as condições ideais para
que aconteça a apropriação de conceitos são aquelas que possuem motivos claros,
que emergiram de necessidades humanas. Dessa forma, o ensino intencionalmente
organizado deve atentar para os motivos que sustentam o processo educativo e
possibilitam o efetivo aprendizado dos saberes pertinentes às áreas de formação
das instituições de ensino. Conforme Martins (2015, p. 56), “a atividade é uma
manifestação em atos pela qual o homem se firma na realidade objetiva ao mesmo
tempo em que a transforma em realidade subjetiva”.
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O ensino como atividade mediadora no processo de apropriação de conceitos
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Assim, a clareza dessas condições pelos sujeitos que fazem a (inter)media-
ção dos conhecimentos da humanidade com os sujeitos em situações de estudo e
de aprendizagem – os professores – é fundamental para a organização de suas
atividades de ensino. Nessa perspectiva, a atenção se volta para as condições da
formação de conceitos e da constituição dos sujeitos nas ações de ensino, discussão
que apresentamos na sequência.
Dizeres de pesquisadores sobre as atividades de ensino e estudo no processo de
formação de conceitos e constituição do sujeito
Os sujeitos constituem-se humanos diante das relações caracteristicamente
humanas que estabelecem com o mundo e os outros humanos (VIGOTSKI, 2008);
são relações que não acontecem pela ação direta com o mundo, mas de forma me-
diada por instrumentos e signos e por intermediações por outro humano e, espe-
cialmente, quando o sujeito entra em atividade (LEONTIEV, 2004), sendo esse um
processo de aprendizagem. Para aprender, segundo Vigotski, o homem necessita
entender a organização e o direcionamento do seu comportamento, situação em que
acontece a mediação por instrumentos e signos, que pode ser a palavra, por exem-
plo, que o auxiliará na formação de conceitos. Assim, é referenciada a relação com o
outro para a efetivação das apropriações dos conceitos e da história da humanidade
por um processo que é educativo (SAVIANI, 2008).
Os processos educativos intencionais são concebidos para o efetivo aprendi-
zado dos sujeitos como condição para a apropriação de conhecimentos produzidos
pela humanidade. É fundamental, portanto, a compreensão de como acontece esse
aprendizado, bem como a própria organização da atividade de ensino para a sua
efetivação; é condição que remete à busca pelo entendimento de como acontece o
processo de formação de conceitos, pela complexidade que ele apresenta, sendo ne-
cessária a atenção para uma adequada compreensão acerca da atividade de ensino
e de estudo que proporcione aprendizagem e promova o desenvolvimento humano
nas suas máximas potencialidades (DUARTE, 2016).
Na atividade de ensino, a intenção é a de proporcionar a apropriação do conhe-
cimento, realizando-a com consistentes motivos para a efetiva assimilação dos con-
ceitos pelos sujeitos. Esse processo é organizado sistematicamente nas instituições
de ensino, atentando para a vivência de cada sujeito, sendo necessário considerar o
processo de formação de conceitos, a distinta diferenciação e a implicação dos concei-
tos cotidianos e científicos no processo de constituição humana (VIGOTSKI, 2010).
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Considerando as vivências cotidianas, os conceitos espontâneos são apro-
priados pelo sujeito de maneira informal e sem rigor metodológico ou sistêmico,
bem como o senso comum, que parametriza diversos “saberes”. Esses conceitos
são apropriados pela pessoa sem a necessidade de estabelecer relações conceituais.
Os conceitos científicos, no entanto, são concebidos e construídos no contexto de
ambientes das instituições de ensino, organizados de maneira formal, intencio-
nal e sistêmica; condições importantes, pois, segundo Vigotski (2007), a formação
de conceitos científicos pela mediação de outros conceitos forma, assim, uma rede
conceitual. A organização desse processo é fundamental para a efetiva apropriação
pelos sujeitos em atividade de estudo.
O processo de formação dos conceitos, na concepção vigotskiana, acontece pela
formação dos complexos, que é referente à análise de fatores de uma situação com
características semelhantes e por conceitos potenciais qualificados pela associação
de características comuns diante de uma situação de análise (VIGOTSKI, 2010).
Esses processos são possíveis pela palavra, signo presente na mediação proporcio-
nada pelo outro mais experiente, especialmente durante a atividade de ensino e de
estudo. Para Vigotski (2008, p. 67), “[...] um conceito não é uma formação isolada,
fossilizada e imutável, mas sim uma parte ativa do processo intelectual, constan-
temente a serviço da comunicação, do entendimento e da solução de problemas”.
O processo de apropriação de conceitos possibilita o desenvolvimento do sujei-
to no contexto escolar que, em atividade de estudo, desenvolverá potencialidades
para estabelecer relações com o mundo com consciência reflexiva. Tal processo é
pertinente à escola bem como às instituições de ensino superior, que organizam e
desenvolvem atividade de ensino; um processo complexo que carece de compreen-
são pelos sujeitos diante do conhecimento construído pela humanidade, pois, como
advertem Leontiev et al. (2005, p. 13-14),
[...] os conceitos não se assimilam passivamente, mas têm de ser “construídos”. A tarefa do
docente não é apresentar conceitos novos já construídos; tarefa e dever do docente é, em
primeiro lugar, demonstrar como a utilização de um conceito velho – ou a não utilização
de um conceito novo – cria contradições e incertezas, para facilitar depois o processo de
“construção”, permitindo assim superar as contradições e reduzir a incerteza.
Entendemos ser fundamental que o processo de apropriação de conceitos cien-
tíficos no contexto do ensino e do estudo seja compreendido pelos sujeitos interme-
diadores do conhecimento – os docentes –, porque “[...] os conceitos são entendidos
como um sistema de relações e generalização contido nas palavras e determinado
por um processo histórico cultural” (REGO, 1995, p. 39). Ter clareza e consciência
acerca desse processo, portanto, é necessário, uma vez que:
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[...] a formação de conceitos é um processo criativo, e não um processo mecânico e passivo;
que um conceito surge e se configura no curso de uma operação complexa, voltada para a
solução de algum problema; e que só a presença de condições externas favoráveis a uma
ligação mecânica entre a palavra e o objeto não é suficiente para a criação de um conceito.
[...], o fator decisivo para a formação de conceitos é a chamada tendência determinante
(VIGOTSKI, 2008, p. 67-68).
Esse processo, definido como criativo, acontece via educação escolar, promovi-
da pela atividade de ensino, a qual envolve relações entre sujeitos, mediadas por
instrumentos e signos, dentre os quais o conhecimento historicamente produzido.
Para Vygotsky (2010, p. 247):
A experiência pedagógica nos ensina que o ensino direto de conceitos sempre se mostra
impossível e pedagogicamente estéril. O professor que envereda por esse caminho costuma
não conseguir senão uma assimilação vazia de palavras, um verbalismo puro e simples que
estimula e imita a existência dos respectivos conceitos na criança, mas, na prática, esconde
o vazio. Em tais casos, a criança não assimila o conceito, mas a palavra, capta mais de
memória que de pensamento e sente-se impotente diante de qualquer tentativa de emprego
consciente do conhecimento assimilado.
Tais conclusões contrapõem o ensino conduzido pela predominante, senão ex-
clusiva, maneira de conduzir o ensino e o estudo, cuja aprendizagem se dá pelo viés
de ações de decorar palavras sem a devida estruturação de uma rede conceitual.
Nas ciências exatas, por exemplo, é possível verificar entendimentos com defini-
ções conceituais pela linguagem matemática como predominante e até mesmo sufi-
ciente, conforme Paty (1995, p. 234), ao descrever que a “Matemática era concebida
como um conhecimento que permitia uma leitura direta da natureza [...]”. Vigotski
(2008, p. 72-73), em seus estudos, dedicou significativo tempo e esforços em pes-
quisas acerca da formação dos conceitos, nos quais enaltece o quão complexa é essa
atividade, levando em conta que:
[...] o processo não pode ser reduzido à associação, à atenção, à formação de imagens, à in-
ferência ou às tendências dominantes. Todas são indispensáveis, porém insuficientes sem o
uso do signo, ou palavra, como o meio pelo qual conduzimos as nossas operações mentais,
controlamos o seu curso e as canalizamos em direção à solução do problema que enfrentamos.
Tais considerações colocam os processos de ensino e de aprendizagem no cen-
tro dos debates quando o assunto é a efetiva aprendizagem para as relações com o
mundo, ou seja, para além da reprodução de palavras e termos em momentos de
verificação do que foi aprendido ou, simplesmente, decorado. Entendemos que esse
é um processo que demanda tempo, reflexão, vivência e reelaboração. Duarte (2016,
p. 16) descreve que “as relações entre o ensino dos conteúdos escolares e a formação/
transformação da concepção de mundo são mediadas e complexas”. Desse modo,
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[...] o domínio de um material perfeitamente determinado não leva sempre imediatamente
a um progresso no desenvolvimento mental do aluno, ao aparecimento de novas caracterís-
ticas, ou seja, a um desenvolvimento real. Tudo isto, depende do que se adquire e de como
se adquire (LEONTIEV et al., 2005, p. 48).
Pensamos que, na organização curricular, é importante considerar que os re-
sultados satisfatórios quanto a uma efetiva aprendizagem no campo da educação
não são instantâneos, pois necessitam de assimilações, reflexões e ressignificações
constantes, o que nos leva a concordar que “é um erro e uma ingenuidade esperar
mudanças imediatas e facilmente visíveis da visão de mundo dos alunos a partir de
cada tópico dos conteúdos escolares” (DUARTE, 2016, p. 16).
Há a concepção de que a formação de conceitos segue um caminho definido e
fossilizado como modelo ou receita e com suposta garantia da efetiva apropriação
do conhecimento. A apropriação de conceitos acontecerá a partir de operações na
presença de uma problemática que possibilitará ações e reflexões acerca do foco
de análise e de estudo. Vigotski (2008, p. 68) adverte que “a memorização de pala-
vras e a sua associação com os objetos não leva, por si só, à formação de conceitos;
para que o processo se inicie, deve surgir um problema que só possa ser resolvido
pela formação de novos conceitos”. Isso implica a necessidade de o aluno atribuir
sentidos para a atividade de estudo. Nas palavras de Leontiev et al. (2005, p. 57),
“a educação alcança o seu objetivo imediato (particular) e definitivo (geral) quando
põe em ação as capacidades potenciais do aluno, e, em conformidade, dirige a sua
utilização”.
Nessa perspectiva, é importante frisarmos o quão necessário é pensar e orga-
nizar os processos de ensino nas instituições escolares e acadêmicas, vislumbrando
que se efetive o aprendizado dos sujeitos, pois, como ensinam Leontiev et al. (2005,
p. 14),
A “construção” dos novos conceitos, com as suas correspondentes consequências [...] cons-
titui a motivação, o “reforço” do próprio processo, o processo de “construção” é um processo
automotivado; para assegurar o seu prosseguimento, uma vez iniciado, não é necessário um
“reforço externo”; é necessário e suficiente que subsistam as condições adequadas para que
o processo continue a desenvolver-se.
Essas condições dizem respeito à qualidade e à intencionalidade das ativida-
des de ensino e estudo mediante o entendimento do professor, uma vez que “os con-
ceitos não se assimilam passivamente, mas tem de ser ‘construídos’” (LEONTIEV
et al., 2005, p. 13), como também afirmam Leontiev et al. (2005, p. 31):
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Estudos demonstram que o intelecto não é precisamente a reunião de determinado número
de capacidades gerais – observação, atenção, memória, juízo, etc. – mas sim a soma de
muitas capacidades diferentes, cada uma das quais, em certa medida, é independente das
outras e portanto tem de ser desenvolvida mediante um exercício específico. A tarefa do
docente consiste em desenvolver não uma única capacidade de pensar, mas muitas capa-
cidades particulares de pensar em campos diferentes; não em reforçar a nossa capacidade
geral de prestar atenção, mas em desenvolver diferentes faculdades de concentrar a aten-
ção sobre diferentes matérias.
Quanto ao papel do professor, Vigotski (2008, p. 104) argumenta “que o ensi-
no direto de conceitos é impossível e infrutífero”, sendo, então, improdutivo e na
crença de uma suposta aprendizagem, pois há somente a retenção de termos no
sentido de uma mera reprodução, sem estabelecer relações mais amplas, reduzindo
o processo a uma simples “repetição de palavras pela criança, semelhante à de
um papagaio, [...] que na realidade oculta um vácuo”. Nessa linha de pensamento,
Vigotski (2008, p. 104) ressalta que:
[...] um conceito é mais do que a soma de certas conexões associativas formadas pela me-
mória, é mais do que um simples hábito mental; é um ato real e complexo de pensamento
que não pode ser ensinado por meio de treinamento, só podendo ser realizado quando o
próprio desenvolvimento mental da criança já tiver atingido o nível necessário. [...] o desen-
volvimento dos conceitos, ou dos significados das palavras, pressupõe o desenvolvimento
de muitas funções intelectuais: atenção deliberada, memória lógica, abstração, capacidade
para comparar e diferenciar.
Com base em Leontiev et al. (2005), percebemos que a atividade de ensino
deve ser organizada com a intencionalidade de oferecer a todos os alunos condições
adequadas e permanentes para a apropriação e a sociabilização daqueles conheci-
mentos científicos que promovam o desenvolvimento cognitivo e afetivo dos alunos.
Nesse processo sistematizado:
O domínio de conceitos cada vez mais complexos favorece o desenvolvimento da abstração
e da generalização, conduz à formação e ao aperfeiçoamento de operações lógicas, ao desen-
volvimento da curiosidade, à iniciativa e à independência na assimilação de conhecimentos
(LEONTIEV et al., 2005, p. 46-47).
Na proposição de situações-problema que requerem pesquisa, o professor pro-
porciona a atividade de estudo com novas possibilidades de apropriação do conheci-
mento, com incentivo ao uso e ao desenvolvimento das funções superiores mentais
por intermédio do planejamento intencional e sistemático da atividade de ensino,
que se contrapõe ao modelo tradicional, no qual predomina a simples decoreba e a
apropriação da informação pronta, acabada. Segundo Rego (1995, p. 39), ao apos-
tar na possibilidade formativa, pautada pela real formação dos conceitos, opta-se
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por uma condição em que “estes processos mentais são considerados sofisticados e
‘superiores’, porque se referem a mecanismos intencionais, ações conscientemente
controladas [...]”.
Para Duarte (2016, p. 140), a sistematização e a organização dos processos
que proporcionam tais situações poderiam ser pensadas e viabilizadas nas escolas
e também nas universidades, uma vez que:
O conhecimento organiza-se em sistemas conceituais cujo domínio é adquirido por meio de
processos que só raramente ocorrem na vida cotidiana. Cabe à escola a produção deliberada
desses processos e a condução dos alunos pelas sendas do saber sistematizado. Somente
assim as pessoas estarão em condições de se apropriar constantemente do conhecimento,
disponível em qualquer tipo de fonte.
O ensino, sistemático e intencionalmente organizado para a apropriação de
conhecimentos científicos das diferentes áreas do saber, necessita acontecer na di-
reção de razões que possibilitem motivação para agir visando esse objetivo, ou seja,
realizar a atividade para a construção do conhecimento mediado por instrumentos
e signos e intermediado pelo professor nas instituições de ensino, na perspectiva
de produzir a necessidade de estudo. Nesse sentido, Leontiev (2004, p. 108-109)
assevera que:
A primeira condição de toda a actividade é uma necessidade. Todavia, em si, a necessidade
não pode determinar a orientação concreta de uma actividade, pois é apenas no objecto da
actividade que ela encontra sua determinação: deve, por assim dizer, encontrar-se nele.
Uma vez que a necessidade encontra a sua determinação no objecto (se “objectiva” nele), o
dito objecto torna-se motivo da actividade, aquilo que o estimula.
As palavras desse autor nos permitem afirmar que a produção de necessi-
dades, no sujeito, desenvolve motivos para a realização de ações e operações com
vistas a supri-las. Assim, se a escola e seus professores empenharem-se no sentido
de produzir em seus alunos necessidades do conhecimento, estes se sentirão mo-
tivados para a atividade de estudo e, nesse caso, o processo de aprendizagem é
favorecido. Produzir tais necessidades é um dos maiores desafios dos docentes e
das instituições de ensino.
Considerações nais
Diante dos desafios impostos aos professores para o enfrentamento de ques-
tões relacionadas aos processos de apropriação de conhecimentos científicos, con-
cisos e frutíferos, verificamos diversas manifestações quanto aos limites do de-
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senvolvimento humano a partir da formação escolar e acadêmica. Conhecimentos
supostamente elementares são considerados insuficientemente construídos pelos
sujeitos diante dos resultados nos espaços de trabalho e no desempenho escolar,
que são ínfimos. Logo, há o entendimento de que o conhecimento é superficial-
mente construído pelos discentes, que a inteligência está diminuindo, e indaga-se
quanto ao que é mais importante entre o saber-fazer como potencial produtivo e
mercantil e o saber-saber amplo e reflexivo; entendimentos dicotômicos e polariza-
dos no horizonte histórico do mundo capitalista. Esta análise, de cunho marxista,
é necessária e pertinente ao desenvolvimento humano nas concepções advindas da
teoria histórico-cultural, bem como na pedagogia histórico-crítica, dada a função
de construção da autonomia do sujeito enquanto integrante do mundo como ser
humano e ser produtivo.
Diante da problemática da apropriação de conceitos e o fundamental entendi-
mento do professor nesse processo, destacam-se as valorosas contribuições da psi-
cologia russa e seus seguidores para tais entendimentos e reflexões. Essas possibi-
lidades de análises e reflexões nem sempre foram consideradas nos estudos acerca
do funcionamento da mente humana na direção da construção do conhecimento, na
constituição do ser humano e de suas relações com o mundo e, também, na própria
formação de professores.
Os estudos aqui analisados e considerados constituem consistente base da
formação, em especial com Leontiev, ao desenvolver o que chamou de Teoria da
Atividade, com contribuições fundamentais para o entendimento dos processos
educativos de crianças, jovens e adultos. Essa teoria proporciona entendimentos
do complexo processo de funcionamento da mente humana, que resulta em ativi-
dades especificamente do homem diante da realidade dos sujeitos. As atividades
humanas referenciadas nesses estudos são possíveis a partir da compreensão do
contexto histórico e cultural no qual os sujeitos se encontram. Compreende-se,
com Rego (1995, p. 39), que os processos referentes ao desenvolvimento humano,
à aprendizagem e à hominização dos sujeitos “[...] não são inatos, eles se originam
nas relações entre indivíduos humanos e se desenvolvem ao longo do processo de
internalização de formas culturais de comportamento”.
Esse comportamento essencialmente humano é possível pela relação que
estabelece com o mundo e com o conhecimento produzido historicamente, sendo
igualmente possíveis apropriações desse conhecimento pela intermediação propor-
cionada pelos homens. Essa intermediação, a partir de ações humanas, também
acontece por instrumentos oriundos das criações humanas e, no direcionamento a
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um objeto, possibilita que sujeitos se coloquem em “atividade”, que, na concepção
de Leontiev, possibilitará a apropriação do conhecimento, desde que orientado por
motivos.
Por esse viés, o processo educativo é fundamentado pela “atividade” que inclui
operações e ações na intencionalidade de despertar motivos para a efetiva reali-
zação da aprendizagem, ou seja, de apropriação do conhecimento. No ambiente de
ensino e de estudo, portanto, é fundamental a organização intencional dos proces-
sos pedagógicos, vislumbrando efetivos aprendizado e desenvolvimento humanos.
Para Leontiev (1983, p. 83), “o objeto da atividade é seu motivo real”, sendo o mo-
tivo alimentado pela necessidade de encontrar um objeto. Nesse foco de análise, o
objeto é o termo usado como referência a um processo de construção e apropriação
de conhecimento e/ou conceito; logo, não como a materialidade física de um objeto.
Com o olhar docente, há, com recorrência, a utopia de encontrar, descobrir ou
criar “a forma” adequada e eficiente de ensinar, dada a complexidade do processo.
Para Duarte (2016, p. 109),
[...] a decisão pelo emprego de uma estratégia, uma técnica ou um procedimento didático
dependerá sempre de uma avaliação que relacione, no mínimo, quatro elementos: quem
está ensinando, quem está aprendendo, o que está sendo ensinado e em que circunstâncias
a atividade educativa se realiza.
Há um contraponto marcante aos entendimentos contemporâneos citados na
introdução desta escrita no que se refere ao suposto “emburrecimento” do sujeito,
inclusive pela carga hereditária.
Não há a menor dúvida, segundo os psicólogos soviéticos – salvo em casos de lesões fisioló-
gicas diagnosticáveis com segurança –, de que qualquer “estudante” é capaz de construir
novos conceitos, desde que se encontre em uma etapa suficientemente avançada do desen-
volvimento ontogênico (LEONTIEV et al., 2005, p. 14).
A conclusão é contundente quando contrapõe fortemente o senso comum quan-
to aos entendimentos de “nascer inteligente”, “não tem jeito de aprender”, “esse
não serve para estudar, para nada”. Tratam-se de afirmações fortes, pesadas, mas,
infelizmente, reais; entendimento que, possivelmente, transcende o senso comum
e chega a pertencer aos comentários no meio docente.
O entendimento profundo do termo atividade, composto por ações e operações
(conforme o conceito de Leontiev) como conceito fundamental de processos educati-
vos nas instituições, é determinante para que, ao realizarem a atividade de estudo,
os estudantes se apropriem dos conceitos científicos ensinados, desenvolvendo as
funções psicológicas superiores. De acordo com Leontiev (2004), são realizações
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ESPAÇO PEDAGÓGICO
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possíveis mediante uma prática pedagógica pensada e organizada pelos educado-
res na direção da satisfação da necessidade de estudo e de aprendizagem pelos
sujeitos, mas satisfazendo essa necessidade com sentidos atribuídos pelo professor
que realiza a intermediação.
O processo de memorização, essencialmente humano, é o que possibilita e
potencializa a capacidade dos sujeitos de se apropriarem das informações e dos
conhecimentos sociabilizados por outros sujeitos e com o uso dos signos (VIGOT-
SKI, 2007), quando acontece a apropriação de conceitos. Destaca-se que o termo
“memorização” é dissociado da “decoreba”, anteriormente referenciada como uma
ação limitadora na atividade de estudo, dado o infrutífero resultado do aprender,
ou seja, de realizar efetivamente a apropriação dos conceitos e conferir significados
do conhecimento nas relações do homem com o mundo. Segundo Vigotski (2008,
p. 116), é fundamental a consideração dos conceitos para o aprendizado escolar e
acadêmico, “pois com eles o sujeito categoriza o real e lhe conforma significados”.
Ainda acerca dos conceitos, Vigotski (2008, p. 116) afirma:
Nos conceitos científicos que a criança adquire na escola, a relação com um objeto é media-
da, desde o início, por algum outro conceito. Assim, a própria noção de conceito científico
implica certa posição em relação a outros conceitos, isto é, um lugar dentro de um sistema
de conceitos.
A partir da construção do conhecimento, há um sentido vivo na alma dos edu-
cadores e sonhadores com um mundo melhor pelo caminho da educação, quando as
transformações das pessoas são reais e possíveis.
Se o conhecimento não transformasse as pessoas e não transformasse a sociedade, ele não
passaria de uma massa morta de informações, palavras e ideias. Mas o conhecimento é a
atividade humana condensada e sua socialização traz à vida a atividade que ali se encontra
em estado latente. Essa atividade, no processo de sua apropriação pelos indivíduos, produz
nestes o movimento do intelecto, dos sentimentos e da corporeidade, em outras palavras,
põe em movimento o humano (DUARTE, 2016, p. 34).
Os estudos desenvolvidos na psicologia russa, bem como seus seguidores, ob-
servam a formação dos indivíduos com atenção aos impactos sociais no âmbito
em que se encontram e influenciam esta realidade. Logo, as concepções dos pro-
cessos formativos, desde a escola até o ensino superior, precisam de significação e
contextualização para, de fato, interferir positivamente na realidade social. Logo,
a organização do ensino e o efetivo envolvimento e entendimento por parte dos
docentes é determinante nesta caminhada em prol da formação dos sujeitos, pois,
como afirma Duarte (2016, p. 59):
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O ensino dos conteúdos escolares em nada se assemelha, portanto, a um deslocamento
mecânico de conhecimentos dos livros ou da mente do professor para a mente do aluno,
como se esta fosse um recipiente com espaços vazios a serem preenchidos por conteúdos
inertes. O ensino é transmissão de conhecimento, mas tal transmissão está longe de ser
uma transferência mecânica, um mero deslocamento de uma posição (o livro, a mente do
professor) para outra (a mente do aluno). O ensino é o encontro de várias formas de ativi-
dade humana: a atividade de conhecimento do mundo sintetizada nos conteúdos escolares,
a atividade de organização das condições necessárias ao trabalho educativo, a atividade de
ensino pelo professor e a atividade de estudo pelos alunos.
As contribuições da psicologia histórico-cultural são fundamentais para o en-
tendimento, a organização e a transformação dos processos educativos, bem como
dos processos formativos dos docentes. Na concepção de Duarte (2016, p. 37), en-
tretanto, ela “não é e não pode ser uma pedagogia, o que ela pode ser é um dos
fundamentos de uma pedagogia”, o que contribui para a qualificação dos processos
formativos de docentes e estudantes.
Ao longo desta escrita, foi possível fazer uma reflexão acerca do desenvolvi-
mento humano e da aprendizagem escolar e acadêmica, considerando a importân-
cia da formação de conceitos e a mediação que possibilita a efetivação da aprendi-
zagem e do próprio desenvolvimento humano. O trabalho educativo como sociali-
zação do conhecimento construído pela humanidade (DUARTE, 2016), todavia, é
a possibilidade de desenvolvimento da autonomia e de constituição dos indivíduos
vislumbrando uma vida justa e digna. Essas condições remetem à organização dos
processos educativos pelas mãos e pelos olhares dos profissionais da educação com
as considerações vigotskianas a respeito da apropriação dos conceitos científicos.
Na perspectiva histórico-cultural, os conhecimentos espontâneos, apropria-
dos pelos sujeitos, são determinantes para que esses processos educativos levem à
apropriação do conhecimento pelo indivíduo a partir do coletivo e das mediações;
processos que nunca são conclusos, estão sempre sendo revistos e reconstruídos,
pois o mundo real transforma-se constantemente, e nós estamos continuamente
na busca pelo entendimento deste mundo. Com o conceito de atividade elucidado
por Leontiev e os demais pesquisadores da escola russa, portanto, espera-se que as
ações e operações possibilitem, efetivamente, a partir da apropriação desse concei-
to por docentes, a assimilação do conhecimento descoberto, produzido e sociabiliza-
do pela humanidade.
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Notas
1 Ao longo do texto, foi adotada a grafia Vigotski, com exceção das citações, que serão apresentadas de acordo
com a obra consultada.
2 Grifo nosso para o termo atividade quando na referência específica da perspectiva da psicologia russa
(Leontiev).
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