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ISSN on-line 2238-0302
v. 29, n. 2, maio/ago. 2022
UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO
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INSTITUTO DE HUMANIDADES, CIÊNCIAS, EDUCAÇÃO
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tado de México/MX
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Dr. Luiz Marcelo Darroz
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Dr. Angelo Vitório Cenci
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Vanessa Salete Bicigo de Quadros - Mestrado
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Sumário
Editorial ................................................................................................................................... 400
Luiz Marcelo Darroz
Telmo Marcon
Dossiê
Aprendizagem ativa com significado ......................................................................................... 405
Marco Antônio Moreira
Aprendizagem significativa: uma teoria para a sala de aula e sua perspectiva paradigmática ........ 417
Iramaia Jorge Cabral de Paulo
A Teoria da Aprendizagem Significativa em pesquisas na área de Ensino de Ciências da Natureza:
uma revisão sistemática da literatura ......................................................................................... 444
Luiz Henrique Ferreira
Paola Gimenez Mateus
Andressa Algayer da Silva Moret
Os significados de Intenção e Disposição para aprender na Teoria da Aprendizagem Significativa
................................................................................................................................................ 469
Karla Maria Castello Branco da Cunha
Rachel Belmont
Evelyse dos Santos Lemos
Por que devemos ensinar História das Ciências em aulas de Ciências? Contribuições a partir da
Teoria da Aprendizagem Significativa Crítica ........................................................................... 484
Nathan Willig Lima
Cleci Teresinha Werner da Rosa
Um possível percurso formativo visando a promoção da Aprendizagem Significativa de Física no
Ensino Médio........................................................................................................................... 511
Angelisa Benetti Clebsch
Adriana Marin
José de Pinho Alves Filho
Tendências para Organizadores Prévios com vistas à Aprendizagem Significativa em demonstrações
matemáticas ............................................................................................................................. 535
Maria Cecília Pereira Santarosa
Vaneza de Carli Tibulo
Contribuições da sala de aula invertida para a promoção de subsunçores de energia mecânica ... 556
Ana Marli Bulegon
Maria Aparecida Monteiro Deponti
Formação continuada de professores na perspectiva da teoria da aprendizagem significativa ...... 575
Graziela Ferreira de Souza
Nilcéia Aparecida Maciel Pinheiro
Sani De Carvalho Rutz da Silva
Avaliação da aprendizagem por parâmetros ausubelianos após vivência em uma unidade de ensino
potencialmente significativa ...................................................................................................... 599
Kátia Aparecida da Silva Aquino
Saulo de Tárcio Gomes do Nascimento
José Antônio Bezerra de Oliveira
Fluxo contínuo
O currículo de Ciências na perspectiva dos professores da rede estadual de ensino de São Paulo 618
Celso do Prado Ferraz de Carvalho
Luciane da Silva Vicente
Metodologias ativas: Aprendizagem Baseada em Projetos como proposta interdisciplinar no Ensino
Médio ...................................................................................................................................... 633
Fernando Augusto Treptow Brod
Valesca de Matos Duarte
Práticas colaborativas com o uso de artefatos: o Google Drive como estratégia para apropriação dos
conceitos .................................................................................................................................. 659
Edilaine Vagula
Ensino de leitura em prol do desenvolvimento humano: o lugar da BNCC ............................... 675
Carina Andrade de Freitas
Angela Cristina di Palma Back
Gamificação em foco: uma experiência com a plataforma Symbaloo Learning Paths na pós-
graduação ................................................................................................................................. 701
José Ricardo Lopes Ferreira
Fernando Silvio Cavalcante Pimentel
Diálogo com educadores
Diálogo com educadores Dr. Marco Antonio Moreira ......................................................... 728
Marco Antonio Moreira
Cleci Teresinha Werner da Rosa
Resenha
Metacognição no ensino de física: da concepção à aplicação ...................................................... 737
Camila Boszko
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ESPAÇO
PEDAGÓGICO
Editorial
Luiz Marcelo Darroz
*
Telmo Marcon
**
O mundo contemporâneo encontra-se em constante transformação, cenário que
tem exigido, por parte dos cidadãos, a capacidade de sintetizar e analisar criticamente
a diversidade de informações oriundas de múltiplos meios. Neste sentido, proporcionar
situações de ensino capazes de levar os estudantes a aprendizagens com significado dos
conceitos estudados nos bancos escolares é essencial para a formação de uma sociedade
ativa.
Frente a essa realidade, contextualizamos a Teoria da Aprendizagem Significativa
proposta por David Paul Ausubel (1918-2008). Fundamentada no cognitivismo, a te-
oria, que foi desenvolvida a partir dos anos de 1960, parte da concepção de que a
elaboração do conhecimento é um processo em que a vivência e a experiência de cada
indivíduo não podem ser ignoradas. Nessa direção, Ausubel (1978, p. iv) salienta: “Se
tivesse que reduzir toda a psicologia educacional a um só princípio, diria o seguinte: o
fator isolado mais importante influenciando a aprendizagem é aquilo que o aprendiz já
sabe. Determine isso e ensine-o de acordo”.
Dessa maneira, a aprendizagem deve acontecer de forma não arbitrária e não
literal, ou seja, precisa estar ligada a conceitos claros e específicos já existentes na estru-
tura cognitiva do aprendiz, a fim de que possam ser expandidos. Em outros termos, a
aprendizagem não está relacionada ao simples ato de memorização, mas ocorre quando
o conhecimento interage com a estrutura cognitiva do aprendiz, tornando-se significa-
tivo para ele (AUSUBEL, 1973).
*
Licenciado em Matemática LP (UPF). Licenciado em Física (UFSM). Especialista em Física (UPF). Mestre em Ensino de
Física (UFRGS). Doutor em Educação em Ciências (UFRGS). Atualmente é professor da Universidade de Passo Fundo e
professor de física e matemática na Educação Básica. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0884-9554. E-mail:
ldarroz@upf.br. (Organizador do Dossiê).
*
*
Doutor em História Social pela PUC-SP, com pós-doutorado em Educação Intercultural pela UFSC. Professor e
pesquisador na Faculdade de Educação e no Programa de Pós-Graduação em Educação (mestrado e doutorado) da UPF.
Orcid: http://orcid.org/0000-0002-9110-3210. E-mail: telmomarcon@gmail.com. (Editor-chefe da Revista Espaço
Pedagógico).
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A partir do entendimento da aprendizagem preconizada pela Teoria da Apren-
dizagem Significativa de Ausubel, esse dossiê apresenta um conjunto de 10 artigos que
discutem os elementos da teoria, avaliam possibilidades de implementação na educação
básica e no ensino superior e discutem como identificar indícios de aprendizagem sig-
nificativa.
No primeiro artigo Aprendizagem ativa com significado, o professor Marco Anto-
nio Moreira salienta que, por mais ativo que seja o ensino, por mais tecnológico que
seja, a aprendizagem tem que ser significativa, com significado, compreensão, capaci-
dade de explicar, de aplicar conhecimentos adquiridos, declarativos ou procedimentais.
Na mesma direção, o artigo Aprendizagem significativa: uma teoria para a sala de
aula e sua perspectiva paradigmática, de Iramaia Jorge Cabral de Paulo, argumenta que,
no contexto educativo, a palavra de ordem é aprendizagem significativa ou aprendiza-
gem com significado. No entanto, para a autora, é pouco provável que esse objetivo
seja alcançado sem que a Teoria da Aprendizagem Significativa, que o subjaz, seja com-
preendida. Assim, o artigo apresenta os principais construtos da Teoria e aponta suas
aproximações com os preceitos kuhnianos.
O artigo A Teoria da Aprendizagem Significativa em pesquisas na área de Ensino
de Ciências da Natureza, de Luiz Henrique Ferreira, Paola Gimenez Mateus e Andressa
Algayer da Silva Moretti, apresenta como a Teoria da Aprendizagem Significativa tem
sido utilizada em pesquisas brasileiras na área de Ensino de Ciências da Natureza. Para
tal, os autores adotaram, como método de pesquisa, a revisão sistemática da literatura,
tendo, como banco de dados, o portal de periódicos da Capes.
Rachel Belmont, Karla Maria Castello Branco da Cunha e Evelyse dos Santos
Lemos refletem, no artigo Os significados de Intenção e Disposição para aprender na Te-
oria da Aprendizagem Significativa, sobre os significados de intenção e disposição
presentes na obra original de Ausubel, publicada em 2000, e em sua tradução para o
português, em 2003. Para as autoras, a análise do texto original revela inconsistência
com a tradução de termos essenciais para a compreensão do processo da aprendizagem.
O artigo de Nathan Willig Lima e Cleci Teresinha Werner da Rosa, Por que
devemos ensinar História das Ciências em aulas de Ciências? Contribuições a partir da
Teoria da Aprendizagem Significativa Crítica, discute as potencialidades e os cuidados
pedagógicos necessários em atividades didáticas com abordagem histórica, a partir do
quadro teórico formado pela Teoria da Aprendizagem Significativa Crítica. Em espe-
cial, argumentam que, diante do cenário contemporâneo, é necessário que os alunos
construam conhecimentos científicos, bem como desenvolvam uma postura crítica, de
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“distanciamento antropológico”, para que sejam capazes de atuar no sentido de articu-
lar um mundo habitável e mais justo.
Por sua vez, Angelisa Benetti Clebsch, Adriana Marin e José de Pinho Alves Filho
fazem, no artigo Um possível percurso formativo visando a promoção da Aprendizagem
Significativa de Física no Ensino Médio, uma avaliação crítica das políticas públicas re-
centes relacionadas ao Ensino Médio e discutem a necessidade da promoção de
aprendizagens significativas de conceitos de Física, como alternativa necessária à apren-
dizagem mecânica.
As professoras Maria Cecília Pereira Santarosa e Vaneza de Carli Tibulo apresen-
tam, no artigo Tendências para Organizadores Prévios com vistas à Aprendizagem
Significativa em demonstrações matemáticas, uma pesquisa que objetivou investigar es-
tratégias de ensino para demonstrações matemáticas, que possam favorecer a
aprendizagem significativa de acadêmicos do Curso de Licenciatura em Matemática.
Para tal, elaboraram e implementaram uma proposta de Organizadores Prévios, anco-
radas nas tendências em Educação Matemática: a História da Matemática, a
Manipulação de Material Concreto e a Resolução de Problemas.
Maria Aparecida Monteiro Deponti e Ana Marli Bulegon buscam discutir, no
artigo Contribuições da sala de aula invertida para a promoção de subsunçores de energia
mecânica, os resultados de um estudo que objetivou analisar as contribuições da Sala
de Aula Invertida para abordar conceitos de Energia Mecânica, pelo viés da Teoria da
Aprendizagem Significativa. Tal estudo foi realizado em 2018 e 2019, com estudantes
do primeiro ano do Ensino Médio do curso técnico em Sistemas de Energia Renovável,
numa escola pública federal do Rio Grande do Sul.
Buscando propor uma reflexão sobre as mudanças e demandas do trabalho do-
cente e tendo como contexto a formação continuada de professores, Graziela Ferreira
de Souza, Nilcéia Aparecida Maciel Pinheiro e Sani De Carvalho Rutz da Silva articu-
lam, no artigo Formação continuada de professores na perspectiva da teoria da
aprendizagem significativa, a Teoria da Aprendizagem Significativa como um caminho
à formação docente, a partir da proposição de um curso de formação continuada ofer-
tado a um grupo de professores dos anos iniciais do ensino fundamental.
Por fim, o artigo de Kátia Aparecida da Silva Aquino, Saulo de Tárcio Gomes
do Nascimento e José Antônio Bezerra de Oliveira, Avaliação da aprendizagem por pa-
râmetros ausubelianos após vivência em uma unidade de ensino potencialmente
significativa, apresenta uma proposta de avaliação da aprendizagem por parâmetros au-
subelianos após a vivência em uma unidade de ensino potencialmente significativa.
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Desejamos que este conjunto de reflexões que compõe o dossiê auxilie-nos a
compreender melhor a Teoria da Aprendizagem Significativa e favoreça o surgimento
de novas propostas educacionais que proporcionem aos estudantes a compreensão dos
conceitos com significado.
Na sequência, temos mais cinco artigos que fazem parte do fluxo contínuo da
revista. O artigo de Celso do Prado Ferraz de Carvalho e Luciane da Silva Vicente, O
currículo de ciências na perspectiva dos professores da rede estadual de ensino de São Paulo,
objetivou analisar como o currículo da disciplina de Ciências no âmbito da Secretaria
de Educação do estado de São Paulo foi construído por um grupo de especialistas, sem
a participação dos professores. A pesquisa tratou de analisar a compreensão de profes-
sores de Ciências sobre esse currículo e como ele impacta a prática escolar. A conclusão
a que chegam é de que o “Currículo Oficial para a Rede Estadual de Ensino do Estado
de São Paulo desconsidera as peculiaridades dos contextos escolares, não disponibiliza
recursos didáticos e infraestrutura adequada para que os professores realizem seu traba-
lho”. Além disso, concluíram que os professores são meros reprodutores do currículo.
O artigo de Fernando Augusto Treptow Brod e Valesca de Matos Duarte, Meto-
dologias Ativas: aprendizagem baseada em projetos como proposta interdisciplinar no
Ensino Médio, discute a transformação no fazer de docentes no Ensino Médio utili-
zando a aprendizagem baseada em projetos através da análise do discurso de docentes
sobre a estratégia metodológica. Concluem que “a efetivação de práticas relacionadas a
ensinar e aprender através de metodologias ativas, de maneira interdisciplinar em redes
de conversação, oportunizou um transformar no fazer pedagógico dos docentes, possi-
bilitando a interação entre os conhecimentos abordados e o cotidiano, a integração
entre as diversas áreas do conhecimento e a construção de um trabalho colaborativo”.
Edilaine Vagula contribui com o artigo Práticas colaborativas com o uso de artefa-
tos: o Google Drive como estratégia para apropriação dos conceitos. Nele, analisa uma
disciplina do curso de Pedagogia que abordou o planejamento de ensino a partir de
percepções de estudantes sobre a proposta de mediação centrada na participação cola-
borativa para aprender conceitos. Conclui que “os alunos valorizaram a oportunidade
de planejar, aprender conceitos e construir conhecimentos de forma colaborativa, sen-
tiram-se atuantes na disciplina, sendo que o instrumento mediador fomentou o
aprender a aprender, possibilitando rever o erro e promover a aprendizagem”. Além
disso, a elaboração de um glossário ajudou no aprofundamento dos conceitos trabalha-
dos na disciplina.
O artigo Ensino de leitura em prol do desenvolvimento humano: o lugar da BNCC,
de Carina Andrade de Freitas e Angela Cristina di Palma Back, analisa os resultados de
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uma pesquisa documental sobre o conceito de leitura na BNCC, séries iniciais. As au-
toras concluem que a leitura tem de ser uma atividade de construção de sentido e o
leitor precisa ter um papel ativo, deixando de ser apenas um receptor para ser um “(re)
criador de significado”.
O último artigo, de José Ricardo Lopes Fereira e Fernando Sílvio Cavalcante
Pimentel, intitulado Gamificação em foco: uma experiência com a plataforma Symbaloo
Learning Paths na pós-graduação, traz a análise de uma experiência com o uso da gami-
ficação a partir da plataforma Symballo Learning Paths com estudantes de mestrado e
doutorado em Educação numa instituição pública de ensino superior na disciplina de
Recursos Digitais Educacionais. Os autores concluíram que a plataforma Symballo
Learning Paths ofereceu um suporte eficaz para o desenvolvimento da gamificação do
conteúdo proposto. No contexto da intervenção, os elementos do designe dos games
proporcionaram aumento da motivação e do engajamento dos estudantes, o que resul-
tou em um ambiente favorável para a construção do conhecimento crítico e
colaborativo”.
A sessão diálogo com educadores conta com as contribuições do professor Marco
Antônio Moreira, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, conhece-
dor, difusor e entusiasta de aprendizagem verdadeiramente significativa.
Por fim, temos a resenha da obra Metacognição no Ensino da Física: da concepção
à aplicação elaborada por Camila Bosko. Nesta resenha, Bosko salienta que a obra tem,
como objetivo, fornecer subsídios teóricos aos professores e pesquisadores da área de
ensino de Física e, dessa forma, disserta sobre a possibilidade de utilização da metacog-
nição como favorecedora da aprendizagem em Física.
Desejamos a vocês uma boa leitura e compartilhem essas reflexões nos grupos de
pesquisa, em disciplinas e pesquisas.
Referência
AUSUBEL, David Paul. Algunos aspectos psicológicos de la estrutuctura del conocimiento.
Buenos Aires: El Ateneo, 1973.
Este artigo está licenciado com a licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
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Aprendizagem ativa com significado
1
Meaningful active learning
Aprendizaje activo con significado
Marco Antonio Moreira
*
Resumo
O ensino de ciências tradicional, centrado no professor que “dá a matéria”, tentando explicá-la o
melhor possível, é pior do que ineficaz, é anticientífico (Carl Wieman). O ensino não pode ser mo-
nológico, mas sim dialógico (Paulo Freire), e o aluno deve participar ativamente no processo ensino-
aprendizagem. No entanto, participação ativa não é simplesmente “mão na massa”, pois deve envol-
ver, fundamentalmente, aspectos cognitivos significativos. Por mais ativo que seja o ensino, por mais
tecnológico que seja, a aprendizagem tem que ser significativa (David Ausubel), i.e, com significado,
compreensão, capacidade de explicar, de aplicar conhecimentos adquiridos, declarativos ou procedi-
mentais. Aprendizagem ativa sem significado não tem sentido.
Palavras-chave: Aprendizagem ativa; Significado; Aprendizagem significativa.
Abstract
Traditional science teaching, centered in the teacher that “gives the subject matter”, trying to explain
it as better as possible, is worse than ineffective, it’s unscientific (Carl Wieman). Teaching cannot be
monological but dialogical (Paulo Freire), and the student must participate actively in the teaching-
learning process. However, active learning doesn’t mean simply “hands on” because it must involve,
fundamentally, meaningful cognitive aspects. As much active teaching is, as much technological it
is, learning must be meaningful (David Ausubel), that is, with meaning, comprehension, ability to
explain, to apply acquired knowledges, declaratives or procedurals. Active learning without meaning
doesn’t make sense.
Keywords: Active learning; Meaning; Meaningful learning.
Recebido em: 10.10.2021Aprovado em: 10.10.2022
https://doi.org/10.5335/rep.v29i2.13887
ISSN on-line: 2238-0302
*
Licenciado e Mestre em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutor em Ensino de Ciências
pela Cornell University/USA. Atua no Instituto de Física da UFRGS. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2989-619X. E-
mail: moreira@if.ufrgs.br.
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Marco Antonio Moreira
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Resumen
El enseño de ciencias tradicional, Con atención en el profesor que “da la asignatura”, intentando
explicarla lo mejor posible, es peor de lo que ineficaz, es anticientífico (Carl Wieman). El enseño no
puede ser nomológico, pero sí dialógico (Paulo Freire), y el alumno debe participar activamente en
el proceso enseño-aprendizaje. Sin embargo, participación activa no es simplemente “manos a la
obra”, pues debe involucrar, fundamentalmente, aspectos cognitivos significativos. Por más activo
que sea el enseño, por más tecnológico que sea, el aprendizaje tiene que ser significativo (David
Ausubel), y, con significado, comprensión, capacidad de explicar, de aplicar conocimientos adquiri-
dos, declarativos o procedimientos. Aprendizaje activo sin significado no tiene sentido.
Palabras clave: Aprendizaje activo; Significado; Aprendizaje significativo.
Introdução
Educação é muito mais do que ensino. Os chamados lugares comuns da educa-
ção são aprendizagem, ensino, currículo, contexto e avaliação (SCHWAB, 1973;
NOVAK, 1981). No entanto, na prática, é comum confundir educação e ensino e dar
quase que total atenção ao ensino. Internacionalmente, o foco do ensino está na pre-
paração para provas, nas respostas corretas a serem dadas nos exames. Já está consagrado
o termo “teaching for testing” e as melhores escolas são aquelas que têm os mais altos
índices de aprovação de seus alunos
2
nas provas nacionais, como o ENEM por exemplo,
ou internacionais, como o PISA.
Essa é uma visão comportamentalista (as respostas corretas são os comportamen-
tos esperados) e mercadológica (preparação para o mercado) que confunde medição
(assessment) com avaliação. Testes de múltipla escolha medem, não avaliam. Avaliação
implica busca de evidências de aprendizagem de conteúdos, declarativos e procedimen-
tais, de habilidades e competências, ..., sempre com significado e criticidade.
Na educação básica é muito difícil fugir do ensino para a testagem porque é
imensa a pressão socioeconômica para que as escolas funcionem mais como centros de
treinamento do que centros educacionais. Certamente, há escolas focadas em uma edu-
cação para a cidadania, assim como há escolas que procuram desenvolver atividades
que não têm a ver com a testagem, mas, ainda assim, o principal objetivo é a preparação
para as provas locais, nacionais e internacionais.
Seguramente há publicações acadêmicas contra o teaching for testing e movimen-
tos como o Beyond Multiple Choice (Além da Múltipla Escolha), cujos congressos
iniciaram em 2017; em 2020 houve 1600 participantes. Mas os avanços ainda têm sido
fracos.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Aprendizagem ativa com significado
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v. 29, n. 2, Passo Fundo, p. 405-416, maio/ago. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Por outro lado, na educação superior há muito mais flexibilidade para o ensino,
os professores têm bastante liberdade de escolha sobre como vão ensinar. Paradoxal-
mente, o ensino nas universidades é o mais tradicional possível. O ensino de ciências,
de Física por exemplo, é o clássico “aula teórica e lista de problemas”, ou seja, o pro-
fessor “dá a matéria” expositivamente, monologicamente, e depois “passa” uma lista de
problemas para os alunos. Esse ensino, nas palavras, de Carl Wieman, Nobel em Física
em 2001 e referência internacional no ensino da Física, é pior do que ineficaz, é anti-
científico (WIEMAN, 2013).
Neste texto, o ensino de ciências nas universidades será abordado criticamente,
porém, ao mesmo tempo, construtivamente desde uma perspectiva de mudança desse
ensino a fim de que fique voltado para a aprendizagem ativa de conteúdos, declarativos
e procedimentais, com significado, compreensão e capacidades de utilizá-los.
O comportamentalismo de Skinner e o ensino tradicional
O comportamentalismo é uma corrente psicológica cuja ideia-chave é que o
comportamento é controlado pelas consequências. Quer dizer, dependendo do que
acontece depois de um comportamento frente a um estímulo, o sujeito tende a repeti-
lo, ou não, quando receber outra vez esse estímulo. É um enfoque estímulo (E) - res-
posta (R), que não leva em consideração o que ocorre entre os dois.
No ensino, Skinner (1972) é a referência comportamental básica. O enfoque
skinneriano ao ensino limita-se a comportamentos (objetivos comportamentais) mani-
festos e mensuráveis. Não leva em conta o que acontece na mente do aprendiz
3
durante
o processo de aprendizagem.
Na prática, o que se faz é definir claramente os objetivos do ensino, i,e., o que se
espera que o aluno seja capaz de fazer ou dizer, “depois das aulas”, nas provas. Se o
esperado for atingido, ou seja, se as respostas nas provas forem corretas, o ensino é
considerado exitoso, embora essas respostas não signifiquem compreensão. Provas de
questões de múltipla escolha, por exemplo, medem quantas foram as respostas certas,
mas não avaliam compreensão, captação de significados.
Por sua parte, os alunos anotam ou gravam o que o professor diz; copiam ou
fotografam o que o professor apresenta no quadro de giz ou pedem arquivos eletrônicos
quando a apresentação é em slides. Enfim, querem recursos sobre a matéria que foi
“dada” nas aulas para estudarem na véspera das provas. Nesse contexto, estudar signi-
fica memorizar mecanicamente o que pode “cair nas provas”, ou seja, definições, leis,
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Marco Antonio Moreira
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princípios, reações, taxonomias e, sobretudo, fórmulas (pois, em certas disciplinas,
acreditam que para cada problema há uma fórmula).
Saindo bem nas provas, quer dizer, se a consequência do “estudo” for boas notas,
os alunos tendem a continuar “estudando” para as provas. Se a consequência é notas
baixas, acabam se sentindo incompetentes, pensam que não vale a pena “estudar”, bus-
cam outros mecanismos para passar nas provas.
Nesse contexto comportamentalista, de aprendizagem mecânica, baseado na tes-
tagem, o importante é passar nas provas e disciplinas e, quando passam, os estudantes
praticamente apagam de sua mente o que “estudaram”. Pouco resta, “em suas cabeças”,
do foi memorizado para as provas. É a cultura da matéria passada matéria esquecida”,
uma cultura internacional.
Chega-se ao ponto que em certas carreiras os estudantes cursam determinadas
disciplinas somente porque são obrigatórias e só querem passar. Infelizmente, isso
ocorre em disciplinas de Física e Cálculo nas Engenharias.
Cabem aqui, como exemplo, palavras de um estudante (HERAS, 2017) de gra-
duação em Astrofísica, em uma Universidade de Londres, publicadas na revista Physics
Today:
As disciplinas básicas dos meus dois primeiros anos foram desapontadoras. A maioria dos profes-
sores seguiu abordagens de ensino tradicionais baseadas, pesadamente, em resolver problemas
padrão e aprendizagem mecânica, sem possibilidades de questionamentos e discussões. Eles pa-
reciam convencidos que entenderíamos Física através desse método [...] Eu e meus colegas
gastamos muito tempo e esforço resolvendo problemas de livros de texto. Mas não entendemos
Física fazendo isso. Na prática, fomos treinados a usar técnicas de resolução de problemas (Tra-
dução livre do autor).
Que absurdo! Dois primeiros anos de um curso de Astrofísica sem aprender Fí-
sica. É esse ensino que Carl Wieman (2013), caracteriza como pior do que ineficaz pois
é anticientífico. É um ensino comportamentalista que enfatiza a aprendizagem mecâ-
nica, sem significado. Deveria ser abandonado, mas é o que predomina no Brasil e em
muitos outros países. Talvez a proposta original de Skinner aplicada ao ensino não fosse
essa, mas assim foi interpretada e posta em prática.
A dialogicidade de Freire e a negociação de significados no en-
sino
A educação associada ao ensino tradicional comportamentalista descrito na seção
anterior é a “educação bancária” concebida por Paulo Freire (1988). Nessa concepção,
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educação é o ato de “depositar”, transferir, transmitir valores e conhecimentos. O saber
é uma doação dos que se julgam sábios aos que se julgam que nada sabem (FREIRE,
1988, p. 58-59).
A educação bancária é monológica, o professor fala e os alunos escutam. Contrari-
amente a essa concepção, a dialogicidade, a consciência crítica, a criticidade essência
da educação como prática da liberdade (FREIRE, 1988, p. 77) são imprescindíveis.
Nessa perspectiva, a educação autêntica não é do educador para o educando ou sobre
o educando, mas sim do educador com o educando.
Na educação bancária estudar é memorizar conteúdos mecanicamente, sem sig-
nificados. O que se espera do educando, como já foi dito, é a memorização dos
conteúdos nele depositados. A compreensão e a significação não são requisitos, a me-
morização mecânica sim.
Na educação dialógica, estudar requer apropriação da significação dos conteúdos,
a busca de relações entre eles e aspectos históricos, sociais e culturais dos conhecimentos
adquiridos. Requer também que o educando se assuma como sujeito do ato de estudar
e adote uma postura crítica e sistemática.
Dessas concepções freireanas percebe-se claramente que, na prática, o ensino não
pode ser monológico. Se não houver diálogo, se o aluno não externalizar os significados
que está captando, o professor não tem evidências de se o mesmo está aprendendo ou
não. Deve haver uma “negociação de significados”. É um erro ensinar sem participação
dialógica do aluno.
Em uma situação de ensino, o professor deve possibilitar que os alunos tenham
acesso aos significados aceitos no contexto da matéria de ensino. Os alunos devem,
então, externalizar os significados que estão captando. Se forem os significados aceitos
contextualmente pode-se dizer que houve um episódio de ensino-aprendizagem. Caso
não sejam, os alunos devem ter novamente, e possivelmente de outro modo, acesso aos
significados compartilhados na matéria de ensino. Em outras palavras, deve haver uma
“negociação de significados” entre professor e aluno, por meio de materiais e estratégias
instrucionais, cujo objetivo é que o aluno venha a compartilhar significados.
Se não há captação, compartilhamento, de significados, não há aprendizagem. Se
não há aprendizagem não houve ensino. Não tem sentido dizer que algo foi ensinado,
mas o aluno não aprendeu.
Significados são compartilhados dentro de um contexto, ou seja, o mesmo sím-
bolo ou signo pode ter um significado dentro de um contexto e outro fora dele. A
mesma palavra pode ter significados diferentes em distintos contextos, Por exemplo,
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‘trabalho’ na Física é um produto escalar de dois vetores, no cotidiano é emprego, ser-
viço, tarefa e outros significados. Outro exemplo, dentro da própria Física, a mesma
palavra pode ter um significado em uma área e outro em outra área como é o caso da
palavra ‘cor’ que tem significados diferentes na Ótica e na Física de Partículas.
Não se trata de dizer que um certo significado está correto em um contexto e
errado em outro. Como foi dito, se são contextos diferentes os significados podem ser
outros para o mesmo signo, símbolo, processo. Por isso, a dialogicidade, o intercâmbio,
a “negociação de significados” é fundamental no ensino. E nesse processo a pergunta é
essencial, o aluno deve ser estimulado a perguntar, a questionar, sem que isso signifique
que o professor necessariamente tenha uma resposta, nem que seguramente já exista
uma resposta. Perguntar é essencial no progresso da ciência. Portanto, deve fazer parte do
ensino de ciências.
O cognitivismo de Ausubel e a aprendizagem significativa
Diferentemente da corrente psicológica comportamentalista que não leva em
consideração o que ocorre na mente do aprendiz entre o estímulo e a resposta, a visão
cognitivista de David Ausubel (1963; 2000; 2003) tem como pressupostos básicos que
os conhecimentos existentes na estrutura cognitiva do aprendiz constituem a variável
que mais influencia a aprendizagem significativa de novos conhecimentos e, além disso,
deve haver de sua parte uma predisposição para aprender, uma intencionalidade, um
querer aprender.
Aprendizagem significativa é aprendizagem com significado, com compreensão,
com capacidades de explicar, descrever, aplicar, transferir conhecimentos, inclusive a
situações novas.
Não é saber a resposta correta. Aprendizagem Significativa e “resposta correta” não
são sinônimos. Se o aluno dá a resposta correta a uma questão em uma prova isso não
quer dizer que aprendeu significativamente o conteúdo envolvido nessa questão. No
ensino tradicional, voltado para a testagem, é comum que os alunos decorem respostas
corretas, para perguntas que poderão “cair nas provas”, sem entenderem essas respostas.
Na visão ausubeliana, se fosse possível identificar uma variável como a que mais
influencia a aprendizagem de novos conhecimentos seria o conhecimento prévio de
quem aprende. Mas conhecimento prévio não é o mesmo que pré-requisito. É o co-
nhecimento que o aprendiz tem em sua estrutura cognitiva e pode servir de
ancoradouro para novos conhecimentos ou funcionar como obstáculo epistemológico.
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A interação cognitiva entre conhecimentos novos e prévios é a característica
chave da aprendizagem significativa. Nessa interação um novo conhecimento deve re-
lacionar-se de modo não-arbitrário (i.e., não com qualquer conhecimento) e não-literal
(i.e., não ao pé da letra) com aquilo que o aprendiz já sabe.
Quando o novo conhecimento é armazenado na estrutura cognitiva, usualmente
na memória de trabalho, sem relacionar-se com conhecimentos prévios, a aprendiza-
gem é mecânica, sem significado, e serve apenas para respostas corretas a curto prazo.
Uma vez utilizado nas provas esse conhecimento é esquecido, como se fosse “apagado”
da mente.
A aprendizagem mecânica é o resultado mais comum do ensino para a testagem. Os
alunos passam anos “estudando”, mecanicamente, para as provas e pouco resta desse
“estudo” após as provas. Infelizmente, esse ensino é o que predomina na Educação
Básica, particularmente no Ensino Médio, e na Superior.
É preciso esclarecer que a estrutura cognitiva é dinâmica e a aprendizagem signi-
ficativa não é do tipo “sim ou não”, ou seja, a aprendizagem é significativa ou mecânica.
A aprendizagem significativa é progressiva, a interação cognitiva é permanente, os co-
nhecimentos prévios vão servindo de “ancoradouro” para novos conhecimentos e vão
ficando mais ricos, mais diferenciados e mais capazes de dar significados a outros novos
conhecimentos.
Mas se o conhecimento é tão importante para dar significados a novos conheci-
mentos, o ensino monológico tem que ser repensado. Não tem sentido ensinar,
qualquer conteúdo, sem ter uma ideia dos conhecimentos prévios dos alunos e como
estão captando significados de novos conhecimentos. O ensino tem que ser dialógico,
como foi destacado na seção anterior. Se o aluno não “fala” (i.e., não externaliza os
significados que está captando) o ensino está sendo feito às cegas.
Identificar conhecimentos prévios pode ser uma tarefa difícil mas deve sempre
ser levada em conta, ainda que minimamente. No entanto, a dialogicidade no ensino
é uma questão de mudança na concepção monológica predominante.
A outra variável fundamental para a aprendizagem significativa é a predisposição
para aprender, mas essa predisposição não deve ser confundida, simplisticamente, com
motivação. É uma intencionalidade, um querer aprender, um interesse que vai muito
além de motivação.
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Aprendizagem ativa, metodologias ativas e aprendizagem signifi-
cativa
Aprendizagem ativa pode ser entendida como oposta à aprendizagem passiva,
aquela do ensino tradicional em que os alunos apenas escutam e anotam o que o pro-
fessor diz. Os alunos passam a ser ativos na sua aprendizagem em decorrência de
metodologias ativas de aprendizagem que os colocam como centrais no processo en-
sino-aprendizagem.
Metodologias ativas são metodologias de ensino centradas no aluno, mas o papel
do professor não é minimizado, ou desmerecido, é modificado isso sim. Como dizia
Paulo Freire, o ensino deve ser do educador com os educandos, envolvendo a partici-
pação ativa de todos em contextos que lhes façam sentido.
Essas metodologias devem estimular que o aluno se sinta como o principal res-
ponsável por sua aprendizagem. Devem também incentivar a colaboração entre colegas,
o questionamento, a criticidade, a “negociação de significados”. A aprendizagem base-
ada em projetos, a instrução por pares, a gamificação, são exemplos de metodologias
ativas, mas existem várias outras.
Um outro exemplo, ainda não muito utilizado, mas promissor, é a prática deli-
berada (WIEMAN, 2013):
O que funciona melhor do que aulas teóricas e problemas de casa, segundo numerosos estudos,
é ter os estudantes trabalhando em pequenos grupos com instrutores que podem ajudá-los a
aplicar conceitos científicos básicos em situações de vida real. Mas qual é a melhor maneira de
implementar aprendizagem ativa centrada no estudante? É fundi-la com a concepção de prática
deliberada, a qual envolve o aprendiz na resolução de um conjunto de tarefas ou problemas que
são desafiadores mas factíveis e que incluem explicitamente o uso de pensamentos e desempenhos
apropriados. O professor oferece incentivos apropriados para manter os estudantes ativos e lhes
dá contínuos feedbacks para que se mantenham nas tarefas e desenvolvam as habilidades neces-
sárias (Tradução livre do autor).
Metodologias ativas, por princípio, estão voltadas para a aprendizagem ativa, par-
ticipativa, dos alunos, mas nem sempre geram aprendizagem significativa. Se o
conhecimento prévio, já existente ou em construção, não for levado em conta e se o
aluno não externalizar os significados que está captando, o professor não sabe se o aluno
aprendeu, ou está aprendendo, significativamente, novos conhecimentos, novos con-
teúdos, novos procedimentos.
Metodologias ativas não implicam necessariamente o uso de tecnologias digitais
nem a “mão na massa” (hands on). É claro que as TDICs (Tecnologias Digitais de
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Informação e Comunicação) fazem parte da vida contemporânea, é claro também que
atividades experimentais são importantes no ensino de STEAM (Science, Technology,
Engineering, Arts, and Mathematics). Mas seu uso não implica que a aprendizagem seja
significativa.
Por exemplo, um aluno pode construir um modelo computacional para uma
situação física, matemática ou da engenharia e não entender o modelo feito, não con-
seguir explicá-lo teoricamente. Pode fazer um experimento de laboratório “achar uma
reta” ou “encontrar uma cor” e não entender a Física e a Química que estão por trás
desses “achados”.
É importante não confundir aprendizagem ativa e metodologias ativas com aprendi-
zagem significativa, pois esta é a aquisição de conhecimentos, declarativos e
procedimentais, i.e., de saber dizer e fazer, com significado, com compreensão, o que
está sendo feito ou enunciado.
Algumas recomendações, em busca de outro ensino
Tudo que foi dito até aqui fez referência ao ensino de ciências porque esta é a
área do autor, mas, seguramente, vale para outras áreas. Houve também referências ao
ensino superior porque nele há mais possibilidades de mudança, contrariamente ao
ensino na educação básica que é voltado, prioritariamente, para a testagem. Mas isso
não significa perder a ilusão de um ensino, na educação básica, para a cidadania.
A modo de conclusão serão apresentadas a seguir algumas asserções, ou recomen-
dações, dirigidas a um “outro ensino”.
Abandono da narrativa, da educação bancária, do ensino treinador. O modelo da narrativa
(FINKEL, 2008) é aquele em que o professor narra, os alunos escutam, anotam e decoram. A
educação bancária (FREIRE, 2007) é aquela em que o professor “deposita”, transfere, conheci-
mentos para a cabeça do aluno. Ensino treinador é o que “prepara” o aluno, mecanicamente,
para a testagem. Tudo isso deve ser abandonado em busca de um ensino com participação ativa
dos estudantes e aprendizagem com significado.
Considerar o estudante como o principal agente de sua aprendizagem. Estimular a colaboração entre
estudantes com a mediação do professor. Incentivar a dialogicidade, o questionamento, a critici-
dade, nas aulas. Usar metodologias ativas.
Buscar evidências de conhecimentos prévios. Promover atividades iniciais, sem objetivo de testar,
que levem os alunos a externalizar conhecimentos prévios, sem se sentirem testados. Mapas men-
tais, por exemplo. Ao longo do processo de ensino-aprendizagem, buscar evidências de aprendizagem
significativa. Testes não dão essas evidências, apenas medem a quantidade de acertos. Se o ensino
for dialógico o professor terá muitas oportunidades de colher evidências de aprendizagem signi-
ficativa, ou seja, se está havendo captação de significados e compreensão dos conteúdos que estão
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sendo trabalhados. Metodologias ativas favorecem uma aprendizagem ativa com significado e facili-
tam essa busca de evidências.
Utilizar situações que façam sentido para os alunos. São as situações que dão sentido aos conceitos
(VERGNAUD, 1990). Usar a prática deliberada (WIEMAN, 2013) propondo tarefas desafia-
doras, mas viáveis e que tenham sentido para os alunos. Explorar a relevância dos materiais
instrucionais na vida profissional e cotidiana dos estudantes.
Não acreditar que o uso das TDICs (Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação) vai neces-
sariamente gerar aprendizagens ativas significativas. É natural que essas tecnologias sejam
incorporadas ao ensino, pois fazem parte da vida contemporânea, do mundo atual, mas isso não
significa que vão, automaticamente, melhorar a aprendizagem em termos de significado e com-
preensão. É comum imaginar as novas tecnologias como “poderosas”, mas pesquisas feitas com
aprendizagem personalizada (personalized learning), aprendizagem alternada (blended learning) e
aprendizagem profunda (deep learning) até agora não apresentaram resultados altamente favorá-
veis (HEROLD, 2016). Aprendizagem personalizada é aquela em que o estudante pode seguir um
caminho individualizado de aprendizagem, coerente com seu perfil de aprendizagem. Aprendiza-
gem alternada é a que mantém o estudante alternando entre atividades online e atividades
presenciais em distintos momentos das metodologias de ensino. Aprendizagem profunda é o pro-
cesso de aquisição de seis competências globais (FULLAN; QUINN; MC EACHEN, 2018):
caráter, cidadania, colaboração, comunicação, criatividade e pensamento crítico. Todas essas
abordagens são promissoras mas ainda carecem de pesquisas sobre seu efeito na aprendizagem
ativa significativa.
Despertar o interesse dos alunos. Talvez esse seja o maior desafio para promover essa aprendizagem
ativa com significado. Como dizia Ausubel (1963), além do conhecimento prévio como variável
isolada que mais influencia a aprendizagem há uma outra variável fundamental, a predisposição
para aprender. Mas essa predisposição vai muito além de motivação. É melhor pensar em termos
de interesse. Segundo Dewey (1916/2018), o interesse significa que quem está aprendendo se
identifica com os objetos de estudo que definem a atividade e provêm meios e obstáculos para
sua realização (p. 147). Interesse tem características e fases de desenvolvimento (RENNINGER;
NIESWANDT; HIDI, 2018), tem a ver com autorregulação, auto-observação, autodetermina-
ção, autoeficácia (BANDURA; AZZI; POLYDORO, 2008). Não cabe aqui definir todos esses
conceitos, pois foram mencionados somente para chamar atenção que interesse é uma variável
complexa que merece total atenção no ensino. Sem despertar o interesse dos alunos é pouco
provável que as atividades didáticas, sejam quais forem, resultem em aprendizagens ativas signi-
ficativas e quando isso não ocorre não se pode dizer que houve ensino e os alunos não aprenderam”.
Isso não tem sentido.
Conclusão
Este texto foi escrito desde uma perspectiva crítica ao ensino tradicional, baseada
na grande experiência do autor, como professor e pesquisador, na educação básica e
superior, em ensino de ciências, particularmente de Física. Ao longo dessa perspectiva,
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várias vezes foi destacada a necessidade de mudanças em busca de outro ensino, cen-
trado no aluno e na aprendizagem ativa com significado. Contudo, embora seja um
ensino centrado no aluno, o papel do professor é fundamental. Ao invés de atuar como
“narrador” passa a ser mediador na implementação de metodologias ativas. Por outro
lado, abandono da narrativa não implica nunca dar aulas ao estilo tradicional. Implica,
isso sim, inserir essas aulas em metodologias ativas, sem ficar falando sozinho e “dando
a matéria”.
Mudanças no ensino tradicional enfrentarão muitas dificuldades porque na edu-
cação básica o importante é a preparação para as provas, o ensino para a testagem, e na
educação superior o que vale é a pesquisa, as publicações, o ensino é dar aulas teóricas
e passar listas de problemas.
Mas fica aqui uma pergunta! Em termos de aprendizagem, para que serve esse
ensino se não leva a aprendizagens ativas com significado?
Notas
1
Palestra na série Diálogos da Ilum Escola de Ciência no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e
Materiais (CNPEM), Campinas, São Paulo, em 24 de junho de 2021.
2
Neste texto os termos aluno e professor serão usados sem nenhuma alusão a gênero.
3
O termo aprendiz está sendo usado neste texto com significado de ser humano que aprende.
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Este artigo está licenciado com a licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
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Aprendizagem significativa: uma teoria para a sala de aula e
sua perspectiva paradigmática
Meaningful learning: a theory for the classroom and its paradigmatic
perspective
Aprendizaje significativo: una teoría para el aula y su perspectiva
paradigmatica
Iramaia Jorge Cabral de Paulo
*
Resumo
Atualmente, no contexto educativo, a palavra de ordem é aprendizagem significativa ou aprendiza-
gem com significado. É pouco provável que esse objetivo seja alcançado sem que a Teoria da
Aprendizagem Significativa, que o subjaz, seja compreendida. A partir de seus fundamentos, docu-
mentos norteadores da educação brasileira, sequências didáticas e metodologias facilitadoras têm sido
criadas e testadas por professores e educadores nos mais variados contextos de ensino e aprendizagem
o que nos remete a considerar que Aprendizagem Significativa pode ser considerada um paradigma.
Esse artigo objetiva apresentar os principais construtos da Teoria e apontar a aproximação com os
preceitos kuhnianos que a legitimam como um paradigma.
Palavras-chave: Aprendizagem significativa; Teoria da Aprendizagem Significativa; Paradigma.
Abstract
Currently, in the educational context, a very used word is meaningful learning or learning with
meaning. It is unlikely that this goal will be achieved without the understanding of the Theory of
Meaningful Learning, which underlies it. From its foundations, guiding documents of Brazilian ed-
ucation, didactic sequences and facilitating methodologies have been created and tested by teachers
and educators in the most varied contexts of teaching and learning, which leads us to consider that
meaningful learning constitutes a paradigm. This article aims to present the main constructs of the
Theory and point out the approximation with the Kuhnian precepts that legitimize it as a paradigm.
Keywords: Meaningful learning; Theory of Meaningful Learning; Paradigm.
Recebido em: 31.10.2021Aprovado em: 22.02.2022
https://doi.org/10.5335/rep.v29i2.13108
ISSN on-line: 2238-0302
*
Possui graduação em Licenciatura em Ciências Naturais com habilitação em Física (UFMT-1985), Licenciatura em Física
(UFMT-1994), Mestrado em Educação com ênfase em Ensino de Física (UFMT-1997) e Doutorado em Ensino de Ciências
com ênfase em Ensino de Física Contemporânea (2006), pela Universidad de Burgos (Espanha). Realizou estágio pós-
doutoral em Modelagem de Sistemas Complexos pela Université Libre de Bruxelles (Bélgica, 2013), participando do grupo
de pesquisa fundado pelo Professor Ilya Prigogine. É Professora Associada do Instituto de Física da UFMT. Orcid:
https://orcid.org/0000-0002-2581-1681. E-mail: irafisufmt@gmail.com.
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Iramaia Jorge Cabral de Paulo
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Resumen
Actualmente, en el contexto educativo, el aprendizaje significativo es lo que se espera en un episodio
de enseñanza. Es poco probable que este objetivo se logre sin que se entienda la Teoría del Aprendi-
zaje Significativo que lo sustenta. A partir de sus fundamentos, documentos orientadores de la
educación brasileña, secuencias didácticas y metodologías facilitadoras han sido creados y probados
por profesores y educadores en los más variados contextos de enseñanza y aprendizaje, lo que nos
lleva a considerar que el aprendizaje significativo constituye un paradigma. Este artículo tiene como
objetivo presentar los principales constructos de la Teoría y señalar la aproximación con los preceptos
kuhnianos que la legitiman como paradigma.
Palabras clave: Aprendizaje significativo; Teoría del Aprendizaje Significativo; Paradigma.
A Teoria da Aprendizagem Significativa até os dias atuais
Em rápida busca no Google sobre a Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS)
aparecem 9.750.000 citações, já no Google acadêmico são cerca de 840.000 citações
1
dando-nos a medida de sua relevância como aporte teórico para pesquisa em ensino,
metodologias e materiais didáticos. Pode-se inferir, portanto, que a TAS subjaz a busca
de um ensino que promova a aprendizagem com significado. É desejável que ao fre-
quentar a instituição escola, o indivíduo seja capaz refletir, se posicionar, emitir
opiniões ou juízos de valor, fazer escolhas, que se sinta empoderado pelo conhecimento
adquirido e não se intimide frente a questões contemporâneas e inusitadas que a hu-
manidade enfrenta nesse início de século. Autonomia para pensar e decidir requer
aprendizagem com significado.
O padrão de ensino que promove a memorização de conceitos, fórmulas, datas,
nomes e definições, ainda recorrente na prática escolar, torna-se um obstáculo para a
formação de indivíduos com esse perfil. Para nós professores, o caminho para facilitar
a aprendizagem significativa pode parecer menos ortodoxo diante das condições de en-
sino que ocorrem nas escolas e sem dúvida exigirá fundamentalmente duas coisas:
profundo domínio do conteúdo a ministrar e opções teóricas que devem efetivamente
refletir na prática do ensinar, com metodologias diversificadas, escolhidas com critério
e cuidado considerando a diversidade de perfis que os alunos apresentam.
É recorrente na literatura educacional estudos sobre a importância de uma for-
mação docente sólida, contextualizada e atualizada, que permita ao professor
desenvolver uma prática que contribua efetivamente para a formação de cidadãos cons-
cientes e capazes de assimilar criticamente os conhecimentos advindos das constantes
transformações em todos os campos de conhecimento no mundo atual. Esses estudos,
construídos no Brasil ao longo das últimas cinco décadas, dizem respeito ao contexto,
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Aprendizagem significativa: uma teoria para a sala de aula e sua perspectiva paradigmática
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no qual é evidente a necessidade de ações que possibilitem a melhoria dos processos de
ensino e aprendizagem. Dentre os múltiplos fatores que influenciam e podem intervir
nesse quadro, aqueles relacionados ao professor são os mais frequentemente citados.
Reconhecendo as dificuldades inerentes ao processo de implementação das mu-
danças que se fazem necessárias na sala de aula para promover a melhoria do ensino e
da aprendizagem, trataremos aqui sobre uma questão que acreditamos ser de vital im-
portância para dar suporte ao professor, ao se engajar nesse processo: a prática docente
embasada em fundamentos teóricos já estabelecidos e reconhecidos. Dentre as muitas
contribuições existentes, que podem dar suporte à prática docente, encontram-se as
teorias de aprendizagem, construídas sob os enfoques de diferentes filosofias ou visões
de mundo, procuram explicar o complexo fenômeno da aprendizagem humana e cons-
tituem uma das mais importantes contribuições ao professor em sua prática de sala de
aula. Dentre essas teorias, a TAS tem sido largamente aplicada em episódios de ensino,
nas mais diversas áreas do conhecimento, como fundamento de metodologias de ensino
com o objetivo de facilitar a aprendizagem que faça sentido para aluno, uma aprendi-
zagem com significado.
A partir de sua concepção por David Ausubel e colaboradores como Joseph No-
vak, Bob Gowin, Marco Antonio Moreira a TAS se tornou uma das teorias mais
importantes para subsidiar o trabalho do professor, largamente aplicada, inspira meto-
dologias e materiais de ensino facilitadores da aprendizagem com significado. Estamos
diante de uma teoria para a sala de aula, ou para o evento educativo, se preferir. Talvez
hoje não faça mais sentido falar em uma teoria de aprendizagem, mas de um paradigma
de ensino e aprendizagem que se enquadra no enfoque construtivista/cognitivista. O
objetivo aqui é apresentar uma revisão dos principais construtos da TAS a partir de sua
gênese ausubeliana e sua evolução até atingir um grau de maturidade e admissividade
na comunidade científica ao ponto de ser possível afirmar que a teoria corresponde a
um paradigma, do ponto de vista kuhniano.
Os pressupostos de David Ausubel
Ausubel destaca, no prefácio do livro Psicologia Educacional (AUSUBEL;
NOVAK; HANESIAN, 1980), seis aspectos que caracterizam a Teoria da Aprendiza-
gem Significativa (TAS). Dentre eles, três se destacam e justificam a decisão de tratar
sobre essa teoria nesse texto. O primeiro é o de que a proposta da TAS se preocupa
primariamente com os tipos de aprendizagem que ocorrem em sala de aula, a aprendi-
zagem simbólica significativa. Para Ausubel, outros tipos de aprendizagem ou são
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irrelevantes para a aprendizagem escolar, ou não são considerados inerentes às funções
primárias ou específicas da escola como, por exemplo, a aprendizagem de valores e
atitudes, sendo tratados apenas na medida em que afetam ou fazem parte da aprendi-
zagem das matérias escolares. O segundo aspecto refere-se ao fato de a Teoria da
Aprendizagem Significativa não ser uma obra eclética na sua orientação teórica; trata-
se de uma teoria cognitiva de aprendizagem verbal significativa. Finalmente, o terceiro
aspecto que se destaca é que na TAS é empregado um nível de discurso apropriado para
futuros professores e estudantes maduros. Nessa proposta, as explicações excessiva-
mente simplificadas, linguagem excessivamente corriqueira e apresentação superficial
das ideias são evitadas, pois, para Ausubel, a psicologia educacional é um assunto com-
plexo e, portanto, simplificar excessivamente significa prestar um desserviço ao
estudante iniciante, o que lhe será muito nocivo. A partir dessas considerações genui-
namente ausubelianas, no presente texto, procura-se apresentar as ideias, proposições e
conceitos mais importantes da Teoria da Aprendizagem Significativa de forma clara e
acessível sem, no entanto, renunciar ao rigor necessário para dar conta da precisão re-
querida para a compreensão efetiva da proposta.
A Teoria da Aprendizagem Significativa
A ideia básica que permeia a Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel
está contida na frase de sua autoria: “Se eu tivesse que reduzir toda a psicologia educa-
cional a um único princípio, diria isto: o fator isolado mais importante que influencia
a aprendizagem é aquilo que o aprendiz já conhece. Descubra o que ele sabe e baseie
nisso os seus ensinamentos(AUSUBEL, 1980, p viii). Parece simples, mas é preciso
interpretar com cuidado a ideia contida nessa proposição. Moreira (2006) apresenta
sua interpretação com respeito a suas possíveis implicações para o ensino e a aprendi-
zagem. Para ele, ao falar sobre “aquilo que o aprendiz já conhece”, Ausubel está se
referindo ao conteúdo total e à organização das ideias do indivíduo, à sua estrutura
cognitiva. Ou seja, se o indivíduo deve aprender determinado assunto, “aquilo que ele
já conhece” seria, segundo Ausubel, o conteúdo e a organização das suas ideias já exis-
tentes, nessa área particular de conhecimentos. Para que esse conhecimento
preexistente influencie e facilite a aprendizagem de novos conhecimentos, é necessário
que ele tenha sido aprendido de forma significativa, ou seja, de maneira não arbitrária
e não literal (não decorado). Quando Ausubel fala sobre “aquilo que o aprendiz já co-
nhece”, ele se refere a aspectos específicos dessa estrutura prévia de conhecimento que
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são relevantes para a aprendizagem da nova informação. Aqui, não se trata simples-
mente da ideia de pré-requisito, tal como se entende, por exemplo, as quatro operações
são pré-requisito para resolver uma função, mas isso não significa que ao resolvê-la o
conceito de função seja apropriado como uma regra de ação. Ou ainda, quando se
propõe uma sequência de disciplinas em um fluxo curricular de um curso e sim daque-
les conhecimentos específicos que vão influenciar a aprendizagem subsequente.
“Descubra o que ele sabe” significa desvelar a estrutura de conhecimento preexistente,
ou seja, os conceitos, ideias, proposições disponíveis na mente do indivíduo, suas inter-
relações e sua organização. “Baseie nisso os seus ensinamentos” significa basear o ensino
naquilo que o aprendiz já sabe, identificar os conceitos organizadores básicos do que
vai ser ensinado e utilizar recursos e princípios que facilitem a aprendizagem de maneira
significativa (MOREIRA, 2006).
Antes de dar prosseguimento a apresentação da TAS, é necessário explicitar dois
conceitos fundamentais, que devem estar muito claros, para facilitar a compreensão:
estrutura cognitiva e subsunçor. A estrutura cognitiva é entendida como o conteúdo
total e a organização das ideias do indivíduo, ou, no contexto da aprendizagem de um
conteúdo em particular, podemos entender como o conteúdo e a organização das ideias
do indivíduo nessa área particular de conhecimento (MOREIRA, 2006). Subsunçor é
uma ideia, um conceito, uma proposição, já existente na estrutura cognitiva do apren-
diz, capaz de “ancorar” uma nova informação de tal forma que esta adquira significado
para o aprendiz, ou seja, que ele tenha condições de atribuir significados a essa nova
informação (MOREIRA, 1999). É importante esclarecer que o subsunçor é um conhe-
cimento prévio, já existente na estrutura cognitiva do aprendiz no momento da
aprendizagem de um novo conhecimento. Mas não se trata de um conhecimento pré-
vio qualquer e sim de um conhecimento especificamente relevante para a nova
informação, o qual interage com ela em um processo que promove a aprendizagem
significativa desse novo conhecimento.
A seguir, serão apresentados os principais conceitos, ideias e proposições contidos
na Teoria da Aprendizagem Significativa e os possíveis desdobramentos em sala de aula.
O que significa dizer que a nova informação se relaciona de maneira não
arbitrária e não literal com um aspecto relevante da estrutura cognitiva?
Relacionar-se de maneira não arbitrária significa que esse relacionamento não é
com qualquer aspecto preexistente da estrutura cognitiva, mas com conhecimentos es-
pecificamente relevantes, os subsunçores, aqueles conhecimentos prévios que servem
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de matriz ideacional (de ideias) e organizacional para a incorporação, compreensão e
fixação dos novos conhecimentos. Relacionar-se de maneira não literal, ou substantiva,
significa incorporar à estrutura cognitiva a substância do novo conhecimento e não os
signos precisos usados para expressá-lo pura e simplesmente. Ou seja, o que é
aprendido de maneira significativa tem também significados pessoais, idiossincráticos
(MASINI; MOREIRA, 2008). É importante ficar claro que não se aprende de maneira
significativa apenas internalizando conhecimentos literalmente, mesmo que tenham
sido relacionados a conhecimentos prévios. Aprendizagem significativa é aprendizagem
com atribuição de significados, com compreensão, com incorporação, não arbitrária e
não literal, de novos conhecimentos à estrutura cognitiva de quem aprende por meio
de um processo interativo (MASINI; MOREIRA, 2008). Esse processo contribui para
a diferenciação, elaboração e estabilidade dos subsunçores preexistentes e, consequen-
temente, da própria estrutura cognitiva de quem aprende de forma significativa.
Para Ausubel, o armazenamento de informações na mente humana é altamente
organizado, formando uma espécie de hierarquia conceitual, na qual elementos mais
específicos de conhecimento são ligados a (e assimilados por) conceitos, ideias, propo-
sições mais gerais e inclusivos. Esta organização é, em parte, decorrente da interação
que caracteriza a aprendizagem significativa (MOREIRA, 2006). No entanto, novos
conhecimentos podem ser aprendidos, incorporados a estrutura cognitiva do sujeito
que aprende, de maneira arbitrária e literal. A mente humana tem a capacidade de
armazenar informações fazendo associações arbitrárias sem dar significado a ela. Esse
tipo de aprendizagem Ausubel define como aprendizagem mecânica ou automática;
aquela em que a nova informação é armazenada de maneira arbitrária e literal, sem
interagir com conceitos relevantes existentes na estrutura cognitiva e praticamente sem
contribuir para a sua elaboração e diferenciação. Para Moreira (2006), embora no en-
sino deva-se buscar facilitar a aprendizagem significativa, pode acontecer que em certas
situações a aprendizagem mecânica seja desejável ou necessária como, por exemplo, na
fase inicial da aquisição de um novo corpo de conhecimento.
Aprendizagem significativa ou aprendizagem mecânica?
Ausubel não estabelece a distinção entre aprendizagem significativa e aprendiza-
gem mecânica como sendo dicotômicas ou contrárias e sim como havendo um
contínuo entre elas. Portanto, não se trata de rejeitar a aprendizagem mecânica e sim
de considerá-la possível e necessária até que o indivíduo tenha condições de aprender
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significativamente, passando a reelaborar conceitos mais complexos a partir de subsun-
çores previamente elaborados. Considerando esse modelo de contínuo, a aprendizagem
significativa ocupa um dos extremos e a aprendizagem mecânica ou outro extremo,
muitas aprendizagens acontecem entre eles, ou seja, as aprendizagens podem ser parci-
almente significativas, parcialmente mecânicas, mais significativas ou mais mecânicas.
No processo de ensino, deve-se buscar facilitar uma aprendizagem significativa, ou que
se aproxime do extremo correspondente do contínuo, com atribuição, construção, re-
construção, aquisição, de significados compartilhados no contexto da matéria de
ensino. (MASINI; MOREIRA, 2008)
Fig. 1: Representação do continuum de ocorrência da dinâmica de aprendizagem
O que acontece entre os extremos?
Pode-se considerar, que nós professores, em geral, atuamos entre os extremos,
em sala de aula, solicitando aos alunos uma série de atividades que podem promover
uma aprendizagem mais mecânica ou uma aprendizagem mais significativa. Nesse sen-
tido, o contínuo que Ausubel nos apresenta, desde o ponto de vista da dinâmica de
ensino e aprendizagem pode ser reavaliado e tranquilamente substituído por uma linha
sinuosa, cheia de idas e vindas, retomadas e avanços.
Fig. 2: Ocorrência da dinâmica de aprendizagem.
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Considerando a diversidade de opções metodológicas e a gama de opções de ati-
vidades que podem ser propostas aos aprendizes, pode-se perguntar quais tem maior
potencial para favorecer a aprendizagem significativa ou mecânica. Essa é uma dúvida
frequente que pode ser minimizada na medida em que entendemos o a distinção que
Ausubel estabelece entre aprendizagem por recepção e aprendizagem por descoberta.
Aprendizagem por Recepção e Aprendizagem por Descoberta
Na aprendizagem por recepção o que deve ser aprendido é apresentado ao apren-
diz na sua forma final enquanto na aprendizagem por descoberta, o conteúdo principal
a ser aprendido deve ser descoberto pelo aprendiz. Para Ausubel, independentemente
de ser por recepção ou por descoberta, a aprendizagem só é significativa se o novo
conteúdo se incorporar à estrutura cognitiva do aprendiz de forma não arbitrária e não
literal. Ao contrário do que se possa imaginar, por influência do senso comum com
relação a esses dois tipos de aprendizagem, Ausubel não valoriza mais um ou outro
dentre esses dois tipos de aprendizagem. Ele simplesmente afirma que, em termos de
aprendizagem de conteúdo, o conhecimento que for descoberto se torna significativo
da mesma forma que o conhecimento que for apresentado ao aprendiz em sua forma
final, na aprendizagem por recepção. De acordo com o que foi apresentado até aqui,
fica evidente que a ocorrência da aprendizagem significativa implica na preexistência
de significados claros e estáveis, os subsunçores relevantes, na estrutura cognitiva de
quem aprende. Então, a pergunta que surge é: como se inicia esse processo? Como são
adquiridos os significados iniciais que permitem a ocorrência da aprendizagem signifi-
cativa e a aquisição de novos significados? Moreira (2006) coloca que a resposta é que
a aquisição de significados para signos ou símbolos de conceitos ocorre de maneira
gradual e peculiar, em cada indivíduo. Em crianças pequenas, conceitos são adquiridos,
principalmente, através do processo de formação de conceitos, que é um tipo de apren-
dizagem por descoberta, envolvendo geração e testagem de hipóteses e generalizações,
a partir de instâncias específicas. Ao atingir a idade escolar, a maioria das crianças
possui um conjunto adequado de conceitos que permite a ocorrência da aprendizagem
significativa por recepção. Ou seja, após a aquisição de uma certa quantidade de con-
ceitos pelo processo de formação de conceitos, a diferenciação desses conceitos e a
aquisição de outros novos ocorre, principalmente, através da assimilação de conceitos,
que envolve interação com o conhecimento relevante preexistentes na estrutura cogni-
tiva, os subsunçores. Resumindo, os primeiros subsunçores são adquiridos por
formação de conceitos, criando, dessa forma, condições para a assimilação de novos
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conceitos, que passa a predominar no processo de aprendizagem de crianças mais velhas
e adultos. Segundo Ausubel:
Uma vez que significados iniciais são estabelecidos para signos ou símbolos de conceitos, através
do processo de formação de conceitos, novas aprendizagens significativas darão significados adi-
cionais a esses signos ou símbolos, e novas relações, entre os conceitos anteriormente adquiridos,
serão estabelecidas (AUSUBEL,1978 apud MOREIRA, 2006).
É importante destacar que podem ocorrer situações nas quais o aprendiz tem a
maturidade intelectual para aprender por recepção, mas não dispõe dos subsunçores
necessários para aprender significativamente em um certo corpo de conhecimento.
O que fazer quando não existem subsunçores
Segundo Novak (1977 apud MOREIRA, 2006), a aprendizagem mecânica será
sempre necessária quando um indivíduo adquire novas informações em uma área de
conhecimento completamente nova para ele. Ou seja, ocorre aprendizagem mecânica
até que alguns elementos de conhecimento nessa área, relevantes para novas informa-
ções na mesma área, existam na estrutura cognitiva do indivíduo e possam servir de
subsunçores, mesmo que ainda pouco elaborados. Na medida em que a aprendizagem
começa a se tornar significativa, esses subsunçores vão ficando mais elaborados e mais
capazes de servir de ancoradouro para novas informações. Ausubel propõe que, nesses
casos, se faça uso de materiais que sirvam de ancoradouro para o novo conhecimento e
levem ao desenvolvimento de subsunçores que facilitem a aprendizagem subseqüente.
Esses materiais são os organizadores prévios, sobre os quais falaremos com mais detalhes
mais adiante.
Nesse processo, Ausubel distingue três tipos de aprendizagem significativa: re-
presentacional, de conceitos e proposicional. A aprendizagem representacional que
envolve a atribuição de significados a determinados símbolos (tipicamente palavras). É
a identificação, em significado, de símbolos com seus referentes (objetos, eventos, con-
ceitos). Os símbolos passam a significar, para o indivíduo, aquilo que seus referentes
significam. O sujeito tem uma aprendizagem significativa representacional quando es-
tabelece uma correspondência entre um determinado significado e uma certa
representação. As palavras, por exemplo, são representações, são signos lingüísticos que
representam algo (MASINI; MOREIRA, 2008). Para Moreira (2006), a aprendizagem
de conceitos é, de certa forma, uma aprendizagem representacional, porque os concei-
tos são também representados por símbolos particulares. Mas os conceitos são genéricos
ou categóricos já que representam abstrações dos atributos criteriais (essenciais) dos
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referentes; ou seja, representam regularidades em eventos ou objetos. Ausubel (1978,
apud MOREIRA, 2006) define conceitos como objetos, eventos, situações ou propri-
edades que possuem atributos criteriais comuns e são designados, em uma dada cultura,
por algum signo ou símbolo aceito”. Na aprendizagem proposicional, a tarefa não é
aprender significativamente o que palavras isoladas ou combinadas representam, e sim
aprender o significado de ideias contidas em uma proposição. Sabemos que uma pro-
posição é constituída de conceitos, entretanto, o desafio maior não é apenas aprender
o significado dos conceitos, embora isso seja pré-requisito, e sim aprender o significado
das ideias expressas através desses conceitos, sob forma de uma proposição. Ou seja, a
tarefa é aprender o significado que está além da soma dos significados das palavras ou
conceitos que compõe a proposição. Para que se possa aprender os significados de uma
proposição é preciso antes aprender os significados de seus termos componentes, ou o
que esses termos representam (MOREIRA, 2006).
Aquisição e organização de significados - um processo dinâmico
Com a intenção de explicar o processo de aquisição e organização de significados
na estrutura cognitiva, Ausubel introduz o princípio de assimilação. Para ele, o prin-
cípio de assimilação possui valor explanatório tanto para a aprendizagem como para a
retenção, pode ser representado de acordo com o esquema a seguir:
Fig. 3: Processo de assimilação para ocorrência de aprendizagem significativa
Logo, a assimilação ocorre quando um conceito ou proposição, potencialmente
significativo, a é assimilado sob uma ideia ou conceito mais inclusivo A, um subsunçor,
já existente na estrutura cognitiva, como um exemplo, extensão, elaboração ou qualifi-
cação do mesmo. Quando a é relacionado e interage com A, emerge um novo
significado, a’. Como consequência dessa interação o conceito subsunçor A também se
modifica transformando-se em A’. Além disso, os dois produtos da interação, a’ e A’,
permanecem relacionados entre si como co-membros de uma nova unidade A a’. O
verdadeiro produto do processo interacional que caracteriza a aprendizagem significa-
tiva não é apenas o novo significado a’, mas também inclui a ideia-âncora modificada
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A’ , sendo, consequentemente, o significado composto de A a’ . Ausubel sugere que a
assimilação provavelmente tenha um efeito facilitador na retenção. Para explicar como
novas informações recém assimiladas permanecem disponíveis, ele admite que, por um
período de tempo variável durante o processo de retenção, a unidade A’ a’ é dissociável
em unidades individuais A’ e a’, tal como o esquema a seguir.
Ou seja, enquanto o subsunçor e a informação relevante originais (ambos modi-
ficados pela própria interação) são dissociáveis, o resultado da assimilação subsunçor e
informação modificados fazem parte de um todo. Essa etapa é denominada de fase de
retenção, em que a nova informação pode ser recuperada com características que a iden-
tificam e a distinguem da ideia-âncora. Segundo Ausubel, embora a retenção de
significados recentemente adquiridos aumente pela ancoragem a conceitos relevantes
preestabelecidos na estrutura cognitiva, os subsunçores, este conhecimento está sujeito
à influência de uma tendência reducionista da organização cognitiva. Para ele, é mais
econômico e mais fácil reter os conceitos e proposições âncora, mais estáveis, do que
lembrar as novas ideias assimiladas por elas. Dessa forma, com o passar do tempo, os
significados das novas informações tendem a ser reduzidos aos significados mais estáveis
das ideias âncora. É importante destacar o fato de que descrever o processo de assimi-
lação em termos de uma única interação é uma simplificação, pois de maneira geral a
nova informação interage também com outros subsunçores e o grau de assimilação,
nestes casos, vai depender do grau de relevância desses subsunçores para a aprendizagem
da nova informação. Logo após a aprendizagem significativa, cujo resultado é o pro-
duto interacional A a’, começa um segundo estágio da assimilação, a assimilação
obliteradora. Nesse estágio as novas ideias se tornam espontâneas e progressivamente
menos dissociáveis de suas ideias âncora (os subsunçores), até que não estejam mais
disponíveis como entidades individuais. Atinge-se, então, um grau de dissociabilidade
nulo e A a’ se reduz a A’. Diz-se que houve esquecimento. O esquecimento é, portanto,
uma continuação temporalo mesmo processo que facilita a aprendizagem e a retenção
das novas informações.
Retomando o que dissemos até aqui sobre o princípio de assimilação, vale sali-
entar que a aprendizagem significativa requer tempo para se efetivar, porque trata-se de
A’a’
A’ + a’
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construção conceitual e se dá de forma processual e dinâmica. A dinâmica de aprendi-
zagem, para Ausubel, consiste da fase em que há a relação não arbitrária e não-literal
de uma ideia potencialmente significativa com um subsunçor. Desta interação decorre
a geração de um produto interacional que modifica tanto a ideia nova quanto a ideia
prévia. Nesta fase é que ocorre a transição de significado lógico para psicológico A pró-
xima etapa do processo de assimilação é a obliteração, até porque, aprendemos e
retemos ideias. Contudo, a cognição adota um procedimento econômico de redução
gradual das ideias adquiridas: a estrutura cognitiva vai reduzindo os significados das
mais específicas e diferenciadas aos significados das ideias mais gerais que as ancoram
para permitir ao indivíduo que possa continuar aprendendo. Como consequência da
tendência reducionista da memória, o produto interacional modificado é reduzido ao
próprio subsunçor modificado. Pode-se concluir, portanto, que todo esse processo, de-
manda tempo e ênfase na negociação de significados que se dá entre os atores
envolvidos e o material didático utilizado. O problema de falta de tempo para apresen-
tar um determinado tema ou conceito, resulta em um dos fatores que mais
comprometem a qualidade do ensino-aprendizagem, porque na prática, professores en-
tendem que é importante “cumprir” o conteúdo, em geral extenso e que os alunos estão
“vendo” pela primeira vez.
Conhecimentos novos e conhecimentos prévios
A interação de novos conhecimentos com conhecimentos prévios especifica-
mente relevantes preexistentes na estrutura cognitiva, resultando na aprendizagem
significativa, pode acontecer de três formas: subordinada, superordenada e combinató-
ria.
A aprendizagem subordinada ocorre quando a nova informação adquire signifi-
cado ancorando-se no subsunçor. É a forma mais comum e típica de aprendizagem
significativa. Segundo Ausubel (1978, apud MOREIRA, 2006), como a estrutura cog-
nitiva tende a uma organização hierárquica em relação ao nível de abstração,
generalidade e inclusividade das ideias, a emergência de novos significados conceituais
ou proposicionais reflete, mais tipicamente, uma subordinação do novo conhecimento
à estrutura cognitiva.
A aprendizagem superordenada ocorre quando um conceito ou proposição po-
tencialmente significativo A, mais geral e inclusivo do que ideias ou conceitos já
estabelecidos na estrutura cognitiva do tipo a
1
, a
2
, a
3
, é adquirido a partir destes e passa
a assimilá-los. As ideias a
1
, a
2
, a
3
, são identificadas como instâncias mais específicas de
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uma nova ideia e subordinam-se a ela. Ou seja, na medida em que ocorre a aprendiza-
gem significativa, além da elaboração dos conceitos subsunçores, é também possível
que ocorra interações entre esses conceitos originando, assim, outros mais abrangentes.
(MOREIRA, 2006)
A aprendizagem combinatória é a aprendizagem de proposições e de conceitos
que não guarda uma relação de subordinação ou de superordenação com proposições
ou conceitos específicos e sim com conteúdo amplo, relevante e de uma maneira geral,
existente na estrutura cognitiva do sujeito. Isto é, a nova proposição não pode ser assi-
milada por outras já estabelecidas na estrutura cognitiva e nem é capaz de assimilá-las.
Esta situação dá origem ao aparecimento de significados combinatórios, ou à aprendi-
zagem combinatória (MOREIRA, 2006). Segundo Ausubel (1978, apud MOREIRA,
2006), a aprendizagem de muitas novas proposições, e conceitos, leva a esse tipo de
significado. Eles são potencialmente significativos porque consistem em combinações,
que fazem sentido, com ideias previamente aprendidas que podem ser relacionadas, de
maneira não-arbitrária, a um “fundo amplo” de conteúdo, “relevante de uma maneira
geral”. É como se a nova informação fosse potencialmente significativa por ser relacio-
nável à estrutura cognitiva como um todo, de uma maneira geral, e não com aspectos
específicos dessa estrutura, capazes de se ancorar no conhecimento já existente.
Aprendizagem Significativa: Processual e Dinâmica
Os processos da diferenciação progressiva e da reconciliação integrativa, introdu-
zidos por Ausubel, podem ser considerados tanto da perspectiva da dinâmica da
estrutura cognitiva quanto da ótica de um ensino que visa facilitar a aprendizagem
significativa (MASINI; MOREIRA, 1982).
O processo de diferenciação progressiva ocorre quando um novo conceito ou
proposição é aprendido por subordinação, isto é, por um processo de interação e anco-
ragem em um conceito subsunçor, onde este subsunçor também se modifica, como
explicado anteriormente. A ocorrência desse processo uma ou mais vezes leva a uma
diferenciação progressiva do conceito subsunçor (Ausubel, 1978 apud MOREIRA,
2006). Na verdade, este é um processo que está quase sempre presente na aprendizagem
significativa subordinada. O processo de reconciliação integrativa ocorre quando na
aprendizagem superordenada, ou na combinatória, as ideias estabelecidas na estrutura
cognitiva podem, no curso de novas aprendizagens, ser reconhecidas como relaciona-
das. Assim, novas informações são adquiridas e elementos existentes na estrutura
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cognitiva podem se reorganizar e adquirir novos significados. Esse processo de recom-
binação de elementos previamente existente na estrutura cognitiva é o que se chama de
reconciliação integrativa (MOREIRA, 2006). Esses dois processos são relacionados e
ocorrem durante a aprendizagem significativa. Para compreender melhor essa relação,
vejamos o que dizem Masini e Moreira a respeito:
[...] diferenciação progressiva e reconciliação integrativa são processos interdependentes do fun-
cionamento cognitivo durante a aquisição de um corpo de conhecimento. Na medida em que o
sujeito vai dominando, progressivamente, esse corpo de conhecimento, e adquirindo novos co-
nhecimentos e significados, ele vai também, progressivamente, diferenciando seus subsunçores.
Enquanto esse sujeito diferencia e constrói subsunçores, ele também diferencia sua estrutura cog-
nitiva. Consequentemente, essa diferenciação progressiva dos subsunçores não pode continuar
indefinidamente sob pena do sujeito não perceber semelhanças, igualdades e relações entre os
conhecimentos. É preciso também reconciliar, integrar, significados, ideias e conceitos. Então,
os processos de diferenciação progressiva e reconciliação integrativa ocorrem concomitante-
mente, e necessariamente, ao longo da aprendizagem significativa de um corpo de conteúdo
(MASINI; MOREIRA, 2006).
Com relação ao ensino, a diferenciação progressiva e a reconciliação integrativa
são princípios programáticos propostos para organizar a matéria de ensino, com a fina-
lidade de facilitar a sua aprendizagem significativa.
Condições para a ocorrência da aprendizagem significativa
São duas as condições para a ocorrência da aprendizagem significativa: o material
de aprendizagem deve ser potencialmente significativo e o aprendiz deve manifestar
uma predisposição para aprender de forma significativa.
Um material potencialmente significativo é aquele que é relacionável à estrutura
cognitiva do aprendiz de forma não arbitrária e não literal. Essa condição envolve duas
outras condições subjacentes: a natureza do material, em si, e a natureza da estrutura
cognitiva do aprendiz. Quanto à natureza do material, ele deve ser logicamente signi-
ficativo, ou seja, ser suficientemente não-arbitrário e não-aleatório, de modo que possa
ser relacionado, de forma substantiva e não-arbitrária, a ideias, correspondentemente
relevantes, que se situem dentro do domínio da capacidade humana de aprender.
Quanto à natureza da estrutura cognitiva do aprendiz, ela deve conter os conceitos
subsunçores específicos, com os quais o novo material é relacionável (MOREIRA,
2006). Com relação à predisposição do aprendiz para aprender de forma significativa,
ele deve manifestar uma disposição para relacionar, de maneira substantiva e não-arbi-
trária, o novo material, potencialmente significativo, à sua estrutura cognitiva. Isso
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implica em que, mesmo que o material a ser aprendido seja potencialmente significa-
tivo, se a intenção do aprendiz for, simplesmente, a de memorizá-lo arbitrária e
literalmente, tanto o processo de aprendizagem como seu produto serão mecânicos. E,
reciprocamente, mesmo que o aprendiz tenha a predisposição para aprender de forma
significativa, se o material a ser aprendido não for relacionável à estrutura cognitiva de
maneira não literal e não arbitrária, nem o processo nem o produto da aprendizagem
serão significativos (MOREIRA, 2006).
A predisposição para aprender de forma significativa vai além daquilo que en-
tendemos por motivação. Inclui também motivação, mas é, antes de tudo, uma
intencionalidade, um esforço consciente, intencional do aprendiz para relacionar o
novo conhecimento a conhecimentos prévios mais inclusivos, diferenciados, claros e
estáveis já existentes na sua estrutura cognitiva. Conforme ressaltam (MASINI;
MOREIRA, 1982), essas duas condições para a ocorrência da aprendizagem significa-
tiva, que podem ser difíceis de serem satisfeitas, deixam claro que a facilitação da
aprendizagem significativa em sala de aula não é trivial. Deixam claro também que à
medida que o indivíduo se desenvolve cognitivamente, ele vai tendo aprendizagens que
lhe são significativas e que, mesmo que essas aprendizagens sejam incorretas ou incom-
pletas do ponto de vista do conhecimento socialmente compartilhado, passarão a ser,
progressivamente, o principal fator a influenciar as novas aprendizagens.
Os organizadores prévios
Na dinâmica de ensino e aprendizagem o aprendiz pode ter maturidade inte-
lectual para aprender por recepção, mas não dispõe dos subsunçores necessários para
aprender significativamente um novo conceito. Segundo Novak (1981), a aprendiza-
gem mecânica será sempre necessária quando um indivíduo adquire novas informações
em uma área de conhecimento completamente nova para ele. Ou seja, como já expli-
cado anteriormente, ocorre aprendizagem mecânica até que alguns elementos de
conhecimento nessa área, relevantes para novas informações na mesma área, existam
na estrutura cognitiva do indivíduo e possam servir de subsunçores, mesmo que ainda
pouco elaborados. Na medida em que a aprendizagem começa a se tornar significativa,
esses subsunçores vão ficando mais elaborados e mais capazes de servir de ancoradouro
para novas informações. Ausubel (1980) propõe que, nesses casos, se faça uso dos or-
ganizadores prévios como estratégia para, deliberadamente, manipular a estrutura
cognitiva, a fim de facilitar a aprendizagem significativa. Esses organizadores prévios
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serviriam de ancoradouros para o novo conhecimento e levariam ao desenvolvimento
de subsunçores que facilitem a aprendizagem subsequente.
Organizadores prévios são materiais introduzidos antes do próprio material de
aprendizagem e apresentados em um nível mais alto de abstração, generalidade e inclu-
sividade. Não são sumários e introduções, como vemos nos livros didáticos,
simplesmente enumerando e destacando alguns pontos do assunto. Em resumo, a prin-
cipal função do organizador prévio é servir de ponte entre o que o aprendiz já sabe e o
que ele precisa saber, para que possa aprender com sucesso (significativamente) o novo
material (AUSUBEL, 2000). O organizador deve fornecer alguma ancoragem ideacio-
nal para a retenção e incorporação estável do material mais detalhado e diferenciado
que vem em seguida e aumentar a discriminação entre esse material e as ideias similares
ou ostensivamente contraditórias existentes na estrutura cognitiva. No caso do novo
material ser totalmente não familiar ao aprendiz, um organizador “expositivo” deve ser
usado para fornecer subsunçores relevantes. Estes subsunçores sustentam uma relação
superordenada com o novo material e fornecem, principalmente, uma ancoragem em
termos do que já é familiar ao aprendiz.
No caso de o material de aprendizagem ser relativamente familiar, um organiza-
dor “comparativo” é usado para integrar novas ideias com conceitos basicamente
similares existentes na estrutura cognitiva do aprendiz e também para aumentar a dis-
criminação entre as ideias novas e as já existentes que possam parecer similares a ponto
de confundir. É importante registrar que os organizadores prévios, dependendo da si-
tuação, podem ser textos escritos, documentos, reportagens, músicas, filmes, vídeos,
boa conversa, discussão etc. De acordo com Ausubel (1978), a utilização de organiza-
dores prévios é uma das formas de promover os princípios da diferenciação progressiva
e da reconciliação integrativa na programação de um assunto com finalidade instruci-
onal.
A organização do ensino de acordo com a TAS
Ao organizar o ensino, a primeira tarefa a ser cumprida pelo professor é a de
identificar os conceitos básicos da matéria de ensino e como eles estão estruturados.
Para Ausubel (1978), uma vez que esse problema organizacional é resolvido, a atenção
pode ser dirigida para os problemas organizacionais programáticos envolvidos na apre-
sentação e organização sequencial das unidades componentes. Ele apresenta, por
hipótese, quatro princípios relativos à programação eficiente do conteúdo, indepen-
dentemente da área de conhecimento.
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Esses princípios são: diferenciação progressiva, reconciliação integrativa, organi-
zação sequencial e consolidação. Moreira (2006) faz uma apresentação oportuna dessa
proposta de Ausubel, na qual podemos nos basear para tratar sobre a utilização desses
princípios na organização do ensino. Nesse contexto, a diferenciação progressiva é tida
como princípio programático da matéria de ensino segundo o qual as ideias mais gerais
e inclusivas do conteúdo devem ser apresentadas no início da instrução e, em seguida,
serem progressivamente diferenciadas em termos de detalhes e especificidades.
Ao propor isso, Ausubel (1978) baseia-se em duas hipóteses: a primeira é que é
mais fácil para seres humanos captar aspectos diferenciados de um todo mais inclusivo
previamente aprendido, do que chegar a esse todo a partir de suas partes diferenciadas
previamente aprendidas. O que é, em geral, contrário a forma com que estamos acos-
tumados a tratar o conteúdo, porque é muito comum que os livros didáticos e material
de apoio apresentem definições e conceitos isolados para posteriormente apresentarem
generalidades. Considere-se também que assim aprendemos da educação básica a uni-
versidade, sob a égide do indutivismo.
A segunda hipótese é que a organização do conteúdo, de uma certa disciplina na
mente do indivíduo é uma estrutura hierárquica na qual as ideias mais inclusivas estão
no topo da estrutura e, progressivamente, incorporam proposições, conceitos e fatos
menos inclusivos e mais diferenciados. Então, se a estrutura cognitiva é, por hipótese,
organizada hierarquicamente e a aquisição de conhecimento é mais fácil se ocorrer de
acordo com a diferenciação progressiva, o professor deve programar a apresentação da
matéria de ensino de acordo com esse princípio para facilitar a aprendizagem significa-
tiva.
A programação do conteúdo deve, além de promover a diferenciação progressiva,
explorar explicitamente relações entre conceitos e proposições, chamar atenção para
diferenças e similaridades relevantes e reconciliar inconsistências reais ou aparentes. Ou
seja, na organização do ensino deve-se também proporcionar, como princípio progra-
mático, a reconciliação integrativa. É importante destacar que não há diferenciação
progressiva sem reconciliação integrativa e vice-versa. Na medida em o sujeito aprende,
ele vai, progressivamente, diferenciando a sua estrutura cognitiva e, ao mesmo tempo,
tem que ir reconciliando diferenças reais ou aparentes e fazendo superordenação
(MASINI; MOREIRA, 1982). Desta forma, a sequência do material das unidades de
ensino obedece também a ordem decrescente de inclusividade. Então, o princípio da
organização sequencial contemplado na programação do conteúdo consiste em colocar
os tópicos ou unidades de estudo em sequência, obedecendo aos princípios de diferen-
ciação progressiva e de reconciliação integrativa, de maneira tão coerente quanto
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possível com as relações de dependência naturalmente existentes entre eles na matéria
de ensino.
A disponibilidade de ideias âncora relevantes para a aprendizagem significativa e
para a retenção pode ser maximizada tirando-se proveito das dependências sequenciais
naturais existentes em uma disciplina e do fato de que a compreensão de um dado
tópico, frequentemente pressupõe o entendimento prévio de algum outro tópico rela-
cionado (MOREIRA, 2006). Insistir na consolidação, ou algum domínio do que está
sendo estudado antes de introduzir novos materiais assegura contínua prontidão na
matéria de ensino e sucesso na aprendizagem sequencialmente organizada. Esse tipo de
aprendizagem pressupõe que o tópico ou unidade precedente seja aprendido de ma-
neira clara, estável e organizada, ou seja um novo assunto não deve ser abordado na
sequência sem que o precedente não seja dominado pelo aluno lembrando que esta-
mos falando aqui de uma aprendizagem não literal e não arbitrária, construída no
compartilhar de significados, ou seja, uma aprendizagem com significado.
Após organizar o ensino e implementá-lo de acordo com os pressupostos
da TAS, como saber se os alunos, de fato, estão aprendendo de forma sig-
nificativa?
Para Ausubel (1978), não é sempre fácil demonstrar que ocorreu aprendizagem
significativa. Para ele, a compreensão genuína de um conceito ou proposição implica
na posse de significados claros, precisos, diferenciados e transferíveis. Mas, se ao se tes-
tar essa compreensão, for pedido ao estudante descreva ou caracterize um conceito, ou
os elementos essenciais de uma proposição, pode-se obter apenas respostas mecanica-
mente memorizadas, do tipo: Matéria atrai matéria com uma força que é diretamente
proporcional ao produto de suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da
distância que os separa. Essa é a Lei da Gravitação Universal de Newton”. O argumento
é que uma longa experiência em realizar exames faz com que os alunos se habituem a
memorizar, não só proposições e fórmulas, mas também causas, exemplos, explicações
e maneiras de resolver «problemas típicos». Ele então propõe que, ao se procurar evi-
dências de compreensão significativa, a melhor maneira de evitar a “simulação da
aprendizagem significativa” é formular questões e problemas de maneira nova e não
familiar que requeira máxima transformação do conhecimento adquirido. Testes de
compreensão devem, no mínimo, ser escritos de maneira diferente e apresentados em
um contexto, de certa forma, diferente daquele originalmente encontrado no material
instrucional.
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Solução de problemas é, sem dúvida, é um método válido e prático de se procurar
evidência de aprendizagem significativa. Talvez seja a única maneira de avaliar, em cer-
tas situações, se os alunos, realmente, compreenderam significativamente as ideias que
são capazes de verbalizar (MOREIRA, 2006). No entanto, se o aprendiz não for capaz
de resolver um problema, isso não significa, necessariamente, que tenha apenas memo-
rizado os princípios e conceitos relevantes à solução do problema, pois esta envolve,
também, o uso de outras habilidades, além da compreensão. Uma outra possibilidade,
para verificar a ocorrência de aprendizagem significativa é a de propor ao aprendiz uma
tarefa de aprendizagem, sequencialmente dependente da outra, a qual não possa ser
executada sem uma genuína compreensão da precedente.
O paradigma da Aprendizagem Significativa
Em uma busca recente no Google pelo termo aprendizagem significativa foram
encontrados 17.100.000 resultados em 0,56 segundos e no Google Acadêmico, são
1.300.000 citações em 0,03 segundos, o que nos dá uma ideia da relevância do termo.
A Base Nacional Comum Curricular apresenta uma discussão sobre a importân-
cia da aprendizagem significativa no tópico intitulado “Aprendizagem Significativa
breve discussão acerca do conceito”, destaca:
[...] os currículos transcenderam à mera seleção dos conteúdos a serem ensinados para instituir
princípios que orientassem a intencionalidade do tratamento pedagógico e promovessem a for-
mação de um sujeito capaz de intervir em seu meio social. Para tanto foi preciso, também,
conceber metodologias coerentes com tais proposições, isto é, que superassem a transmissão me-
cânica de conhecimentos e a formação tecnicista em direção à práxis pedagógica, com vistas à
formação de um sujeito ético, reflexivo e humanizado. Essa formação não é possível sem que os
estudantes produzam sentidos e significados acerca de suas aprendizagens, de maneira contextu-
alizada e protagonista, levando em conta o conhecimento prévio que trazem da esfera escolar e
para além dela, aspectos que se observam na leitura dos relatos de prática dos professores.
2
Já os Parâmetros Curriculares Nacionais surgem no final da década de 1990 apre-
sentando uma série de proposições norteadoras para a organização do sistema
educacional brasileiro. Destaca a indiscutível importância e respeito das diversidades
regionais, apresenta também a concepção de uma base nacional comum. A proposta
nuclear do documento é catalisar a implementação de ações que alavanquem a quali-
dade da educação brasileira atacando problemas que afetam a qualidade do ensino e da
aprendizagem. Para tanto, a aprendizagem significativa é o objetivo a ser alcançado
para que o aprendiz desenvolva ao longo da educação básica as capacidades de aprender
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a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver e aprender a ser apontadas pela UNESCO
como eixos estruturais da educação para o século XXI (BRASIL, 1999).
O conceito de aprendizagem significativa, na perspectiva ausubeliana, está bem
estabelecido nos PCNs - Ensino de 1ª a 4ª séries, onde se destaca a filosofia cognitivista
subjacente à TAS destacando como condição para a aprendizagem significativa o esta-
belecimento de relações não arbitrárias e não literais a partir de conhecimentos
previamente construídos:
O conceito de aprendizagem significativa, central na perspectiva construtivista, implica, necessa-
riamente, o trabalho simbólico de “significar” a parcela da realidade que se conhece. As
aprendizagens que os alunos realizam na escola serão significativas à medida que conseguirem
estabelecer relações substantivas e não-arbitrárias entre os conteúdos escolares e os conhecimentos
previamente construídos por eles, num processo de articulação de novos significados. Cabe ao
educador, por meio da intervenção pedagógica, promover a realização de aprendizagens com o
maior grau de significado possível, uma vez que esta nunca é absoluta sempre é possível esta-
belecer alguma relação entre o que se pretende conhecer e as possibilidades de observação,
reflexão e informação que o sujeito já possui (BRASIL, 1998, PCNs - ENSINO DE 1ª A 4ª
SÉRIES, p. 38).
Os PCNs para o Ensino médio refutam a aprendizagem predominantemente
memorística, ainda hoje tão fomentada por metodologias calçadas em fórmulas de re-
petição de conteúdo e, privilegiando a capacidade de memorização como indicativo de
aprendizagem. O documento destaca a memorização de conteúdos como fator oblite-
rador para o desenvolvimento metacognitivo, comprometendo a desenvolvimento da
reflexão, da criticidade, fundamentais para a construção de cidadãos plenos e partici-
pativos, como pode ser verificado nos destaques seguintes:
Não há o que justifique memorizar conhecimentos que estão superados ou cujo acesso é facilitado
pela moderna tecnologia. O que se deseja é que os estudantes desenvolvam competências básicas
que lhes permitam desenvolver a capacidade de continuar aprendendo (BRASIL, 1999, PCNs –
ENSINO MÉDIO, p. 26).
Conhecimentos selecionados a priori tendem a se perpetuar nos ritos escolares, sem passar pela
crítica e reflexão dos docentes, tornando-se dessa forma, um acervo de conhecimentos quase
sempre esquecidos ou que não se consegue aplicar, por se desconhecer suas relações com o real.
A aprendizagem significativa pressupõe a existência de um referencial que permita aos alunos
identificar e se identificar com as questões propostas (BRASIL, 1999, PCNs ENSINO
MÉDIO, p. 36).
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Todos esses destaques documentais nos permitem inferir que a aprendizagem
significativa é predominantemente o objetivo almejado nas relações de ensino e apren-
dizagem.
A TAS fundamenta essa busca, foi e ainda é amplamente testada. É uma teoria
de sala de aula, com robusto poder explicativo acerca de como o indivíduo adquire a
assimila e consolida significados para a construção do conhecimento, como se organiza
o ensino para alcançá-la decorrendo daí metodologias facilitadoras, sempre ativas.
Apresenta orientações fundamentais acerca da avaliação com vistas a busca de evidên-
cias de aprendizagem significativa. Com a colaboração de Joseph Novak, através do
cognitivismo humano, pode ser classificada como uma teoria cognitivista-humanista.
A teoria de Novak expande a teoria de Ausubel, uma vez que evidencia a impor-
tância da relação professor-aluno e da cumplicidade necessária para que o processo
ensino-aprendizagem efetivamente se concretize e evolua (NOVAK, 1981).
Para Novak, na medida em que os programas de melhoria da investigação e do
ensino iam evoluindo, fortemente baseados na teoria de assimilação da aprendizagem
significativa de Ausubel, emergiram vários padrões.
Primeiramente, os alunos que desenvolviam estruturas de conhecimento bem-
organizadas eram alunos que aprendiam significativamente, enquanto os alunos que
aprendiam prioritariamente por memorização, não desenvolviam tais estruturas, além
de que seu conhecimento incluía noções falsas em relação aos padrões aceitáveis pela
matéria de ensino. Em segundo lugar, é fundamental, em situação de ensino, propor-
cionar ao aluno aulas com momentos experimentais, onde ele possa “colocar a mão na
massa”, contudo, é importante cuidar do significado atribuído as palavras, ou seja, a
ressignificação dos conceitos e as declarações proposicionais. Neste âmbito, quer se uti-
lize uma estratégia de ensino por recepção ou por descoberta, dependendo da ênfase,
essas experiencias podem favorecer tanto a aprendizagem memorística quanto a signi-
ficativa.
Para Novak, “colhemos o que semeamos”, estratégias de ensino e avaliações que
favorecem ou enfatizam a memorização pouco colaboram para a melhoria das estrutu-
ras de conhecimento utilizáveis pelo aluno. Contrariamente, quando estratégias de
ensino e avaliações favorecem a aprendizagem significativa, temos um aluno que utiliza
mais e melhor suas estruturas de conhecimento, se torna mais autônomo e engrande-
cido.
Bob Gowin corrobora a característica cognitivista-humanística da TAS pro-
pondo uma relação triádica que destaca a importância da troca de significados entre
professor, aluno e material de ensino para a ocorrência de aprendizagem significativa,
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ao focar nessa relação, são evidenciadas condições para que, segundo Ausubel, aconteça
o relacionar de maneira não arbitrária e não literal à estrutura cognitiva novos conceitos
àquelas já existentes ou seja, para que a aprendizagem seja significativa: que o material
instrucional seja potencialmente significativo e que o aprendiz apresente disposição
para aprender. (GOWIN, 1981)
Marco Antonio Moreira, através de sua Teoria da Aprendizagem Significativa
Crítica (TASC) enfatiza que a motivação para aprender não se apenas no sentido
de propor estratégias e recursos didáticos e sugere que o importante também é que o
aluno perceba a relevância da aprendizagem de um novo conhecimento produzindo e
utilizando de maneira não arbitrária e substantiva seus subsunçores, de tal maneira que
esse conhecimento o permita fazer parte uma cultura e ao mesmo tempo construir uma
percepção mais externa e totalitária (totalizante?):
[...] É através da aprendizagem significativa crítica que o aluno poderá fazer parte de sua cultura
e, ao mesmo tempo, não ser subjugado por ela, por seus ritos, mitos e ideologias. É através dessa
aprendizagem que ele poderá lidar construtivamente com a mudança sem deixar-se dominar por
ela, manejar a informação, sem se sentir impotente sobre sua grande disponibilidade e velocidade
de fluxo, usufruir e desenvolver tecnologia sem se tornar tecnófilo (MOREIRA, 2000).
A TASC pode ser considerada uma teoria que orienta a potencialização da apren-
dizagem significativa em um episódio de ensino. Para facilitar a aprendizagem
significativa crítica, o autor sugere onze princípios ou estratégias,
3
que podem ajudar
o professor a perceber com mais clareza e objetividade o contexto de sala-de-aula e
atuar de forma mais otimizada para atingir seus objetivos.
Portanto, a TASC evidencia a importância, em dias atuais, de proporcionar ao
aprendiz condições para a construção de conhecimentos em uma perspectiva de criti-
cidade, de perceber o que é relevante para a sua participação efetiva em um mundo em
constante e acelerada transformação de conceitos e valores. Importante ressaltar que é
preciso subverter, permitir ao sujeito aprendiz receber/perceber/construir e reconstruir
seu conhecimento. Em algumas situações é necessária uma ação subversiva da ordem
vigente, ao que nor malmente ocorre. Destaca-se que uma rápida busca no Google
usando o termo aprendizagem significativa crítica, foram encontrados 8.440.000 resul-
tados (0,62 segundos), já no Google Acadêmico 741.000 resultados (0,07 s).
Procuramos até aqui dar um panorama da importância da TAS e da TASC como
teorias basilares para a almejada aprendizagem significativa. A partir de seus fundamen-
tos, documentos norteadores da educação brasileira, sequências didáticas e
metodologias facilitadoras têm sido criadas e testadas por professores e educadores nos
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mais variados contextos de ensino e aprendizagem o que nos remete a considerar que
aprendizagem significativa se constitui um paradigma.
Apesar de ser
um termo usado frequentemente para designar pontos de vista, ou
maneiras de ver o mundo, o conceito de paradigma é aqui adotado na perspectiva de
Thomas Kuhn, que em sua obra A estrutura das revoluções científicas (KUHN, 1989),
ao tentar demonstrar que a ciência nada mais é que uma atividade humana, sujeita,
portanto, às controvérsias dos diferentes contextos históricos, estando longe de ser algo
estático, seja em relação aos seus resultados, seja em relação aos seus conceitos, intro-
duziu o termo paradigma, para se referir ao comprometimento de um determinado
grupo de pesquisadores com as regras e os padrões específicos para a prática científica
que definem, então, a gênese e continuação de uma determinada ciência. Assim, no
curso da história humana, os paradigmas são alternados e reformulados, o que constitui
o próprio cerne do desenvolvimento científico. Sobre paradigmas, Kuhn define: “Con-
sidero paradigmasas realizações científicas universalmente reconhecidas, que,
durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comuni-
dade de praticantes de uma ciência” (KUHN, 1989, p. 13).
Portanto, o conceito de paradigma deve ser empregado para designar um con-
junto de compromissos de pesquisas de uma comunidade científica ou de um grupo de
pesquisadores, que engloba crenças, valores, técnicas partilhadas. Há, um conjunto de
conceitos, técnicas experimentais e teóricas, generalizações simbólicas, modelos e valo-
res por meio dos quais o mundo é percebido, significado e problemas fundamentais são
resolvidos. No pósfácio publicado em 1969, Kuhn assume que o termo paradigma pas-
sou pelo escrutínio da comunidade científica onde suscitou algumas dificuldades de
interpretação e assumiu significados próximos ou mais distantes da proposição original
desse conceito. Assume que o conceito acima descrito tem um significado sociológico.
De outro lado, paradigmas constituem-se de soluções concretas para problemas do tipo
quebra-cabeças comumente empregadas como modelos ou exemplos, atuando como
regras explícitas como base de resolução de outros problemas da ciência normal. Para
o autor: “Um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade científica par-
tilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste de homens que partilham
um paradigma (...). Podem ser descobertos através do escrutínio dos comportamentos
dos membros de uma comunidade dada” (KUHN, 1989, p. 221-222).
A TAS se constitui num importante paradigma contemporâneo da ciência da
educação, sob o qual se assentam produtos educacionais, tecnicas de ensino, documen-
tos norteadores da educação do século XXI como os anteriormente citados. A
aprendizagem significativa é o objetivo almejado para que sejam desenvolvidas pelos
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estudantes as competências básicas como aprender a aprender (auto-conhecimento),
compartilhar significados e experiências no viver com outro, fazer parte de uma cultura,
desenvolver capacidade crítica e reflexiva.
Os conceitos e expressões estruturantes da TAS e da TASC são largamente acei-
tos e aplicados para justificar e explicar metodologias de ensino e aprendizagem. Na
literatura é possível encontrar um número significativo de publicações em que a termi-
nologias são utilizadas em situações em que os autores não apresentam diretamente
uma fundamentação baseada na teoria, inclusive no uso de ferramentas como mapas
conceituais. A título de exemplo pode-se citar: Coelho e Pisoni (2012); Lima (2018);
Jófili (2002); Campos et al. (2003), Tavares (2010); Iachel (2011); Braga e Teixeira
(2006); Rebello e Ramos (2009); Dias et al. (2021); Costa et al. (2020); Flores e Vicari
(2005) e Brígitte (2021).
Para Kuhn (1989) uma comunidade científica é formada pelos praticantes de
uma especialidade científica que são submetidos a uma mesma formação e educação
profissional com fundamentos teóricos e metodológicos, ou seja, compartilham a
mesma literatura técnica e dela retiram muitas das mesmas lições. Pode-se considerar
que aprendizagem significativa que subjas a TAS, trata-se de um conceito construído
de forma sistemática, testado pelo tempo nos mais diversos contextos de ensino e apren-
dizagem, o que lhe conferiu ajustes, adequações tornando seu escopo cada vez mais
robusto. Nesse sentido, a aprendizagem significativa é o objetivo almejado por toda
uma comunidade de pesquisadores e professores nesse início de século.
Considerações finais
Uma teoria científica é uma construção humana cuja pretensão é apresentar pon-
tos de vista explicativos sobre um fenômeno de interesse. Nesse caso o foco de interesse
é o fascinante processo de aprendizagem e o ensino.
Provavelmente o que distingue a TAS de outras teorias seja justamente a expli-
citação das possibilidades de facilitação da aprendizagem através do ensino. Portanto,
é uma teoria de sala-de aula, seja ela um espaço convencional ou alternativo. A TAS
conversa com outras teorias de aprendizagem, mas é peculiar por proporcionar inspi-
rações metodológicas que se consolidam, são aplicadas e testadas. O núcleo da teoria já
propõe processos dinâmicos desde sua origem, passando pelas contribuições de Gowin,
Novak e Moreira: “partir daquilo que o aluno já sabe e ensinar de acordo”, “comparti-
lhar significados”, “aprender a aprender”, o “evento educativo envolve pensamentos,
sentimentos e ações”, “fazer parte de uma cultura ser capaz de compreendê-la num
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processo de imersão mas também se capaz de olhar externamente, fazendo o importante
exercício da reflexão crítica”.
São aproximadamente sete décadas de estudos, contribuições, metodologias e
tecnologias criadas com foco em facilitar a construção de aprendizagem com signifi-
cado. Existe uma comunidade efervecente de pesquisadores envolvidos com a busca
dessa facilitação, portanto, a TAS é paradigmática no sentido pleno da concepção ku-
hniana. Esse artigo teve a pretenção de rever os principais construtos da teoria e apontar
a aproximação com os preceitos kuhnianos que a legitimam como um paradigma.
Notas
1
Busca realizada em 20 de outubro de 2021.
2
Consultar o endereço: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/implementacao/praticas/caderno-de-
praticas/aprofundamentos/191-aprendizagem-significativa-breve-discussao-acerca-do-conceito.
3
Consultar o endereço: http://moreira.if.ufrgs.br/apsigcritport.pdf.
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Este artigo está licenciado com a licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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A Teoria da Aprendizagem Significativa em pesquisas na área
de Ensino de Ciências da Natureza: uma revisão sistemática da
literatura
The Theory of Meaningful Learning in research in the field of Nature
Science Teaching: a systematic literature review
La teoría del aprendizaje significativo en la investigación en el campo de
la enseñanza de las ciencias de la naturaleza: una revisión sistemática de la
literatura
Luiz Henrique Ferreira
*
Paola Gimenez Mateus
**
Andressa Algayer da Silva Moretti
***
Resumo
No presente trabalho o objetivo foi caracterizar como a Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS)
tem sido utilizada em pesquisas brasileiras da área de Ensino de Ciências da Natureza. Para isso,
adotou-se como método de pesquisa a revisão sistemática da literatura. Como banco de dados para
busca, utilizou-se o portal de periódicos da Capes e como descritores “Aprendizagem Significativa”,
“Ausubel” e “Unidade de Ensino Potencialmente Significativa”. A partir da aplicação de uma série
de filtros avançados de busca e da consideração de uma série de critérios de inclusão e exclusão de
artigos, foram analisados um total de 16 trabalhos que utilizavam a TAS como referencial teórico-
metodológico. Desta análise, foi possível inferir que: a área de Ensino de Física corresponde aquela
em que a teoria foi mais empregada; apesar de em menor frequência, foram encontrados trabalhos
atuais que se baseiam na TAS; a Educação Básica corresponde ao nível de ensino em que mais se
investigou as implicações da TAS, por meio de propostas de sequências de ensino; não foram encon-
trados trabalhos voltados para o Ensino Superior; enquanto instrumento de constituição de dados
de pesquisa, foi observado que o mapa conceitual é o mais empregado; infere-se, na limitação da
presente pesquisa, que poucas pesquisas da área em questão se fundamentam na TAS.
Palavras-chave: Aprendizagem Significativa; Revisão Sistemática da Literatura; Ensino de Ciências
Recebido em: 29.09.2021Aprovado em: 21.02.2022
https://doi.org/10.5335/rep.v29i2.12999
ISSN on-line: 2238-0302
*
Doutor em Química pela Universidade Estadual de Campinas (2001). Professor associado IV (aposentado) do Departamento
de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5737-9723 E-mail:
ferreiraufscar@gmail.com.
**
Doutoranda em Educação para a Ciência pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Orcid:
https://orcid.org/0000-0003-3555-0670. E-mail: paolagimenezm@gmail.com.
***
Doutoranda em Educação para a Ciência pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Orcid:
https://orcid.org/0000-0002-9616-0601. E-mail: andressa.algayers@gmail.com.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Luiz Henrique Ferreira, Paola Gimenez Mateus, Andressa Algayer da Silva Moretti
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Abstract
In the present work, our objective was to characterize how the theory of meaningful learning (TML)
has been used in Brazilian research in the area of Nature Science Teaching. For this, the research
method was adopted as a systematic review of the literature. As a database for search, the Capes
journal portal was used and as descriptors "meaningful learning", "Ausubel" and "Potentially
meaningful Teaching Unit". From the application of a series of advanced search filters and the
consideration of a number of criteria for inclusion and exclusion of articles, a total of 16 published
papers using TML were analysed as a theoretical-methodological framework. From this analysis, it
was possible to infer that: the area of Physics Teaching corresponds to that in which the theory is
most used; although less frequently, current studies were found that are based on TML; Basic
Education corresponds to the level of education in which the implications of TML were most
investigated, through proposals for teaching sequences; no studies aimed at Higher Education were
found; as an instrument for the constitution of research data, it was observed that the conceptual
map is the most used; it is infer, in the limitation of this research, that few studies of the area in
question are based on TML.
Keywords: Meaningful Learning; Systematic Literature Review; Science Teaching.
Resumen
En el presente trabajo, nuestro objetivo fue caracterizar cómo la teoría del aprendizaje significativo
(TAS) ha sido utilizada en la investigación brasileña en el área de la Enseñanza de las Ciencias de la
Naturaleza. Para ello, se adoptó el método de investigación como una revisión sistemática de la lite-
ratura. Como base de datos para la búsqueda, se utilizó el portal de revistas Capes y como descriptores
"aprendizaje significativo", "Ausubel" y "Unidad Docente Potencialmente Significativa". A partir de
la aplicación de una serie de filtros de búsqueda avanzada y consideración de una serie de criterios
de inclusión y exclusión para los artículos, se analizaron un total de 16 artículos publicados que
utilizaban TAS como marco teórico-metodológico. De este análisis, fue posible inferir que: el área
de Enseñanza de la Física corresponde a aquella en la que más se empleó la teoría; aunque con menos
frecuencia, se encuentran estudios actuales que se basan en TAS; La Educación Básica corresponde
al nivel de educación en el que se han investigado más a fondo las implicaciones de TAS, a través de
propuestas de secuencias de enseñanza; no se encontraron trabajos enfocados en la Educación Supe-
rior; como instrumento para la constitución de datos de investigación, se observó que el mapa
conceptual es el más utilizado; se infiere, en la limitación de esta investigación, que pocos estudios
del área en cuestión se basan en TAS.
Palabras clave: Aprendizaje significativo; revisión sistemática de la literatura; enseñanza de las ciencias
Introdução
Este trabalho procurou verificar como a Teoria da Aprendizagem Significativa
(TAS) tem sido utilizada em pesquisas brasileiras da área de Ensino de Ciências da
Natureza. Para isto, foi realizada uma revisão sistemática da literatura, com base nos
ESPAÇO PEDAGÓGICO
A Teoria da Aprendizagem Significativa em pesquisas na área de Ensino de Ciências da Natureza
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descritores: “Aprendizagem significativa (AP)”, “Unidade de Ensino Potencialmente
Significativa (UEPS)” e “Ausubel”. Como fonte de busca, foi escolhido o Portal de
Periódicos da CAPES/MEC (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior/ Ministério da Educação) (CAPES, 2021a), considerando essa uma impor-
tante base de dados disponíveis para consulta gratuita de periódicos no Brasil e optou-
se por não restringir uma faixa temporal de busca, de forma a abranger todo o acervo.
A Teoria da Aprendizagem Significativa começou a ganhar notoriedade a partir
da década de 60 com a proposta de teorias e de modelos sobre estratégias de aprendi-
zagem. A TAS foi proposta inicialmente por David Ausubel, na década de 60. De
acordo com Ronca (1994), no Brasil, a teoria foi introduzida no início da década de
70 pelo Professor Joel Martins, ao ministrar cursos de Pós-Graduação na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo sobre o tema. Em 1975, David Ausubel visitou o
país para coordenar um Seminário Avançado que reuniu cerca de 25 pesquisadores de
todo o Brasil (RONCA, 1994), o que contribuiu para a disseminação da teoria no
país.
A TAS, que possui raízes na teoria cognitivista, continua tendo sua relevância
por considerar os processos de ensino e aprendizagem mais ativo e menos mecanicista,
isto é, capaz de proporcionar a construção de significados sobre conceitos científicos
pelo próprio aprendiz.
Ainda que tenha sido proposta pela primeira vez há mais de 50 anos e chegado
ao país há mais de 4 décadas, indagou-se sobre a relevância da TAS para as pesquisas
da área de Ensino de Ciências da Natureza no Brasil, com o propósito de verificar os
diferentes aspectos relacionados a esta teoria que têm contribuído com pesquisas e pu-
blicações na área em questão. Conforme mencionado, é neste contexto que o presente
trabalho se insere. Assim, inicia-se com uma breve contextualização sobre a TAS, se-
guida dos caminhos metodológicos percorridos, dos resultados e discussões, finalizando
com considerações construídas durante o desenvolvimento do trabalho.
A Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS)
Apesar do reconhecimento da importância das experiências afetivas, em sua teo-
ria Ausubel, Novak e Hanesian (1980) enfatizam sobre a aprendizagem cognitiva
(MOREIRA; MASINI, 2006). Nela há uma integração e organização não literal e não
arbitrária do material a ser aprendido na estrutura cognitiva do indivíduo. Na visão dos
autores, o armazenamento de informações na mente do aprendiz ocorre de maneira
organizada e hierarquizada, segundo a qual elementos específicos e menos inclusivos
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Luiz Henrique Ferreira, Paola Gimenez Mateus, Andressa Algayer da Silva Moretti
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são ligados e assimilados aos conceitos e proposições mais gerais e inclusivos
(AUSUBEL; NOVAK; HANESIAN, 1980). Portanto, a hierarquia está relacionada ao
fato de que conhecimentos mais gerais incorporam os mais específicos.
Pode-se, deste modo, compreender que a aprendizagem significativa (AS) é o
resultado de um processo de interação substantiva e não arbitrária envolvendo novas
ideias e aquilo que o aprendiz já sabe. Dizer que tal interação é substantiva (não-literal)
e não arbitrária implica que ela não ocorre palavra por palavra nem com qualquer ideia
pré-existente na estrutura cognitiva do indivíduo, mas que ela ocorre com alguma ideia
especificamente relevante, denominada de subsunçor (MOREIRA, 2012).
Assim, o subsunçor pode ser compreendido como um conhecimento prévio do
estudante que é relevante e adequado para ancorar novos conhecimentos e ideias. Nesse
sentido, ele pode, por exemplo, ser uma proposição, uma imagem, um modelo mental
(MOREIRA, 2012), que já se encontra presente na estrutura cognitiva do aprendiz.
Ele atua como um ponto de ancoragem para as novas informações, de modo a permitir,
por meio deste processo interacional, a atribuição de significados as novas informações
por intermédio da assimilação.
Logo, tem-se que a assimilação é um processo dinâmico da estrutura cognitiva,
no qual não apenas aos novos conhecimentos são atribuídos significados, mas o sub-
sunçor também passa por modificações, adquirindo novos significados e/ou maior
estabilidade cognitiva. Por isso, assim que novas aprendizagens significativas se proces-
sam, o subsunçor tende a atuar cada vez mais como facilitador de novas aprendizagens
significativas (MOREIRA, 2012).
Sendo assim, tem-se que a organização hierárquica da estrutura cognitiva é dinâ-
mica e se transforma em decorrência de novas assimilações (MOREIRA, 2012). Isto
ocorre como consequência de dois processos importantes que nela acontecem: a dife-
renciação progressiva e a reconciliação integradora. O primeiro se refere àquela
atribuição de novos significados a um dado subsunçor como resultado de sua utilização
sucessiva na atribuição de significados aos novos materiais de aprendizagem. O segundo
consiste na integração de significados, eliminação de diferenças aparentes e resolução
de inconsistências (MOREIRA, 2012). Em outras palavras, consiste na realização de
uma superordenação na estrutura cognitiva do aprendiz ao assimilar novos conheci-
mentos (MOREIRA, 2012).
Portanto, ambos os processos são importantes e ocorrem simultaneamente, mas
com diferentes intensidades. E este fato é essencial, pois, conforme pontua MOREIRA
(2012), se apenas ocorresse a diferenciação progressiva, o que fosse assimilado pelo
aprendiz acabaria não apresentando semelhanças nem relações, sendo percebido de
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forma diferente. Já, se apenas ocorresse a reconciliação integradora, tudo pareceria
igual, sem distinções. No que diz respeito as condições necessárias para ocorrência da
AS, geralmente tem-se a necessidade de o material ser potencialmente significativo e de
o aprendiz apresentar uma pré-disposição para aprender significativamente
(AUSUBEL; NOVAK; HANESIAN, 1980).
Por material pode-se considerar os livros, textos, filmes, aplicativos e a própria
aula que podem ser utilizados para abordagem dos conceitos em sala de aula
(MOREIRA, 2012). Este é considerado como potencialmente significativo em virtude
dos significados, na perspectiva construtivista, estarem nas pessoas e serem por elas atri-
buídos (MOREIRA, 2012). Assim, dizer que o material deve ser potencialmente
significativo implica na necessidade de ele apresentar um significado lógico para o dis-
cente. Isto é, de ele ser passível de se relacionar, de modo não literal e não arbitrário em
sua estrutura cognitiva, processo que depende da existência de subsunçores.
O segundo fator, a pré-disposição em aprender, não se refere especificamente à
afinidade discente por uma dada disciplina e/ou conteúdo, apesar das experiências afe-
tivas serem importantes (NOVAK, 1981), mas dele apresentar a disposição em
relacionar, de modo interativo, os novos conhecimentos aos seus subsunçores, modifi-
cando, enriquecendo e (re)atribuindo significado a ambos (MOREIRA, 2012). Para
isso, o estudante deve compreender a importância do novo material e querer aprender
de modo significativo, o que também requer a presença de subsunçores relevantes em
sua estrutura cognitiva (MOREIRA, 2012). Destas discussões, pode-se compreender
o motivo de Ausubel, Novak e Hanesian (1980) considerarem que o fator isolado pri-
mordial que influência na ocorrência da AS se refere ao que o estudante já conhece.
Até o momento discutiu-se sobre a aprendizagem significativa, no entanto,
quando ela não se concretiza, ocorre a aprendizagem mecânica (AM) (AUSUBEL;
NOVAK; HANESIAN, 1980). Suas caraterísticas incluem: simples memorização de
fatos e fórmulas e a repetição mecanizada de exercícios e procedimentos.
Dentre outros fatores, a AM pode acabar resultando no desinteresse e desmoti-
vação de alunos pelo estudo das disciplinas, além de comprometer aprendizagens
conceituais futuras. A concretização da AM se dá quando a relação entre novos conhe-
cimentos e a estrutura cognitiva dos alunos ocorre de maneira arbitrária (sem
ligação/relação com subsunçores específicos). Assim, quando ela se efetiva, tem-se
como resultado um conhecimento conceitual memorizado ao qual praticamente não
foram atribuídos significados (MOREIRA, 2012).
Para finalizar as discussões da presente seção, cabe ressaltar que Ausubel, Novak
e Hanesian (1980) não fazem oposição entre a aprendizagem significativa e mecânica.
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Elas fazem parte de um contínuo, de modo que ora aprende-se de maneira significativa
e ora mecânica. No entanto, uma aprendizagem inicial predominantemente mecânica
pode se transformar em significativa (MOREIRA, 2012).
As implicações para o ensino se relacionam ao fato de se esperar que no início da
aprendizagem em uma nova área de conhecimento, por exemplo, a Química, o pro-
cesso seja predominantemente mecânico até que sejam construídos subsunçores
devidamente claros e adequados pelo aprendiz, possibilitando a ocorrência da aprendi-
zagem predominantemente significativa de novos conceitos relacionados a essa
disciplina (MOREIRA, 2012). É possível até mesmo a modificação de aprendizagens
e subsunçores já concretizados e construídos, por meio dos processos de diferenciação
progressiva e reconciliação integradora discutidos.
Das discussões construídas, é importante esclarecer outros dois pontos impor-
tantes. A AS não é sinônimo de aprendizagem correta, segundo os significados aceitos
pela comunidade científica; e também não é definitiva, no sentido de que o aprendiz
nunca irá esquecer. Como discutido, a AS resulta da assimilação envolvendo os prévios
e novos conhecimentos, independente dos subsunçores coincidirem com o que se es-
pera em um dado contexto conceitual e se a atribuição de significados também
coincidir.
Ao interpretar que as concepções alternativas (CA) são resultantes de aprendiza-
gens significativas, pode-se compreender que as CA não são conhecimentos/ideias
isoladas que não influenciam na aprendizagem (MOREIRA, 2012) e que esse fator
contribui com as dificuldades de suas superação e transformação no Ensino de Ciên-
cias. Isto implica que o fato de o conhecimento prévio ser considerado como o fator
isolado mais importante para AS, nem sempre se refere que ele será um facilitador. Pelo
contrário, a existência de CA pode ser considerada como obstáculo à aprendizagem de
certos conceitos científicos (SILVA, 2016). Porém, isso não diminui e/ou excluí a ne-
cessidade de o professor reconhecer tais conhecimentos, pois a identificação de tais
obstáculos pode permitir ao professor melhor planejar seu ensino, visando minimizar
e/ou superar tais obstáculos, em busca da AS.
Do exposto pode-se evidenciar a relevância da teoria para melhor compreender
e organizar os processos de ensino e aprendizagem, de modo a considerar que a TAS
apresenta potencialidades para subsidiar pesquisas da área de Ensino, em específico de
Ensino de Ciências da Natureza, motivando a realização da presente revisão sistemática
da literatura.
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Procedimentos metodológicos
Para atender ao objetivo proposto, de verificar como tem sido utilizada a TAS
em pesquisas brasileiras da área de Ensino de Ciências da Natureza, adotou-se como
método de pesquisa a revisão sistemática da literatura. As etapas de planejamento, or-
ganização e execução da revisão foram realizadas com base no trabalho de Moralles e
Bego (2020), seguindo os pressupostos teórico-metodológicos propostos por Costa e
Zoltowski (2014).
Justifica-se a escolha metodológica em função de sua potencialidade para respon-
der à questão de pesquisa. Dentre tais contribuições, Moralles e Bego (2020), baseados
em Costa e Zoltowski (2014) e Vosgerau e Romanowski (2014) destacam: I) auxiliar
na identificação das contribuições das pesquisas já desenvolvidas na área de interesse;
II) explicitar o corpus de conhecimento acumulado pela área de investigação no decorrer
do tempo; III) permitir identificar possíveis lacunas e problemas associadas às pesquisas
já desenvolvidas; e IV) minimizar o caráter subjetivo do pesquisador sobre a linha de
pesquisa em questão, quando se considera as etapas sistematizadas para sua consecu-
ção.
De acordo com Costa e Zoltowski (2014), a revisão sistemática consiste em um
método para mapear produções científicas, em um período delimitado e com base em
uma pergunta de pesquisa definida a priori, capaz de maximizar o potencial de busca.
O método permite encontrar, de modo organizado, um maior número de resultados
para uma temática de interesse e diminui a influência do viés dos autores na delimitação
do corpus de análise.
A realização do processo de revisão seguiu a execução das oito etapas propostas
por Costa e Zoltowski (2014), são elas: I) delinear a questão de pesquisa; II) delimitar
as fontes de dados a serem consultadas; III) eleger as palavras-chave para serem utiliza-
das como descritores das buscas na fonte escolhida; IV) buscar e armazenar os arquivos;
V) ler os resumos dos documentos armazenados para selecionar aqueles que passarão
para próxima etapa do processo de revisão, a partir de critérios de inclusão e exclusão
previamente definidos; VI) extrair os dados dos arquivos selecionados; VII) avaliar os
documentos; e VIII) sintetizar e interpretar os dados obtidos.
A questão norteadora deste estudo foi: Como a TAS tem sido empregada nas
pesquisas brasileiras da área de Ensino de Ciências da Natureza? Desdobrou-se essa
questão geral de pesquisa em algumas questões específicas, sendo elas: I) Em quais áreas
do Ensino de Ciências da Natureza a TAS tem sido utilizada para o desenvolvimento
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de pesquisas? II) Em quais níveis de ensino vêm se desenvolvendo trabalhos fundamen-
tados na TAS? III) Em quais revistas esses trabalhos tem sido publicados? IV) Qual é a
frequência de publicação de trabalhos relacionados à TAS na faixa temporal delimitada?
V) Quais são as principais palavras-chave associadas a TAS nos artigos publicados em
língua portuguesa? VI) Quais são os principais referenciais teóricos sobre a TAS utili-
zados nas pesquisas em língua portuguesa? VII) Quais os principais instrumentos de
coleta e análise de dados têm sido utilizados em pesquisas que se fundamentam na TAS?
VIII) Quais as principais características dos estudos que utilizam a TAS? IX) Quais os
principais resultados apontados em estudos que utilizaram a TAS?
Uma vez que o propósito foi explorar as pesquisas brasileiras publicadas na forma
de artigos em português, utilizou-se como fonte de dados o Portal de Periódicos da
CAPES/MEC (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/ Mi-
nistério da Educação) (CAPES, 2021a), por englobar uma série de bases de dados
nacionais e internacionais, possibilitando encontrar uma vasta gama de artigos deriva-
dos de pesquisas brasileiras na língua portuguesa (MORALLES; BEGO, 2020;
CAPES, 2021a). As buscas no portal foram realizadas no mês de julho de 2021, utili-
zando os conteúdos disponibilizados para usuários da rede da Universidade Estadual
Paulista (UNESP), via acesso CAFe (Comunidade Acadêmica Federada).
Para determinação, a priori, dos descritores de busca (palavras-chave), realizou-
se uma consulta prévia em artigos de revisão da literatura envolvendo a temática da
TAS. Nessa busca, encontrou-se o trabalho de Goulart e Leonel (2020), que desenvol-
veram uma revisão relacionando a TAS com a área de ensino de Física. Dentre os
termos de buscas, destacam-se os seguintes, utilizados pelos autores relacionadas a TAS:
Aprendizagem Significativa, Unidade de Ensino Potencialmente Significativa e Ausubel.
Outro trabalho de revisão encontrado foi o de Vieira e Nunes (2020). Os autores
investigaram a produção científica sobre o Ensino de Física para o EJA (Educação de
Jovens e Adultos) associado com a aprendizagem significativa. Como termos de busca
utilizados relacionados com a TAS, os autores utilizaram Aprendizagem Significativa.
Por fim, cita-se também o trabalho de Matos et al. (2019), no qual os autores
realizaram um levantamento bibliográfico das produções da área de Ensino sobre a
utilização de TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação) com a finalidade de
obter uma aprendizagem significativa. Observou-se que os autores utilizaram o descri-
tor Aprendizagem Significativa para se referir a TAS.
Assim, definiu-se a priori os seguintes descritores de busca no presente trabalho:
Aprendizagem Significativa”,
1
Unidade de Ensino Potencialmente Significativa” e Au-
subel. A utilização do descritor “Aprendizagem Significativa” se deve a sua recorrência
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nas revisões apresentadas. Adotou-se o termo “Unidade de Ensino Potencialmente Sig-
nificativa”, visto que além de aparecer em uma das revisões, se trata de um modelo de
planejamento de ensino proposto por Moreira (2011a), que se baseia na TAS. Por fim,
adotou-se também “Ausubel”, pois além de aparecer em uma das revisões, se trata do
autor que inicialmente propôs a TAS.
Importante destacar que no presente trabalho buscou-se fazer uma revisão siste-
mática da literatura incluindo todas as áreas do conhecimento relacionadas ao Ensino
de Ciências da Natureza (Biologia, Física e Química), visando colaborar com a cons-
trução de um mapeamento geral dos artigos sobre a TAS. No que diz respeito ao recorte
temporal, optou-se por não restringir uma faixa temporal de busca, sendo incluído,
portanto, todo o acervo disponível da plataforma até a data de busca dos artigos, reali-
zada no dia 17 de julho de 2021.
Após a identificação/determinação dos termos, realizou-se uma busca por termos
similares no Thesaurus Brasileiro de Educação (Brased) disponibilizado pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). A finalidade
dessa busca foi garantir que eles representassem um significado universal para a área de
interesse (COSTA; ZOLTOWSKI, 2014).
Dessa busca, encontrou-se como termos aproximados (TA) de aprendizagem sig-
nificativa: educação significativa e lógica. No entanto, por não terem relação com os
propósitos da presente investigação, desconsiderou-se ambos. Com relação a UEPS, a
consulta ao Thesaurus não retornou resultados. Assim, manteve-se, e justifica-se, como
descritores de busca para consulta no Portal de Periódicos da CAPES/MEC: “Aprendi-
zagem Significativa”, Unidade de Ensino Potencialmente Significativa” e “Ausubel”.
Dentro da opção “Busca Assunto”, selecionou-se a opção “Busca avançada”,
para utilizar os filtros necessários para a pesquisa. O modo de busca se baseou na busca
de cada descritor em qualquer parte dos trabalhos que continham exatamente cada
expressão (opções qualquer e contém) sem construir combinações com operador boole-
ano.
Como filtros de busca, baseando-se em Moralles e Bego (2020), utilizou-se a
opção de mostrar apenas periódicos revisados por pares, delimitando como tipo de
material apenas artigos. Restringuiu-se a busca de artigos publicados em língua portu-
guesa e utilizou-se filtros para excluir tópicos não relacionados com a área de interesse.
2
Para escolha do corpus de artigo para análise, utilizou-se quatro fases de inclusão/exclu-
são (MORALLES; BEGO, 2020), sendo elas:
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Fase 1: Exclusão de artigos em outras línguas e, por intermédio da leitura do
título e resumo, que: I) não se relacionavam com a área de Ensino de Ciências da Na-
tureza (Química, Física e Biologia). Assim, não foram incluídos no corpus os estudos
das áreas da saúde, engenharia etc.; II) eram referentes a editoriais de revista; eram
artigos de revisões sistemáticas; análise de livros e/ou materiais didáticos; aproximações
teóricas; proposta de sequências e/ou material didático sem suas análises de aplicação
em sala de aula; artigos de natureza apenas teórica; III) artigos que não apresentavam
os descritores de busca no título ou no resumo. Assim, o foco estava em pesquisas em-
píricas que tinham como sujeitos participantes alunos da Educação Básica ou de cursos
de nível superior específicos da área de Ciências da Natureza (Química, Física e Biolo-
gia).
Fase 2: Exclusão de artigos duplicados resultantes da busca nas variadas formas
definidas a priori e, por isso, encontrados nas diversas categorias de busca (diferentes
descritores).
Fase 3: Exclusão de artigos que não apresentavam sujeitos como participantes de
pesquisas da área de Ensino de Ciências da Natureza que se fundamentava na TAS, por
meio da leitura dos procedimentos metodológicos. Quando não foi possível, pela lei-
tura da metodologia, identificar se o trabalho se fundamentava na TAS para construir
o aporte metodológico, consultou-se a lista de referências para encontrar artigos relaci-
onados a teoria, sendo excluídos aqueles que não apresentavam referenciais envolvendo
a teoria em questão.
Fase 4: Exclusão de artigos que não apresentavam, nas seções de resultados e
discussões, a discussão dos resultados articulados com a TAS. Foram excluídos tais ar-
tigos pois, em concordância com Moralles e Bego (2020, p. 9), “acredita-se que
apresentar, na introdução ou em seções teóricas, algum autor ou argumento relacio-
nado à temática [...] e não articular essas discussões com os resultados e discussões faz
com que a pesquisa não tenha essa temática como foco específico de interesse”.
Resultados e discussões
Na presente seção são apresentados e discutidos os resultados obtidos no processo
de revisão sistemática da literatura. A título de síntese, apresenta-se no esquema da
Figura 1 uma síntese do processo de revisão sistemática realizado, evidenciando o quan-
titativo de trabalhos incluídos e excluídos por meio da aplicação dos critérios de
inclusão e exclusão definidos a priori e explicitados na seção anterior (procedimentos
metodológicos).
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Com base na Figura 1, pode-se observar que a busca dos descritores no Portal de
Periódico da CAPES/MEC retornou 23.159 arquivos. Em específico, “Aprendizagem
Significativa” retornou 843, “Ausubel” retornou 22.303 e “Unidade de Ensino Poten-
cialmente Significativa” retornou 13 arquivos. No entanto, com a aplicação dos filtros
definidos a priori, esse número foi consideravelmente reduzido, resultando em um total
de 382 artigos que passaram pelo processo de leitura de título e resumo. Desses, um
total de 65 artigos foram selecionados para segunda etapa de análise e, portanto, de
inclusão e exclusão.
Ressalta-se ao leitor que foram incluídos para a segunda (e terceira) fase de aná-
lise, os artigos em que não foram identificados, por meio apenas da leitura de título e
do resumo, elementos para delimitar sua inclusão e exclusão com base nos critérios pré-
definidos nessa primeira fase. Por exemplo, trabalhos dos quais não conseguiu-se iden-
tificar a área em específico de investigação ou se não era de natureza exclusivamente
teórica.
Comparando os artigos encontrados com os três descritores, excluiu-se os repe-
tidos para que o restante pudesse passar pelo processo de leitura da metodologia. Assim,
após localizar e identificar artigos repetidos (e excluí-los), realizou-se a leitura da meto-
dologia dos 50 artigos restantes (Figura 1). É importante informar que 1, dentre os 50
artigos, não foi encontrado para baixar na integra e, por isso, não foi possível realizar a
análise deste, sendo ele somado ao quantitativo de exclusão. Nesse momento, nova-
mente atentou-se se o estudo pertencia a área de Ensino das Ciências da Natureza e se
envolvia sujeitos de pesquisa da Educação Básica ou do Ensino Superior da área em
questão. Trabalhos que passaram pelo primeiro filtro, mas que eram de natureza uni-
camente teórica, aplicáveis as áreas da saúde, engenharia etc., ou que não mencionavam
o uso da TAS como referencial teórico-metodológico de análise de dados também fo-
ram excluídos nessa etapa.
Assim, foram excluídos 20 artigos com base no 3º critério adotado (Figura 1), e
30 passaram para leitura da seção de resultados e discussões, afim de verificar se aten-
diam ao 4º critério de inclusão/exclusão. Desse conjunto, 13 trabalhos não foram
selecionados para a última etapa de inclusão (Figura 1), conforme os critérios aqui ado-
tados. Portanto, um total de 17 artigos dentre os 382 encontrados no Portal de
Periódicos da CAPES/MEC foram lidos e analisados na integra (Figura 1) para consti-
tuição do corpus de pesquisa. Esclarece-se que os artigos excluídos nas etapas
sintetizadas na Figura 1, assim o foram considerando unicamente os critérios pré-defi-
nidos de organização e análise de dados, orientados pela limitação das questões e
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objetivos de pesquisa. Em outros trabalhos de revisão sistemática da literatura que apre-
sentem objetivos diferentes e, portanto, delimitação de critérios de inclusão e exclusões
distintos dos aqui apresentados, poderiam considerá-los no corpus de análise. Do
mesmo modo, tais pesquisas poderiam desconsiderar os artigos que aqui constituem o
corpus de análise.
Figura 1 - Síntese esquemática do processo de revisão sistemática realizada.
Fonte: Elaboração pelos autores.
A partir do processo de inclusão e exclusão dos artigos, um total de 16 artigos
(Figura 1, Apêndice 1), foram selecionados para aprofundamento das discussões, tendo
como justificativa o fato de atenderem aos critérios estabelecidos a priori, e, assim, con-
tribuírem para responder às questões de pesquisa propostas.
Iniciando pela questão específica “I) Em quais áreas do Ensino de Ciências da
Natureza a TAS tem sido utilizada para o desenvolvimento de pesquisas?”, foi possível
inferir que a área de Ensino de Física é a que apresentou o maior quantitativo de artigos
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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publicados e analisados (38%), seguida da área de Ensino de Ciências (31%) e Ensino
de Química (25%). A área com menor quantitativo foi a de Ensino de Biologia (6%),
como sintetizado na Figura 2.
Figura 2 Áreas do Ensino de Cncias da Natureza que utilizam a TAS.
Fonte: Elaboração pelos autores.
Salienta-se que foram incluídos na área de Ensino de Ciências, os artigos em que
não foram explicitadas uma área específica e trazia no corpo do texto expressões como
“Ensino de Ciências”. Isto foi observado principalmente em artigos cujos sujeitos par-
ticipantes de pesquisa pertenciam ao Ensino Fundamental (EF). Apresenta-se uma
discussão panorâmica de algumas dessas pesquisas, com a finalidade de contextualizar
ao leitor como tem sido empregada a TAS nas diferentes áreas.
Na área de Física, foi observado, por exemplo, a presença de trabalhos com foco
em avaliação de propostas de sequências didáticas baseadas na TAS, as UEPS, com
abordagem de conceitos físicos (SCHITTLER; MOREIRA, 2016; CONTIN;
BARROS; GUARREZI, 2020) e trabalhos envolvendo a capacitação de professores de
ensino fundamental com o mesmo fim (DARROZ et al. 2012, 2014). Também foram
encontrados trabalhos cujo objetivo foi verificar o papel da interação entre professor e
alunos mediante a utilização de diferentes estratégias (textos alternativos, atividades ex-
perimentais demonstrativas e vídeos) no processo de aprendizagem significativa de
conceitos físicos (ASSIS et al., 2012), bem como a postura do professor em atividades
envolvendo a leitura de textos paradidáticos e a aprendizagem significativa (ASSIS;
CARVALHO, 2011).
O EF, normalmente por incluir a disciplina “Ciências” e não especificamente a
Química, a Física e a Biologia, parece tender para abordagem de temáticas interdisci-
plinares, como, por exemplo, sobre a relação entre alimentação (ingestão de ferro Fe)
e anemia, por meio da investigação com tabelas nutricionais (ZÔMPERO et al. 2014)
e na abordagem de problemáticas de saúde tipicamente brasileiras, como é o caso do
31%
6%
38%
25%
Ensino de Ciências da Natureza
Ensino de Ciências
Ensino de Biologia
Ensino de Física
Ensino de Química
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mosquito Aedes aegypti e doenças relacionadas a ele, bem como meios de prevenção
utilizando para isso jogos didáticos (RYZY; CRISOSTIMO, 2020).
Na área de Química, foi encontrada a proposta e avaliação de cursos e oficinas
sobre conceitos químicos baseados na TAS (LOURENÇO et al., 2012; CASTRO;
SIRAQUE; TONIN, 2017), bem como a aprendizagem significativa de conceitos quí-
micos por meio de experimentação e problematização (SANTOS; RIBEIRO; SOUZA,
2018).
Por fim, na área de Ensino de Biologia também foram encontrados trabalhos
referentes a proposta e avaliação de UEPS (ROSA; CAVALCANTI; PEREZ, 2016),
bem como referentes a aprendizagem significativa de conteúdos de botânica por meio
dos multimodos de representação (STANSKI et al., 2016), e estudos da viabilidade de
intervenções pedagógicas, baseadas na TAS, para o ensino de conceitos atrelados a Mor-
fologia Vegetal, tendo como base os saberes locais e o conhecimento tradicional sobre
o uso de plantas medicinais (VINHOLI JÚNIOR, 2011).
Em síntese, foi possível observar que a TAS tem sido empregada, nas diferentes
áreas, para propor sequências de ensino e/ou atividades que buscam a aprendizagem de
conceitos científicos, seja em conjunto com diferentes estratégias de ensino (experi-
mentação, textos alternativos, jogos etc.), seja na proposta de cursos e/ou oficinas ou
envolvendo a capacitação de professores.
Para a questão “II) Em quais níveis de ensino vêm se desenvolvendo trabalhos
fundamentados na TAS?”, foi observado que a maior concentração das investigações
encontra-se no nível de Ensino Fundamental (45%), seguido do Ensino Médio (31%).
Foram observados artigos cuja pesquisa se referia à Formação Continuada de professo-
res - com foco para o Ensino Fundamental (12%) e à postura docente (12%), como
mostra a Figura 3.
O termo constituinte da categoria “postura docente” se refere aquele utilizado
no artigo em questão analisado (ASSIS; CARVALHO, 2011), que tinha como objetivo
principal observar a atuação do professor em sala de aula, visando compreender se pro-
porcionaria uma aprendizagem significativa, de acordo com a TAS. Portanto, apenas
manteve-se a mesma denominação adotada.
As discussões apresentadas nos parágrafos anteriores para responder a primeira
questão colabora para construção de uma visão panorâmica de como o emprego da
TAS tem sido realizado nos diferentes níveis de ensino, tendo como base os trabalhos
aqui analisados. Do total de artigos analisados, 10 se referem ao EF, sendo 7 sobre
ensino e aprendizagem e 3 sobre formação de professores. Os 6 restantes são referentes
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ao EM, sendo que 5 são sobre ensino e aprendizagem e 1 relacionando a TAS com a
postura docente.
Figura 3 Níveis de Ensino que utilizam a TAS nas Cncias da Natureza.
Fonte: Elaboração pelos autores.
Não foram encontrados artigos, considerando as limitações da presente investi-
gação, referentes ao Ensino Superior da área de Ensino de Ciências da Natureza.
Considerando que o portal da CAPES/MEC abrange uma variedade de periódicos na-
cionais, esse dado poderia indicar a necessidade de se repensar propostas de pesquisas
envolvendo o emprego da TAS no Nível Superior de Ensino, com a finalidade de in-
vestigar as potencialidades e limitações para melhoria da qualidade, por exemplo, de
processos de ensino e aprendizagem. Isso porque a teoria em questão pode contribuir
para melhor interpretar tais processos, fornecendo subsídios para construção de pro-
postas de intervenções didático-pedagógicas que englobam, dentre outras questões, os
papéis de professores, alunos, conhecimentos prévios, concepções alternativas e conhe-
cimento científico.
Para responder às questões “III) Em quais revistas esses trabalhos tem sido publi-
cados?” e “IV) Qual é a frequência de publicação de trabalhos relacionados à TAS na
faixa temporal delimitada?”, analisou-se os artigos em relação as revistas e ao ano de
publicação, organizando os resultados na forma de quadro (Apêndice 1). Desta forma,
do total de artigos considerados para análise, foi verificado que as revistas que mais
publicaram trabalhos considerados relacionados a TAS, foram: a Revista Brasileira de
Ensino de Ciências e Tecnologia com 6 artigos e a Revista Brasileira de Pesquisa em
Educação em Ciências com 3 artigos, ambas com classificação Qualis Capes (2013-
2016) A2 (CAPES, 2021b). Também, foi possível perceber que houve maior frequên-
cia de publicações nos anos de 2011, 2012 e 2016 com 3 artigos por ano (Apêndice 1)
45%
31%
12%
12%
Nível de Ensino
Ensino
Fundamental
Ensino Médio
Formação
Continuada de
professores - EF
Postura docente
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Não é possível afirmar o motivo dessa maior frequência de publicações nesses
anos em específico. No entanto, ressalta-se que ocorreram nos anos de 2010, 2015 e
2017 edições do evento denominado “Encontro Internacional de Aprendizagem Sig-
nificativa (EIAS)” e, nos anos de 2010, 2012, 2014 e 2016 edições do “Encontro
Nacional de Aprendizagem Significativa (ENAS)”, e em 2015 o “1º Encontro Regional
de Aprendizagem Significativa (ERAS)”.
3
Tais eventos podem ter contribuído de al-
guma maneira para uma maior frequência de publicações nesses anos em decorrência
da possível proposta de trabalhos para participação do congresso e também como con-
sequência das divulgações de pesquisas envolvendo a temática, que podem ter
impulsionado novas propostas. Somado a isso, considera-se importante ressaltar a pu-
blicação da proposta de sequência didática por meio de Unidades de Ensino
Potencialmente Significativa de Moreira (MOREIRA, 2011a), que também pode ter
colaborado com a proposta de investigações envolvendo a TAS.
O primeiro trabalho incluído no corpus de pesquisa é do ano de 2010. Os dados
referentes a faixa temporal, juntamente com o número de trabalhos incluídos no corpus
de análise (16 artigos de 382), podem indicar que a TAS não tem sido amplamente
utilizada nas pesquisas da área de Ensino de Ciências da Natureza brasileiras como
referencial teórico-metodológico fundamental.
Em relação à questão sobre “V) Quais são as principais palavras-chave associadas
a TAS nos artigos publicados em língua portuguesa?” optou-se por ilustrar o resultado
utilizando como recurso a nuvem de palavras, como mostra a Figura 4. Entre as pala-
vras chave mais encontradas nos artigos estavam: Ausubel, aprendizagem
significativa, UEPS, ensino de biologia, ensino de química, ensino de ciências, mapas
conceituais dentre outras.
A frequência de tais palavras-chave pode ser justificada devido aos filtros defini-
dos a priori, de modo a evidenciar que os critérios delimitados previamente e as etapas
da revisão sistemática foram respeitados.
Figura 4 Nuvem de palavras das principais palavras-chave relacionado a TAS.
Fonte: Elaboração pelos autores.
4
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Com relação aos descritores de busca, “Aprendizagem Significativa” foi o que
mais retornou artigos de interesse da área de Ensino de Ciências da Natureza após a
aplicação dos filtros de busca. Ele também englobou a maior parte dos trabalhos en-
contrados com os demais descritores (cerca de 85% dos artigos encontrados com
“Ausubel” e todos os artigos com “UEPS”, já haviam sido encontrados com o descritor
“AS”).
Sobre a questão “VI) Quais são os principais referenciais teóricos sobre a TAS
utilizados nas pesquisas em língua portuguesa?”, verificou-se a menção a diversos tra-
balhos dos autores David Ausubel e Joseph Novak, bem como de Marco Antonio
Moreira.
Considera-se importante mencionar que a TAS fundamentou a proposta de ins-
trumentos educacionais, como o mapa conceitual desenvolvido por Novak, e também
o Vê epistemológico de Gowin (MOREIRA, 2011b). Ambos os instrumentos se carac-
terizam como ferramentas em potencial para favorecer a AS, dentre outros aspectos.
Adiciona-se a esta lista a própria proposta de Moreira (2011a) referente a um modelo
de planejamento de ensino denominado “Unidade de Ensino Potencialmente Signifi-
cativa”, cuja estrutura e organização se fundamentam nos pressupostos da TAS.
Também destaca-se a proposta da Aprendizagem Significativa Crítica do mesmo autor
(MOREIRA, 2005). Assim, não se pode deixar de mencionar a importante contribui-
ção de Moreira na disseminação da TAS no Brasil, por meio da divulgação de diferentes
livros (MOREIRA, 2006; MOREIRA, MASINI, 2006; MOREIRA, 2010;
MOREIRA, 2011c), pesquisas e propostas (MOREIRA, 2005; MOREIRA, 2011a,
2011b; MOREIRA, 2012).
Colaboram com essa discussão a presença de pesquisas envolvendo a elaboração
e validação de UEPS (SCHITTLER; MOREIRA, 2016; ROSA; CAVALCANTI;
PEREZ, 2016; CONTIN; BARROS; GUARREZI, 2020), que contribuem para evi-
denciar as potencialidades da TAS para os processos de ensino e de aprendizagem de
conceitos científicos.
Para o questionamento “VII) Quais os principais instrumentos de coleta e análise
de dados têm sido utilizados em pesquisas que se fundamentam na TAS?”, foi organi-
zado o Quadro 1, de modo a agrupar as técnicas de coleta de dados, com os principais
instrumentos de coleta descritos nos artigos analisados. Entre eles, pode-se citar: diário
de bordo, questionários, pré e pós teste, elaboração de textos, mapas conceituais, entre
outros. Em relação aos procedimentos de análises de dados, observou-se que em alguns
trabalhos essa informação não foi explicitada.
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Quadro 1- Principais instrumentos de coleta utilizado nas pesquisas com a TAS.
Instrumentos de coleta de dados
Transcrições de gravações de aulas
Memórias do encontro; documentos escritos; observações do pesquisador; diário de bordo
Representações na forma de desenhos
Mapas conceituais; Mapa livre
Questionários fechados e abertos; Pré teste e Pós teste (mesmo questionário aplicado)
Organização dos elementos em tabela
Roteiro experimental
Avaliação geral da oficina
Leitura com destaque de palavras
Elaboração de textos
Modos de representação
Fonte: Elaboração pelos autores.
É importante destacar que o instrumento de coleta de dados mais frequente ob-
servado nas pesquisas foi o uso de mapas conceituais (MC). Sugere-se que esse dado
possa estar associado a própria fundamentação da TAS na proposta de construção do
instrumento em questão por Novak, conforme discutido. Uma vez que o MC apresenta
potencialidades de favorecer a aprendizagem significativa, poder-se-ia compreender sua
ampla utilização como instrumento de ensino e aprendizagem, avaliação qualitativa
e/ou organização de ensino em trabalhos que envolvem a TAS.
Outra possível explicação pode ser o livro publicado por Moreira que relaciona
a TAS com os mapas conceituais (MOREIRA, 2010), a existência de grupos de pes-
quisa brasileiros que investigam sobre mapas conceituais, como é o caso do grupo
“Mapas Conceituais”,
5
sob coordenação do professor Paulo Correia da Universidade
de São Paulo (USP), bem como do software gratuito CmapTools.
6
Ressalta-se a importância dos demais instrumentos utilizados nas pesquisas ana-
lisadas (Quadro 1), reforçando a potencialidade que o Vê Epistemológico pode
apresentar com o objetivo de favorecer a TAS, bem como a necessidade de se investigar
demais instrumentos que possam apresentar possíveis potencialidades e limitações
tanto no processo de favorecimento quanto de avaliação da AS de conceitos científicos.
É importante ainda ressaltar que, em decorrência daquele armazenamento não
literal (incorporação substantiva) e não arbitrário de novos conhecimentos no processo
de assimilação, tem-se que aprendizagem significativa possui características que permi-
tem sua verificação. Quando a aprendizagem de um conceito científico ocorre
significativamente, e de forma coerente com aquele aceito cientificamente, o aprendiz
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consegue explicar, por meio de suas próprias manifestações, esse conceito sem perda de
significado científico (MOREIRA, 2012).
Tem-se, então, argumentos para considerar a necessidade de variar e combinar
diferentes instrumentos de pesquisa, afim de alcançar aqueles aprendizes que talvez não
se expressem bem de um modo, mas se expressam melhor de outro e/ou permitir tri-
angular dados. Somado a isso, tem-se a necessidade de buscar instrumentos que
permitam verificar a capacidade de transferência e representação da aprendizagem pelos
sujeitos.
Em relação ao questionamento “VIII) Quais as principais características dos es-
tudos que utilizam a TAS?”, das análises dos dados realizadas anteriormente pode-se
inferir que, no geral, o emprego da teoria tem sido realizada para fundamentar propos-
tas de ensino e aprendizagem em diferentes modalidades: por meio de sequências
didáticas, oficinas temáticas, cursos de extensão, sejam voltados para aprendizagem de
conceitos científicos por discentes da Educação Básica ou no contexto da formação
continuada de professores.
Sobre os pressupostos da teoria, tem sido bastante difundida a ideia do conheci-
mento prévio, dos subsunçores, do processo de assimilação entre subsunçores e novos
conhecimentos e os princípios da diferenciação progressiva e reconciliação integrativa.
Dessa forma, nas propostas analisadas há, no geral, uma sequência envolvendo o
levantamento de concepções prévias por instrumentos como questionários ou mapas
conceituais, a proposta de intervenção didático-pedagógica, considerando tais subsun-
çores e uma sequência baseada nos processos de diferenciação e reconciliação
mencionados, seguido de análise de instrumentos pós-aplicação questionários, mapas
conceituais dentre os demais explicitados no Quadro 1.
Em alguns trabalhos, os instrumentos utilizados no pré-teste também eram uti-
lizados no momento pós-intervenção. Essa escolha pode ser justificada com o propósito
de buscar variações na estrutura cognitiva do sujeito. No que diz respeito a investiga-
ções referentes às interações em sala de aula entre sujeitos e materiais de aprendizagem,
destaca-se também a utilização de diários de classe. Tais pesquisas evidenciam o impor-
tante papel do professor enquanto mediador entre os conhecimentos dos alunos, os
materiais de aprendizagem e os conceitos científicos, de modo a reforçar a proposta de
Ausubel, Novak e Hanesian (1980) de que os materiais são potencialmente significati-
vos e da pré-disposição em aprender. Algo importante também de ressaltar é a presença
da combinação, na maioria dos trabalhos, de diferentes instrumentos de pesquisa, de
modo a viabilizar uma maior compreensão e interpretação de dados.
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Por fim, em relação a questão específica “IX) Quais os principais resultados apon-
tados em estudos que utilizaram a TAS?”, de forma geral, os artigos apontaram a TAS
como sendo promissora para aprendizagem de conceitos científicos, tendo como justi-
ficativa principal o potencial da teoria para subsidiar a organização do ensino e
investigação sobre a aprendizagem.
Assim, em concordância com as discussões envolvendo a questão especifica VIII,
observou-se nos resultados dos artigos, a importância de o professor entender as con-
cepções prévias dos seus alunos para a estruturação do seu planejamento de aula. Quase
a totalidade dos artigos descreve sobre essa etapa no decorrer da coleta de dados, tendo
como exceção alguns artigos referentes a formação continuada de professores, os quais
os autores consideraram que, por serem professores atuantes e já ministrarem aulas, os
participantes já tinham conhecimentos prévios capazes de servir de ponto de partida
para uma aprendizagem objetivada.
Complementando as características gerais dos trabalhos analisados, no geral os
autores buscaram, ao final do processo de investigação, verificar evidências de aprendi-
zagem significativa, por exemplo, por meio da análise de modificações na estrutura
cognitiva dos sujeitos participantes, expressas por mapas conceituais, questionários, in-
teração oral com professor e/ou alunos.
A análise de tais trabalhos, tendo como foco esta questão específica IX, permitiu
observar que a maioria mencionou sobre indícios de tais transformações, considerando-
as como possíveis indicativos de aprendizagem significativa. Trabalhos também men-
cionaram sobre a persistência de concepções iniciais, expressas por respostas
inadequadas do ponto de vista científico, mesmo após a intervenção didático-pedagó-
gica.
De acordo com Moreira (2012), a AS depende de subsunçores e sua construção
demanda tempo para ocorrer, pois, requer que o significado seja captado, internalizado,
diferenciado e reconciliado, ou seja, ela não é imediata. Por isso, para seu desenvolvi-
mento e concretização faz-se necessário que o sujeito interaja com o objeto de estudo e
que, subsunçores mais claros e enriquecidos sejam construídos e/ou transformados. O
processo de aprendizagem envolve, desse modo, uma negociação de significados entre
docentes e discentes.
Do exposto tem-se que, considerando as delimitações dos objetivos, questões de
pesquisa e critérios de exclusão/inclusão, apesar de sua potencialidade para fundamen-
tar teórico-metodologicamente pesquisas da área de Ensino de Ciências da Natureza,
parece que a TAS não tem sido amplamente utilizada nas pesquisas da área.
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Os resultados aqui apresentados abrem margens para investigações de possíveis
motivos relacionados a esse aparente baixo emprego da teoria nas pesquisas da área de
Ensino de Ciências da Natureza, bem como a revisão em demais periódicos, banco de
dados e diferentes contextos, com a finalidade de colaborar para construção do pano-
rama da aplicabilidade da TAS para a área e, assim, sua difusão.
Considerações finais
No presente trabalho o objetivo foi verificar como a TAS tem sido utilizada em
pesquisas brasileiras da área de Ensino de Ciências da Natureza, por meio de uma re-
visão sistemática da literatura (COSTA; ZOLTOWSKI, 2014; MORALLES; BEGO,
2020). A proposta foi contribuir para construção de um panorama do emprego da
teoria no cenário brasileiro.
O corpus de pesquisa constituiu em 16 artigos selecionados, a partir de uma busca
realizada no Portal de Periódicos da CAPES/MEC. Da análise desse corpus, construído
e limitado em função de questões e objetivos específicos dessa pesquisa, foi possível
propor algumas considerações referentes ao emprego da TAS nas pesquisas brasileiras
em Ensino de Ciências da Natureza:
Verificou-se que o Ensino de Física correspondeu a área de conhecimento com
maior número de trabalhos analisados e o de Biologia a área com menor número;
Observou-se que parece não haver uma tendência de aumento no número de
publicações com o passar do tempo, existindo flutuações. No entanto, notou-se a ne-
cessidade de uma maior difusão da TAS com a finalidade de que a mesma possa ser
utilizada para fundamentar novas pesquisas, por exemplo, no Ensino Superior;
Percebeu-se o pouco uso de tecnologia atrelada a TAS. No entanto, o trabalho
realizado por Matos et al. (2019) nos ajuda a ter uma visão mais aprofundada sobre
essa relação, em decorrência do levantamento bibliográfico realizado pelos autores re-
ferente a utilização de TICs e a obtenção de aprendizagem significativa;
Poucos estudos associando a TAS com jogos (analógicos e digitais) foram encon-
trados. No que se refere ao emprego de estratégias didáticas, os artigos analisados
utilizaram, no geral, da experimentação para promover a aprendizagem significativa;
Evidenciou-se a necessidade de se realizar estudos envolvendo o emprego da TAS
para fundamentar pesquisas voltadas para o Ensino Superior;
Os mapas conceituais estavam presentes em muitos dos trabalhos, sendo o ins-
trumento de constituição de dados mais empregado nas pesquisas analisadas. Destacou-
se, também, a importância da combinação de diferentes instrumentos de pesquisa;
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Inferiu-se, a partir do quantitativo de trabalhos constituintes do corpus de pes-
quisa (16 artigos) em comparação com o quantitativo de trabalhos retornados pela
busca no portal de Periódicos da CAPES/MEC (382 artigos com a aplicação de filtros
de busca), que a TAS não tem sido amplamente utilizada como referencial principal
das pesquisas da área de Ensino de Ciências da Natureza. No entanto, ressalta-se que a
análise realizada e as considerações aqui explicitadas se limitam aos trabalhos seleciona-
dos via o banco de dados mencionado e com base nos critérios definidos a priori, em
função das questões e objetivos de pesquisa. Também ressalta-se a existência de impor-
tantes trabalhos de natureza teórica, por exemplo, envolvendo a aproximação da TAS
com outras teorias ou da TAS com uma dada estratégia didática, bem como propostas
de sequências de ensino, mas que por não atenderem aos critérios pré-estabelecidos,
não foram incluídos no presente trabalho.
Notas
1
Utilizou-se os descritores escritos entre aspas para buscar artigos no qual a expressão aparece escrita
exatamente da forma informada.
2
Os tópicos de exclusão da busca dos artigos, disponíveis no Portal da CAPES/MEC, foram: I) Para
“Aprendizagem Significativa”: Mathematics Education; Mathematics; Mathematical Models; Abstra-
ção Reflexionante. Aprendizagem. Engenharia Didática. Modelagem Matemática. Tecnologias
Digitais; II) Para “Ausubel”: Public Health; Mathematics; Public, Environmental & Occupational
Health; Engineerging, Multidisciplinary; Medicine; Busines; Engineering; Educação em Saúde; Health
Education; III) Para “Unidade de Ensino Potencialmente Significativa”: Mathematics Education; Ma-
thematics; Mathematical Models; Abstração Reflexionante. Aprendizagem. Engenharia Didática.
Modelagem Matemática. Tecnologias Digitais.
3
Informações disponíveis em: https://www.apsignificativa.com.br/. Acesso em 13 set. 2021.
4
Elaborado no Wordart. Disponível em: https://wordart.com/nwl5dq0aletg/nuvem-de-palavras.
Acesso em 05 set. 2021.
5
Disponível em: http://mapasconceituais.com.br/pesquisa/. Acesso em 13 set. 2021.
6
Disponível em: https://cmap.ihmc.us/. Acesso em 13 set. 2021.
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Este artigo está licenciado com a licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Os significados de Intenção e Disposição para aprender na
Teoria da Aprendizagem Significativa
The meanings of intention and disposition to learn in meaningful
learning theory
Los significados de intención y disposición para el aprendizaje en la teoría
del aprendizaje significativo
Rachel Belmont
*
Karla Maria Castello Branco da Cunha
**
Evelyse dos Santos Lemos
***
Resumo
O conceito Aprendizagem Significativa, ainda polissêmico no contexto educativo e da sua
investigação, foi cunhado no escopo de uma teoria que explica seu processo, condições de ocorrência
e facilitação. Intenção e disposição (para aprender) são momentos diferentes da aprendizagem, mas
comumente assumidos como sinônimos em estudos de língua portuguesa que se baseiam na Teoria.
O objetivo deste manuscrito é apresentar reflexões sobre os significados dos referidos conceitos
presentes na obra original de Ausubel, publicada em 2000, e em sua tradução para o português, em
2003. A análise do texto original revela inconsistência na tradução de termos essenciais para a
compreensão do processo da aprendizagem, especialmente o meaningful learning set. Este fato pode
ter contribuído para um entendimento superficial desses significados. Propomos o uso do termo
learning set com significado” pela complexidade do conceito e inexistência de palavra em português
com correspondência direta para o seu significado. Por fim, sugerimos maior atenção a tais conceitos
e que novos estudos sejam realizados.
Palavras-chave: Learning set; Mecanismo de aprendizagem; Teoria de aprendizagem.
Recebido em: 15.12.2021Aprovado em: 24.02.2022
https://doi.org/10.5335/rep.v29i2.13265
ISSN on-line: 2238-0302
*
Doutora em Ciências pela Fiocruz. Graduada em Educação Física. Docente no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
em Ensino em Biociências e Saúde da Fiocruz e na Universidade Estadual de Maringá. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-
2611-6661. E-mail: rachelsbelmont@gmail.com.
**
Mestre em Ciências pela Fiocruz. Graduada em Ciências Biológicas. Docente aposentada do Estado do Rio de Janeiro. Orcid:
https://orcid.org/0000-0003-3503-7527. E-mail: karla.castellobranco@gmail.com.
**
*
Doutora em Ensino de Ciências pela Universidade de Burgos, Espanha. Graduada em Ciências Biológicas. Docente no
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ensino em Biociências e Saúde da Fiocruz. Orcid: https://orcid.org/0000-
0003-1024-5290. E-mail: evelyse.lemos@gmail.com.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Rachel Belmont, Karla Maria Castello Branco da Cunha, Evelyse dos Santos Lemos
470
v. 29, n. 2, Passo Fundo, p. 469-483, maio/ago. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Abstract
The meaningful learning concept, polysemic in the educative and investigative context, was pro-
posed in the scope of a theory that explains its process, occurrence, and facilitation conditions.
Intention and disposition (to learn) are different moments of learning but are often used as synonyms
on Portuguese papers which use the theory as a theoretical framework. The goal of this essay is to
present reflections about the meanings of these concepts on Ausubel’s original work, published in
2000, and its translation to Portuguese, in 2003. The original text analysis reveals translation incon-
sistencies for these essential concepts that explain the learning process, particularly the meaningful
learning set. These inconsistencies may have contributed to a superficial understanding of its mean-
ings. We propose the use of expression “learning set com significado” due to its complexity and lack
of a direct equivalence to its meaning in Portuguese. Finally, we suggest more attention to these
concepts and more research on this theme.
Keywords: Learning set; Learning mechanism; Learning theory.
Resumen
El concepto de aprendizaje significativo, aunque polisémico en el contexto educativo y de su inves-
tigación, fue acuñado en el ámbito de una teoría que explica su proceso, condiciones de ocurrencia
y facilitación. La intención y disposición (para aprender) son distintos momentos del aprendizaje,
pero comúnmente asumidos como sinónimos en los estudios de la lengua portuguesa basados en la
Teoría. El objetivo de este manuscrito es presentar reflexiones sobre los significados de estos concep-
tos presentes en la obra original de Ausubel, publicado en 2000, y en su traducción al portugués, en
2003. El análisis del texto original revela inconsistencias en la traducción de términos esenciales para
comprender el proceso de aprendizaje, especialmente el término meaningful learning set. Este hecho
puede haber contribuido a una comprensión superficial de estes significados. Proponemos el uso del
término “learning set com significado” debido a la complejidad de este concepto y la falta de un
término con correspondencia directa a su significado en portugués. Finalmente, sugerimos atención
a estos conceptos y que se realicen más estudios sobre el tema.
Palabras clave: Learning set; Mecanismo de aprendizaje; Teoría del aprendizaje.
Introdução
Em 1963 David Paul Ausubel formalizou, em seu livro The Psychology of Mea-
ningful Verbal Learning, uma teoria sobre como as pessoas aprendem e retêm corpus
organizados de conhecimento em ambiente escolar. Esta teoria explica que para apren-
der com significado o indivíduo deve apresentar intenção e disposição para
relacionar, de forma não arbitrária (não aleatória) e substantiva (não literal), uma nova
informação às ideias relevantes presentes em sua estrutura cognitiva. Neste processo,
por ele denominado assimilação
1
, a estrutura cognitiva é modificada e ampliada, pois
tanto os conhecimentos prévios como a nova informação tornam-se diferenciados, mais
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Os significados de Intenção e Disposição para aprender na Teoria da Aprendizagem Significativa
471
v. 29, n. 2, Passo Fundo, p. 469-483, maio/ago. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
elaborados e estáveis (AUSUBEL, 2003). Além disso, pelo caráter pessoal e idiossincrá-
tico da aprendizagem, Ausubel aponta que o material instrucional deve ser
potencialmente significativo. Embora este conceito esteja relacionado ao fazer docente,
sua relevância e significado não serão discutidos neste texto.
A Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS) consolidou-se como importante
marco teórico para o contexto educativo com os aportes teóricos de Gowin (1981),
Novak (1981; 2010) e Moreira (2006). Assim, seu conceito central é reconhecido como
subjacente às demais teorias construtivistas (MOREIRA, 1997) e pode ser considerada
essencial para subsidiar o ensino e a pesquisa sobre o ensino (LEMOS, 2007).
Em 1980, a versão original do livro Educational Psychology: a cognitive view, es-
crita com coautoria de Novak e Hanesian, em 1978, foi traduzida ao português. A
tradução intitulada “Psicologia Educacional” (AUSUBEL; NOVAK; HANESIAN,
1980) possibilitou aos educadores, cuja língua nativa é o português, maior acesso à
TAS. Embora Ausubel pouco tenha se dedicado à Teoria após esta obra, no ano 2000,
ele escreveu novo livro, The Acquisition and Retention of Knowledge: a cognitive view,
no qual reitera grande parte do que publicou entre as décadas de 1960 e 1980, especi-
almente a edição de 1963 (AUSUBEL, 2000).
Devido a importância da obra de Ausubel para a educação brasileira, o Grupo
de Estudo e Pesquisa em Aprendizagem Significativa (GEAS/IOC-Fiocruz), o qual in-
tegramos desde sua origem, em 2008, tem estudado a TAS e suas implicações nos
campos do Ensino e da Educação. No cotidiano de nossas discussões, inclusive sobre
nossa própria produção acadêmica (BELMONT; LEMOS, 2012; CUNHA; LEMOS,
2012; LEMOS, 2011), percebemos o uso de diferentes termos para expressar os con-
ceitos ‘intenção’ e ‘disposição para aprender’, apresentados por Ausubel (2000). O
pressuposto deste ensaio é que tais divergências decorrem da tradução desses conceitos
que, sem termo com correspondência direta para o significado original, pode estar in-
duzindo a uma compreensão equivocada ou incompleta dos mesmos. Dessa forma, sem
qualquer pretensão de esgotar o tema, o objetivo deste texto é apresentar reflexões sobre
os significados dos referidos conceitos presentes na obra original de Ausubel, publicada
em 2000, e em sua tradução para o português, em 2003.
Ocorrência dos conceitos intenção e disposição na obra
De acordo com a TAS o processo da aprendizagem envolve tanto a intenção
como a disposição para aprender, ou seja, são fenômenos (inter)relacionados, mas di-
ferentes. Contrariando esta ideia, muitos estudos em português utilizam tais termos
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Rachel Belmont, Karla Maria Castello Branco da Cunha, Evelyse dos Santos Lemos
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como sinônimos e, algumas vezes, os substituem por ‘predisposição’ ou ‘intencionali-
dade’. Ocorre que, para além da intenção, Ausubel menciona reiteradas vezes haver um
outro aspecto, alguma lógica ou mecanismo que está diretamente envolvido no pro-
cesso da aprendizagem. Motivadas por essa constatação, revisitamos a obra original a
fim de compreender a explicação do autor. Ainda que a principal apropriação da TAS
decorra da tradução da edição escrita em coautoria (AUSUBEL, NOVAK,
HANESIAN, 1980), a escolha do livro de 2000 se deu por ser o único escrito apenas
por Ausubel e com versão digitalizada nas duas línguas.
Considerando os significados dos termos e cientes de que uma mesma palavra,
conforme a língua e contexto de utilização, pode apresentar mais de um sentido, veri-
ficamos o número de ocorrências dos conceitos intenção e disposição na versão original
e em português por meio da ferramenta de busca do Adobe Acrobat (Quadro 1). Inclu-
ímos na busca as palavras que costumam aparecer nos estudos publicados em língua
portuguesa e o termo meaningful learning set por sua ocorrência no original.
Com esse levantamento foi possível identificarmos discrepâncias na quantidade
de vezes que os termos foram mencionados em ambas as versões.
Quadro 1 - Ocorrência dos termos na obra original e correspondentes traduções
para o portugs
Termos Ocorrência Páginas
Termos originais cor-
respondentes
Ausubel
(2000)
Inglês
Intention
24
35; 53; 68; 117; 119; 194;
195; 196; 200; 201
Intenciona-
lity
0 -
Disposition
3 68; 189
Predisposi-
tion
0 -
Meaningful
Learning
set
18
40; 53; 55; 68; 69; 73; 75;
79; 88; 137; 142; 189; 192.
Ausubel
(2003)
Português
Intenção 20
16; 56; 72; 120; 122; 196;
197; 198; 202; 203; 210
Intention
Intenciona-
lidade
0 -
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Os significados de Intenção e Disposição para aprender na Teoria da Aprendizagem Significativa
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Disposição
3
72; 191
Disposition to learn
9
10; 36; 163; 165; 166; 171
Arrangement
3
196; 202; 203
Mental set
1
196
Set to place
1 203
Set underline
1
203
Learning set
Predisposi-
ção
1 118
Bias
O prefácio, notas, títulos e subtítulos, índice e índice remissivo não foram considerados na busca.
Fonte: elaborado pelas autoras.
A obra de Ausubel está voltada para a área da psicologia educacional, razão pela
qual consultamos tanto dicionários comuns, de inglês e português, como de psicologia
para entendermos os significados e usos dos termos. Antecipamos não ser nossa inten-
ção avaliar a tradução, porém nos interessa compreender a proposta original e estimular
discussão, compartilhando nossas percepções e dúvidas. Afinal, tal diferença pode ser
justificada pelo próprio significado contextual em cada língua, sendo inviável, em mui-
tas ocasiões, a tradução literal de termos e frases.
A intenção
Ao que parece, o conceito de intenção e a relevância do seu significado no pro-
cesso de aprendizagem significativa estão sendo negligenciados nos estudos sobre a TAS
ou que a assumem como referencial teórico. Existe algo além do "querer aprender" que
é condição essencial para a aprendizagem significativa, como Ausubel pontua. Con-
forme apresentado no Quadro 1, não encontramos acentuada discrepância na
ocorrência do termo quando comparamos a obra original e sua tradução. Tanto em
inglês como em português, intenção corresponde, em sentido amplo, àquilo que al-
guém quer que aconteça ou que pretende (planeja) fazer (INTENTION, 2021;
INTENÇÃO, 2021). Na área da Psicologia, intention corresponde a “uma decisão
consciente para realizar um comportamento” (APA, 2009, p. 252, tradução nossa).
2
Dessa forma, o significado do conceito não diverge em relação ao seu uso em ambas as
línguas e na Psicologia, embora nesta esteja evidenciada a tomada de decisão, de forma
consciente, sobre o que deve ser realizado.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Rachel Belmont, Karla Maria Castello Branco da Cunha, Evelyse dos Santos Lemos
474
v. 29, n. 2, Passo Fundo, p. 469-483, maio/ago. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
De acordo com Ausubel a intenção é fundamental na aquisição de novos signifi-
cados, pois desempenha papel precursor, orientador e iniciador das ações requeridas
pela tarefa de aprendizagem.
[...] Intentions can be plausibly viewed as the precursory aspects of mental sets that first orient the
learner to the nature and requirements of the learning task and then initiate the operation of the
appropriate learning set. Few if any significant items of knowledge are learned and retained on a
long-term basis without deliberate intent to learn; and as suggested above, intention, in all likelihood,
is also a general cognitive and mandatory condition for meaningful learning because it orients the
learner to what he has to do in order to master the instructional material [...] (AUSUBEL, 2000, p.
201, grifo nosso).
[...] Pode perfeitamente considerar-se que as intenções são aspectos precursores das disposições
mentais que orientam, em primeiro lugar, o aprendiz para a natureza e para as exigências da tarefa
de aprendizagem e, depois, para iniciar a operação da disposição de aprendizagem apropriada.
Apreendem-se e retêm-se poucos, se é que se aprendem alguns, itens significativos do conheci-
mento numa base a longo prazo, sem um esforço deliberado de aprendizagem; e, tal como se
sugeriu mais acima, a intenção também é, muito provavelmente, uma condição geral cognitiva e
obrigatória para a aprendizagem significativa, pois orienta o aprendiz para aquilo que este tem
de fazer de forma a dominar o material de instrução [...] (AUSUBEL, 2003, p. 203, grifo nosso).
Sendo a intenção uma condição geral, cognitiva e obrigatória para a aprendiza-
gem significativa, ela leva o aprendiz a, conforme a natureza da tarefa, tomar as decisões
necessárias para aprender um novo conteúdo. Dessa forma, a intenção do aluno parece
ser um dos fatores que influencia se o learning set escolhido estará voltado para a me-
morização literal ou para o estabelecimento de relações conceituais com significado.
Segundo Ausubel,
[...] irrespective of how much potential meaning may inhere in a particular proposition, if the learner's
intention is to memorize it arbitrarily and verbatimly (as a series of arbitrarily related words), both
the learning process and the learning outcome must of necessity be rote or meaningless [...] (2000, p.
68, grifo nosso).
[...] independentemente da quantidade de potenciais significados que pode ser inerente a uma
determinada proposição, se a intenção do aprendiz for memorizá-los de forma arbitrária e literal
(como uma série de palavras relacionadas de modo arbitrário), quer o processo, quer o resultado
da aprendizagem devem ser, necessariamente, memorizados ou sem sentido [...] (2003, p.72,
grifo nosso).
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Os significados de Intenção e Disposição para aprender na Teoria da Aprendizagem Significativa
475
v. 29, n. 2, Passo Fundo, p. 469-483, maio/ago. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Como se vê acima, ao explicar o papel da intenção do aprendiz no processo da
própria aprendizagem, Ausubel a relaciona a dois outros conceitos oriundos da Psico-
logia: mental set e learning set. É importante destacar que esta relação, entre intenção e
estes outros dois “aspectos” envolvidos na aprendizagem, não costuma ser mencionada
nos estudos brasileiros escritos em português.
Segundo Matsumoto (2009), mental set corresponde à “ativação temporária de
uma rede mental particular no preparo para o enfrentamento de uma situação ou tarefa
específica. Isso facilita as tarefas rotineiras e torna mais difícil a percepção ou uso do
que não está ativado no mental set” (p. 306, tradução nossa).
3
Considerando esta defi-
nição, pode-se dizer que o mental set se refere a uma "prontidão cognitiva" que permite
aos sujeitos realizarem tarefas ou solucionarem problemas já conhecidos ou que lhes
sejam similares. Embora tal mental set não seja suficiente para a realização de tarefas ou
resolução de problemas diferentes daqueles já vivenciados com sucesso, ele parece aju-
dar o indivíduo a desenvolver o learning set.
O termo learning set foi proposto por Harlow (1949) em seu artigo The formation
of learning sets, no qual apresenta o resultado de sua investigação sobre a aprendizagem
de solução de problemas discriminatórios por macacos. Para o autor, é a formação dos
learning sets que permite ao aprendiz ultrapassar o patamar de organismo condicionado
para o racional. Isto significa que após formar determinado learning set, às vezes men-
cionado como “mecanismo” (HARLOW, 1949, p. 52-56), o aluno aprende a aprender
(learning how to learn). Ou seja, ele deixa de responder a um determinado estímulo de
forma condicionada ou centrada na sua resolução por tentativa e erro e passa a pensar
sobre possíveis alternativas capazes de solucionar o problema proposto. Dessa forma, o
aprender a aprender a resolver um problema é chamado de learning set, sendo sua for-
mação um processo gradativo e fundamental à organização intelectual e
desenvolvimento social do indivíduo. Segundo o autor, a função dos learning sets “[...]
é converter um problema que é inicialmente difícil para o indivíduo em um problema
simples, que pode ser resolvido rapidamente” (HARLOW, 1949, p. 56, tradução
nossa).
4
De acordo com as referências de Ausubel (2000), e a sua atenção aos significados
ensinados (e aprendidos) em situações formais de ensino, o conceito cunhado por Har-
low foi sua referência para a proposição de um novo, o meaningful learning set. Em
síntese, a intenção influencia o aprender a aprender, razão pela qual o entendimento
desses dois conceitos mental set e learning set nos parece essencial para adequada
compreensão do significado de meaningful learning set, apontado por Ausubel como
uma das condições para a aprendizagem significativa. Reconhecemos que na ausência
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desse “mecanismo”, a aprendizagem fica comprometida e, conforme propõe Ausubel,
a organização do material de ensino deve considerar a existência ou inexistência dos
conhecimentos prévios. Também é possível depreender que existem variados tipos de
learning sets que se formam nas variadas experiências vivenciadas, sejam na escola ou
não.
Disposição para aprender (Meaningful learning set)
Como antecipado, na literatura acadêmica e, até mesmo em exposições orais
em eventos, é comum lermos e ouvirmos que o aluno deve apresentar disposição, pre-
disposição ou intencionalidade para aprender. Tais termos em português têm sido
usados como sinônimos de meaningful learning set (disposition). No entanto, na obra
original foram encontradas apenas três ocorrências do termo disposition (Quadro 1) e,
ainda assim, Ausubel o utiliza como sinônimo de meaningful learning set quando explica
que
[...] Meaningful learning requires both that learners manifest a meaningful learning set (that is, a
disposition to relate the new material to be learned, nonarbitrarily and nonverbatimly to their
structure of knowledge) and that the material they learn be potentially meaningful to them,
namely, relatable to their particular structures of knowledge on a nonarbitrary and nonverbatim
basis [...] (AUSUBEL, 2000, p. 68, grifo nosso).
[...] A aprendizagem significativa exige que os aprendizes manifestem um mecanismo de apren-
dizagem significativa (ou seja, uma disposição para relacionarem o novo material a ser
apreendido, de forma não arbitrária e não literal, à própria estrutura de conhecimentos) e que o
material que apreendem seja potencialmente significativo para os mesmos, nomeadamente rela-
cional com as estruturas de conhecimento particulares, numa base não arbitrária e não literal [...]
(AUSUBEL, 2003, p. 72, grifo nosso).
Quando comparamos a ocorrência dos termos no texto original e suas traduções
(Quadro 1), há predomínio da palavra disposição na versão traduzida. Disposição, em
português, significa “tendência natural que leva alguém a fazer alguma coisa; distribui-
ção organizada de alguma coisa ou modo através do qual algo se apresenta arranjado;
organização, arranjo” (DISPOSIÇÃO, 2021). Na língua inglesa, disposition se refere “a
certa tendência a se comportar de uma maneira particular; a forma como algo é colo-
cado ou organizado (sinônimo de arranjo)” (DISPOSITION, 2021, tradução nossa).
5
Dessa forma, é possível identificar que, em ambas as línguas, a palavra possui significa-
dos similares, inclusive em referência à ideia de arranjo.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Os significados de Intenção e Disposição para aprender na Teoria da Aprendizagem Significativa
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O termo predisposição foi encontrado uma única vez, na versão em português,
(Quadro 1), como tradução de bias, não relacionado ao meaningful learning set. Predis-
posição significa “ato ou efeito de predispor” (PREDISPOSIÇÃO, 2021) que, por sua
vez, corresponde a “preparar de antemão” (PREDISPOR, 2021). Dessa forma, nos
parece incoerente que o termo predisposição seja utilizado como sinônimo de disposi-
ção, pois o primeiro se refere a um estado que antecede o segundo. O termo
predispositiono foi encontrado na versão original da obra (Quadro 1).
Intencionalidade, palavra bastante utilizada nos estudos brasileiros, inclusive nos
nossos, não foi encontrada em nenhuma das versões da obra e significa, em português,
“qualidade ou estado de intenção” (INTENCIONALIDADE, 2021). Por isso, o termo
só poderia ser usado para indicar condição ou estado de intenção, que tampouco é
sinônimo de disposição.
O predomínio do termo disposição na obra traduzida (AUSUBEL, 2003) nos
parece coerente por coincidir com o utilizado por Ausubel para definir meaningful le-
arning set. No entanto, seu uso não é uniforme. Ao analisarmos o sentido atribuído à
palavra disposição nas duas versões da obra (Quadro 1), também a identificamos como
tradução dos conceitos mental set (disposição mental) e learning set (disposição de
aprendizagem). Nessa lógica, a tradução contém uma mesma palavra em português
para diferentes termos em inglês (Quadro 1).
Seguindo a ausência de padronização nas terminologias, para além da disposição,
mental set também foi traduzido como “situação mental” (p. 26, 196, 202), “meca-
nismo mental” (p. 202, 203) e “disposição mental” (p. 203). O learning set, por sua
vez, foi apresentado como “âmbito de aprendizagem” (p. 96, 173), “mecanismo de
aprendizagem” (p. 1, 52, 57, 58, 191, 194) e “postura de aprendizagem” (p. 191, 192).
Do mesmo modo, o conceito meaningful learning set apareceu como “situação de apren-
dizagem significativa” (p. 43), “mecanismo de aprendizagem significativa” (p. 56, 72,
73, 77, 83, 92, 93, 140, 144), “posição de aprendizagem significativa” (p. 79) e “pos-
tura de aprendizagem significativa” (p. 191). Ademais, a palavra disposição pode ser
encontrada no decorrer do texto traduzido com sentido de arranjo (arrangement) e ou-
tros (Quadro 1), visto que representa diversos significados, dependendo do contexto
no qual é utilizada.
Ausubel (2000) explica que o aprendiz pode dispor de um learning set para me-
morizar (rote learning set) ou para aprender determinada tarefa com significado
(meaningful learning set). Rote learning set é o mecanismo que o aluno possui ou constrói
a fim de “descobrir uma solução arbitrária para um problema, ou interiorizar o material
verbal de forma arbitrária e literal, como um objetivo discreto e isolado por si só”
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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(AUSUBEL, 2003, p. 57).
6
Por outro lado, para o autor, o meaningful learning set é
mais complexo, possuindo dois componentes fundamentais: o aprender a aprender (le-
arning how to learn) e o efeito de aquecimento (warm-up).
O primeiro “consiste em aquisições cognitivas relativamente estáveis, relaciona-
das com a estratégia de aprendizagem, que resultam de experiências de aprendizagens
passadas” (AUSUBEL, 2003, p. 192).
7
Dessa forma, a máxima ausubeliana “[...] des-
cubra o que ele sabe e baseie nisso seus ensinamentos” (AUSUBEL; NOVAK;
HANESIAN, 1980, contracapa), torna-se ainda mais complexa e, com ela, o fazer do-
cente. Afinal, não basta possuir conhecimentos prévios de mesma natureza na estrutura
cognitiva para ancorar novos conceitos/ideias, é necessário dispor do learning set para
que ocorra a assimilação. Por isso, Ausubel (2000) chama a atenção para a importância
da prática na aquisição de novos significados, pois praticar uma determinada tarefa
tende a facilitar a aprendizagem de outras tarefas semelhantes desde que as distinções
sejam gradualmente implementadas. Nessa perspectiva, as estratégias de ensino do ma-
terial potencialmente significativo devem inibir atitudes dos alunos voltadas para rote
learnings e ajudá-los no uso e construção de learning sets para o estabelecimento de
relações conceituais com significados.
O segundo componente, warm-up, se refere aos “fatores de prontidão transitórios
envolvidos no foco momentâneo da atenção, mobilização de esforços e superação da
inércia inicial que estão associados ao ‘estar-se adequadamente preparado’ para desem-
penhar uma determinada tarefa” (AUSUBEL, 2003, p. 192).
8
Desse modo, o efeito de
aquecimento é dissipado rapidamente, embora seja essencial para iniciar o processo de
aprendizagem.
Ausubel e Harlow, ao cunharem tais conceitos, ao menos nos textos aqui anali-
sados, destacam a importância desses “mecanismos”, mas pouco esclarecem sobre suas
estruturas e funcionamentos. Embora Ausubel (2000) tenha utilizado o conceito lear-
ning set inicialmente proposto por Harlow (1949), ao apresentar os conceitos de rote e
meaningful learning set, ampliou o seu significado original, relacionando-os com os co-
nhecimentos disciplinares, foco do processo educativo.
Está claro, após a releitura do original, que disposição para aprender (meaningful
learning set) é uma condição mais complexa e diferente da vontade, motivação, postura
e demais termos acima transcritos.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Os significados de Intenção e Disposição para aprender na Teoria da Aprendizagem Significativa
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Algumas considerações
A TAS costuma ser referenciada por destacar a importância dos conhecimentos
prévios do aprendiz no processo da aprendizagem. No entanto, sua potencialidade
como referência teórica para as práticas educativas e de sua investigação é bem mais
abrangente e complexa. Qualquer atividade educativa, formal ou não formal, prática
ou teórica, que assuma a individualidade do aprendiz, deveria (i) conceber a aprendi-
zagem como um continuum entre memorização e atribuição de significado e (ii)
considerar as condições para a ocorrência da aprendizagem significativa. Tais ideias são
centrais nesta teoria e fundamentais na condução de um ensino que pretenda impactar
positivamente na formação do aluno, bem como na condução de investigações efetiva-
mente comprometidas com a compreensão desse fenômeno.
Ao reconhecer, dentre outros aspectos, a responsabilidade do aprendiz na própria
aprendizagem, Ausubel nos ofereceu dicas fundamentais para favorecê-la. Na contri-
buição do autor, a aprendizagem deve ser pensada como processo cujo produto
provisório decorre da associação de múltiplas variáveis. Neste ensaio não comenta-
mos, por exemplo, aspectos como atenção, prontidão, motivação, conceitos
diretamente relacionados com os aqui discutidos e que também nos parecem negligen-
ciados nos estudos de língua portuguesa.
É certo que a TAS, como qualquer teoria, não nos oferece todas as respostas e ou
subsídios para as (velhas e recorrentes) questões que norteiam o campo. Acreditamos,
nos permitindo generalizar nossa autocrítica, ser hora de atentarmos para a complexi-
dade da aprendizagem e de sua facilitação centrando nossas perguntas no seu
desenvolvimento. Ausubel é enfático na explicação da aprendizagem como processo,
mas boa parte das pesquisas pautam-se na potencialidade de recursos e ou estratégias
instrucionais isoladamente, quando o foco deveria ser o modo como impactam no pro-
cesso e natureza da aprendizagem realizada.
A aprendizagem é, sim, pessoal, mas pode ser facilitada. É esse o papel dos con-
textos educativos. Na tentativa de entendermos como Ausubel explica a aprendizagem
significativa nos deparamos com a importância da intenção e disposição do aprendiz,
dentre outros fatores. Reconhecendo serem aspectos diferentes de um mesmo fenô-
meno, fica clara a necessidade de maior atenção aos significados originais, em inglês. O
uso dos conceitos na literatura específica em língua portuguesa não considera a inten-
ção como evento prévio ao meaningful learning set na realização da tarefa de
aprendizagem, como originalmente proposto.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Rachel Belmont, Karla Maria Castello Branco da Cunha, Evelyse dos Santos Lemos
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Para além da compreensão desses conceitos, nos parece importante adotar um
termo específico para traduzir o meaningful learning set. De início, pensamos que utili-
zar a palavra disposição seguida de “para aprender” (disposição para aprender) seria o
mais apropriado, como Ausubel apresenta no texto original. Porém, na análise da ver-
são em inglês, constatamos que a palavra disposição, na tradução ao português, não
contempla o real significado do meaningful learning set, seja por seus variados usos ou
ainda por não exprimir a complexidade do processo de aprendizagem.
Em decorrência, tomando como referência a polissemia do conceito central da
teoria - aprendizagem significativa - e a ausência de termos específicos para mental set e
learning set, sugerimos que sejam utilizados sem tradução. No caso do meaningful lear-
ning set, sugerimos ‘learning set com significado, sempre junto, como palavra composta.
Deixamos essas sugestões na expectativa de que esta reflexão seja ampliada e, as-
sim, surjam termos mais apropriados. Afinal, como destacamos no texto, faz pouco
tempo que percebemos a inadequação de nossa interpretação sobre tais significados no
processo da aprendizagem.
Agradecimentos
Aos membros do Grupo de Estudo e Pesquisa sobre a Teoria da Aprendizagem
Significativa (GEAS/IOC-Fiocruz), especialmente ao Dr. Cristiano José Martins de
Miranda por sugerir a discussão deste tema.
Notas
1
O conceito de assimilação na TAS é diferente do de assimilação na Teoria de Piaget. Ausubel explica
que "[...] alguns leitores podem notar uma semelhança geral entre o seu assim chamado processo de
‘assimilação’ e a nossa teoria da assimilação em relação com a aprendizagem e a retenção. A semelhança
reside no fato de que a noção de assimilação de Piaget deixa lugar para a absorção do novo nos esque-
mas já existentes. Nesse sentido ela é análoga, de um modo geral, ao princípio da subordinação.
Contudo, Piaget não vai além dessa afirmação geral da assimilação e não descreve explicitamente como
ocorre a assimilação; também concebe a assimilação em termos de progressões evolutivas ao invés de
em termos de um fenômeno contemporâneo da aprendizagem" (AUSUBEL; NOVAK; HANESIAN,
1980, p. 193).
2
A conscious decision to perform a behavior(APA, 2009, p. 252).
3
Temporary activation of a particular mental network in preparation for coping with a particular situation
or task. This both makes routine tasks easier and makes perception or use of things outside the activated set
more difficult (MATSUMOTO, 2009, p. 306).
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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4
The learning set is the mechanism that changes the problem from an intellectual tribulation into an intel-
lectual triviality and leaves the organism free to attack problems of another hierarchy of difficult
(HARLOW, 1949, p. 56).
5
“A quality of tending to behave in a particular way; the way something is placed or arranged (synonym
arrangement)(DISPOSITION, 2021).
6
In rote learning, on the other hand, the learner's set is either to discover an arbitrary solution to a problem,
or to internalize verbal material arbitrarily and verbatim, as a discrete and isolated end in itself […]
(AUSUBEL, 2000, p. 54).
7
No original: […] consists of relatively stable cognitive acquisitions, concerned with the strategy of learning,
that are derived from past learning experience(AUSUBEL, 2000, p. 190).
8
No original: [...] transitory readiness factors involved in the momentary focusing of attention, mobilization
of effort, and overcoming of initial inertia that are associated with "being properly set" to perform a given
task(AUSUBEL, 2000, p. 190).
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Este artigo está licenciado com a licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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v. 29, n. 2, Passo Fundo, p. 484-510, maio/ago. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Por que devemos ensinar História das Ciências em aulas de
Ciências? Contribuições a partir da Teoria da Aprendizagem
Significativa Crítica
Why Should We Teach History of Science in Science Class?
Contributions from the Critical Meaningful Learning Theory
¿Por qué debemos enseñar Historia de la Ciencia en las clases de Ciencia?
Contribuciones a partir de la Teoría de Aprendizaje Significativo Crítico
Nathan Willig Lima
*
Cleci Teresinha Werner da Rosa
**
Resumo
A abordagem histórica tem uma tradição consolidada na pesquisa em ensino de Ciências. Mesmo
assim, artigos recentes têm apontado a persistente necessidade de explicitar os objetivos pedagógicos
de tais propostas. Ademais, objeções diversas à abordagem histórica ainda são comuns na área de
ensino de ciências. A partir disso, no presente trabalho, temos por objetivo discutir as potencialidades
e os cuidados pedagógicos necessários em atividades didáticas com abordagem histórica, a partir do
quadro teórico formado pela Teoria da Aprendizagem Significativa Crítica. Em especial, argumen-
tamos que, diante do cenário contemporâneo, é necessário que os alunos construam conhecimentos
científicos bem como desenvolvam uma postura crítica, de “distanciamento antropológico”, para
que sejam capazes de atuar no sentido de articular um mundo habitável e mais justo. Ao longo do
trabalho, apresentamos brevemente os pressupostos da teoria, discutimos as potencialidades da abor-
dagem histórica à luz de seus princípios, expomos alguns cuidados metodológicos e, por fim,
respondemos a objeções comuns à abordagem histórica.
Palavras-chave: Ensino de ciências; Abordagem histórica; História e filosofia da ciência.
Recebido em: 26.11.2021Aprovado em: 24.02.2022
https://doi.org/10.5335/rep.v29i2.13201
ISSN on-line: 2238-0302
*
Doutor em Ensino de Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Docente Permanente do Programa de Pós-
Graduação em Ensino de Física na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Docente do Mestrado Profissional em Ensino
de Física da Sociedade Brasileira de Física. Orcid: http://orcid.org/0000-0002-0566-3968. E-mail: nathan.lima@ufrgs.br.
**
Doutora em Educação Científica e Tecnológica pela Universidade Federal de Santa Catarina. Docente Permanente do
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática e do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade de Passo Fundo. Orcid: http://orcid.org/0000-0001-9933-8834. E-mail: cwerner@upf.br.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Nathan Willig Lima, Cleci Teresinha Werner da Rosa
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v. 29, n. 2, Passo Fundo, p. 484-510, maio/ago. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Abstract
The historical approach has an established tradition in science teaching research. Even so, recent
articles have pointed out the persistent need to clarify the pedagogical objectives of such proposals.
Furthermore, various objections to the historical approach are still common in the field of science
education. This work aims to discuss the potential and pedagogical care needed in didactic activities
with a historical approach from the theoretical framework formed by the Critical Meaningful
Learning Theory. In particular, we argue that, given the contemporary scenario, students must
construct scientific knowledge and develop a critical posture of “anthropological distance” to act in
the sense of articulating a more fair and habitable world. Throughout the work, we briefly present
the presuppositions of the theory, discuss the potential of the historical approach in light of its
principles, expose some methodological precautions, and, finally, respond to common objections to
the historical approach.
Keywords: Science teaching; Historical approach; History and philosophy of science.
Resumen
El abordaje histórico tiene una tradición consolidada en la investigación en la enseñanza de Ciencia.
No obstante, artículos recientes apuntan la persistente necesidad de explicitar los objetivos pedagó-
gicos de tales propuestas. Además, diversas objeciones al abordaje histórico aún son comunes en el
área de la enseñanza de ciencias. A partir de esto, en el presente trabajo, tenemos por objetivo discutir
las potencialidades y los cuidados pedagógicos necesarios en actividades didácticas con abordaje his-
tórico, a partir del cuadro teórico formado por la Teoría de Aprendizaje Significativo Crítico. En
especial, argumentamos que, frente al escenario contemporáneo, es necesario que los alumnos cons-
truyan conocimientos científicos así como que desarrollen una postura crítica, de “distanciamiento
antropológico”, para que sean capaces de actuar en el sentido de articular un mundo habitable y más
justo. A lo largo del trabajo, presentamos brevemente las premisas de la teoría, discutimos las poten-
cialidades del abordaje histórico a la luz de sus principios, exponemos algunos cuidados
metodológicos y, por último, respondemos objeciones comunes al abordaje histórico.
Palabras clave: Enseñanza de ciencias; Abordaje histórico; Historia y filosofía de la ciencia.
1. Introdução
Há um reconhecimento de que, desde muito cedo, os cientistas têm adotado
narrativas históricas para a estabilização e avanço de suas próprias disciplinas
(VIDEIRA, 2007) bem como para formação de novas gerações de cientistas, como
pode se perceber na emblemática obra de Mecânica Clássica escrita por Ernst Mach
(1902). No final do século XIX, por exemplo, já se pode encontrar defesas explícitas
do uso de história no ensino de ciências (CAJORI, 1899). Por outro lado, entende-se
que a institucionalização do campo de pesquisa em história, filosofia, sociologia e en-
sino de ciências só ocorre no início da década de 1990 (LIMA; GUERRA; ROSA,
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Por que devemos ensinar História das Ciências em aulas de Ciências?
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v. 29, n. 2, Passo Fundo, p. 484-510, maio/ago. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
2021), motivada, principalmente, pelo trabalho de Michael Matthews (1992), com a
fundação da revista Science & Education, bem como com a fundação do IHPST (Inter-
national History, Philosophy and Science Teaching Group) no final da década de
1980.
Esse movimento institucionalizado coincide com o fim do período de guerra fria,
em que as tendências tecnicistas do pós-guerra (NARDI, 2005) perdem força em favor
de visões mais contextualizadas, críticas e amplas de educação em ciências. Nesse con-
texto, podemos encontrar diferentes justificativas para a inserção da abordagem
histórica na aula de ciências. O próprio artigo de Matthews (1992) é bastante amplo
em sua defesa. De uma forma geral, entende-se que tais justificativas apontam a poten-
cialidade da abordagem histórica no sentido de contribuir para um melhor
entendimento da “natureza da ciência” (McCOMAS, 2020), isto é, sobre o que é a
ciência, como ela funciona, suas potencialidades e limitações, bem como suas relações
com a sociedade, tecnologia e cultura. Tais argumentações indicam, portanto, uma
ampliação dos objetivos da educação básica, preocupando-se com uma alfabetização
científica mais ampla e crítica (AULER; DELIZOICOV, 2001). Outras justificativas
para a inserção da história da ciência na educação em Ciências, podem ser encontradas
na literatura (FORATO; PIETROCOLA; MARTINS, 2011; KARAM; LIMA, 2022).
Recentemente, novas defesas têm sido apresentadas, apontando a importância de
alinhar os objetivos pedagógicos de uma determinada prática de ensino com o enfoque
histórico-filosófico abordado (GURGEL, 2020) e, nesse contexto, dado o cenário so-
cial em que nos encontramos, politizar as perspectivas adotadas a fim de orientar o
ensino de ciências em direção da busca de justiça social (MOURA, 2021). Ao encontro
de tais discussões, temos defendido a ideia de que o mundo contemporâneo, em que
os problemas políticos são altamente dependentes de constructos científicos (a gestão
da pandemia e de seus impactos econômicos depende, por exemplo, de resultados e
conclusões apresentados por epidemiologistas, assim como o planejamento de desen-
volvimento econômico dos países tem sido impactado pelas pesquisas ambientais
desenvolvidas por diferentes áreas do conhecimento) e vice-versa, motivando o que
Sheila Jasanoff (2007) denomina de “coprodução”. Ou seja, o exercício da cidadania
passa tanto pelo desenvolvimento de uma concepção crítica e reflexiva sobre a realidade
quanto pela formação do conhecimento dos aspectos científicos que compõem nossa
realidade natural-social. A partir disso, defendemos que diferentes abordagens históri-
cas são fundamentais para a formação do exercício da cidadania contemporânea, a qual
pressupõe não somente um engajamento político; mas cosmopolítico
1
(LIMA, 2021).
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Um importante desafio do campo da educação em ciências é, portanto, refletir
sobre quais temas, métodos e propostas didáticos conseguem de fato preparar os
alunos para os desafios do mundo contemporâneo. Nesse sentido, é necessário que a
concepção de ensino e aprendizagem seja capaz de, ao mesmo tempo, instrumentalizar
2
os alunos com os conceitos científicos contemporâneos e gerar uma reflexão crítica so-
bre sua própria realidade. Essa é justamente a proposição de Moreira (2010) ao
apresentar sua Teoria da Aprendizagem Significativa Crítica. Isto é, para Moreira
(2010), o mundo contemporâneo apresenta desafios que não podem ser superados por
uma aprendizagem mecânica, de natureza meramente repetitiva. É necessário que os
alunos aprendam os conhecimentos científicos, relacionando-os com seus conhecimen-
tos e experiências prévias, de forma que eles ganhem sentido em sua estrutura cognitiva.
É isso que garante um aprendizado significativo (para além da repetição vazia típica do
ensino tradicional). Mais do que isso, Moreira (2010) reconhece que nosso contexto
social atual demanda que tal aprendizado seja mobilizado em termos críticos, isto é,
permitindo que, mesmo pertencendo a essa cultura, consigamos nos afastar dela e re-
fletir sobre suas limitações e problemas, frente a uma perspectiva mais ampla, e, assim,
a possibilidade de construir novos caminhos, o que é chamado de “distanciamento an-
tropológico”.
Embora já existam diferentes defesas da abordagem histórica no ensino de ciên-
cias, entendemos que há necessidade de um aprofundamento na reflexão sobre as bases
pedagógicas que sustentam tais propostas. Em especial, aponta-se na literatura que a
maioria dos estudos com abordagem histórica-filosófica não são explícitos ou coerentes
ao apresentar seus pressupostos teórico-pedagógicos (DAMASIO; PEDUZZI, 2017)
ou ao fazer uma conexão entre a proposta e a concepção de currículo subjacente
(MOURA; CAMEL; GUERRA, 2020). Afinal, a abordagem histórica pode contribuir
ou não para uma aprendizagem significativa ou, mais especificamente, uma aprendiza-
gem significativa crítica? Caso ela possa contribuir, quais estratégias e cuidados
metodológicos devem ser adotados a fim de potencializar tal aprendizado significativo
crítico?
Nosso objetivo neste trabalho é apresentar uma discussão teórica sobre a aborda-
gem histórica no ensino de ciências a partir da Teoria da Aprendizagem Significativa
Crítica, buscando responder as questões supracitadas. Entendemos que, com essa refle-
xão, estamos contribuindo para a fundamentação pedagógica da abordagem histórica
no ensino de ciências, a fim de garantir que sua inserção esteja a serviço de uma educa-
ção que dê conta dos desafios do século XXI.
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Em especial, apesar da estabilização institucional da pesquisa sobre abordagem
histórica não ensino de ciências, não é inusual ainda encontrarmos objeções em pare-
ceres de revistas especializadas, bem como dentro das universidades e escolas, com
relação à potencialidade didática dessa abordagem. Algumas objeções mais comuns que
podemos listar são: 1) a abordagem histórica torna o tema mais complexo/difícil ou
seja com isso, o aluno “aprenderia menos” ou “teria mais dificuldade”; 2) os conceitos
científicos evoluem ao longo do tempo, assim, a abordagem histórica ensina os concei-
tos errados para depois ensinar os corretos, demandando um trabalho desnecessário e
que somente confunde; 3) trazendo a abordagem histórica na aula, sobrará menos
tempo para discutir a “ciência”, logo não há tempo para isso; 4) a história da ciência é
até útil se eu quiser um ensino sobre natureza da ciência, ou um ensino politizado; mas,
se o objetivo é ensinar conceitos ou técnicas (como resolver a Equação de Schrödinger),
então a história é apenas anedótica e desnecessária; 5) ao trazer a abordagem histórica,
perde-se tempo com aspectos não-científicos, esvaziando de ciência a aula de ciências;
6) a abordagem histórica, ao trazer aspectos sociais, pode conduzir ao relativismo.
3
Em
nossas considerações finais, após a reflexão teórica, vamos responder a cada uma dessas
objeções.
2. Aprendizagem Significativa Crítica
Ao longo do século XIX, podemos reconhecer a formação e consolidação de uma
área de pesquisa, própria e autônoma, que toma como contexto de investigação a Edu-
cação. Tal área, denominada como Pedagogia, dialogava diretamente com os estudos
da Filosofia e da Psicologia, sem perder, entretanto, suas especificidades, como defen-
dido, por exemplo, nos trabalhos de Johann Firederich Herbart (1893).
No século XX, a ascensão do positivismo lógico na Europa teve influência sobre
diferentes áreas do conhecimento, incluindo a própria psicologia e, por consequência,
a pedagogia (KINCHELOE; TOBIN, 2009). Nesse contexto, percebe-se um cresci-
mento de teorias de ensino e aprendizagem lastreadas na concepção teórico-
metodológica comportamentalista, enfatizando a necessidade de se promover pesquisas
e estudos sobre grandezas observáveis, como o comportamento humano. Ou seja, a
partir dessa concepção teórica, devemos analisar ou mensurar o aprendizado dos alunos
apenas por meio de verificações sobre comportamentos que possam ser objetivamente
mensuráveis. Os processos cognitivos internos do aluno, seus esquemas mentais, os
tipos de discurso interno que ele adota ao longo do processo de aprendizado, não são
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tomados como objeto de estudo. Aprender é, portanto, simplesmente mudar de com-
portamento.
Ao longo do mesmo século, entretanto, a psicologia e a pedagogia, passaram por
diferentes transformações, abrindo-se para diferentes conjuntos de valores e paradigmas
de pesquisa. Em especial, o cognitivismo pode ser reconhecimento como um movi-
mento importante desse período, que, opondo-se à concepção comportamentalista,
passou a considerar a descrição de estruturas cognitivas internas, que são subjacentes à
ação e comportamento humano. A concepção cognitivista enfatiza a cognição, o ato de
conhecer; como o ser humano conhece o mundo. No cognitivismo, a preocupação está
nos processos mentais mobilizados pelo sujeito e como ele atribui significado, compre-
ende, transforma, armazena e usa a informação (MOREIRA, 1999). Essa visão ocupa-
se com os processos internos do sujeito, a partir de sua intencionalidade considerando
sua interação com o meio.
Nesse contexto, a aprendizagem passa a ser entendida como mudança nessas es-
truturas cognitivas internas do sujeito, em seus esquemas mentais, bem como a variação
em seus processos discursivos internos. Ainda que não possamos ter acesso direto a tais
estruturas ou processos, podemos verificar indiretamente, ou seja, inferir quando há
mudanças em tais estruturas. Nesse entendimento, a aprendizagem é concebida como
além da simples mudança de comportamento, mas como associada a alterações nas
estruturas internas do sujeito. E é nesse contexto que se deseja que o ensino atue, por
meio de estratégias e metodologias capazes de provocar mudanças nessas estruturas in-
ternas. Segundo Piaget (1973), o desenvolvimento cognitivo ocorre quando se passa de
um nível de conhecimento para outro (mais elevado), por meio de alterações na estru-
tura interna do sujeito, o que caracterizamos como aprendizagem no viés cognitivista.
Nessa perspectiva, o ensino deve ser capaz de ativar mecanismos que provoquem um
desequilíbrio na estrutura interna do aprendiz e, na busca pelo reequilíbrio, atingir um
novo nível cognitivo.
Nessa concepção de aprendizagem, encontramos a Teoria da Aprendizagem Sig-
nificativa (TAS) proposta pelo americano, David Paul Ausubel, nos anos de 1960 e
1970. Nela, a aprendizagem é entendida como uma modificação nas estruturas internas
do sujeito, ou seja, existe uma estrutura interna na qual as informações são organizadas
e integradas e que é modificada à medida que o sujeito interage com o meio. O aspecto
central da teoria está na discussão do entendimento de aprendizagem significativa, que,
segundo Ausubel, Novak e Hanesian (1983) ocorre quando o sujeito amplia e reconfi-
gura ideias já existentes na estrutura cognitiva, possibilitando relacionar e acessar os
conhecimentos. Moreira (1999) mostra que a aprendizagem significativa é um processo
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por meio do qual uma nova informação relaciona-se de forma substantiva (não literal)
e não arbitrária, com aspectos especificamente relevantes da estrutura de conhecimento
do indivíduo. Esses aspectos específicos são denominados de “subsunçores” e represen-
tam um conceito, uma ideia, uma proposição que já está presente na estrutura interna
do aprendiz e que poderá servir para ancorar o novo conhecimento, de modo a adquirir
significado a ele.
Associado a aprendizagem significativa está a aprendizagem mecânica ou por re-
petição, que ocorre quando o ensino ou a tarefa de aprendizagem se constitui
basicamente de associações arbitrárias e/ou quando o aprendiz não possui subsunçores
para torná-la potencialmente significativa (AUSUBEL; NOVAK; HANESIAN, 1983).
Para os autores, quando se trata do ensino escolarizado, é “evidente que a aprendizagem
significativa é mais importante que a aprendizagem por repetição”, embora reconhe-
çam que a mecânica tem sua relevância, podendo vir a se tronar significativa. E, ainda,
salientam que essa aprendizagem mecânica ocorre a partir de mobilização cognitiva e
com associações cognitivas, todavia, não da mesma forma que a aprendizagem signifi-
cativa, ou seja, essas associações são, geralmente, arbitrárias e/ou literais e não ancorados
em subsunçores.
Para a ocorrência de uma aprendizagem significativa, Ausubel, Novak e Hane-
sian (1983), apontam duas condições: a predisposição do sujeito para aprender
significativamente e a existência de uma tarefa ou um material potencialmente signifi-
cativo. No contexto escolar, e a exemplo dos cognitivistas, a TAS pauta sua tese na
importância de o professor identificar os conhecimentos que os estudantes possuem e,
a partir deles, apresentar os novos. Em outras palavras, o fator isolado mais importante
que influencia a aprendizagem é aquilo que o aluno já sabe, portanto, cabe ao professor
determinar isso e ensinar de acordo (AUSUBEL; NOVAK; HANESIAN, 1983).
Deve-se ressaltar que tanto teorias comportamentalistas quanto teorias cogniti-
vistas que enfatizam apenas as discussões sobre ensino e aprendizagem de conceitos,
sem um questionamento mais amplo e profundo sobre os conhecimentos ensinados e
sua relação com a sociedade, podem ser classificadas como teorias de ensino tradicio-
nais, do ponto de vista do currículo (SILVA, 2010). Isto é, elas não questionam qual
conhecimento deve ser ensinado e por quê. Apenas tratam de analisar como ensinar
melhor ou como garantir o aprendizado de tais conceitos. Por exemplo, quando pen-
samos em uma abordagem de ensino cujo objetivo é ensinar os fundamentos da Teoria
Quântica, garantindo que os alunos dominem o arcabouço teórico e desenvolvam fa-
miliaridade com a resolução dos problemas exemplares, estamos engajados em uma
prática tradicional de ensino. Nesse caso, do ponto de vista da TAS, por exemplo, nosso
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objetivo deveria ser garantir que os alunos desenvolvam uma aprendizagem significa-
tiva, sendo capazes de ancorar os novos conhecimentos nos conhecimentos
previamente adquiridos.
Ainda que o ensino tradicional possa ter contribuições importantes, há muitos
documentos oficiais e vertentes teóricas da área de ensino que apontam para a necessi-
dade de colocar os processos de ensino e aprendizagem em conexão, ou diálogo, com
uma reflexão mais ampla sobre a sociedade (PINHÃO; MARTINS, 2016). Nesse caso,
o objetivo final do ensino não é propriamente o aprendizado do conceito, mas seu
aprendizado se torna um caminho para o desenvolvimento de uma reflexão mais ampla
e para o exercício mais autônomo da cidadania (AULER; DELIZOICOV, 2001). En-
tretanto, quais conhecimentos são importantes para o exercício da cidadania? E por
quê?
Tais questões afastam-se do âmbito das teorias tradicionais, uma vez que colo-
cam sob suspeição a organização e estrutura educacional vigentes. Por que ensinamos
o que ensinamos? Por que a escola se organiza dessa forma? Ou, mais importante, qual
educação é capaz de promover o mundo em que pretendemos habitar? E como pode-
mos levar tal educação à realidade? Tais são as preocupações das teorias críticas (SILVA,
2010).
No Brasil, o principal expoente da concepção crítica é, sem dúvida, Paulo
Freire, que distancia o ensino bancário, não reflexivo, de uma educação emancipatória,
organizada para promover a autonomia epistêmica e a construção de uma sociedade
mais justa e igualitária (FREIRE, 2013a; 2013b; 2013c). Deve-se observar que a pro-
posta de Freire não é simplesmente com relação à superfície das práticas pedagógicas;
mas vai ao cerne da concepção de educação, entendendo-a como uma prática política
concreta e atada à realidade dos educandos.
A partir de tal perspectiva, podemos pensar que a realidade contemporânea nos
apresenta uma série de desafios. O aquecimento global antropogênico nos indica dúvi-
das sobre nosso sistema econômico e a organização política e econômica de nossa
sociedade de consumo (JUNGES; MASSONI, 2018; REIMERS, 2020). As crescentes
desigualdades sociais também apontam para as limitações dos modelos vigentes
(YACOUBIAN; HANSSON, 2020). E, mais recentemente, o mundo digital introdu-
ziu-nos aos dilemas das fakenews e da pós-verdade (MCINTYRE, 2018). A educação
que vivemos hoje deve ser capaz de dialogar com essa realidade, pois esses são os pro-
blemas de nossos tempos. A inadequação entre educação e realidade, no atual momento
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em que vivemos, pode implicar sérios e profundos problemas no futuro de nossa soci-
edade. Assim, nesse contexto, qual educação é verdadeiramente capaz de dar conta dos
problemas atuais?
A resposta a essa pergunta, dada pelo professor Marco Antônio Moreira, é que,
no atual contexto, não é suficiente que os alunos desenvolvam uma aprendizagem sig-
nificativa, eles precisam desenvolver uma aprendizagem significativa crítica
(MOREIRA, 2010). A proposta de Moreira foi apresentada pela primeira vez, em
2000, no III Encontro Internacional sobre Aprendizagem Significativa, em Lisboa, sob
o nome de Aprendizagem Significativa Subversiva. Posteriormente, o texto foi ampli-
ado e renomeado com o título de Aprendizagem Significativa Crítica.
Em sua proposta, Moreira (2010) parte, principalmente, de reflexões de Post-
man e Weingartner (1969) para argumentar que a escola precisa de uma reformulação
estrutural. Diante dos problemas contemporâneos, precisamos formar pessoas capazes
de lidar com os dilemas e desafios atuais. Em especial, Moreira argumenta que o ensino
tradicional apresenta aos alunos uma série de certezas e verdades absolutas, represen-
tando os conhecimentos de forma fragmentada e isolada, e criando uma dicotomia
definitiva entre certo e errado. Além disso, o ensino tradicional tende a representar o
avanço tecnológico e aumento das informações como algo bom, reforçando ideais da
sociedade de consumo.
Nesse sentido, é preciso que haja práticas pedagógicas subversivas e, principal-
mente, que a aprendizagem dos alunos seja significativa e crítica. Partindo de Postman
e Weigartner (1969), Moreira (2010), define que subversivo e crítico, nesse contexto,
referem-se ao desenvolvimento de uma perspectiva antropológica. Isto é, ao desenvol-
vimento da capacidade de pertencer a uma certa cultura; mas também se afastar dela.
Esse distanciamento antropológico é o que permite uma pessoa ganhar liberdade frente
à sua cultura, sendo capaz de criticar e se opor a práticas culturalmente bem estabele-
cidas, mas que causam problemas e prejuízos à própria sociedade. Nesse sentido, pode-
se entender que o ensino subversivo, ao permitir uma aprendizagem crítica, forma su-
jeitos autônomos e livres, aptos a se posicionar frente às estruturas sociais e de poder
vigentes, em busca de um mundo mais justo (DAMASIO; PEDUZZI, 2015; 2018).
O desenvolvimento de tal perspectiva antropológica não é um processo simples
ou rápido. Ele exige uma grande maturidade intelectual, demandando flexibilidade
cognitiva, envolvimento ativo com o conhecimento, autonomia, e, até mesmo, cora-
gem.
4
Por esse motivo, práticas pedagógicas que não são significativas, obviamente,
nem se quer chegariam perto do desenvolvimento de criticidade. Portanto, é necessário
que o aprendizado seja, inicialmente, significativo e, mais do que isso, deve preparar os
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alunos para aprender com os erros, lidar com as incertezas e perceber a complexidade
teórica e semântica que se enseja no desenvolvimento do conhecimento. Por esse mo-
tivo, Moreira (2010) propõe 11 princípios norteadores, que formam o que ele chama
de Teoria da Aprendizagem Significativa Crítica. São eles:
1. Aprender que aprendemos a partir do que já sabemos. (Princípio do conheci-
mento prévio).
2. Aprender/ensinar perguntas ao invés de respostas. (Princípio da interação so-
cial e do questionamento).
3. Aprender a partir de distintos materiais educativos. (Princípio da não centra-
lidade do livro de texto).
4. Aprender que somos perceptores e representadores do mundo. (Princípio do
aprendiz como perceptor/representador).
5. Aprender que a linguagem está totalmente implicada em qualquer e em todas
as tentativas humanas de perceber a realidade. (Princípio do conhecimento como lin-
guagem).
6. Aprender que o significado está nas pessoas, não nas palavras. (Princípio da
consciência semântica).
7. Aprender que o ser humano aprende corrigindo seus erros. (Princípio da
aprendizagem pelo erro).
8. Aprender a desaprender, a não usar conceitos e estratégias irrelevantes para a
sobrevivência. (Princípio da desaprendizagem).
9. Aprender que as perguntas são instrumentos de percepção e que definições e
metáforas são instrumentos para pensar. (Princípio da incerteza do conhecimento).
10. Aprender a partir de distintas estratégias de ensino. (Princípio da não utili-
zação do quadro-de-giz).
11. Aprender que simplesmente repetir a narrativa de outra pessoa não estimula
a compreensão. (Princípio do abandono da narrativa).
Esses princípios variam desde orientações mais práticas, para a sala de aula, até
noções epistemológicas, que subjazem a noção da prática de ensino e aprendizado. Po-
demos notar que o princípio 1 reforça a máxima ausubeliana de ensinar a partir dos
conhecimentos dos alunos (chamaremos o princípio 1 de princípio da aprendizagem
significativa). Os princípios 2,4,5,6,7,8 e 9 reforçam, de diferentes formas, o aspecto
complexo do desenvolvimento do conhecimento, suas imbricações com a linguagem e
com a dimensão social, reforçando o papel da incerteza, do erro e da coletividade para
o progresso do aprendizado e da ciência (chamaremos esses princípios de epistemoló-
gicos). Os princípios 3, 10 e 11, de diferentes formas, apontam para a necessidade de
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uma renovação metodológica, tanto em sala de aula, como nos materiais que subsidiam
tais práticas (chamaremos esses princípios de metodológicos). A partir desses 11 prin-
cípios, podemos ver como Moreira entende que uma reestruturação pedagógica,
epistemológica e metodológica pode prover a realização de uma aprendizagem signifi-
cativa crítica.
3. Contribuições pedagógicas da história da ciência a partir da
TASC
Nosso objetivo, nessa seção, é, a partir da TASC, proposta por Moreira (2010),
discutir as diferentes potencialidades pedagógicas da abordagem da História no Ensino
de Ciências, bem como apontar possibilidades e cuidados metodológicos que contri-
buam para que a ação didática possa ser potencialmente significativa e crítica. Para
tanto, vamos analisar tal abordagem à luz dos 11 princípios anunciados por Moreira,
divididos nos três grupos mencionados na seção anterior (princípio da aprendizagem
significativa; princípios epistemológicos; e princípios metodológicos).
O primeiro princípio proposto por Moreira reforça a noção de que devemos en-
sinar sempre de acordo com os conhecimentos prévios dos estudantes. Entretanto,
como aponta a própria teoria ausubeliana, nem sempre os alunos possuem os subsun-
çores adequados, ou ainda, possuem conhecimentos prévios que dificultariam a
aprendizagem de novos conceitos científicos. Nesse contexto, é necessário articular ati-
vidades que possam servir de “pontes cognitivas” entre o que o aluno já sabe e o novo
conhecimento, o que na TAS, recebe o nome de “organizadores prévios”. Esses permi-
tem que os alunos desenvolvam uma estrutura cognitiva prévia, em que possam ancorar
os novos conhecimentos.
Assim, o primeiro papel que a história da ciência pode desempenhar é o de orga-
nizador prévio do conhecimento. A apresentação de uma narrativa histórica, ou de um
episódio histórico pode servir como ponto de partida para despertar a atenção dos alu-
nos para certos conceitos ou mesmos problemas fenomenológicos e, a partir desse
episódio, desencadear a discussão que deseja ser apresentada. Talvez, apresentar a
mesma discussão teórica (ou conceitual) sem a contextualização histórica prévia pode
se configurar em uma narrativa sem sentido e abstrata. Por outro lado, iniciar o tema
com a caracterização histórica pode criar o ambiente conceitual adequado para que a
discussão teórica pretendida possa se estabelecer e ancorar, tornando-se significa-
tiva. Ademais, como pressuposto pela TAS, é fundamental que o aluno tenha
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predisposição em aprender, ou seja, tenha interesse. A discussão histórica, como é am-
plamente sabido, tem o potencial de despertar tal interesse, aproximando a ciência do
aluno, desfazendo o mito da genialidade e outros estigmas, que tornam a ciência uma
prática inalcançável no imaginário dos alunos. Assim, a história pode ser uma fonte de
motivação, interesse e engajamento emocional com a discussão que vai ser apresentada.
Alguns exemplos de trabalhos que exploram tal potencialidade da abordagem histórica
podem ser encontrados em Matthews (2014), Peduzzi, Martins e Ferreira (2012). Mais
especificamente, pode-se encontrar trabalhos que, explicitamente, usam a história da
ciência como uma abordagem para formar organizadores prévios, permitindo que os
alunos desenvolvam uma primeira estrutura sobre o conhecimento, na qual possam
ancorar as discussões futuras, seja por meio de histórias sobre a vida dos cientistas
(MENEZES; KALHIL, 2009) ou tendo contato com os trabalhos históricos originais
(BOSS; SOUZA FILHO; CALUZI, 2009).
Na sequência, passamos para o que denominamos como “princípios epistemoló-
gicos” da TASC. Segundo Moreira, mais importante do que aprender respostas é
aprender as perguntas (princípio 2). Infelizmente, praticamente todo o ensino contem-
porâneo ainda negligencia esse princípio. Apenas para dar um exemplo, um dos livros
mais usados para ensinar a Teoria Quântica abre sua apresentação postulando a famosa
Equação de Schrödinger e ensinando como a resolver (GRIFFTHS, 2005). Seguindo
a orientação de Moreira, tão importante quanto conhecer a Equação de Schrödinger
ou saber resolvê-la é entender quais perguntas Schrödinger queria responder quando
chegou à sua equação, quais caminhos ele seguiu, quais eram as suas dúvidas, angústias
e ponderações.
A história da ciência é justamente capaz de mostrar isso. Podemos resgatar o de-
bate original e, junto com os alunos, trilhar não somente as respostas, mas, sobretudo,
as perguntas que foram feitas para que o conhecimento pudesse ser estabelecido. Tais
perguntas, no contexto histórico, permitem trazer para o contexto pedagógico a refle-
xão sobre a importância do questionamento tanto quanto da resposta fomentando e
encorajando nos alunos uma postura autônoma, indagadora, reflexiva e crítica. No
exemplo que mencionamos, essas reflexões podem ser encontradas em diferentes tra-
balhos (KARAM, 2019; 2020). Outros exemplos de episódios que são resgatados no
contexto didático podem ser encontrados em Batista, Drummond e Freitas (2015),
Fonseca et al. (2017), Lima, Cavalcanti e Ostermann (2021), Oliveira (2011) e Silva
e Guerra (2015).
Quando apresentamos uma narrativa histórica, ou mesmo um texto histórico
original, entretanto, algo muito interessante acontece: percebemos que existe uma rede
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de proposições e significados muito mais ampla e complexa do que, usualmente, apa-
rece nos livros didáticos contemporâneos. Seguindo ainda o exemplo de Schrödinger,
em seu trabalho original, encontramos uma concepção totalmente distinta sobre a fun-
ção de onda do que é apresentado atualmente. Mais do que isso, percebemos que
Schrödinger divergia em diferentes pontos de seus antecessores, como de Broglie
(LIMA; KARAM, 2021), bem como foi contrariado pelos pesquisadores da Escola de
Copenhague, que, posteriormente, dariam origem à interpretação ortodoxa.
Alguém poderia se questionar se tal multiplicidade e complexidade de interpre-
tações seria prejudicial ao processo pedagógico. Entendemos que, a partir da TASC, a
resposta é definitivamente não. Ensinar tal pluralidade interna à ciência não só não é
prejudicial como é justamente o que deve ser feito caso queiramos promover uma
aprendizagem crítica. Como aponta Moreira, para o ensino que prepare para a con-
temporaneidade, precisamos ensinar que tudo que temos acesso são representações do
mundo e que cada um de nós é um preceptor a propositor de tais representações, a
partir de suas próprias estruturas e experiências (princípio 4). Ademais, as palavras (e,
acrescentamos nós, as equações), sempre permeiam toda tentativa de explicar o mundo
(princípio 5) e têm seu sentido apenas nas pessoas (princípio 6). O significado que
Schrödinger, por exemplo, atribuía à sua equação não é o mesmo que Born o fazia. O
significado não está na equação em si, mas nas redes conceituais que usamos para in-
terpretá-la. De acordo com a TAS, cada novo conceito só é significado a partir dos
conceitos prévios, e o significado dos conceitos prévios também se modificam com o
novo conceito. Isso é visível no processo histórico da ciência.
Não somente isso, mas ao se debruçar sobre a história da ciência, vemos que essa
evolui por uma constante superação de erros, para parafrasear Bachelard (1984). Isto
é, as apresentações científicas são tentativa de explicar os dados empíricos com os me-
lhores conhecimentos de uma época. Tais soluções, de uma forma geral, podem ser
sempre consideradas limitadas e provisórias. É a superação das visões que garante o
constante desenvolvimento da ciência. Apresentar os conceitos em seu desenvolvi-
mento histórico implica mostrar a superação dos erros, as correções e retificações,
envolve mergulhar em um mundo de incertezas e tentativas, em contraste ao mundo
de certezas absolutas da pedagogia tradicional (princípio 7). O erro, dessa forma, deve
ser entendido como parte fundamental da ciência e, na verdade, de qualquer constru-
ção de conhecimento.
Ao ver o erro como parte do processo de desenvolvimento, pode-se chamar aten-
ção do aluno para que ele valorize seus próprios erros e dificuldades, pois esses são
partes fundamentais do seu processo de desenvolvimento. Assim, diferentemente da
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pedagogia tradicional, em que o erro é visto como algum ruim, passível de punição, o
erro em uma perspectiva significativa crítica é saudado como parte fundamental do
processo, e a abordagem histórica nos ajuda a construir essa nova cultura.
Nesse processo de representação do mundo que a história nos permite analisar,
vemos que como toda representação há fatores que são privilegiados em favor de
outros que são, naquele contexto, apagados. Quais fatores Einstein precisou desconsi-
derar para propor o conceito de quantum? O que Schrödinger precisou desconsiderar
para chegar na sua Equação de Onda? O que Bohr não levou em consideração ao pro-
por seus postulados quânticos? Essas perguntas só podem ser respondidas com uma
abordagem histórica, e sua discussão em sala de aula nos permite perceber que o co-
nhecimento, enquanto representação do mundo, sempre exige escolhas sobre aquilo
que pretendemos descrever e aquilo que precisamos ignorar (princípio 8).
Ainda, nesse processo, para além do método indutivista e dedutivo que fazem
parte da ciência, encontramos diversos exemplos, em que o pensamento criativo, o uso
de metáforas e analogias, bem como as perguntas corretas, propiciaram profundos
avanços na forma de representar o mundo (princípio 9). Alguns exemplos disso podem
ser encontrados em (SIMPSON, 2010; 2019). Ao trazer tais reflexões para a sala de
aula, permitimos que o aluno desenvolva uma concepção mais ampla sobre o desenvol-
vimento científico, apropriando-se ele mesmo de diferentes formas de produção de
conhecimento. Ao trazer episódios históricos que enfatizam o papel das diferentes for-
mas de mediação semiótica no fazer científico, pode-se explorar na sala de aula como
os diferentes tipos de recursos (sejam eles discursivos, matemáticos ou simbólicos de
uma forma geral), podem ser mobilizados pelo aluno em sua tentativa de compreender
o mundo. Nesse tipo de abordagem, as perguntas, metáforas, analogias, e diferentes
formas de representação passam a ser ferramentas de expressão e crítica sobre a realidade
em que vivemos.
Por fim, podemos reconhecer o potencial da abordagem de história da ciência
em termos metodológicos. Primeiramente, o livro didático infelizmente ainda de-
sempenha um papel central no ensino de ciências. Ter apenas um tipo de material
educativo, por si só, já é um problema epistemológico e pedagógico. Como reforçado
pela TASC, a linguagem desempenha um papel fundamental na representação do
mundo. Portanto, faz parte do processo educativo viabilizar que os alunos entrem em
contato com diferentes tipos textuais e gêneros discursivos. Nesse sentido, é importante
que o aluno seja exposto a textos didáticos, textos históricos, artigos científicos, cartas,
fontes primárias, fontes secundárias, textos verbais, não verbais, etc. Além do problema
intrínseco de adotar apenas um tipo de texto em sala de aula, notoriamente, os nossos
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textos didáticos estão longes de oferecer um ensino potencialmente significativo e crí-
tico, como podemos encontrar em diferentes pesquisas (CHAIB; ASSIS, 2007;
MARTINS, 2006). A abordagem histórica dessa forma nos convida para, além do uso
do livro didático, trazer novas narrativas didáticas, textos de historiadores ou mesmas
fontes primárias (artigos, diários, livros, cartas, etc.).
Além da diversificação dos materiais didáticos, a abordagem histórica nos per-
mite modificar as estratégias didáticas adotadas em aula (princípio 10), permitindo,
por exemplo, que se promova trabalhos colaborativos, aprendizado por investigação,
simulação de experimentos históricos, debates, entre outros. Ao trazer tais metodolo-
gias, permite-se também que o próprio conceito de avaliação se afaste da concepção
reprodutivista das provas tradicionais, isto é, da concepção da avaliação como um mo-
mento em que o aluno deve reproduzir a narrativa do professor. A abordagem histórica
nos convida a pensar em atividades que os alunos precisam traçar suas próprias reflexões
e se expressar sobre os textos lidos e debatidos. Assim, ela demanda a produção e criação
ativa de textos, discursos e representações do mundo (princípio 11). Com isso, o aluno
sai de um posicionamento passivo diante do mundo e do conhecimento e exercita sua
autonomia epistêmica.
Enfim, conforme mostramos na seção anterior, existe um abismo entre o ensino
mecânico, que insiste, muitas vezes, em ser a tônica da sala de aula e o ensino signifi-
cativo crítico. Muito além de uma diferença metodológica ou prática, a TASC
apresenta uma diferente visão de mundo, subsidiada por uma concepção epistemoló-
gica específica, que enseja uma nova postura didática. Ao longo dessa seção, mostramos
que a abordagem da história da ciência na aula de ciências tem potencial para fomentar
cada um dos 11 princípios preconizados por Moreira (2010), contribuindo para a pro-
moção de uma aprendizagem significativa crítica. Deve-se ter consciência, entretanto,
que a mera adoção de uma abordagem histórica não garante a aprendizagem significa-
tiva crítica. Isto é, é possível trazer uma abordagem histórica que ainda se alinhe ou
mesmo reforce a aprendizagem meramente mecânica. Ainda que, dentro da teoria au-
subeliana, não haja nenhum problema em si em desenvolver uma aprendizagem
mecânica, o problema residiria em apenas limitar-se a esse tipo de aprendizagem.
Para que a abordagem histórica no ensino de ciências seja, de fato, promotor de
uma aprendizagem significativa crítica, às abordagens pedagógicas devem ser cuidado-
samente organizadas pelo docente de forma a se alinharem com propostas consistentes
pedagogicamente e que tragam metodologias alinhadas com tal perspectiva, como é
feito na proposta da TASC. Caso contrário, teremos apenas um ensino histórico me-
cânico. Na próxima seção, traçamos algumas reflexões sobre que cuidados
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metodológicos devem ser tomados para garantir a adequação da abordagem didática
com os princípios da TASC.
4. Possibilidades Metodológicas
Primeiramente, deve-se fazer uma ponderação sobre o tipo de material que pode
ser utilizado na sala de aula. De uma forma geral, temos três opções: primeiramente,
pode-se trabalhar diretamente com as chamadas fontes históricas primárias (os artigos,
cartas, livros, diários, originais); em segundo lugar, pode-se trabalhar com textos histó-
ricos secundários (narrativas de pesquisadores sobre as obras primárias); por fim, pode-
se adotar narrativas históricas especialmente criadas para o contexto pedagógico. En-
quanto a terceira categoria abarca textos já pensados para a atividade pedagógica, as
duas primeiras usualmente trazem textos escritos para especialistas e, portanto, deman-
dam cuidados maiores, que serão discutidos na próxima seção.
Em termos de possibilidade metodológica, também podemos pensar em duas
categorias (valendo-se dos conceitos propostos na TASC): atividades centradas na nar-
rativa e atividades que abandonam o privilégio da narrativa. As atividades centradas na
narrativa são aquelas que sustentam o predomínio da aula expositiva. Por exemplo, um
professor, ao falar sobre determinado assunto, pode trazer elementos históricos, ou
pode organizar sua fala a partir de elementos históricos. Embora essa abordagem possa
ter potencialidades, como contribuir para formação de organizadores prévios e para a
motivação dos alunos, apresentando fatos interessantes, ainda assim, ela apresenta li-
mitações pedagógicas como discutido pela TASC, uma vez que não coloca o aluno no
centro da atividade didática, favorecendo uma postura passiva diante do conhecimento.
A segunda categoria engloba as abordagens que abandonam a centralidade da
narrativa, sendo essas preferíveis, no contexto da TASC, em relação à primeira.
diversas formas em que a abordagem histórica pode ser trazida em um viés de abandono
da centralidade da narrativa. Pode-se apresentar textos históricos (das três categorias
anteriormente apresentadas) juntamente com um roteiro de estudos, por exemplo. Tal
roteiro pode ser estruturado de forma que as primeiras questões sejam mais objetivas
(para auxiliar os alunos a se familiarizar com o texto) e, ao longo do roteiro, as questões
podem ficar mais complexas e críticas. Lima, Cavalcanti e Ostermann (2021), exem-
plificam um conjunto de questões sobre textos primários pode contribuir ser usado no
contexto didático.
Outra alternativa interessante envolve o uso de simulações de experimentos his-
tóricos. Nesse caso, pode-se apresentar o contexto histórico do experimento e viabilizar
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que os alunos explorem simulações, associando as potencialidades da abordagem his-
tórica com ensino por investigação. Trabalhos como os de Santos, Voelzke e Araujo
(2012), Costa e Lourdes (2020) e Giacomelli e Rosa (2021), são exemplos do uso de
experimentos históricos como recurso estratégico.
Outra possibilidade é permitir que os alunos explorem textos primários, ten-
tando investigar os trabalhos em uma perspectiva de investigação histórica. Essa
proposta foi, por exemplo, adotada no curso de História da Mecânica Quântica da
Universidade de Copenhague, Dinamarca, oferecida pelos professores Ricardo Karam
e Christian Joas, em que, em uma das atividades, os alunos precisavam se debruçar
sobre cópias do manuscrito original de Niels Bohr, que daria origem, posteriormente,
ao artigo em que apresenta seu modelo atômico. Imagens do manuscrito nessa aula são
apresentadas na Figura 1.
Figura 1. Manuscrito original do Niels Bohr, entregue para investigação no curso
de História da Mecânica Quântica da Universidade de Copenhague, oferecido em
2020. Na esquerda, vê-se a cópia do manuscrito. Na direita, projeção do
manuscrito para discussão na turma.
Outras possibilidades ainda podem englobar o uso de narrativas na sala de aula,
uso de obras de arte, representações teatrais, jogos, entre outras estratégias. Existem
muitas formas diferentes de se trazer a abordagem histórica para sala de aula. Não te-
mos, aqui, a pretensão de exaurir o tema. Gostaríamos, entretanto, de ressaltar que
essas abordagens podem e devem ser exploradas à luz dos princípios da TASC, de forma
que, de fato, fomente a aprendizagem significativa crítica.
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4.1. Alguns cuidados pedagógicos
Conforme temos ressaltado, a abordagem da história da ciência tem o potencial
de contribuir para uma aprendizagem significativa crítica. Entretanto, não é qualquer
abordagem e qualquer concepção histórica que promove tal caminho pedagógico.
Nesta seção, elencamos cinco precauções ou cuidados que podem ser tomados para
garantir que a atividade desenvolvida seja potencialmente significativa e crítica.
I) A abordagem deve ser consistente com os 11 princípios
Um primeiro cuidado que o docente pode tomar é verificar em que medida sua
proposição didática se aproxima ou se afasta dos 11 princípios da TASC. Isso pode ser
feito se questionando: “essa abordagem parte do conhecimento dos alunos?”, “ela se
vale de diferentes materiais educativos?”, “ela rompe com o privilégio da narrativa?”, e
assim por diante. Esse processo de questionamento e reflexão garante que a atividade
seja desenhada de forma a potencializar a aprendizagem significativa crítica. Talvez,
nem todas as atividades consigam se aproximar dos 11 princípios. Nesse caso, o pro-
fessor deve ter consciência de quais objetivos pretende alcançar com a atividade
proposta.
II) A abordagem deve tratar de conceitos adequados para o nível de formação e
para o contexto concreto
Esse cuidado, de certa forma, se refere já ao primeiro princípio proposto por
Moreira (2010). Entretanto, resolvemos ressaltá-lo em um tópico específico para enfa-
tizar que a abordagem didática deve ser cuidadosamente preparada de acordo com o
contexto concreto em que o professor se encontra. Isso significa que é necessário que o
professor conheça a turma, saiba seus interesses e conhecimentos para investir em uma
atividade que gere engajamento e que esteja de acordo com a formação dos estudantes.
Por isso, embora seja importante termos exemplos de atividades e materiais instrucio-
nais criados por outros professores e pesquisadores, cada docente deve ser responsável
pela criação e adequação dos materiais/atividades para suas aulas. Nesse contexto, pode-
se perceber a importância de iniciativas que integrem a universidade à escola, seja por
programas de pós-graduação profissional ou mesmo por projetos de extensão em que
os professores da educação básica são participantes como pesquisadores e protagonistas
no processo de construção didática.
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III) As obras históricas devem ser selecionadas cuidadosamente para atingir o
objetivo pedagógico determinado
Especificando um pouco mais o que foi discutido no item II, mencionamos a
importância de ter consciência de que nem todo texto ou episódio histórico é propício
para o contexto pedagógico. Há trabalhos cuja concepção, linguagem ou notação são
diferentes do que trabalhamos hoje e que, eventualmente, não trazem tanto insight
sobre o conhecimento científico tal qual o conhecemos hoje. Nesse sentido, a apresen-
tação histórica exige do professor um trabalho de pesquisa contínuo, que permita
identificar obras (ou trechos) que tenham potencialidade didática, isto é, que ajudem
os alunos a entenderem a evolução do conhecimento científico. Karam (2021) traz uma
discussão sobre a seleção de fontes históricas para uso em sala de aula e mostra que é
importante ter consciência de qual o objetivo que se pretende alcançar com o uso do
texto histórico.
IV) A abordagem deve ter uma visão historiográfica e epistemológica consistente
Da mesma forma que não é qualquer fonte histórica e qualquer abordagem me-
todológica que contribuem para uma aprendizagem significativa crítica, não é qualquer
abordagem histórica que também contribui nesse sentido. Conforme Moreira (2010)
aponta, o ensino crítico deve se opor a noção de verdades absolutas, de uma certeza
bem definida e de mostrar um avanço linear do conhecimento e da sociedade. Ao con-
trário, ele deve evidenciar que a ciência evolui a partir de movimentos permeados de
avanços e retrocessos, idas e vindas. Sabe-se que a chamada “história positivista”
(FOUCAULT, 2018) é justamente aquela que narra a acumulação linear de conheci-
mento como uma sobreposição de verdades descobertas. Essa perspectiva
historiográfica, portanto, não serve ao objetivo de uma aprendizagem significativa crí-
tica, aproximando-se inclusive do quer alguns denominam como pseudo-histórica
(ALLCHIN, 2004). É importante, nesse sentido, que a historiografia dialogue explici-
tamente com possíveis visões de natureza da ciência.
No geral, podemos entender que há três grandes grupos de vertentes historiográ-
ficas, as quais podem ser exploradas no contexto pedagógicas: as tendências que
privilegiam aspectos epistêmicos; tendências que privilegiam os aspectos sociológicos a
partir de uma perspectiva estruturalista; e as perspectivas pós-estruturalistas (LIMA,
2021). Todas elas têm potencialidades pedagógicas, dependendo do objetivo didático.
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Em especial, pensando em um ensino crítico, as duas vertentes têm potencial de pro-
mover reflexões sobre a relação entre ciência e sociedade (GUERRA, 2021; MOURA,
2021).
V) Os conceitos devem ser atualizados
Por fim, deve-se ter o cuidado de identificar como o conceito apresentado em
uma abordagem histórica evoluiu ao longo do tempo e de que forma ele está estabili-
zado no conhecimento contemporâneo. Por exemplo, o quantum de Einstein apresenta
propriedades corpusculares semi-clássicas, o que é muito diferente da concepção de
fóton estabilizada na década de 80 com os estudos de Alan Aspect (GREENSTEIN;
ZAJONE, 2006). Se o professor não faz essa atualização na sala de aula, corre-se o risco
de que a abordagem histórica prenda os alunos em visões já abandonadas na prática
científica. Por isso, é importante que o docente tenha domínio do conceito e se man-
tenha atualizado.
5. Considerações finais
O mundo contemporâneo tem se transformado de forma acelerada. Tais mu-
danças têm apresentado desafios e dilemas que nos demandam um posicionamento
crítico diante da realidade natural e social e, sobretudo, uma ação engajada e cientifi-
camente informada para tomadas de decisão. A pandemia de COVID-19, o fenômeno
das fake news em eleições de diferentes países, e o avanço do aquecimento global antro-
pogênico são apenas alguns exemplos em que esse posicionamento e ação política,
cientificamente informada, são necessários. Ser um cidadão cosmopolítico, para pegar
emprestado o conceito de Stengers, não é uma questão de mero apreço intelectual, mas
de necessidade se quisermos construir um mundo habitável e justo.
Isso significa, sobretudo, que não podemos mais ter uma educação somente me-
cânica e reprodutivista, que ensine verdades absolutas, baseadas em certezas
inquestionáveis, em que os alunos são colocados na posição de receptores passivos do
conhecimento. É necessário, primeiramente, que esses alunos se percebam como sujei-
tos construtores do conhecimento e do mundo, que ousem fazer as perguntas e se
engajar nos caminhos que levam às melhores respostas, ainda que isso signifique passar
pelo erro, pela dúvida e pela incerteza. É necessário que esses alunos se engajem ativa-
mente em seu processo de construção do conhecimento, afetando-se pelo mundo e
afetando-o também. Somente assim, eles poderão produzir o que Ausubel denominou
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de “aprendizagem significativa”. Entretanto, como aponta Moreira (2010), somente
ela não é suficiente para dar conta dos dilemas do mundo contemporâneo. É preciso
que essa aprendizagem seja significativa e crítica ao mesmo tempo. Isto é, é fundamen-
tal que nesse processo pedagógico o aluno também desenvolva um senso de
distanciamento antropológico, de forma que, mesmo pertencendo à sua cultura, con-
siga se afastar dela, percebendo as injustiças, os erros e problemas que devem ser
superados. Com uma aprendizagem significativa crítica, a educação terá condições de
dialogar de forma concreta com os dilemas do mundo atual.
Neste trabalho, trouxemos uma reflexão sobre como a abordagem histórica pode
contribuir para a promoção de uma aprendizagem significativa crítica. Argumentamos
que tal abordagem pode contribuir tanto para um melhor entendimento dos conceitos
científicos (viabilizando a aprendizagem significativa), bem como para uma melhor
compreensão da natureza da ciência e sua relação com a sociedade (fomentando o pen-
samento crítico).
Dessa forma, podemos entender que, à luz da TASC, as principais objeções a
abordagem histórica não se sustentam. Com relação à primeira objeção (a abordagem
histórica torna o tema mais complexo/difícil), entendemos que, quando bem prepa-
rada, a abordagem histórica leva em conta os subsunçores dos alunos, ou ela mesma
funciona como organizador prévio, facilitando a aprendizagem. Com relação à segunda
objeção (os conceitos científicos evoluem ao longo do tempo; assim, a abordagem his-
tórica ensina os conceitos errados para depois ensinar os corretos), entendemos que o
significado de um conceito nunca é absoluto e universal, mas sempre plural e presente
nos diferentes textos. Todo conceito só ganha sentido em uma rede discursiva e, assim,
é uma ilusão pensar que podemos ensinar um conceito como algo absoluto e universal.
A partir de uma abordagem histórica, o aluno aprende a conectar um conceito a outros
conceitos físicos, atribuindo diferentes significados a ele. Assim, o aluno que tem con-
tato com a abordagem histórica, aprende a significar o conceito de forma mais rica e
ampla.
Com relação à terceira objeção (trazendo a abordagem histórica na aula, sobrará
menos tempo para discutir a “ciência”), novamente, relembramos que só há aprendi-
zagem significativa quando os alunos conectam novos conhecimentos aos
conhecimentos prévios; assim, ao trazer a abordagem histórica como organizador pré-
vio, não se perde tempo; mas se ganha tempo em direção a uma aprendizagem
significativa. Com relação à quarta objeção (a história da ciência é até útil se eu quiser
um ensino sobre natureza da ciência, ou um ensino politizado; mas, se o objetivo é
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ensinar conceitos ou técnicas, então a história é apenas anedótica e desnecessária), no-
vamente o uso da abordagem histórica viabiliza um aprendizado significativo, mesmo
quando os objetivos são técnicos, na medida em que permite que os alunos ancorem
novos conhecimentos em conhecimentos prévios.
Com relação à quinta objeção (ao trazer a abordagem histórica, perde-se tempo
com aspectos não-científicos), deve-se ter sempre a consciência que a abordagem his-
tórica a ser adotada depende do objetivo pedagógico do professor aulas mais
direcionadas a objetivos técnicos podem se valer de abordagens históricas internalistas,
enquanto perspectivas que buscam desenvolvem o pensamento crítico, podem trazem
elementos de novas historiografias, como a história cultural da ciência. Por fim, com
relação à última objeção (a abordagem histórica, ao trazer aspectos sociais, pode con-
duzir ao relativismo), ressaltamos que a abordagem crítica, proposta por Moreira
(2010), aponta justamente na direção oposta. É, ao entender a ciência em sua relação
com a sociedade, que um cidadão consegue se posicionar criticamente diante do cená-
rio atual e reconhecer o valor da ciência na resolução dos problemas contemporâneos.
Assim, por meio de uma abordagem histórica sociológica, é possível fortalecer e valori-
zar o empreendimento científico de forma madura e crítica.
Ao longo deste trabalho, apresentamos algumas reflexões sobre a abordagem his-
tórica à luz da TASC. Esperamos, com isso, fomentar as discussões sobre os objetivos
da educação científica contemporânea, tendo em vista o cenário sociopolítico em que
nos encontramos, e as reflexões sobre como a abordagem histórica pode contribuir na
formação de uma educação significativa e crítica, capaz de promover um mundo viável,
orientada pela busca da preservação ambiental e da promoção da justiça social.
Notas
1
Cosmopolítico é um termo usado pela filósofa belga Isabelle Stengers (2018) e pelo filósofo francês
Bruno Latour (2004) para designar o processo de articulação do “mundo comum”, isto é, da realidade
comum, compartilhada por diferentes coletivos. Esse processo é “político” na medida em que se refere
ao espaço socializado (e não privado), mas envolve também o “cosmos”, visto que atores não-humanos
(como vírus, a cama de ozônio, os gases estufa) fazem parte desse processo.
2
Instrumentalizar, nesse trecho, está sendo usado no sentido de que o pensamento humano não é apar-
tado dos meios semióticos necessários para expressá-lo (WERTSCH, 1993). Assim, só conseguimos
falar do mundo na medida que temos os constructos necessários para essa expressão.
3
Visão em que conhecimentos não-científicos seriam equipolentes a conhecimentos científicos. Em ou-
tras palavras, não seria possível estabelecer critérios de demarcação precisos entre o campo científico e
o não científico. Ver, por exemplo, Chalmers (1993).
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4
No início desse trabalho, trouxemos a concepção de cosmopolítica, utilizados pelos filósofos Bruno
Latour e Isabelle Stengers, os quais também participam da denominada virada ontológica da Antropo-
logia. Assim, reconhecendo a importância do distanciamento antropológico no pensamento de
Moreira, ressalta-se outras produções do autor sobre contribuições do pensamento de Latour e Stengers
para a educação em ciências (MASSONI; MOREIRA, 2015; 2017).
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v. 29, n. 2, Passo Fundo, p. 511-534, maio/ago. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Um possível percurso formativo visando a promão da
Aprendizagem Significativa de Física no Ensino Médio
A possible training path aimed at promoting Meaningful Learning in
Physics in High School
Una posible ruta formativa orientada a promover el Aprendizaje
Significativo en Física en el Bachillerato
Angelisa Benetti Clebsch
*
Adriana Marin
**
José de Pinho Alves Filho
***
Resumo
As políticas públicas recentes relacionadas ao Ensino Médio, definiram uma base nacional comum
curricular como referência para a elaboração dos currículos bem como uma nova estrutura para este
nível de ensino que deve ser organizado em Formação Geral Básica e Itinerários Formativos. Apre-
senta-se um olhar crítico a estas políticas e discute-se sobre a necessidade da promoção da
aprendizagem significativa de conceitos de Física, como alternativa necessária à aprendizagem mecâ-
nica. O problema de pesquisa que motivou os autores foi: como obter um percurso formativo de
Física para o Ensino Médio com vistas à aprendizagem significativa de conceitos físicos? O objetivo
deste artigo é apresentar indicativos para o desenvolvimento de percursos formativos para o ensino
de Física no Ensino Médio, de forma a contribuir com a implementação do currículo oficial no
âmbito das escolas e da sala de aula. Trata-se de uma pesquisa documental com análise qualitativa e
teórica utilizando como ferramenta mapas conceituais e como base teórica a teoria da aprendizagem
significativa. Como resultado, apresenta-se uma proposição teórica de uma perspectiva possível para
o percurso formativo para a Física do Ensino Médio.
Palavras-chave: aprendizagem significativa; ensino de física; Ensino Médio; currículo.
Recebido em: 31.10.2021Aprovado em: 24.02.2022
https://doi.org/10.5335/rep.v29i2.13110
ISSN on-line: 2238-0302
*
Doutora em Educação Científica e Tecnológica pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e mestra em Ensino de
Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Docente do Instituto Federal Catarinense (IFC) campus
Rio do Sul. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6622-4371. E-mail: angelisa.clebsch@ifc.edu.br.
**
Mestra em Física pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Docente do Instituto Federal Catarinense (IFC)
campus Rio do Sul. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5652-3770. E-mail: adriana.marin@ifc.edu.br.
***
Doutor em Educação: Ensino de Ciências Naturais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com pós-
doutoramento na Universidade de Aveiro/Portugal. Professor voluntário (docente permanente) no Programa de Pós-
Graduação em Educação Científica e Tecnológica da UFSC. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6407-4418. E-mail:
jopinhofilho@gmail.com.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Angelisa Benetti Clebsch, Adriana Marin, José de Pinho Alves Filho
512
v. 29, n. 2, Passo Fundo, p. 511-534, maio/ago. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Abstract
Recent public policies related to Secondary Education have defined a common national curriculum
base as a reference for the development of curricula, as well as a new structure for this level of edu-
cation, which should be organized in General Basic Education and Training Itineraries. It presents
a critical look at these policies and discusses the need to promote meaningful learning of physics
concepts, as a necessary alternative to mechanical learning. The research problem that motivated the
authors was: how to obtain a training course in Physics for High School with a view to meaningful
learning of physical concepts? The objective of this article is to present indications for the develop-
ment of formative paths for the teaching of Physics in High School, in order to contribute to the
implementation of the official curriculum in the context of schools and the classroom. This is a
documentary research with qualitative and theoretical analysis using conceptual maps as a tool and
the theory of meaningful learning as a theoretical basis. As a result, a theoretical proposition of a
possible perspective for the formative path for High School Physics is presented.
Keywords: meaningful learning; Physics education; high school; curriculum.
Resumen
Las recientes políticas públicas relacionadas con la Educación Secundaria definieron una base curri-
cular nacional común como referencia para el desarrollo de los planes de estudio, así como una nueva
estructura para este nivel educativo, que debe organizarse en Itinerarios de Educación Básica General
y Formación. Presenta una mirada crítica a estas políticas y discute la necesidad de promover el
aprendizaje significativo de conceptos de física, como una alternativa necesaria al aprendizaje mecá-
nico. El problema de investigación que motivó a los autores fue: ¿cómo obtener un curso de
formación en Física para el Bachillerato con miras al aprendizaje significativo de los conceptos físicos?
El objetivo de este artículo es presentar indicaciones para el desarrollo de caminos formativos para la
enseñanza de la Física en el Bachillerato, con el fin de contribuir a la implementación del currículo
oficial en el contexto de las escuelas y el aula. Se trata de una investigación documental con análisis
cualitativo y teórico utilizando mapas conceptuales como herramienta y la teoría del aprendizaje
significativo como base teórica. Como resultado, se presenta una propuesta teórica de una posible
perspectiva para el camino formativo de la Física de Educación Secundaria.
Palabras clave: aprendizaje significativo; educación física; escuela secundaria; plan de estudios.
Introdução
A Educação Básica está passando por mudanças determinadas por políticas pú-
blicas recentes. Algumas delas são consequência do Plano Nacional de Educação PNE
(BRASIL, 2014) como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Ensino
Fundamental (EF) e Ensino Médio (EM).
A BNCC foi instituída em 2017, por meio da Resolução n. 2 de 2017 (BRASIL,
2017a), devendo ser respeitada obrigatoriamente nas etapas e modalidades da Educação
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Um possível percurso formativo visando a promoção da Aprendizagem Significativa de Física no Ensino Médio
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v. 29, n. 2, Passo Fundo, p. 511-534, maio/ago. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Básica. No documento são definidas 10 competências gerais para a Educação Básica e
as competências específicas para cada área do conhecimento do EF: Linguagens, Ma-
temática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Ensino Religioso. As áreas do
conhecimento e respectivas competências para o EM foram estabelecidas na Resolução
n. 4 de 2018 (BRASIL, 2018c). Observa-se que há uma mudança na denominação das
áreas do conhecimento do EM: Linguagens e suas tecnologias, Matemática e suas tec-
nologias, Ciências da Natureza e suas tecnologias e Ciências Humanas e Sociais
aplicadas.
Para a área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias, foco deste trabalho, são
definidas três competências a serem desenvolvidas no EM:
a) Analisar fenômenos naturais e processos tecnológicos, com base nas interações e relações entre
matéria e energia, para propor ações individuais e coletivas que aperfeiçoem processos produtivos,
minimizem impactos socioambientais e melhorem as condições de vida em âmbito local, regional
e global. b) Analisar e utilizar interpretações sobre a dinâmica da Vida, da Terra e do Cosmos
para elaborar argumentos, realizar previsões sobre o funcionamento e a evolução dos seres vivos
e do Universo, e fundamentar e defender decisões éticas e responsáveis. c) Investigar situações-
problema e avaliar aplicações do conhecimento científico e tecnológico e suas implicações no
mundo, utilizando procedimentos e linguagens próprios das Ciências da Natureza, para propor
soluções que considerem demandas locais, regionais, nacionais e/ou globais, e comunicar suas
descobertas e conclusões a públicos variados, em diversos contextos e por meio de diferentes
mídias e tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) (BRASIL, 2018c, p. 8).
Observa-se que nas duas primeiras há presença de temas próprios dos três com-
ponentes curriculares da área: Biologia, Física e Química. Já a terceira é mais genérica
e foca na investigação científica, permitindo a definição de temáticas pertinentes ao
contexto de cada sistema de ensino ou escola.
Além da BNCC, uma nova arquitetura para o Ensino Médio foi determinada
pela Lei do Novo Ensino Médio (BRASIL, 2017b) e pela Resolução n. 3 de 2018
(BRASIL, 2018b) que alterou as Diretrizes Curriculares Nacionais para o EM. Pelos
documentos, o EM deve ser organizado em Formação Geral Básica (FGB) e Itinerários
Formativos (IF) (BRASIL, 2017b; BRASIL, 2018b), sendo permitido aos sistemas de
ensino a elaboração de diferentes desenhos curriculares.
Observa-se nos documentos que a FGB traz uma preocupante redução na carga
horária comum que fica limitada ao máximo de 1800 h. Ao mesmo tempo garante aos
estudantes brasileiros uma formação comum que abrange todas as áreas do conheci-
mento e não desconsidera os componentes curriculares (disciplinas). Conforme artigo
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Angelisa Benetti Clebsch, Adriana Marin, José de Pinho Alves Filho
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v. 29, n. 2, Passo Fundo, p. 511-534, maio/ago. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
11 das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio, todas as disciplinas tradi-
cionais estão garantidas, mas não em todos os anos do EM: “A critério dos sistemas de
ensino, a formação geral básica pode ser contemplada em todos ou em parte dos anos
do curso do ensino médio, com exceção dos estudos de língua portuguesa e da mate-
mática que devem ser incluídos em todos os anos escolares” (BRASIL, 2018b, p. 6).
A organização por área do conhecimento proposta nas atuais diretrizes do EM
visa fortalecer as relações entre os componentes das áreas e instiga o planejamento in-
terdisciplinar. São sugeridas estratégias de ensino-aprendizagem “que rompam com o
trabalho isolado apenas em disciplinas” (BRASIL, 2018b, p. 6).
Neste sentido, é preciso ficar atento à implementação do EM nos estados e esco-
las de modo a garantir na FGB a presença dos conhecimentos de Biologia, Física e
Química considerados essenciais à cultura contemporânea.
Já os IF têm o propósito de dar flexibilidade ao currículo permitindo aos sistemas
de ensino organizações próprias. É definido para os IF o aprofundamento em uma das
áreas do conhecimento ou formação técnica e profissional em sintonia com os interesses
dos estudantes e permitindo o protagonismo juvenil. As possibilidades de escolha por
parte dos estudantes nos IF e o “protagonismo juvenil” ficam limitados ao que a escola
oferece.
Para dar consequência às resoluções, foi publicado pelo Conselho Nacional de
Educação a BNCC (BRASIL, 2018a), documento normativo contendo as áreas, com-
petências e habilidades para todas as etapas da Educação Básica: Educação Infantil,
Ensino Fundamental e Ensino Médio. No caso do Ensino Médio, a última versão da
BNCC traz as competências e habilidades por área do conhecimento e não por com-
ponente curricular, no entanto não desconsidera e nem extingue os componentes
curriculares. A BNCC é apresentada como referência obrigatória para a FGB e também
orienta com relação ao aprofundamento das áreas do conhecimento ou formação téc-
nica para os IF.
Para itinerários formativos na área de Ciências da Natureza e suas tecnologias é
sugerido o aprofundamento:
[...] de conhecimentos estruturantes para aplicação de diferentes conceitos em contextos sociais
e de trabalho, organizando arranjos curriculares que permitam estudos em astronomia, metrolo-
gia, física geral, clássica, molecular, quântica e mecânica, instrumentação, ótica, acústica, química
dos produtos naturais, análise de fenômenos físicos e químicos, meteorologia e climatologia, mi-
crobiologia, imunologia e parasitologia, ecologia, nutrição, zoologia, dentre outros, considerando
o contexto local e as possibilidades de oferta pelos sistemas de ensino (BRASIL, 2018a, p. 477).
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Um possível percurso formativo visando a promoção da Aprendizagem Significativa de Física no Ensino Médio
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Ao observar a BNCC percebem-se rupturas/diferenças entre o Ensino Funda-
mental e o Ensino Médio. No caso do Ensino Fundamental são apresentados na BNCC
os componentes da área, competências, unidades temáticas, habilidades, objetos do co-
nhecimento por ano do EF. Na BNCC do EM são expostas competências e habilidades
por área do conhecimento sem seriação, componentes curriculares e objetos do conhe-
cimento. Não deveria ser o contrário? Aprofundar o conhecimento das áreas e delimitar
objetos de conhecimento por componente curricular deveria ser reservado ao Ensino
Médio. Como está, a BNCC pode induzir a reducionismos no Ensino Médio e a su-
perficialidade dos conhecimentos. Por outro lado, a liberdade com relação ao currículo
planejado e em ação (SACRISTÁN, 1998) no EM é muito maior. É um cenário que
possibilita aos professores de Ciências da Natureza (Biologia, Física e Química) ampliar
o campo de atuação no EF que distribui objetos de conhecimento dos três campos em
todos os anos deste nível.
Já no EM organizado por áreas do conhecimento abre-se aos professores a possi-
bilidade de repensar o Ensino de Ciências da Natureza de forma a buscar integração
entre os componentes curriculares, mas de modo a garantir os aprofundamentos espe-
cíficos de cada um deles.
As resoluções citadas e a BNCC determinam um currículo prescrito, que é o cur-
rículo oficial para a Educação Básica definido por leis, decretos e resoluções. Clebsch
(2018) ressignificados os patamares do currículo definidos por Sacristán (1998) para
compreender como o currículo oficial se materializa na sala de aula, e como suas dife-
rentes representações se relacionam. Definimos como currículo institucional aquele
elaborado pelas escolas no Projeto Político Pedagógico. A implementação do currículo
oficial e institucional começa com o currículo planejado nos programas ou planos de
ensino de cada disciplina, e se concretiza através do currículo em ação, no âmbito da
sala de aula.
Os diferentes documentos ora mencionados apresentam mudanças significativas
no currículo oficial, que precisam ser compreendidas e tomadas como referência (no
sentido de parâmetro, sugestão, orientação) e não como norma que deve ser seguida
literalmente. Consideramos a necessidade de considerar nos currículos institucional,
planejado e em ação os diferentes contextos que não são figurados e nem tem como ser
abarcados em um currículo único para um país de dimensões continentais como o
Brasil.
Tais políticas são objeto de estudo e críticas. A nota técnica de Barroso (2021),
por exemplo, faz uma análise de possíveis impactos no Ensino Médio: “[...] há diversas
formas de implementação dessa proposta, com resultados completamente diferentes.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Angelisa Benetti Clebsch, Adriana Marin, José de Pinho Alves Filho
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Em especial, essas diferenças podem induzir um mecanismo de ampliação de desi-
gualdades educacionais” (BARROSO, 2021, p. 14, grifo nosso).
Em especial, a organização dos currículos dos estados pode incluir nos itinerários
formativos objetos de conhecimento e temas diversos que não trazem o aprofunda-
mento dos componentes curriculares das áreas do conhecimento necessários a este nível
de ensino e que são primordiais para os avanços científicos e tecnológicos. No caso das
escolas privadas, nossa hipótese é que o aprofundamento das áreas nos itinerários for-
mativos poderá acontecer pelo incremento do número de aulas nas disciplinas. No
entanto, ainda não temos dados suficientes para analisar como se dará a implementação
do novo ensino médio nas escolas sejam elas públicas ou privadas.
Como desdobramentos das políticas nacionais, os estados tiveram que definir
novos currículos que em geral foram elaborados com a presença de professores da edu-
cação básica, consultores, coordenadores e redatores. Inicialmente do Ensino
Fundamental e, em 2021, os currículos para o Ensino Médio. É no contexto da elabo-
ração do currículo estadual que este trabalho se insere.
Quando foi proposta a uma das autoras a participação na elaboração do currículo
estadual do EM, como consultora na área de Física, buscou-se identificar quais os con-
ceitos essenciais da Física e possíveis interações entre eles, de modo a garantir a sua
presença no currículo do estado. A partir do conhecimento da área e anos de atuação
na docência na educação básica e na Licenciatura em Física, houve uma discussão com
a segunda autora para pensar sobre o que seria essencial. Como resultado as autoras
elaboraram de forma conjunta um mapa conceitual e um texto que serviu como suporte
para a consultora na participação na elaboração do currículo estadual.
Nosso objetivo neste artigo é apresentar indicativos para o desenvolvimento de
percursos formativos para o ensino de Física do EM, de forma a contribuir com a ela-
boração do currículo institucional e planejado. Apresenta-se ainda uma perspectiva
possível para o percurso formativo de Física do EM, como um exemplo, que destaca
na visão atual dos autores, conceitos essenciais da Física do Ensino Médio.
O problema que serviu de mote para sua elaboração foi: Como obter um per-
curso formativo de Física para o Ensino Médio com vistas à aprendizagem significativa
de conceitos físicos?
Segundo Moreira (2021) os estudantes não aprendem conceitos físicos significa-
tivamente, o que é algo que precisa ser revisto. Eles memorizam de forma mecânica
“fórmulas, definições, respostas certas, para serem reproduzidas nas provas e esquecidas
logo depois” (MOREIRA, 2021, p. 1).
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Um possível percurso formativo visando a promoção da Aprendizagem Significativa de Física no Ensino Médio
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Para iniciar, retomamos na próxima seção, algumas das ideias acerca da Teoria
da Aprendizagem Significativa, que é o tema do EIAS Encontro Internacional de
Aprendizagem Significativa que acontece em média a cada três anos, desde 1982 com
participação de pesquisadores da área de Ciências da Natureza (Biologia, Física e Quí-
mica) e Matemática.
A Teoria da Aprendizagem Significativa
Para Ausubel (2003) a estrutura cognitiva é considerada um sistema dinâmico de
subsunçores inter-relacionados e hierarquicamente organizados, sendo o fator que mais
influencia na aprendizagem significativa. Os subsunçores são proposições, concepções,
ideias, conceitos, representações ou conhecimentos já estabelecidos na estrutura cogni-
tiva do aprendiz e que servem de âncora para novos conhecimentos.
A aprendizagem significativa resulta da interação não arbitrária e substantiva en-
tre conhecimentos prévios que já fazem parte da estrutura cognitiva do aprendiz e
novos conhecimentos. Quando o novo conhecimento é assimilado, em função da in-
teração do conhecimento prévio com o novo conhecimento, o subsunçor se modifica
e fica mais rico/cresce e o conhecimento novo adquire significado. Desse modo, ocorre
desenvolvimento, pois há uma modificação na estrutura cognitiva do sujeito, ou seja,
na sua memória permanente. É diferente, portanto, da aprendizagem mecânica, na qual
os conceitos aprendidos são utilizados de forma mecânica, em situações conhecidas.
O que vai evidenciar se a aprendizagem foi significativa é a constatação de que o
estudante consegue resolver questões e problemas de uma maneira nova, e que neces-
sitem de uma transformação do conhecimento adquirido.
Novak e Cañas (2008) esclarecem que tanto na aprendizagem mecânica quanto
na aprendizagem significativa, as informações ficam retidas na memória de longo prazo.
O que diferencia os processos é que na aprendizagem mecânica como não há interação
da nova informação com o conhecimento prévio, o conhecimento aprendido em geral
é esquecido rapidamente e a estrutura cognitiva do aprendiz não se aprimora. Como
consequência, o conhecimento aprendido de forma mecânica dificilmente será mobili-
zado em situações novas (NOVAK, 2002, apud NOVAK; CAÑAS, 2008).
Ao apresentar os subsunçores, Ausubel estabelece que uma das condições para
que aconteça a aprendizagem significativa é que o aprendiz deve possuir subsunçores
para que os novos conceitos possam ser ancorados (AUSUBEL, 1963). Tanto que ele
diz que o professor deve identificar o que o estudante já sabe a partir disso organizar o
ensino. Deste modo fica evidente o quanto é importante que o professor identifique os
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Angelisa Benetti Clebsch, Adriana Marin, José de Pinho Alves Filho
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subsunçores necessários à aprendizagem dos novos conceitos e organize uma sequência
de objetos do conhecimento adequada de forma que potencialize a aprendizagem sig-
nificativa.
O professor pode utilizar organizadores prévios (AUSUBEL et al. 1980;
MOREIRA, 2011) para evidenciar e retomar com os estudantes os pré-requisitos, ex-
plicando a relevância deles para a aprendizagem dos novos conhecimentos. Por
exemplo, antes de trabalhar problemas envolvendo plano inclinado, é importante que
o professor retome o conceito de força, leis de Newton, atrito, decomposição de forças,
relações trigonométricas no triângulo retângulo entre outros subsunçores.
Se queremos promover a educação científica dos estudantes e a aprendizagem de
conceitos físicos com significado, é importante não trabalhar os objetos de conheci-
mento de forma isolada e considerar que os estudantes já dispõe de todos os
subsunçores. Fazer questionamentos para identificar o que os estudantes já sabem e
pequenas revisões de conceitos podem ser relevantes à promoção da aprendizagem sig-
nificativa e à educação científica dos estudantes.
Outra condição para a aprendizagem significativa é que o material de aprendiza-
gem deve ser potencialmente significativo, ou seja, com significado lógico, claro e
relacionável com o que o estudante já sabe. Neste caso, é fundamental que o professor
conheça a estrutura da matéria que ensina e organize uma sequência adequada à apren-
dizagem significativa. Neste aspecto, como a aprendizagem é um processo contínuo de
modificação da estrutura cognitiva, o professor com o passar do tempo também percebe
novas relações entre os conceitos.
Uma outra condição para a ocorrência da aprendizagem significativa é que o
aprendiz precisa querer aprender, ou seja, querer relacionar o novo conhecimento com
o que ele já sabe (AUSUBEL, 1963; NOVAK; GOWIN, 1984). Assim, a responsabi-
lidade de optar por aprender é do estudante. Concordamos com Novak e Gowin
(1984) quando afirmam que a educação que intervém na vida dos estudantes faz com
que vejam o mundo de maneira diferente, ano após ano, sendo que “A verdadeira edu-
cação muda o significado da experiência humana” (NOVAK; GOWIN, 1984, p. 27).
Isso pode não acontecer com estudantes sentados ao seu lado que optaram por não
aprender.
Com a aprendizagem significativa, progressivamente a estrutura cognitiva vai se
diferenciando e fazendo a reconciliação integradora (MOREIRA, 2011). Deste modo,
o subsunçor ganha novos significados, há integração de significados e as diferenças apa-
rentes são eliminadas. Moreira (2011) explica que a estrutura cognitiva se caracteriza
por uma estrutura dinâmica de subsunçores que se relacionam e são hierarquicamente
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Um possível percurso formativo visando a promoção da Aprendizagem Significativa de Física no Ensino Médio
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organizados por dois processos: diferenciação progressiva e reconciliação integradora. A
diferenciação progressiva acontece pela utilização gradativa/sucessiva de um subsunçor e
do estabelecimento de novas relações que permitem que ele sirva de arrimo para novas
aprendizagens significativas. De forma simultânea e menos frequentemente, acontece
a reconciliação integradora que consiste em eliminar diferenças entre conceitos e integrar
significados de forma ordenada. Estes processos são internos e próprios para cada estu-
dante. Se o professor conhece a estrutura da matéria que ensina (conceitos gerais,
intermediários e específicos) pode contribuir na aprendizagem significativa dos concei-
tos por parte dos estudantes. Na figura 1, apresentamos conceitos intermediários e
específicos para as Leis da conservação normalmente tratadas no primeiro ano do En-
sino Médio, para ilustrar a diferenciação progressiva e a reconciliação integradora.
Fig. 1: Conceitos gerais, intermediários e específicos relacionados à Leis da
conservação.
Fonte: autores (2021).
No segundo e terceiro ano, a lei da conservação da energia se aplica à termodi-
nâmica e a eletricidade, e novas leis da conservação são estudadas no EM como por
exemplo, a conservação da carga elétrica. Se a aprendizagem é mecânica, o estudante
pode aprender as leis da conservação de modo independente sem compreender que na
Física há “coisas” que se conservam.
A diferenciação progressiva e a reconciliação integradora acontecem também na
mente de quem ensina. O processo de ação-reflexão vivenciado em um ato pedagógico
(SHULMAN, 1987; CLEBSCH; ALVES FILHO, 2019) faz com que o professor te-
nha uma nova compreensão da matéria. Deste modo, novas relações entre os conceitos
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podem ser percebidas e sustentar decisões sobre o que ensinar e como ensinar diante
da carga horária disponível ao ensino de Física.
Para entender as relações entre professor e aluno nos processos de ensino-apren-
dizagem, utilizamos Novak (2011) que apresenta a aprendizagem significativa como
um esboço de teoria de educação e define cinco elementos envolvidos na negociação de
significados: professor, estudante, conhecimento, contexto e avaliação.
Segundo Novak (2011), para que aconteça a aprendizagem significativa, profes-
sor e estudante devem compartilhar significados acerca da matéria. Sendo que a
aprendizagem significativa supõe a integração construtiva de pensamentos, sentimentos
e ações que leva ao engrandecimento do ser que aprende (NOVAK, 2011, 2019). Para
Novak (2011), responsabilidade e compromisso são inerentes ao professor e ao estu-
dante. O estudante no sentido de querer aprender de forma significativa. O professor
no sentido de conhecer a matéria que ensina, e utilizar materiais potencialmente signi-
ficativos visando à aprendizagem significativa dos conceitos.
O papel do professor como mediador do processo de aprendizagem implica em
ter se apropriado do conhecimento de sua área e disciplina. Através de estratégias de
ensino, o professor apresenta ao aluno os significados aceitos socialmente no contexto
da matéria de ensino, o aluno de alguma forma mostra ao professor o significado que
captou para que este avalie se o significado que o aluno captou é o aceito socialmente.
O professor pode buscar inferir os processos internos que estão em desenvolvimento
no aluno e que são necessários para a aprendizagem subsequente, e estimulá-los. As
atividades propostas pelo professor devem, para serem bem-sucedidas, levar o aluno a
raciocinar, usando o que ele já sabe e ao mesmo tempo exigindo um nível de abstração
maior. A repetição nada acrescenta ao conhecimento já apropriado ou elaborado pelo
estudante. Assim, o papel do professor é identificar a estrutura da matéria de ensino,
localizando conceitos unificadores e abrangentes e, depois, os específicos, para conse-
guir reconhecer quais são os pré-requisitos que o estudante precisa ter em sua estrutura
cognitiva para que ocorra uma aprendizagem significativa (AUSUBEL et al. 1980).
Com relação ao conhecimento, Novak (2011) destaca que a aprendizagem esco-
lar trabalha em geral com memorização de um grande número de informações e com
pouco destaque às ideias centrais das matérias (componentes curriculares), que são po-
derosas para ajudar os estudantes a aprender significativamente. A compreensão das
grandes ideias facilita a aprendizagem significativa de conceitos subordinados e dá sen-
tido a eles, por isso deveriam ser apresentados nos currículos (NOVAK, 2011). Novak
(2011) menciona que a identificação das ideias centrais das matérias (componentes
curriculares), como as que trazemos como exemplo neste artigo para a Física, deveriam
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ser apresentadas nos currículos, pois trazem grande contribuição aos professores e estu-
dantes.
Neste sentido, este artigo busca mostrar as ideias centrais da Física e que expres-
sam a compreensão do corpo de conhecimentos da área pelos autores, utilizando mapas
conceituais.
Aspectos metodológicos
Os mapas conceituais foram desenvolvidos por Novak na década de 1970, para
fazer a análise de transcrições de gravações em áudio de entrevistas clínicas, em um
programa de pesquisa que buscava entender as mudanças na maneira como as crianças
compreendiam a ciência (NOVAK; CAÑAS, 2008; MOREIRA, 2011). Tratam-se de
ferramentas gráficas e concisas que representam e organizam as estruturas conceituais
de um corpo de conhecimentos (NOVAK; CAÑAS, 2008; MOREIRA, 2011). São
descritivos e apresentam proposições que garantem clareza semântica, por isso diferem-
se de mapas mentais.
Um mapa conceitual é um instrumento dinâmico, refletindo a compreensão de
quem o faz no momento em que o faz, podendo ser utilizado como ferramenta de
ensino, aprendizagem ou avaliação. A construção do mapa conceitual pelo professor
auxilia na identificação dos conceitos fundamentais e específicos da área que ensina
para tomar decisões com relação à seleção de conteúdos, planejamento e para a promo-
ção da aprendizagem significativa. Já como ferramenta de aprendizagem, a construção
de mapas conceituais auxilia o estudante a identificar os conceitos de uma área e esta-
belecer relações entre eles. Para o professor, a análise de mapas conceituais construídos
por um estudante pode trazer indicativos de aprendizagem significativa de conceitos
(MOREIRA, 2011), servindo como instrumento de avaliação.
Os mapas conceituais podem ser utilizados em uma aula, unidade de estudo, para
um curso ou para um programa de educação completo, dependendo do grau de gene-
ralidade e inclusividade dos conceitos do mapa.
Neste artigo, utilizamos mapas conceituais como ferramenta para a proposição
de uma alternativa de percurso formativo para a Física do Ensino Médio, como um
exemplo para o
currículo planejado e currículo em ação.
Para a construção dos mapas conceituais, nos baseamos nas sugestões propostas
por Novak e Cañas (2008). Escrevemos uma pergunta focal (escopo do mapa) e elabo-
ramos uma lista de conceitos que consideramos centrais na Física. Depois fomos
agrupando os conceitos por similaridade (hierarquias, níveis). Logo após os conceitos
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foram conectados com linhas e as linhas foram rotuladas com verbos flexionados para
construir proposições com clareza semântica.
A elaboração dos mapas conceituais foi realizada em reuniões remotas que reuniu
os autores utilizando o Google Meet. Os primeiros mapas foram finalizados no segundo
semestre de 2020 e revisados no segundo semestre de 2021 para este artigo. Na cons-
trução dos mapas conceituais utilizamos o software CmapTools (NOVAK; CAÑAS,
2008; NOVAK, 2011).
Para a discussão dos mapas conceituais definimos a posteriori categorias de análise
(BARDIN, 2011), utilizando como referência Aguiar e Correia (2013), Moreira
(2021) o currículo oficial (BRASIL, 2018a; BRASIL, 2018b; BRASIL, 2018c) ora ci-
tado.
Definimos a categoria mapeamento conceitual para analisar a estrutura dos mapas
conceituais e ressignificados alguns dos parâmetros de referências de Aguiar e Correia
(2013) para análise de mapas conceituais como subcategorias de análise: clareza semân-
tica das proposições construídas e a organização hierárquica dos conceitos na estruturação
da rede proposicional. Além disso, seguimos a orientação dos referidos autores e fize-
mos revisões contínuas para modificar o conhecimento representado de acordo com as
mudanças no entendimento dos conceitos pelos mapeadores.
A organização hierárquica dos conceitos visa explicitar como os conceitos são
organizados em grupos (níveis) para indicar aqueles que são mais inclusivos e os que
são menos inclusivos, bem como as ligações que se estabelecem entre eles. A clareza
semântica é observada nas proposições formadas quando se liga o conceito inicial com
o conceito final utilizando um verbo flexionado como termo de ligação.
Já a categoria conceitos específicos de Física tem base em (MOREIRA, 2021) que
indica que ensinar e aprender Física envolve entre conceitos e conceitualização. Para
Moreira (2021) as disciplinas têm conceitos específicos sem os quais não existiriam. E
que na Física é mais importante focar nos conceitos do que nas fórmulas, já que as
fórmulas contêm conceitos: “Se o ensino da Física der mais atenção aos conceitos físicos
do que ao formalismo matemático estará contribuindo para uma maior compreensão
da Física e para o desenvolvimento cognitivo dos estudantes.” p. 2. Assim, esta catego-
ria discute os mapas com base em conceitos estruturantes da Física, identificados pelos
autores. Suas subcategorias: formação geral básica e itinerários formativos são definidas a
partir da análise documental do currículo oficial, cuja estrutura está expressa na figura
2.
Observamos que o currículo oficial do Ensino Médio da área Ciências da Natu-
reza e suas tecnologias propõe além da construção de conhecimentos conceituais da
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FGB e IF, a utilização adequada da linguagem científica para atuação e leitura de dife-
rentes situações, bem como a vivência de processos e práticas de investigação científica.
Com relação aos conhecimentos conceituais, é importante lembrar que o currí-
culo oficial não separa competências e habilidades por componente curricular, como
representamos na figura 2. Assim os temas (dinâmica da Vida, Terra e Cosmos) da
FGB e áreas (por exemplo: ótica, zoologia e química dos produtos naturais) dos IF se
relacionam.
No entanto, cada um dos componentes curriculares da área de Ciências da Na-
tureza tem um corpo de conhecimentos próprios. A Física pode ser definida como a
Ciência fundamental que estuda elementos que constituem a matéria, energia, movi-
mentos e interações fundamentais da natureza. A Química em geral trabalha com as
combinações entre os átomos e a diversidade de organizações. A Biologia normalmente
trata sobre a organização das moléculas de forma complexa para formar a vida. Ou seja,
o ensino de conceitos próprios da Biologia, Física e Química tem que ser realizado por
professores com formação específica.
Fig. 2: organização do currículo oficial de Cncias da Natureza e suas tecnologias.
Fonte: autores (2021).
Consideramos que os conhecimentos conceituais, linguagens próprias da ciência
e processos e prática de investigação científica, dispostos em azul no início do mapa
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(figura 2) juntos podem ser associados ao desenvolvimento de competências científicas
propostos por Moreira (2021). O autor menciona que as competências científicas como
“modelagem científica, argumentação baseada em evidências, comunicação de resulta-
dos, perguntar, questionar e criticar cientificamente” (p. 3) não são desenvolvidas no
ensino de Física, uma vez que o foco é a aprendizagem mecânica e não significativa.
No quadro 1 estão as categorias e subcategorias ora mencionadas.
Quadro 1: categorias e subcategorias de análise.
Categoria de análise
Sub-categorias de análise
Mapeamento conceitual
organização hierárquica dos conceitos
clareza semântica das proposições
Conceitos específicos de Física
Formação Geral Básica
Itinerários Formativos
Fonte: autores (2021).
Nossos resultados são descritivos e teóricos com abordagem predominantemente
qualitativa (LÜDKE; ANDRÉ, 2013).
Resultados e discussão
A figura 3 traz um mapa conceitual que expressa conceitos fundamentais da Fí-
sica e possíveis relações entre eles como exemplo de um possível mapeamento. Tais
conceitos se aplicam aos diversos ramos da Física que fazem parte do Ensino Médio
(Mecânica, Ondulatória, Óptica, Termodinâmica, Eletromagnetismo, Física Mo-
derna), sendo utilizados várias vezes, o que faz com que os subsunçores fiquem cada
vez mais sólidos, caso a aprendizagem seja com significado.
Com relação à categoria organização hierárquica os conceitos, observa-se na figura
3 que as propriedades da matéria é que estabelecem o campo e as interações fundamen-
tais, que são conceitos centrais. A carga elétrica origina no espaço em torno dela um
campo, que não modifica o espaço mas que localiza nele propriedades elétricas de tal
forma que uma outra carga disposta neste campo sofrerá a ação de uma força elétrica.
Para que se estabeleça um campo gravitacional é necessário que exista massa, ou seja,
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uma das características intrínsecas da matéria é a geração de campos. As interações fun-
damentais acontecem a partir dos campos. Há uma similaridade entre a força elétrica
gerada por uma carga e a força gravitacional gerada por um corpo que tem massa. Em
ambos, o campo declina com a distância. Assim, se o estudante compreender o campo
gravitacional, vai ficar mais fácil aprender de forma significativa o campo elétrico, o
campo magnético, os campos nucleares, a atração entre prótons e elétrons. Para a
aprendizagem significativa é importante a construção destes conceitos, não só a mate-
matização e resolução de exercícios de forma mecânica.
Fig. 3: Mapa conceitual com os conceitos estruturantes da Física.
Fonte: os autores.
A energia se relaciona à capacidade de realizar trabalho. Envolve transformações
de energia de uma modalidade em outra. Por exemplo, em uma bateria, energia quí-
mica é transformada em eletricidade. Quando a bateria é ligada a um motor a energia
elétrica se transforma em energia mecânica. Além disso, a realização de trabalho envolve
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transferência de energia. No caso da bateria do carro, a transformação em energia elé-
trica faz com que haja a disponibilidade desta energia para ligar a lâmpada do carro,
acionar o motor e fazer funcionar o rádio.
Para dar exemplo da utilização dos conceitos fundantes por várias vezes no En-
sino Médio, podemos mencionar a Mecânica, a área que normalmente é tratada no
início do Ensino Médio. Conceitos como: interação, campo, movimento, energia, con-
servação, grandezas, transformações são construídos no estudo dos movimentos dos
objetos macroscópicos e corpos celestes. Depois aplicam-se no estudo de outros objetos
do conhecimento como campo eletromagnético, potencial elétrico, primeira lei da ter-
modinâmica. Moreira (2011) exemplifica que se o estudante aprendeu de modo
significativo o conceito de Conservação da Energia aplicado à Mecânica, consegue re-
solver problemas que envolvam transformações de energia cinética em potencial e vice-
versa. Ao utilizar a Conservação da Energia nos fenômenos térmicos, depois elétricos,
o princípio da Conservação da Energia fica mais rico. Ao aprender a conservação da
quantidade de movimento (linear e angular), pode ser evidenciado que algumas coisas
se conservam e o princípio da conservação se tornou um conceito mais abrangente.
Assim, os conceitos vão ficando cada vez mais sólidos na estrutura cognitiva do estu-
dante por meio dos processos mentais de diferenciação progressiva e reconciliação
integrativa ora mencionados.
Observa-se a clareza semântica das proposições ao fazer a leitura do mapa (figura
3). No lado esquerdo do mapa pode-se ler: A Física modela princípios de conservação.
Outras leituras do mapa: Princípios de conservação incluem conservação da energia. Prin-
cípios de conservação incluem conservação do momento linear. Princípios de conservação
incluem conservação do momento angular. E assim sucessivamente. Já no lado direito
pode-se ler: Física modela a estrutura da matéria. Matéria tem propriedades como carga.
Matéria tem propriedades como massa. E assim por diante. Assim fica evidente que a
clareza semântica se estabelece com a utilização de um verbo de ligação flexionado entre
os conceitos.
Dentro dos conceitos apresentados no mapa, consideramos que devem fazer
parte da FGB (categoria formação geral básica) os princípios da conservação: conserva-
ção da energia, conservação do momento linear e conservação do momento angular,
conservação da carga elétrica, o que inclui todos os conceitos que estão logo abaixo no
mapa que são menos inclusivos. Normalmente, a conservação da energia e dos momen-
tos é apresentada no primeiro ano do Ensino Médio. Sugerimos também para a FGB
a aprendizagem das propriedades da matéria (carga e massa) do conceito de campo,
bem como o conceito de duas das interações fundamentais: integração gravitacional e
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interação eletromagnética. Os conceitos de substâncias, moléculas e átomos como cons-
tituintes da matéria incluindo o modelo atômico atual também devem na visão dos
autores fazer parte da FGB.
Nos IF os conceitos da FGB podem ser retomados e ampliados contribuindo na
sua consolidação. Como exemplo: as quantidades conservadas vistas na mecânica, agora
podem ser aplicadas para estudar o cosmos e sistemas astronômicos como estrelas e suas
remanescentes. E estudar conceitualmente a teoria da relatividade geral para comparar
com o modelo clássico.
Os conceitos de trabalho termodinâmico e elétrico podem ser retomados no IF
e aplicados na análise da eficiência e das consequências do uso das máquinas térmicas
e elétricas. Outro exemplo relaciona-se às interações fundamentais. A interação gravi-
tacional e eletromagnética podem ser retomadas, incluindo a interação nuclear forte e
interação nuclear fraca para consolidar a aprendizagem das interações fundamentais da
natureza, ampliando para o estudo das radiações. O conceito de partículas por ser rein-
terpretado e ampliado, identificando as partículas que constituem a matéria e aquelas
que são mediadoras das interações, chegando ao modelo padrão provisoriamente aceito
atualmente.
É importante destacar que se analisarmos as habilidades referentes às competên-
cias para a área na BNCC identificamos todos os grandes campos da Física do EM,
inclusive citados no currículo oficial (figura 2) como sendo dos itinerários formativos
(física geral, clássica, moderna). Assim as habilidades da BNCC podem ser tomadas
como parâmetro para a definição dos objetos do conhecimento tanto da FGB quanto
dos IF.
Para identificar referências a conceitos e saberes específicos da área de Ciências
da Natureza e suas tecnologias nas descrições das competências e nas habilidades da
BNCC, consulte Barroso (2021).
Como comentamos no início deste artigo, cada unidade federativa brasileira ela-
borou um currículo para o EM e que se insere também no patamar do currículo oficial.
Como exemplo de um estudo de caso, vamos analisar nas categorias, formação geral
básica e itinerários formativos o currículo de Ciências da Natureza e suas tecnologias de
Santa Catarina (SANTA CATARINA, 2020b).
Dentro da categoria formação geral básica observamos que estão definidos como
conceitos estruturantes da área: natureza da ciência, biodiversidade e universo, matéria
e energia. O uso do conceito “natureza da ciência” como estruturante expressa o cami-
nho encontrado para a contextualização do conhecimento (figura 2). As habilidades
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para a área são organizadas em oito grupos. Cada um deles com uma temática especí-
fica, o que pode contribuir para a contextualização, embora fechada, dos
conhecimentos via relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade. Um quadro orga-
nizador traz os conceitos estruturantes relacionados aos objetos do conhecimento e
habilidades específicas da área.
A partir da análise exploratória do quadro organizador (SANTA CATARINA,
2020b, p. 188-190), elaboramos como exemplo, um mapa conceitual (figura 4) para o
grupo 6: ‘Formas de energia, suas transformações e sustentabilidade’, com a ressalva
que o mapa traz além de conceitos, áreas do conhecimento da Física (diferenciados na
cor verde).
Fig. 4: Conceitos de Física e áreas abrangidas no grupo 6.
Fonte: os autores (2021).
No documento (SANTA CATARINA, 2020b) os objetos do conhecimento es-
tão listados misturados: Física, Química e Biologia. Identificamos na figura 4, sem
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mencionar para o mesmo grupo as áreas de Química e Biologia, as áreas da Física pre-
sentes no grupo 6 que precisam da atuação do professor com formação em Física. Em
cinza estão conceitos estruturantes da Física que definimos na figura 3. Assim cada
professor precisa tomar decisões quanto aos conceitos a serem desenvolvidos de forma
integrada na implementação do currículo. Outros professores de Santa Catarina pode-
rão fazer seus mapas conceituais para orientar o planejamento de aulas da FBG.
Nos IF, observamos que o currículo de Santa Catarina apresenta disciplinas ele-
tivas, segunda língua estrangeira, projeto de vida e trilhas de aprofundamento (SANTA
CATARINA, 2020a). As disciplinas eletivas e trilhas de aprofundamento são por áreas
do conhecimento ou integradas. Todas as trilhas foram elaboradas em torno de temas
que indicam possibilidades de contextualização do conhecimento via relações Ciência,
Tecnologia e Sociedade (figura 2). Os professores ao fazer o planejamento, precisam
lembrar que os IF têm o propósito de aprofundar os conhecimentos da FGB e não
podem se constituir no currículo em ação, em itinerários informativos. Como são de
escolha dos estudantes, a expectativa é que os mesmos tenham predisposição para
aprender, uma das condições para a aprendizagem significativa.
Dentro da categoria itinerários formativos, apresentamos como exemplo um mapa
conceitual para a trilha de aprofundamento da área “Diálogos com nossas cidades
meio ambiente e sustentabilidade” (SANTA CATARINA, 2020c), elaborado por meio
da análise exploratória dos quadros das unidades curriculares, destacando no mesmo
conceitos de Física e áreas identificados pelos autores. Estas últimas em verde.
Fig. 5: conceitos desica e áreas abrangidas na trilha de aprofundamento.
Fonte: os autores (2021).
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A figura 5 mostra, em uma exploração inicial o que identificamos na trilha de
aprofundamento Diálogos com nossas cidades meio ambiente e sustentabilidade que
deverá ser desenvolvido pelo professor de Física de forma integrada com outros profes-
sores. Na cor cinza estão conceitos de física, sendo a conservação da energia e a
conservação da quantidade de movimento conceitos que consideramos como estrutu-
rantes da área (figura 3). A fluidodinâmica, uma área normalmente não tratada no EM
é inserida nesta trilha.
Nas trilhas a ênfase está na aplicação dos conceitos em temas amplos ligados ao
cotidiano. Assim dá significado aos conhecimentos científicos necessários na constru-
ção da cidadania e tem potencial de contribuição para a promoção da aprendizagem
significativa de Física.
Considerações finais
Trazemos subsídios da teoria da aprendizagem significativa que podem contri-
buir nos processos de implementação das políticas públicas aqui mencionadas. Novak
e Gowin (1984) consideram que o professor, o aluno e currículo e o meio devem ser
considerados na educação:
É obrigação do professor planificar a agenda de actividades e decidir qual o conhecimento que
deve ser considerado e em que sequência. […] O aluno deve optar por aprender; a aprendizagem
é uma responsabilidade que não pode ser compartilhada. O currículo compreende o conheci-
mento, as capacidades, e os valores da experiência educativa que satisfaçam critérios de excelência
de tal modo que o convertam em algo digno de ser estudado. O professor especialista será com-
petente tanto no material como no critério de excelência utilizado na área em estudo. O meio é
o contexto no qual a experiência de aprendizagem tem lugar, e influencia a forma como o pro-
fessor e o aluno compartilham o significado do currículo (NOVAK; GOWIN, 1984, p. 22).
Concordamos com Novak e Gowin (1984) que o professor (no nosso caso de
Física) é o especialista, que detêm conhecimentos específicos e o responsável em orga-
nizar o ensino. Assim, a partir dos conhecimentos sobre a estrutura da matéria a
ensinar, pode fazer uma leitura crítica do currículo oficial e até do currículo planejado
disposto nos livros didáticos e a partir daí tomar as decisões pedagógicas.
Ao pensar no currículo oficial (estadual), a construção de mapas conceituais nos
auxiliou na identificação dos conceitos da Física do Ensino Médio, e são uma repre-
sentação possível que apresentamos neste artigo. Cada professor com base em seus
conhecimentos e experiência pode elaborar seus mapas e a partir deles pensar no per-
curso formativo de Física para o Ensino Médio.
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Em situações futuras estes autores apresentariam outros mapas com os conceitos
relacionados de forma diferente, já que a estrutura cognitiva é dinâmica. Já sugerimos
a utilização de mapas conceituais por professores em outros textos:
A construção do mapa conceitual pelo professor auxilia na identificação dos conceitos funda-
mentais e específicos da área que ensina para tomar decisões com relação à seleção de conteúdos,
planejamento e para a promoção da aprendizagem significativa. Neste sentido defende-se a utili-
zação deste instrumento na formação (inicial ou continuada de professores) para que os
professores percebam que há conceitos que são fundantes de uma matéria e outros, que são menos
abrangentes. Identificar conceitos e estabelecer relações entre eles deve ser um exercício constante
na prática docente, tendo em vista o amadurecimento profissional e a construção de saberes que
a prática propicia (CLEBSCH et al. 2019, p. 1069).
No atual contexto das políticas públicas é importante que os professores de Física
retomem os conhecimentos próprios da Física do EM e busquem fortalecer o diálogo
com a Biologia e Química. Ao mesmo tempo, há a necessidade de professores e pes-
quisadores da área de Ensino de Física, bem como as sociedades científicas, buscarem
espaço de participação nas decisões curriculares sobre a Educação Básica e formação de
professores.
Embora nossa contribuição incida no ‘currículo oficial’, esperamos que nosso
artigo contribua também na organização dos currículos ‘institucionaisno âmbito das
escolas, no ‘currículo planejadopelos professores e no ‘currículo em ação (que tem
como sujeitos professores e estudantes). Diante do ‘currículo oficialaberto que dá li-
berdade mas exige a integração com a Biologia e Química é importante que os
professores tomem decisões no âmbito do ensino de forma crítica.
No caso do Ensino Fundamental o currículo é mais rígido, como comentamos.
No caso de um país continental como o Brasil pode deixar pouco espaço para as regi-
onalidades. Como foi dito, anteriormente, o currículo do Ensino Médio é mais aberto
e a interpretação literal por parte dos estados pode acarretar em reducionismos.
Esperamos que este trabalho corrobore com a ideia de Moreira (2021) de que no
Ensino de Física deve-se considerar a aprendizagem significativa como um paradigma.
Os mapas conceituais podem constituir-se em ferramenta alternativa aos professores
para a definição do percurso formativo de Física a partir da experiência, conhecimento
e do ‘currículo oficial’. Ressaltamos que o leitor deve considerar os mapas apresentados,
bem como a sua discussão, como uma das possibilidades de percurso formativo ou
encadeamento dos objetos do conhecimento.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Angelisa Benetti Clebsch, Adriana Marin, José de Pinho Alves Filho
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v. 29, n. 2, Passo Fundo, p. 511-534, maio/ago. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
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Este artigo está licenciado com a licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Tendências para Organizadores Prévios com vistas à
Aprendizagem Significativa em demonstrações matemáticas
Trends for Prior Organizers for Meaningful Learning in Mathematical
Demonstrations
Tendencias de Organizadores Previos para el Aprendizaje Significativo en
Demonstraciones Matemáticas
Maria Cecília Pereira Santarosa
*
Vaneza de Carli Tibulo
**
Resumo
Na perspectiva da Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel, para que haja Aprendizagem
Significativa, o novo conhecimento deve se relacionar com conceitos prévios específicos da estrutura
cognitiva do aprendiz, de forma não arbitrária e não literal. No que se refere às demonstrações ma-
temáticas, é necessário a ocorrência dos três tipos de aprendizagem significativa: representacional,
conceitual e proposicional. Uma forma de favorecer aprendizagens significativas, quando o aluno
não possui conhecimentos prévios necessários, é a utilização de Organizadores Prévios, que funcio-
nam como “pontes cognitivas” entre o que ele já sabe e o que precisa saber para a nova aprendizagem.
A presente pesquisa tem por objetivo apresentar e investigar estratégias de ensino para demonstrações
matemáticas, que possam favorecer a aprendizagem significativa de acadêmicos do Curso de Licen-
ciatura em Matemática. Desta forma, foi elaborada e implementada uma proposta de Organizadores
Prévios no ensino de demonstrações matemáticas, ancoradas nas tendências em Educação Matemá-
tica: a História da Matemática, a Manipulação de Material Concreto e a Resolução de Problemas. A
implementação do Organizador Prévio proposto, por meio de uma pesquisa-ação, tem apresentado
resultados satisfatórios no que se refere a evidências de aprendizagem significativa em demonstrações
matemáticas, favorecendo a formação profissional dos acadêmicos.
Palavras-chave: Aprendizagem Significativa; Organizadores Prévios; Tendências em Educação Ma-
temática; Pesquisa-ação.
Recebido em: 20.12.2021Aprovado em: 21.02.2022
https://doi.org/10.5335/rep.v29i2.13269
ISSN on-line: 2238-0302
*
Docente do Departamento de Matemática da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Doutora em Ensino de Física
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e co-líder do Grupo de Pesquisas em Ensino e Aprendizagem
de Ciências e Matemática (GPEACIM). Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7656-9100. E-mail: maria-
cecilia.santarosa@ufsm.br
**
Doutora em Educação em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências da Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM). Professora do Departamento de Matemática da UFSM e do Programa de Pós-Graduação em
Educação Matemática e Ensino de Física (PPGEMEF) da UFSM. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7139-1112. E-mail:
vaneza.tibulo@ufsm.br.
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Abstract
From the perspective of Ausubel's Theory of Meaningful Learning, for Meaningful Learning to take
place, new knowledge must be related to previous concepts specific to the learner's cognitive
structure, in a non-arbitrary and non-literal way. With regard to mathematical demonstrations, the
occurrence of three types of meaningful learning is necessary: representational, conceptual and
propositional. One way to promote meaningful learning, when the student does not have the
necessary prior knowledge, is the use of Previous Organizers, which work as cognitive bridges
between what he already knows and what he needs to know for new learning. This research aims to
present and investigate teaching strategies for mathematical demonstrations, which can favor the
significant learning of academics in the Licentiate Degree in Mathematics. In this way, a proposal of
Previous Organizers in the teaching of mathematical demonstrations was elaborated and
implemented, anchored in the trends in Mathematics Education: the History of Mathematics, the
Handling of Concrete Material and the Solving of Problems. The implementation of the proposed
Previous Organizer, through and action reserarch, has shown satisfactory results with regard to
evidence of significant learning in mathematical demonstrations, favoring the professional
qualification of academics.
Keywords: Meaningful Learning; Previous Organizers; Trends in Math Education; Action research.
Resumen
Desde la perspectiva de la Teoría del Aprendizaje Significativo de Ausubel, para que tenga lugar el
Aprendizaje Significativo, los nuevos conocimientos deben relacionarse con conceptos previos espe-
cíficos de la estructura cognitiva del alumno, de una manera no arbitraria y no literal. Con respecto
a las demostraciones matemáticas, es necesaria la ocurrencia de tres tipos de aprendizaje significativo:
representacional, conceptual y proposicional. Una forma de promover el aprendizaje significativo,
cuando el alumno no tiene los conocimientos previos necesarios, es el uso de Organizadores Previos,
que funcionan como “puentes cognitivos” entre lo que ya sabe y lo que necesita saber para nuevos
aprendizajes. Esta investigación tiene como objetivo presentar e investigar estrategias de enseñanza
para demostraciones matemáticas, que puedan favorecer el aprendizaje significativo de los académi-
cos en la Licenciatura en Matemáticas. De esta manera, se elaboró e implementó una propuesta de
Organizadores Previos en la enseñanza de demostraciones matemáticas, anclada en las tendencias de
la Educación Matemática: la Historia de las Matemáticas, el Manejo de Material Concreto y la Re-
solución de Problemas. La implementación del Organizador Anterior propuesto, a través de una
investigación de acción, ha mostrado resultados satisfactorios en cuanto a evidencia de aprendizajes
significativos en demostraciones matemáticas, favoreciendo la formación profesional de los académi-
cos.
Palabras clave: Aprendizaje significativo; Organizadores Anterior; Tendencias en la Educación Ma-
temática; Investigación para la Acción.
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Introdução
Observações empíricas e trabalhos de pesquisa mostram que muitos alunos in-
gressantes no Ensino Superior, em áreas das Ciências Naturais e Exatas, apresentam
uma grande deficiência em termos de conhecimentos prévios da Matemática Básica
(SANTAROSA, 2011, 2013). Geralmente, quando os alunos utilizam resultados im-
portantes tais como a Lei dos Senos, a Lei dos Cossenos, o Teorema de Pitágoras, o
Princípio de Cavalieri, fórmulas para cálculo de áreas de figuras planas e volumes de
figuras espaciais, o fazem de forma mecânica, sem atribuição de significados psicológi-
cos à logicidade das equações em questão. Embora a aprendizagem mecânica não ocorra
num “vácuo cognitivo” e em alguns eventos educativos seja necessária, é facilmente
esquecida, e não fica disponível na memória de longo prazo para futuras transferências
de conhecimentos.
Garbi (2009) faz uma importante crítica acerca do ensino de Matemática em
escolas da cidade de São Paulo, no Brasil. Argumenta que há um excesso em tentativas
frustradas de contextualização e de interdisciplinaridade, em detrimento do conteúdo
matemático e do ensino propedêutico, que em outras épocas, enfatizavam com vee-
mência, demonstrações de teoremas matemáticos. Desta forma, ficam de fora
demonstrações importantes, que nos trazem resultados imprescindíveis para a resolução
de situações-problema das mais diversas áreas, como por exemplo a Lei dos Senos e a
Lei dos Cossenos. Corroboramos a ideia do autor quanto a importância do ensino pro-
pedêutico e da demonstração, em muitos tópicos da Matemática. A apreensão cognitiva
de conceitos matemáticos relacionados são de extrema importância neste processo.
Ocorre que a matemática é uma ciência formal e abstrata, que só pode ser inter-
pretada por meio das diferentes formas como seus objetos matemáticos podem ser
representados. Duval (2011) sugere que a maneira matemática de raciocinar e visualizar
está intimamente ligada às transformações das representações semióticas, seja nos seus
tratamentos ou nas suas conversões. Portanto, o ensino deve ser pautado na apresenta-
ção de situações que possam dar sentido a estes conceitos, a partir da investigação dos
conhecimentos prévios presentes na estrutura cognitiva do aprendiz.
Crease (2011) em sua obra “As Grandes Equações” distingue entre “regra” e
“prova”, numa equação matemática. Enquanto a regra é simplesmente um fato e tem
valor prático: permite fazer cálculos para resolver uma situação real, a prova é a de-
monstração de como sabemos que essa regra é verdadeira. Corroboramos a
interpretação do autor, acrescentando que por trás da demonstração de uma regra,
ainda existe a análise de seus critérios de validade e de sua interpretação frente às reais
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situações apresentadas, habilidades essenciais para um matemático. Além do que, existe
um contexto histórico e social, para o qual foi necessário que “regras” fossem criadas.
Observa-se a importância deste entendimento para a interpretação de Teoremas ou
Leis Matemáticas que governam o mundo.
Com base nestes argumentos, elaboramos uma proposta de Organizadores Pré-
vios no ensino de demonstrações matemáticas, ancoradas nas tendências em Educação
Matemática: a História da Matemática, a Manipulação de Material Concreto a partir
do raciocínio intuitivo, e a Resolução de Problemas. Tal proposta faz parte das ativida-
des desenvolvidas em um Projeto de Pesquisa, Ensino e Extensão, vinculado ao
Programa de Licenciaturas (PROLICEN) da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM), cujo objetivo principal é implementar e investigar estratégias de ensino para
demonstrações matemáticas, que possam favorecer a aprendizagem significativa de aca-
dêmicos do Curso de Licenciatura em Matemática.
Este estudo culminou na aplicação de uma sequência didática, através de Mini-
curso, subsidiada pelo uso de organizadores prévios. O projeto tem sido divulgado e
desenvolvido no contexto da UFSM, na fase de formação inicial de professores de Ma-
temática, e tivemos a oportunidade de comunicá-lo e discuti-lo na forma de um
minicurso, no Encontro Nacional da Aprendizagem Significativa, ocorrido em 2016,
na cidade de São Paulo. Alguns aspectos do Minicurso tiveram que ser revistos, como
a sequência adotada pelas atividades consideradas como organizadores prévios. Atual-
mente, a convite de algumas Instituições de Ensino Básico, o Minicurso será
implementado para alunos da Escola Básica da cidade de Santa Maria - RS - frente à
necessidade de extensão do projeto. Apontamos alguns resultados e o valor do estudo
para investigações futuras.
Organizadores Prévios e Aprendizagem Significativa
O entendimento e interpretação de um Teorema ou de uma Lei Matemática no
processo do ensino e aprendizagem da Matemática pode ser classificado como um efe-
tivo resultado de aprendizagem significativa, na perspectiva da Teoria da Aprendizagem
Significativa (TAS). Os diferentes significados atribuídos ao termo “demonstração” é
muito bem descrito por Tall:
Estudantes de Matemática vivem num mundo onde o termo “demonstração” tem diferentes sig-
nificados, e a interpretação do significado pode ser diferente daquela do professor, assim como a
interpretação de um professor pode diferir da interpretação de outro professor. “Demonstrar”
significa reproduzir uma sequência de deduções para estabelecer algum importante resultado
(TALL, 1989).
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Nas palavras de David Tall, percebe-se o quanto a habilidade em “demonstrar”
está relacionada à capacidade cognitiva de resgatar experiências, ideias e conhecimentos
adquiridos ao longo da vida, para a obtenção e validação de um resultado. Trata-se de
um processo de construção do conhecimento, desde a formação de conceitos na estru-
tura cognitiva até a capacidade de transferência destes conceitos para situações diversas
de aprendizagem. O processo da assimilação e retenção do conhecimento é muito bem
fundamentado pela Teoria da Aprendizagem Significativa de David Paul Ausubel
(2003), referencial adotado neste estudo.
As origens teóricas da Aprendizagem Significativa vêm do médico-psiquiatra Da-
vid Paul Ausubel (1918-2008). De acordo com Ausubel (2003) a Aprendizagem
Significativa está relacionada à capacidade que o aprendiz tem, em relacionar novos
conhecimentos com conhecimentos anteriores, contidos na sua estrutura cognitiva.
Isso não pode ocorrer de forma literal ou arbitrária. A característica chave da aprendi-
zagem significativa é a interação cognitiva entre os conhecimentos novos e prévios. É
necessário que essa interação seja substantiva, onde o novo conhecimento vai interagir
com conhecimentos específicos da mente do aluno. Isto é, não é com qualquer conhe-
cimento prévio que o novo conhecimento vai interagir. Ainda segundo o autor, dentre
os fatores mais importantes que influenciam na aprendizagem é o que o aprendiz já
sabe e a sua predisposição para aprender, uma intencionalidade, um querer aprender.
Neste contexto, é necessário que o professor averigue quais são os conhecimentos pré-
vios e ensine de acordo.
Moreira (2006) cita duas condições necessárias para ocorrência da Aprendizagem
Significativa: (1) Uso de material instrucional potencialmente significativo, onde este
deve ter significado lógico e a disponibilidade de conceitos subsunçores (conhecimen-
tos específicos) na estrutura cognitiva do aprendiz; (2) Disposição (intencionalidade)
para o aprendizado por parte do aprendiz, ou seja, disposição para relacionar de ma-
neira substantiva e não arbitrária o novo material, potencialmente significativo à sua
estrutura cognitiva.
Por exemplo, para a Aprendizagem Significativa do Teorema de Pitágoras, faz-se
necessário que o aluno apresente, na sua estrutura cognitiva, alguns conceitos prévios,
tais como: retas; semi-retas; segmentos de retas; triângulo retângulo; área de triângulos;
vértices; hipotenusa; catetos, dentre outros. Na perspectiva da TAS, a Aprendizagem
Significativa do Teorema de Pitágoras é um tipo de Aprendizagem Significativa Pro-
posicional, que subentende a ocorrência dos dois outros tipos de Aprendizagem
Significativa: a Representacional e a Conceitual. De acordo com Moreira:
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Maria Cecília Pereira Santarosa, Vaneza de Carli Tibulo
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A aprendizagem significativa pode ser representacional, de conceitos (conceitual) ou proposicio-
nal. A primeira envolve a aquisição de significados para símbolos unitários (tipicamente, palavras)
e é básica para as outras duas. Estas podem ser do tipo subordinada, quando o novo conceito ou
proposição é assimilado por conceitos ou proposições superordenadas específicas, existentes na
estructura cognitiva; superordenada, quando o novo conceito ou proposição emerge do relacio-
namento de significados de ideias preexistentes na estructura cognitiva e passa a assimilá-las;
combinatória, quando a nova informação não se relaciona especificamente a ideias subordinadas,
ou superordenadas, e sim, de maneira geral, com um conteúdo amplo relevante, existente na
estructura cognitiva (MOREIRA, 2006, p. 39).
No que se refere ao Teorema de Pitágoras (exemplo citado), a aprendizagem sig-
nificativa da representação matemática do teorema é o primeiro passo; tal representação
envolve os conceitos de catetos, quadrados dos catetos, hipotenusa, quadrado da hipo-
tenusa, os quais já foram assimilados de forma significativa em aprendizagens
anteriores, isto é, já passaram pelo fase da representação, conceitualização, e já estiveram
presentes em outras relações proposicionais. O Teorema de Pitágoras passará a supe-
rordenar estes conceitos ou proposições, reintegrando-os, ou passará a subordiná-los
diferenciando-os progressivamente, dependendo da estrutura cognitiva do aprendiz no
momento da aprendizagem. De forma geral, a evidência de Aprendizagem Significativa
está relacionada à capacidade cognitiva de relacionar os conceitos prévios com os novos
conceitos. O mapa conceitual da figura 1 ilustra uma posição de superordenação do
conceito Teorema de Pitágoras.
Figura 1: Exemplo de mapa conceitual relacionando alguns conceitos do Teorema
de Pitágoras.
Fonte: As autoras.
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Outro exemplo importante a ser citado dentro das “grandes equações que governam
o mundo” é a Segunda Lei de Newton da Mecânica para o movimento dos corpos, repre-
sentada por:
= , que relaciona os conceitos de força, massa e aceleração. Para que
haja uma aprendizagem significativa da Lei, é necessário que o aprendiz possua em sua
estrutura cognitiva estes conceitos, a fim de que possa atribuir significado a nova equação.
O professor deve estar atento neste processo, pois uma Aprendizagem Significativa não é
sinônimo de aprendizagem correta. Segundo Moreira (2006), isso pode ocorrer quando os
conhecimentos prévios do aluno não são cientificamente aceitos na matéria de ensino. Um
caso clássico disso é quando detectamos, empiricamente, nos cursos introdutórios de Cál-
culo, entre os alunos, a seguinte afirmação:
= ,  , sem entender que este
resultado vale apenas para x positivo. Então, podemos afirmar que o conceito de módulo
não foi aprendido de forma significativa pelo aluno. Neste caso, os conhecimentos prévios
devem ser investigados pelo professor para que sejam re/construídos de forma significativa.
Por outro lado, caso a interação entre o novo conhecimento e o conhecimento prévio
seja literal e arbitrária, ou caso o aluno não disponha destes conhecimentos prévios em sua
estrutura cognitiva, então a aprendizagem poderá ser mecânica, memorística. A aprendiza-
gem mecânica é aquela em que novas informações são aprendidas praticamente sem
interagir com conceitos relevantes existentes na estrutura cognitiva, sem ligarem-se a con-
ceitos subsunçores específicos, a nova informação é armazenada de maneira arbitrária e
literal, não interagindo com aquela já existente na estrutura cognitiva e pouco ou nada
contribuindo para sua elaboração e diferenciação. Na figura 2 Novak (1977) ilustra uma
representação da Aprendizagem Significativa e da Aprendizagem Mecânica.
Figura 2: Aprendizagem Significativa versus Aprendizagem Mecânica.
Fonte: Novak (1977).
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Como diz Moreira (2006), referente a Aprendizagem Mecânica é o caso daquela
aprendizagem de “véspera de prova”, que não pode ser retida por muito tempo na
mente do aprendiz. É uma aprendizagem memorística, sem significado, sem compre-
ensão, sem capacidade de explicar, que ocorre a curto prazo com a finalidade de
reproduzir para determinado fim. Pode-se afirmar que é o tipo de aprendizagem que
predomina nas escolas. Aprendizagens mecânicas ao longo da vida estudantil podem
provocar a escassez de conceitos subsunçores (conhecimentos prévios específicos) na
estructura cognitiva do aprendiz. O papel do professor será o de prover situações de
ensino que favoreçam o resgate ou a formação destes conceitos na estructura cognitiva.
Nestes casos, Ausubel (2003) propõe o uso de mecanismos pedagógicos definidos
como Organizadores Avançados, também denominados de Organizadores Prévios
(OP) por Moreira (2006). OP são materiais introdutórios apresentados aos alunos, que
servem de “ponte cognitiva” entre o que o aluno já sabe e o que deveria saber para a
aprendizagem do novo conceito. Moreira (2006) corrobora afirmando que são materi-
ais introdutórios, apresentados antes do próprio material a ser aprendido, porém, em
um nível mais alto de abstração, generalidade e inclusividade do que esse material.
De acordo com Novak:
Para serem eficazes os organizadores avançados devem obedecer a dois requisitos: (1) o conheci-
mento conceitual e proposicional relevante específico do aluno deve ser especificado; (2) deve
planejar-se uma organização apropriada e uma sequência dos novos conhecimentos a serem
aprendidos, de forma que se otimize a capacidade do formando de relacionar os novos conheci-
mentos com os conceitos e proposições que já possui (NOVAK, 2000, p. 71).
Observa-se que não é uma tarefa fácil para o professor, especialmente pela carac-
terística única da estructura cognitiva idiosincrática de cada aprendiz, difícil de ser
investigada. Na presente pesquisa os OP são desenvolvidos a partir de tendências me-
todológicas da área da Educação Matemática, como elementos que podem auxiliar a
predisposição e a intencionalidade para a aprendizagem significativa.
OP podem ser classificados como expositivos ou comparativos conforme Quadro
1.
Quadro 1: Tipos de Organizadores Prévios.
Expositivo
Comparativo
- O material a ser aprendido não é familiar
para o aluno;
- Formulado em termos do que o aprendiz
sabe em outras áreas do conhecimento;
- Substitui o conteúdo já existente na estru-
tura cognitiva do aluno, por aquele conteúdo
- O material a ser aprendido já é familiar para o
aluno;
- Deve ser usado tanto para integrar como para
discriminar as novas informações e conceitos,
ideias ou proposições, basicamente similares ou
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Tendências para Organizadores Prévios com vistas à Aprendizagem Significativa em demonstrações matemáticas
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especificamente relevante para a aprendiza-
gem do novo material.
essencialmente distintos, já existentes na estru-
tura cognitiva.
Fonte: Adaptado de Moreira (2006).
Corroborando a visão de Novak (2000), Moreira (2008) traz que os OP devem:
(1) Identificar o conteúdo relevante na estrutura cognitiva e explicar a relevância desse
conteúdo para a aprendizagem do novo material; (2) Dar uma visão geral do material
em um nível mais alto de abstração, salientando as relações importantes; (3) Prover
elementos organizacionais inclusivos que levem em consideração, mais eficientemente,
e ponham em melhor destaque o conteúdo específico do novo material, ou seja, prover
um contexto ideacional que possa ser usado para assimilar significativamente novos
conhecimentos.
Estes materiais podem ser constituídos de: um texto introdutório, um vídeo; um
questionário; uma aula experimental, uma dramatização, uma frase, uma discussão,
etc.
Neste sentido, a utilização de Organizadores Prévios mostra-se muito relevante
como estratégia para manipular a estrutura cognitiva a fim de facilitar a Aprendizagem
Significativa.
No presente trabalho, optamos por construir o Organizador Prévio baseado
numa sequência didática, que passa pelas seguintes etapas: (1) História da Matemática
(contexto histórico); (2) Vídeos introdutórios (apresentação geral); (3) Materiais ma-
nipulativos (noção intuitiva); (4) Resolução de problemas (sentido para demonstração);
(5) Demonstração (significado lógico). Nesta sequência, observa-se que a “demonstra-
ção do Teorema”, propriamente dita, é a última etapa apresentada aos estudantes.
Entende-se que esta sequência pode auxiliar o aluno na construção de significados ne-
cessários para a Aprendizagem Significativa dos teoremas matemáticos, conforme
argumenta-se na sequência.
Buscando a construção de significados necessários para a Aprendizagem Signifi-
cativa dos estudantes, o uso das tendências na Educação Matemática mostra-se
relevante. As tendências se referem a formas/caminhos que vem se destacando atual-
mente como recursos didático/pedagógicos promissores, embasadas em diferentes
teorias e posições epistemológicas. Dentre estas tendências citamos: Educação Mate-
mática Crítica, História da Matemática, Etnomatemática, Investigação Matemática,
Modelagem Matemática, Análise de Erros, Resolução de Problemas, Manipulação de
Material Concreto, Tecnologias Digitais de Comunicação e Informação, Leitura e Es-
crita na Matemática, O ensino por meio de Projetos, entre outros.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Diante das tendências apresentadas, neste trabalho, optamos por utilizar na ela-
boração do Organizador Prévio, a História da Matemática, Manipulação de Material
Concreto (a partir de uma noção intuitiva) e a Resolução de problemas.
A História da Matemática por ser um elemento motivador. Bicudo e Borba
(2012) defendem a introdução da História da Matemática no processo educacional
como fator de melhoria no ensino de Matemática e apresentam argumentos positivos
para essa inserção, dentre eles: O desenvolvimento histórico da Matemática mostra que
as ideias, dúvidas e críticas que foram surgindo não devem ser ignoradas diante de sua
própria organização linear; A História da Matemática pode motivar, estimular e atrair
o aluno; A História da Matemática fornece subsídios para articular diferentes domínios
da Matemática; O envolvimento dos estudantes com projetos históricos pode desen-
volver também o crescimento pessoal e outras habilidades; entre tantos outros
argumentos.
Apesar de ser muito útil na fase da construção de conceitos pela criança, a mani-
pulação de Material Concreto em sala de aula também pode despertar a motivação e a
curiosidade nos estudantes de outras idades, com a intencionalidade de uma melhor
compreensão dos conceitos matemáticos, tendo como ponto de partida a noção intui-
tiva do conteúdo do ensino. De acordo com Santos, Oliveira & Oliveira (2013), o
material concreto desenvolve o raciocínio do aluno estimulando o pensamento lógico
matemático, na construção de esquemas conceituais, dando contornos e significados.
É por meio dessas interações com o meio físico e social, que o aprendiz constrói seu
conhecimento.
Já a Resolução de Problemas, por desenvolver habilidades importantes, além dos
conceitos Matemáticos, como trabalho colaborativo, criatividade, persistência, resiliên-
cia, espírito investigativo, também se destaca neste processo. O trabalho colaborativo,
em especial, é altamente promovedor da aprendizagem significativa.
Procedimentos Metodológicos
O trabalho tem abordagem qualitativa e teve sua primeira versão desenvolvida
na UFSM, ao longo do ano de 2016, e direcionado para alunos do Curso de Licencia-
tura em Matemática interessados em participar de um minicurso sobre demonstração
de Leis e Teoremas Matemáticos. A fim de contribuir para a formação dos acadêmicos
do Curso, foram selecionadas três alunas de graduação: uma bolsista e duas participan-
tes, a partir de processo de registro do Projeto no Gabinete de Projetos do Centro de
Ciências Naturais e Exatas (CCNE), da UFSM. Também participou uma professora
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Tendências para Organizadores Prévios com vistas à Aprendizagem Significativa em demonstrações matemáticas
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da Escola Básica com a qual as acadêmicas interagiram na etapa de análise e discussão
do livro didático adotado na Escola.
A opção por uma pesquisa-ação foi devido ao interesse dos participantes na for-
mação e melhoria de suas práticas pedagógicas. De acordo com Moreira:
O objetivo fundamental da pesquisa-ação consiste em melhorar a prática em vez de gerar conhe-
cimento. A produção e utilização do conhecimento se subordinam a este objetivo e estão
condicionadas por ele. A melhora na prática consiste em implantar aqueles valores que consti-
tuem seus fins, por exemplo, a educação no ensino. Porém, o conceito de educação como fim do
ensino transcende a conhecida distinção entre processo e produto. A melhora da prática supõe
levar em conta ao mesmo tempo os resultados e os processos (MOREIRA, 2011, p. 90).
As atividades desenvolvidas no projeto organizaram-se nas seguintes etapas:
1ª ETAPA (fevereiro/2016): Revisão da Literatura - investigação de estudos relacionados ao tema
proposto, em dissertações de mestrado, teses de doutorado e artigos de pesquisa.
2ª ETAPA (março e abril/2016): Investigação em livros didáticos recomendados pelo Plano Na-
cional de Livros Didáticos (PNLD) de Leis e Teoremas Matemáticos, bem como da forma como
são abordados. Nesta etapa foram selecionados 3 livros didáticos, de acordo com os seguintes
requisitos: ênfase no conteúdo matemático, na contextualização matemática e no enfoque histó-
rico matemático ou histórico científico, respectivamente. Conjuntamente, foram contatados
professores de Matemática de uma Escola Pública, na cidade de Santa Maria, a fim de verificar a
forma com que as demonstrações matemáticas são abordadas naquele contexto.
3ª ETAPA (maio e junho/2016): Investigação de problemas que necessitam da aplicação das Leis
e Teoremas investigados na etapa anterior para serem solucionadas.
4ª ETAPA (julho e agosto/2016): Análise dos principais conceitos-chave da Teoria da Aprendi-
zagem Significativa e sua ligação com o tema investigado.
5ª ETAPA (setembro e outubro/2016): Elaboração de um Organizador Prévio, fundamentado
nas Leis e Teoremas propostos, seguindo a sequência: (1) História da Matemática (contexto his-
tórico); (2) Vídeos introdutórios (apresentação geral); (3) Materiais manipulativos (noção
intuitiva); (4) Resolução de problemas (sentido para demonstração); (5) Demonstração (signifi-
cado lógico). Os temas escolhidos foram: Teorema de Pitágoras; Lei dos Senos e Lei dos
Cossenos; Teorema de Tales; Princípio de Cavalieri; Volume da Pirâmide e Potenciação.
6ª ETAPA (novembro/2016): Investigação do processo de aprendizagem a partir dos Organiza-
dores Prévios apresentados. Esta investigação foi firmada basicamente na interpretação de tais leis
e teoremas a partir de problemas da área de formação do aluno.
Os instrumentos utilizados para a coleta dos dados foram: diários de campo -
com anotações de todas as observações relacionadas ao desenvolvimento do trabalho;
entrevistas semiestruturadas - os alunos participantes do minicurso foram interrogados
acerca de questões relacionadas ao tema desenvolvido na pesquisa; pré-teste - a fim de
investigar quais conhecimentos prévios os alunos apresentavam em suas estruturas cog-
nitivas, numa fase anterior ao desenvolvimento da proposta.
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A análise dos dados foi descritiva e interpretativa, importando mais o processo
do trabalho desenvolvido, as concepções do público alvo investigado e suas experiências
prévias, do que necessariamente o resultado final da pesquisa.
Semanalmente eram realizados seminários onde discutia-se, de forma gradativa,
a construção e o processo dos eventos observados e analisados ao longo da pesquisa.
Possíveis alterações necessárias para a viabilidade e continuidade da pesquisa eram re-
gistradas e reelaboradas, após uma análise minuciosa das causas que levaram a tais
mudanças.
Na sequência apresentamos um dos Organizadores Prévios elaborado e aplicado
sobre o tema Volume da pirâmide, que faz parte do referido Projeto de Pesquisa, En-
sino e Extensão.
Organizador prévio: Volume da pirâmide
População alvo: acadêmicos do Curso de Matemática Licenciatura.
Assunto: Volume da pirâmide.
Conhecimentos prévios: Ponto, Reta, Plano, Posições de Retas, Posições de Plano,
Simetria, Reflexão, Distância de ponto a reta, Distância entre retas, ngulos entre retas,
Ângulo entre Planos, Ângulo entre reta e plano, Figuras planas, Semelhança de triân-
gulos, Congruência de triângulos, Volume do prisma e Princípio de Cavalieri.
Objetivo do organizador prévio: Propiciar uma interação entre conceitos novos
com os já existentes na estrutura cognitiva dos alunos, buscando, dessa forma, uma
aprendizagem significativa relacionada ao Volume da pirâmide com a inserção das ten-
dências: História da Matemática, Manipulação de Material Concreto e Resolução de
problemas.
Descrição do organizador prévio: Para melhor organização e descrição da sequência
didática optou-se pela seguinte organização:
(1) História da Matemática (contexto histórico)
Objetivo: Contextualizar o conteúdo sobre volume de pirâmides a partir da His-
tória do surgimento e desenvolvimento das pirâmides, a fim de auxiliar o aprendiz no
processo de construção de subsunçores.
Instrumento utilizado: Descrição histórica.
Princípio: Conhecer, historicamente, pontos altos da matemática de ontem, po-
derá, na melhor das hipóteses, e de fato fazer isso, orientar no aprendizado e no
desenvolvimento da Matemática de hoje (D’AMBROSIO, 2014).
A Figura 3 apresenta a descrição histórica que os estudantes tiveram contato.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Tendências para Organizadores Prévios com vistas à Aprendizagem Significativa em demonstrações matemáticas
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Figura 3: Descrição histórica referente a pirâmides.
Pirâmides
As pirâmides do Egito foram construídas há milhares de anos para abrigar tumbas de faraós.
No Egito, são conhecidas cerca de cem pirâmides, sendo as mais famosas as de Gizé, um com-
plexo formado por três pirâmides: Quéops, Quéfren e Miquerinos.
A pirâmide de Quéops, datada de 2500 a. C., foi construída pelo faraó Quéops (Khufu em
egípcio) e é a maior delas. Quéops é também a mais antiga das sete maravilhas do mundo
antigo e a única que ainda resiste ao tempo. Até a construção da Torre Eiffel, em Paris, em
1889, a pirâmide de Quéops era a construção mais alta do mundo. Suas dimensões são monu-
mentais: 137 metros de altura e 227 metros em cada lado da base.
Além da câmara do Rei, outras duas são conhecidas: a da Rainha (que não abriga a múmia da
mulher de Quéops, apesar do nome) e a Secreta. Para descobrir se existem outras salas, os
cientistas teriam que usar explosivos, que podem danificar a estrutura da obra.
Quanto ao revestimento da pirâmide, Quéops mandou revestir toda a parte externa de sua fu-
tura tumba com pedra calcária polida. A pirâmide, literalmente, brilhava com a luz do sol e
podia ser vista a quilômetros de distância. O revestimento foi saqueado há mais de 600 anos.
Hoje existem apenas resíduos dele no topo da maravilha.
Entre as medidas tomadas para que o sarcófago do faraó não fosse saqueado, os idealizadores
da pirâmide colocaram pedregulhos para bloquear as estradas, portas pesadas de granito, cor-
redores e câmaras vazias para despistar invasores.
Quanto à construção da pirâmide, existem algumas teorias que explicam como teria sido o pro-
cesso de construção. A mais aceita é de que os blocos eram arrastados sobre troncos de
madeira por uma rampa. Outra possibilidade seria uma rampa nas paredes externas do mo-
numento.
Fonte: http://www.sohistoria.com.br/ef2/egito/piramides.php.
(2) Vídeos introdutórios (apresentação geral)
Objetivo: Apresentar de forma abrangente e inclusiva, o conteúdo relacionado
ao estudo do volume da pirâmide, instigando o aprendiz a abstrair pontos chaves im-
portantes do conteúdo.
Instrumento: Vídeo selecionado a partir de uma análise crítica.
Princípio: O uso de vídeos em sala de aula, é um fator motivador para aprendi-
zagem significativa. Link do vídeo: https://youtu.be/C_8QntZKExg.
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(3) Material manipulativo (noção intuitiva)
Objetivo: Resgatar os conceitos apresentados no vídeo, através do raciocínio in-
tuitivo, a fim de desenvolver habilidades manipulativas.
Instrumento: Folhas, colas, tesouras, planificações, lápis, réguas, borrachas, etc.
Princípio: O raciocínio intuitivo é o primeiro passo para a construção dos con-
ceitos subsunçores na mente do aprendiz.
Descrição da atividade: Entregar, a cada aluno, um prisma e uma pirâmide, am-
bos planificados e de mesma base e altura; Solicitar que montem essas figuras, de
maneira que não coloquem uma das bases, ou seja, deixem uma tampa para que possa
ser aberta; Após, solicitar que preencham o interior da pirâmide com bolinhas de isopor
bem miudinhas; Posteriormente, transferir essa quantidade de bolinhas da pirâmide
para o prisma; Questioná-los a observarem o que aconteceu com a pirâmide e o prisma.
Com esta atividade, o aluno pode deduzir a relação abaixo:
â
do volume do prisma
â
.
. h
Na sequência, levar dois sólidos geométricos com mesma base e altura, colocar
água e fazer a transferência da água entre os sólidos, também para os alunos entenderem
essa relação.
(4) Resolução de problemas (sentido para demonstração)
Objetivo: Proporcionar ao aluno meios para que possa construir o conhecimento
relacionado ao volume de pirâmides, de tal maneira a conseguir.
Instrumento: Problemas selecionados de fontes diversas.
Princípio: A resolução de problemas possibilita aos estudantes dedicarem-se de
maneira independente e autônoma na busca de ideias e estratégias novas para alcançar
uma solução adequada ao problema originalmente planejado (GROENWALD, SILVA
E MORA, 2004).
Descrição da atividade: Dividir a turma em cinco grupos; Pensar e resolver os
problemas propostos expostos no Quadro 2; Apresentar no quadro para os demais co-
legas.
Quadro 2: Problemas propostos no Organizador Pvio - Volume da pirâmide.
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Problema 1
(UNESP) A figura a seguir mostra uma pirâmide re-
gular de base quadrada cuja altura tem a mesma
medida que as arestas da base. Pelo ponto médio
M da altura OQ, traça-se o segmento MN perpendi-
cular à aresta OA. Se 'a' expressa a medida de MN,
determine o volume da pirâmide em função de 'a'.
Problema 2
(PUCSP) Um imperador de uma antiga civilização mandou construir uma pirâ-
mide que seria usada como seu túmulo. As características dessa pirâmide são:
1°) sua base é um quadrado com 100 m de lado, e
2°) sua altura é de 100 m.
Para construir cada parte da pirâmide equivalente a 1000 m³, os escravos, utiliza-
dos como mão-de-obra, gastavam, em média, 54 dias. Mantida essa média, o
tempo necessário para a construção da pirâmide, medido em anos de 360 dias,
foi de
a) 40 anos.
b) 50 anos.
c) 60 anos.
d) 90 anos.
e) 150 anos.
Problema 3
(UFSM) Um técnico agrícola utiliza um pluviômetro
na forma de pirâmide quadrangular, para verificar o
índice pluviométrico de uma certa região. A água,
depois de recolhida, é colocada num cubo de 10cm
de aresta. Se, na pirâmide, a água atinge uma al-
tura de 8cm e forma uma pequena pirâmide de
10cm de apótema lateral, então a altura atingida
pela água no cubo é de
a) 2,24 cm
b) 2,84 cm
c) 3,84 cm
d) 4,24 cm
e) 6,72 cm
Problema 4
Quando duas pirâmides regulares de bases quadradas e cujas faces laterais são
triângulos equiláteros são colocadas base a base, o sólido resultante é chamado
octaedro regular. Calcule o volume do octaedro de aresta 5cm.
Problema 5
(UFPE) Na figura abaixo o cubo de aresta medindo
6 está dividido em pirâmides congruentes de bases
quadradas e com vértices no centro do cubo. Qual
o volume de cada pirâmide?
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Problema 6
A figura abaixo representa a planificação de um só-
lido. O volume desse sólido, de acordo com as
medidas indicadas, é?
Problema 7
(FGV-SP) Um octaedro regular está inscrito num cubo de aresta com 4cm de
comprimento, isto é, seus vértices coincidem com o centro de cada face do cubo.
O volume do octaedro é?
Problema 8
Um artesão pretende construir uma pirâmide quadrangular regular de madeira
maciça. Para isso, ele dispõe de um cubo de madeira maciça cuja aresta mede
a. Se a pirâmide possuir aresta da base e altura medindo, respectivamente, a e
a/2, qual será a razão entre o volume da pirâmide e da parte da madeira não utili-
zada?
Problema 9
O volume de uma pirâmide hexagonal regular, cuja
aresta da base mede 4cm e cuja base está contida
no plano β, é 72
3 cm³. Sabendo que a razão entre
as alturas das pirâmides com base no plano
α e
com base no plano β é 1/3, determine o volume da
pirâmide com base no plano α.
Problema
10
(UEPA-PA) Uma indústria que produz perfumes à base de essências genuínas
da Amazônia resolveu inovar nas embalagens de seus produtos para chamar a
atenção do consumidor. O Cheiro do Pará, por exemplo, foi engarrafado em fras-
cos no formato de uma pirâmide quadrangular regular de altura 15cm e perímetro
da base 20cm.
O volume de um desses frascos é?
Fonte: http://projetomedicina.com.br/site/attachments/article/414/matematica_geometria_espa-
cial_piramide_exercicios.pdf.
(5) Demonstração (significado lógico)
Objetivo: Desenvolver, juntamente com os alunos, os passos da demonstração
do teorema, instigando-os a perceberem todos os aspectos necessários.
Instrumento: Utilização da lousa, ou apresentação em slides.
Princípio: O ensino por recepção pode ser potencialmente significativo, desde
que haja uma interação entre os conhecimentos prévios e os novos conhecimentos, de
forma substantiva e não arbitrária (AUSUBEL, 2003).
Descrição da atividade: Para a demonstração do Volume da pirâmide, propõem-
se decompor um prisma triangular em três pirâmides, como a Figura 4.
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Figura 4: Decomposição de um prisma triangular em três pirâmides.
Fonte: Dante, 2010.
Após a decomposição, algumas observações podem ser feitas:
(1) As pirâmides I e II têm bases congruentes e alturas iguais. De fato, os triân-
gulos ABC e DEF são congruentes e a distância de D ao plano (ABC) é igual à distância
de C ao plano (DEF) – altura do prisma original. Logo, I e II têm mesmo volume.
(2) As pirâmides II e III também m bases congruentes e alturas iguais. De fato,
o triângulo CEF é congruente ao triângulo BCE, pois cada um deles é a metade do
paralelogramo BCFE, e a altura de cada uma dessas pirâmides é a distância de D ao
plano (BCFE). Logo, II e III m o mesmo volume. Assim,
=

e

=

e, por-
tanto, os três volumes são iguais.
Lembrando que:

=
+

+

Como
=

=

, então

= 3V
Sabe-se que

= área da base x altura, então
área da base x altura = 3V
V =
á
(3) A propriedade citada em (2) pode ser verificada experimentalmente. Con-
forme observamos na figura 5, se quiséssemos encher de água uma vasilha em forma de
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prisma usando um recipiente em forma de pirâmide, com mesma base e mesma altura,
seria necessário usá-lo três vezes para encher a vasilha.
Figura 5: Verificação experimental da propriedade (2).
Fonte: Dante, 2010.
Para determinar o volume de uma pirâmide qualquer, usa-se a conclusão anterior
e o Princípio de Cavalieri. Assim, conforme ilustra a figura 6, dada uma pirâmide qual-
quer, considera-se uma pirâmide triangular que tenha a mesma área da base e a mesma
altura que uma pirâmide qualquer.
Figura 6: Duas pirâmides com áreas das bases iguais e mesma altura.
Fonte: Dante, 2010.
O Princípio de Cavalieri garante que duras pirâmides com áreas das bases iguais
e com a mesma altura, têm volumes iguais. Então: volume da pirâmide triangular =
volume de uma pirâmide qualquer (de mesma área da base e mesma altura).
Figura 7: Uma pirâmide qualquer.
Fonte: Dante, 2010.
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Dessa forma, volume de uma pirâmide qualquer, representada na figura 7 é dado
por:
V =

.
Resultados Obtidos e Considerações Finais
O Projeto de Pesquisa, Ensino e Extensão ao qual este trabalho está relacionado
foi executado com um aproveitamento excelente por parte da bolsista e das duas aca-
dêmicas participantes. Foi ministrado por elas e pela primeira autora do trabalho, um
Minicurso intitulado: “Organizadores Prévios para o Ensino de Demonstrações Mate-
máticas” numa carga horária de 20 horas, onde contexto histórico, vídeos, manipulação
de material concreto e resolução de problemas foram todos elaborados pelas acadêmi-
cas, sob orientação e supervisão da primeira autora e orientadora do trabalho.
Neste minicurso foram abordados os temas: Teorema de Pitágoras; Lei dos Senos
e Lei dos Cossenos; Teorema de Tales; Princípio de Cavalieri; Volume da Pirâmide e
Potenciação. Houve a participação de 8 acadêmicos do Curso de Matemática Licenci-
atura Noturno, como cursistas, no minicurso. Ao mesmo tempo em que participavam
das atividades, os cursistas, ao final de cada encontro, faziam apresentações dos proble-
mas resolvidos em duplas. Caracterizou-se, assim, uma constante troca de significados
e socialização de conhecimentos.
Ao longo dos encontros semanais para discussão das aulas apresentadas, perce-
beu-se a necessidade de aprofundamento do referencial teórico, já que os materiais
introduzidos aos estudantes poderiam ser classificados como “Organizadores Prévios”,
na perspectiva de Ausubel (2003). Este é um conceito-chave da Teoria da Aprendiza-
gem Significativa, um recurso aplicado no ensino, a fim de estabelecer uma ponte
provisória entre os conhecimentos prévios que os alunos não possuem e o conheci-
mento que deveriam saber para a nova aprendizagem.
O sucesso da iniciativa foi tão grande, que houve o convite para um dos encon-
tros do Minicurso ser repetido na Semana Acadêmica Integrada do CCNE, onde
acadêmicas participantes e professora orientadora ministraram a seminário relacionado
ao Volume da Pirâmide.
Novamente houve o convite para apresentar o minicurso no Encontro Nacional
da Aprendizagem Significativa (ENAS), na cidade de São Paulo, desta vez, apresentado
pela primeira autora e orientadora do projeto. Lá, o público participante era especiali-
zado na Teoria da Aprendizagem Significativa, o que resultou altamente produtivo para
a futura continuidade do projeto. Atribui-se o valor do trabalho à sua eficiência no que
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Maria Cecília Pereira Santarosa, Vaneza de Carli Tibulo
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tange o processo de formação de professores, vinculado a linha cognitivista da Apren-
dizagem Significativa, como importante concepção para os futuros professores.
Atualmente o projeto está em nível de discussões e aprofundamento sobre os aspectos
teóricos, metodológicos e epistemológicos, bem como a natureza da assimilação e re-
tenção cognitiva dos objetos matemáticos e suas particularidades.
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Tendências para Organizadores Prévios com vistas à Aprendizagem Significativa em demonstrações matemáticas
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Este artigo está licenciado com a licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Contribuições da sala de aula invertida para a promoção de
subsunçores de energia mecânica
Contributions from the inverted classroom to the promotion of
subsunçores on mechanical energy concepts
Contribuciones de la clase inversa para la promoción de subsunçores de
energía mecánica
Maria Aparecida Monteiro Deponti
*
Ana Marli Bulegon
**
Resumo
Neste artigo, discutem-se os resultados de um estudo que objetivou analisar as contribuições da Sala
de Aula Invertida (SAI) para abordar conceitos de Energia Mecânica (EM), por um viés da Teoria
da Aprendizagem Significativa (TAS), realizado em 2018 e 2019, com estudantes do primeiro ano
do Ensino Médio do curso técnico em Sistemas de Energia Renovável, numa escola pública federal
do Rio Grande do Sul. Duas Unidades de Ensino foram organizadas a fim de verificar indícios de
aprendizagem significativa acerca de EM: uma seguindo os pressupostos da SAI (grupo experimental
- GE), planejada na perspectiva dos Três Momentos Pedagógicos (TMP) e outra organizada com a
metodologia expositiva (grupo controle GC). Numa abordagem quali-quanti, utilizou-se como
instrumentos de coleta de dados: pré-teste, pós-teste, diário de campo, material de aula dos estudan-
tes, registros de áudio, imagem e das interações com o ambiente virtual de aprendizagem (AVA).
Utilizou-se as cinco etapas de Moraes (1999) para a análise de conteúdo e o teste estatístico t-Student
para a análise quantitativa. Os resultados indicaram significativa evolução conceitual dos estudantes
do GE em relação aos do GC e a SAI, organizada de acordo com os TMP, contribuiu para a promo-
ção de subsunçores sobre conceitos de EM.
Palavras-chave: Ensino Híbrido; Metodologias Ativas; Energia Mecânica; Unidade de Ensino.
Recebido em: 22.11.2021Aprovado em: 24.02.2022
https://doi.org/10.5335/rep.v29i2.13184
ISSN on-line: 2238-0302
*
Doutora em Ensino de Ciências e Matemática pela UFN. Mestra em Ensino de Ciências pela UNIPAMPA. Docente de
Física do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha Campus Jaguari. Orcid: https:// orcid.org/0000-
0002-4408-9700. E-mail: maria.deponti@iffarroupilha.edu.br.
**
Doutora em Informática na Educação (PPGECIMAT- Programa de Pós-Graduação em ensino de Ciências e Matemática).
Docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da UFN. Orcid: https://
orcid.org/0000-0002-4595-7709. E-mail: anabulegon@ufn.edu.
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Abstract
This article discusses the results of a study that aimed to analyze the contributions of the Inverted
Classroom (IC) to address concepts of Mechanical Energy (MS), by a bias of the Theory of
Significant Learning (TAS), held in 2018 and 2019, with first-year high school students of the
technical course in Renewable Energy Systems, in a federal public school in Rio Grande do Sul. Two
Teaching Units were organized in order to verify evidence of significant learning about MS: one
following the assumptions of the IC (experimental group - EG), planned in the perspective of the
Three Pedagogical Moments (TPM) and another organized with the expository methodology
(control group - CG). In a quali-quanti approach, it was used as instruments of data collection: pre-
test, post-test, field diary, students' classroom material, audio, image and interactions with the virtual
learning environment (VLE). The five stages of Moraes (1999) were used for content analysis and
the t-Student statistical test for quantitative analysis. The results indicated significant conceptual
evolution of the EG students in relation to those of the CG and the IC, organized according to the
TPM, contributed to the promotion of subsunçores on MS concepts.
Keywords: Hybrid Teaching. Active Methodologies. Mechanical Energy. Teaching Unit.
Resumen
En este artículo, discutimos los resultados de un estudio que tuvo como objetivo analizar las contri-
buciones del Aula Invertida (FSS) para abordar conceptos de Energía Mecánica (ME), a través de la
Teoría del Aprendizaje Significativo (TAS), realizado en 2018 y 2019 , con alumnos del primer año
de la enseñanza media del curso técnico en Sistemas de Energías Renovables, en una escuela pública
federal en Rio Grande do Sul. Se organizaron dos Unidades Didácticas con el fin de verificar eviden-
cias de aprendizaje significativo sobre EM: una siguiendo los supuestos del SAI (grupo experimental
- GE), planificada desde la perspectiva de los Tres Momentos Pedagógicos (TMP) y otra organizada
con la metodología expositiva ( control de grupo - GC). En un enfoque cuali-cuantitativo, se utili-
zaron los siguientes instrumentos de recolección de datos: pretest, postest, diario de campo, material
de clase de los estudiantes, registros de audio e imagen e interacciones con el ambiente de aprendizaje
virtual (AVA). Se utilizaron los cinco pasos de Moraes (1999) para el análisis de contenido y la
prueba estadística t-Student para el análisis cuantitativo. Los resultados indicaron una evolución
conceptual significativa de los alumnos de GE en relación a los alumnos de GC, y el SAI, organizado
según el TMP, contribuyó para la promoción de subsumers sobre conceptos de EM.
Palabras clave: Enseñanza Híbrido; Metodologías Activas; Energía Mecánica; Unidad de Enseñanza.
Introdução
Atualmente, o processo de ensino e aprendizagem ainda colabora para uma
aprendizagem mecânica, em que os conteúdos são transmitidos de maneira tradicional
e com evidente preocupação na memorização de conceitos (AGRA et al., 2019) e o
aluno assume a postura passiva frente ao novo conhecimento (FREITAS, 2015).
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Contribuições da sala de aula invertida para a promoção de subsunçores de energia mecânica
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Em relação ao ensino de Física, Oliveira (2015), Freitas (2015) e Santos (2017)
apontam para a necessidade de romper com a visão clássica dos programas curriculares
extensos, com excesso de conteúdos e as metodologias de ensino tradicionais que prio-
rizam a passividade do estudante, a memorização de leis e equações matemáticas e são
pautadas “[...] quase que exclusivamente no uso dos livros didáticos em aulas estrita-
mente expositivas, contrapondo a premente demanda de integração de laboratórios de
ciências e metodologias inovadoras de ensino e aprendizagem [...]” (OLIVEIRA, 2015,
p. 26).
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) prevê como competência para a
área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias, no Ensino Médio (BRASIL, 2018, p.
538-539):
Investigar situações-problema e avaliar aplicações do conhecimento científico e tecnológico e suas
implicações no mundo, utilizando procedimentos e linguagens próprios das Ciências da Natu-
reza, para propor soluções que considerem demandas locais, regionais e/ou globais, e comunicar
suas descobertas e conclusões a públicos variados, em diversos contextos e por meio de diferentes
mídias e tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC).
Assim, entende-se a importância de promover um ensino de Física que articule
a abordagem de conceitos e leis com a vivência do estudante, de forma que este seja
capaz de compreender, interpretar e aplicar conhecimentos científicos em situações re-
ais do seu cotidiano. A metodologia escolhida para abordar os conteúdos pode
contribuir para que os estudantes compreendam os fenômenos físicos do mundo à sua
volta, seja em sistemas naturais ou em equipamentos tecnológicos e possam interferir
nele de forma organizada contribuindo para a manutenção do ecossistema natural
(BRASIL, 2018).
Estudos acerca das metodologias educacionais evidenciam as metodologias ativas
como promotoras da autonomia (BACICH, 2016; MORAN, 2018; SANTOS, 2017;
VALENTE, 2018), pois demonstram que é possível planejar e desenvolver um ensino
centrado no estudante, de forma que este tenha condições de agir com autonomia e
relacionar os novos conhecimentos com situações do cotidiano. Nesse sentido, e “Le-
vando-se em conta o momento de transformações em que vivemos, promover a
autonomia para aprender deve ser preocupação central [...]” (BRASIL, 1998, p. 23-
24), faz-se necessário avaliar outras possibilidades de disseminar o conhecimento fa-
zendo uso de recursos digitais.
Nessa perspectiva, discute-se a proposta de repensar a ideia de aula tradicional,
pautada nas explicações do professor para posterior cobrança na forma de temas ou
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avaliações. Para isso, este trabalho apresenta-se os resultados de um estudo realizado
acerca da implementação da Sala de Aula Invertida (SAI), organizada na perspectiva da
metodologia dos Três Momentos Pedagógicos (TMP), no Ensino Médio, como uma
estratégia pedagógica eficaz para diagnosticar a presença ou ausência de subsunçores
e/ou usar ou criar organizadores prévios para desenvolvê-los.
A Sala de Aula Invertida
Autores como Bacich (2016), Valente (2018), Moran (2015), Andrade et al.
(2019) e Freitas (2015) entendem a SAI como um modelo de ensino híbrido, pois é
uma metodologia de ensino no formato on-line que utiliza recursos digitais para ori-
entar o processo de ensino e promover a aprendizagem, possibilitando momentos de
discussão e produção, individuais e coletivos e aulas on-line e off-line, em espaços va-
riados (BACICH, 2016).
Segundo Christensen, Horn e Staker (2013, p. 7)
O ensino híbrido é um programa de educação formal no qual um aluno aprende, pelo menos em
parte, por meio do ensino online, com algum elemento de controle do estudante sobre o tempo,
lugar, modo e/ou ritmo do estudo, e pelo menos em parte em uma localidade física supervisio-
nada, fora de sua residência.
A mistura entre sala de aula e ambientes virtuais tende a contribuir para abrir a
escola para o mundo e para trazer o mundo para dentro da escola. No Ensino Médio,
a SAI surge como uma possibilidade pedagógica de alternar os momentos de ensino
entre on-line e presencial e ampliar os ambientes de aprendizagem e, sendo uma mo-
dalidade de ensino híbrido, “[...] permite que esses estudantes aprendam online ao
mesmo tempo em que se beneficiam da supervisão física e, em muitos casos, instrução
presencial” (CHRISTENSEN; HORN; STAKER, 2013, p. 7).
Valente (2014, p. 85) entende que a SAI é
[...] uma modalidade de e-learning na qual o conteúdo e as instruções são estudados on-line antes
de o aluno frequentar a sala de aula que agora passa a ser o local para trabalhar os conteúdos já
estudados, realizando atividades práticas como resolução de problemas e projetos, discussão em
grupo, laboratórios etc. A inversão ocorre uma vez que no ensino tradicional a sala de aula serve
para o professor transmitir informação para o aluno que, após a aula, deve estudar o material que
foi transmitido e realizar alguma atividade de avaliação para mostrar que esse material foi assimi-
lado.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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A SAI é uma metodologia ativa que coloca o foco do processo de ensino e apren-
dizagem no estudante (VALENTE, 2018) dando ênfase ao seu protagonismo,
participação e interação, de forma flexível, interligada e híbrida (MORAN, 2018). A
SAI inverte forma tradicional de ensinar, pois a teoria passa a ser estudada em casa e o
tempo da sala de aula é otimizado para discutir, realizar exercícios, aplicar o conheci-
mento e reforçar o entendimento do conteúdo (BACICH, 2016; BERGMANN;
SAMS, 2016; FREITAS, 2015) sob a supervisão do professor (MORAN, 2015).
Nessa perspectiva, a SAI sugere a possibilidade de otimizar o tempo de aula pre-
sencial, pois “O tempo que seria gasto com a transmissão de informações passa a ser de
engajamento entre professor e aluno, o que se torna uma vantagem para ambos, o que
ocorreu na intervenção pedagógica realizada” (ANDRADE et al., 2019, p. 6), o pro-
fessor assume o papel de mediador da aprendizagem e consegue elaborar materiais
personalizados, trabalhar as dificuldades dos estudantes, revisar o conteúdo e promover
discussões e realização de questões de forma individual ou em grupos (SANTOS,
2017).
Na SAI os alunos estudam de forma independente, em qualquer tempo ou es-
paço e o tempo na sala de aula presencial é utilizado para discussões e realização de
exercícios com os professores orientando e auxiliando quando necessário. Nesse sen-
tido, entende-se a possibilidade de implementar um ensino personalizado, quando o
professor auxilia os estudantes de forma mais individualizada, ajustando as atividades e
explicações de acordo com o ritmo de cada um a fim de promover a compreensão do
conteúdo.
A Teoria da Aprendizagem Significativa
A Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS), na concepção de Ausubel, é cog-
nitivista e apresenta uma abordagem teórica acerca do processo de aprendizagem. Nesse
sentido, existe uma preocupação com o processo de compreensão, transformação, ar-
mazenamento e significação das informações na estrutura cognitiva do indivíduo
(MASINI; MOREIRA, 2017).
No contexto escolar, a preocupação está relacionada com as situações de ensino
e aprendizagem. “Se tivesse que reduzir toda a psicologia educativa a um único princí-
pio, enunciaria este: de todos os fatores que influenciam na aprendizagem, o mais
importante consiste naquilo que o aluno já sabe. Averigue isso, e ensine-o de acordo
(AUSUBEL, 1978, p. 7, tradução nossa).
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Aprendizagem significativa é o conceito mais importante da TAS e, segundo Au-
subel (1978), é o processo pelo qual uma nova informação se relaciona com um aspecto
relevante da estrutura cognitiva do indivíduo. Este conceito, contrapõe as ideias beha-
vioristas em que o professor transmitia o conhecimento e os alunos o traduziam e
acumulavam com o objetivo de reprodução (AGRA et al., 2019).
Para Moreira (2010, p. 2):
Aprendizagem Significativa é aquela em que ideias expressas simbolicamente interagem de ma-
neira substantiva e não-arbitrária com aquilo que o aprendiz já sabe. Substantiva quer dizer não-
literal, não ao pé-da-letra, e não-arbitrária significa que a interação não é com qualquer ideia
prévia, mas sim com algum conhecimento especificamente relevante já existente na estrutura
cognitiva do sujeito que aprende.
A aprendizagem significativa “[...] ocorre quando há uma interação cognitiva, ou
seja, uma interação entre um ou mais aspectos da estrutura cognitiva e o(s) novo(s)
conhecimento(s)” (MASINI; MOREIRA, 2017, p. 24) e ancora-se em conceitos que
são específicos e relevantes na estrutura cognitiva do indivíduo, os subsunçores
(MOREIRA, 2010), cuja função é possibilitar novos significados aos conhecimentos
que estão sendo apresentados ou descobertos (AGRA et al., 2019). Portanto, faz-se
necessário utilizar conhecimentos existentes na estrutura cognitiva do estudante a fim
de sustentar as novas informações de forma duradoura traduzindo-se, assim, em apren-
dizagem significativa.
Ademais, a ocorrência da aprendizagem significativa (AUSUBEL, 2003;
MOREIRA, 2010; MOREIRA; MASINI, 2001) está condicionada a:
materiais instrucionais potencialmente significativos, ou seja, não arbitrários e que façam sen-
tido para o aprendiz de forma que a interação de significados ocorra por meio de um
conhecimento prévio específico e relevante existente na estrutura cognitiva do estudante.
predisposição para aprender, significa ter uma disposição de relacionar-se com o novo mate-
rial, independente da razão, de forma não arbitrária e não literal. O aprendiz precisa
manifestar a intenção de relacionar os novos conhecimentos com os conhecimentos prévios a
fim de torná-los mais completos e elaborados, sendo possível estabelecer relações e atribuir
significados (AGRA et al., 2019).
Em termos de materiais instrucionais, é possível destacar o uso de organizadores
prévios como uma estratégia proposta por Ausubel para manipular a estrutura cognitiva
com a função de “[...] preencher a lacuna existente entre o que o aluno já conhece e o
que precisa saber, antes de aprender a tarefa de forma imediata e com bons resultados
(AUSUBEL, 1978, p. 179, tradução nossa).
Segundo Agra et al. (2019, p. 263), o organizador prévio é
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Contribuições da sala de aula invertida para a promoção de subsunçores de energia mecânica
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[...] uma modalidade instrucional com características de nível mais alto de abstração, generali-
dade e inclusividade em relação ao material de aprendizagem, cuja finalidade é auxiliar o sujeito
a perceber a relação entre os novos conhecimentos e os subsunçores existentes em sua estrutura
cognitiva, os quais servem para facilitar a aprendizagem, uma vez que assumem a função de ‘pon-
tes cognitivas’.
Assim, os organizadores podem ser entendidos como recurso instrucional que
sirvam de âncora para a nova aprendizagem quando o estudante não dispõe de subsun-
çores adequados e “[...] devem mobilizar todos os conceitos válidos da estrutura
cognitiva potencialmente relevantes para desempenharem o papel de subsunçor [...]”
(MOREIRA; MASINI, 2001, p. 31) a fim de atribuir significado ao novo conheci-
mento.
No processo de aquisição de significados na estrutura cognitiva do estudante, é
importante considerar a diferenciação progressiva e a reconciliação integrativa. Para
tanto, as novas informações devem ser organizadas de forma que os conceitos mais
gerais e inclusivos sejam apresentados antes dos mais específicos e, quando ocorre a
aprendizagem significativa, os novos conhecimentos serão progressivamente diferenci-
ados de forma que o estudante tenha condições de relacionar proposições e conceitos,
semelhanças e diferenças e reconciliar inconsistências reais ou aparentes (AUSUBEL,
1978).
Aspectos metodológicos
Essa pesquisa, de cunho qualitativo e quantitativo, analisou as contribuições da
SAI para abordar conceitos de EM, por um viés da TAS. Foi organizada de acordo com
a metodologia dos Três Momentos Pedagógicos (TMP) e desenvolvida com estudantes
do 1º ano do Curso Técnico em Sistemas de Energia Renovável, integrado ao Ensino
Médio, em uma escola da rede pública federal do Rio Grande do Sul, em duas etapas.
A primeira etapa ocorreu em 2018 com um grupo de 31 estudantes denominado grupo
experimental (GE), na qual foi elaborada uma Unidade de Ensino (UE) que abordou
conceitos de Energia Mecânica (EM) a fim de implementar a metodologia SAI, orga-
nizada na perspectiva dos TMP, e verificar suas contribuições para a aprendizagem dos
estudantes. A segunda etapa ocorreu em 2019 com um grupo de 31 estudantes, grupo
controle (GC), na qual foi elaborada uma UE acerca dos mesmos conceitos de EM,
porém a fim de implementar a metodologia tradicional/expositiva de ensino, aquela na
qual o professor ocupa o centro do processo de ensino e aprendizagem e é o agente
principal de transmissão do conhecimento.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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A coleta de dados ocorreu por meio de um pré-teste, aplicado no início de cada
UE, e um pós-teste, aplicado ao final das mesmas; dos registros das interações dos par-
ticipantes em aulas presenciais e no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA). Para o
pré-teste, buscou-se contextualizar a realidade vivenciada pelos estudantes do curso téc-
nico em Sistemas de Energia Renovável e elaborou-se quinze questões, objetivas e
abertas, que abrangeram conteúdos de EM a partir dos referenciais Amaldi (1995),
Ramalho; Ferraro; Soares (2015), Válio et al. (2014) para o Ensino Médio.
Os Três Momentos Pedagógicos
Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002) apresentam a metodologia dos três
momentos pedagógicos (TMP) como uma forma de contemplar a dinâmica da orga-
nização das atividades de ensino em que cada momento é planejado e desenvolvido
com o intuito de promover a aprendizagem. O primeiro momento pedagógico refere-
se à problematização inicial (PI), momento no qual o professor apresenta situações reais
do cotidiano dos estudantes, de forma desafiadora e que possibilite a apreensão e a
compreensão dos conhecimentos prévios do aprendiz acerca da situação apresentada.
O segundo momento pedagógico é a organização do conhecimento (OC), mo-
mento em os novos conhecimentos devem ser selecionados e organizados de tal forma
que possibilite a compreensão e a sistematização da PI. Na perspectiva da SAI, a OC
representa o momento de integrar as tecnologias digitais nas atividades curriculares,
considerando dois aspectos importantes destacados por Valente (2018, p. 31): “[...] a
produção de material para o aluno trabalhar on-line e o planejamento das atividades a
serem trabalhadas na sala de aula presencial.” Seguindo pressupostos da TAS, é o mo-
mento que possibilita a introdução de materiais instrucionais que funcionem como
organizadores prévios que, para serem úteis, “precisam ser formulados em termos fa-
miliares ao aluno, para que possam ser aprendidos” (MOREIRA; MASINI, 2001, p.
22).
A aplicação do conhecimento (AC) é o terceiro momento pedagógico e consiste
na etapa em que o aprendiz, de posse do conhecimento científico, é capaz de utilizá-lo
para compreender tanto a situação inicial do estudo como relacionar o novo conheci-
mento com situações reais e pertinentes que possam ser explicadas e compreendidas
pelo mesmo.
Nesse contexto, apresenta-se os resultados do desenvolvimento e implementação
da SAI elaborada na perspectiva dos TMP, como opção metodológica para o ensino de
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Física, a fim de promover e verificar indícios de aprendizagem significativa acerca de
conhecimentos de Energia Mecânica.
A organização das Unidades de Ensino
Primeiramente, para o desenvolvimento da SAI, buscou-se organizar uma UE de
forma a seguir pressupostos da BNCC “[...] selecionar, produzir, aplicar e avaliar re-
cursos didáticos e tecnológicos para apoiar o processo de ensinar e aprender [...]”
(BRASIL, 2018, p. 17) e planejar os momentos a distância e em sala de aula de acordo
com a metodologia dos TMP, conforme apresentado no quadro a seguir.
Quadro 1 UE para o desenvolvimento da SAI.
Organização da SAI na perspectiva dos TMP
Problematização
inicial
Organização do conhecimento
Aplicação do
conhecimento
Em sala de aula
Conteúdos
Momentos a
distância
Momentos
em sala de
aula
Em sala de aula
- Aplicação do pré-teste
- Apresentação da situ-
ação-problema que
abordou sobre a escas-
sez de energia elétrica
na escola. Os estudan-
tes deveriam pensar na
implementação de uma
forma alternativa de ge-
ração de energia
elétrica utilizando o
princípio da conserva-
ção da energia e
apresentar na forma de
história em quadrinhos
produzida no Pixton
que é um serviço on-
line que permite criar ti-
rinhas e histórias em
quadrinhos.
- Energia
- Energia ciné-
tica
- Energia poten-
cial
gravitacional
- Energia poten-
cial elástica
- Teorema da
energia cinética
- Sistemas con-
servativos e
sistemas não
conservativos
- Foram utiliza-
dos os seguintes
recursos digitais:
vídeos, arquivos
de texto, slides,
infográfico, si-
mulação
computacional.
- Discussões
acerca dos
materiais de
estudo pré-
vio a fim de
instigar a
participação
dos estudan-
tes e obter a
percepção
de conceitos
subsunçores
nas respos-
tas dadas.
- Resolução
de questões
sobre os
conteúdos
trabalhados
de forma co-
laborativa.
- Socialização
dos vídeos dos
experimentos e
das histórias em
quadrinhos ela-
borados pelos
estudantes.
- Aplicação do
pós-teste.
Fonte: Elaborado pelas autoras.
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Essa organização foi implementada no segundo semestre de 2018, com estudan-
tes que vivenciaram o estudo a distância, com o uso de variados recursos digitais. A
elaboração da UE que foi desenvolvida com o GE, em 13 horas-aula, considerou a
construção de materiais instrucionais formulados para o aproveitamento das caracterís-
ticas de um subsunçor, isto é, procurando apresentar uma boa organização sequencial
do material, identificando o conteúdo mais relevante para a aprendizagem, dando uma
visão mais geral desse conteúdo e provendo elementos organizacionais inclusivos de
forma a facilitar a aprendizagem.
Os momentos a distância contemplaram a introdução de materiais orientadores
dos conteúdos abordados e representaram aqueles em que os estudantes desenvolveram
as atividades sem a presença da professora, de forma autônoma. Os momentos em sala
de aula ocorreram na escola, com a interação presencial entre os estudantes e a profes-
sora e contemplaram momentos de diálogo, questionamentos, realização das questões
de aplicação do conhecimento.
O quadro 2 sintetiza a UE que foi elaborada para o GC e foi implementada no
segundo semestre de 2019, com estudantes que vivenciaram a metodologia tradicional
para abordar os conceitos de EM.
Quadro 2 UE desenvolvida com o GC.
UE desenvolvida com o GC
Conteúdos
Estratégias
Recursos
- Energia
- Energia cinética
- Energia potencial gravitacional
- Energia potencial elástica
- Teorema da energia cinética
- Sistemas conservativos e siste-
mas não conservativos
- Aplicação do pré-teste
-
Aulas predominantemente
expositivo-dialogadas
- Aplicação do pós-teste
- Quadro e giz
- Material impresso
- Livro didático
Fonte: Elaborado pelas autoras.
A fim de verificar as possíveis contribuições da SAI planejada na perspectiva dos
TMP, foi desenvolvida uma UE em 12 horas-aula presenciais que seguiu a metodologia
tradicional/expositiva de ensino como estratégia de comparação à UE organizada com
a SAI. Nas aulas desta UE, com o grupo controle, os estudantes tiveram pouca partici-
pação no processo de ensino, pois elas foram expositivo-dialogadas e os conteúdos
foram apresentados de forma sequencial; partindo de conceitos menos inclusivos e sem
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a preocupação de seguir o princípio da diferenciação progressiva e da reconciliação in-
tegrativa dos conceitos. Em síntese as etapas da pesquisa estão representadas na Figura
1.
Figura 1 - Síntese das etapas das Unidades de Ensino.
Etapas UE-GE
Etapas UE-GC
Fonte: Elaborada pelas autoras.
Discussão dos resultados
No início de cada UE, foi aplicado o mesmo pré-teste, tanto para o GE como
para o GC, cujo objetivo foi identificar os conhecimentos prévios relevantes, presentes
na estrutura cognitiva dos estudantes acerca de EM, ou seja, verificar a existência de
subsunçores cientificamente aceitos para a ancoragem dos novos conhecimentos e, as-
sim, ensinar de acordo, como propõe a TAS. Subsunçores como: reconhecer formas de
energia, associar as transformações de energia ocorridas em diferentes situações, associar
o movimento uniformemente variado (MUV), em um plano horizontal, à alteração de
velocidade e, esta, à energia cinética, reconhecer a presença de forças dissipativas e o
Princípio da Conservação da Energia Mecânica. No final do desenvolvimento de cada
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UE, buscou-se verificar indícios de modificação dos conhecimentos prévios ou ampli-
ação do subsunçor de forma a evidenciar a aprendizagem significativa sobre os
conceitos de EM através da aplicação de um pós-teste.
As respostas foram analisadas por meio de três categorias, a saber:
C1S1 se o estudante apresentava conhecimentos prévios cientificamente corretos
do ponto de vista científico e subsunçores relevantes;
C2S1 se o estudante apresentava conhecimentos prévios parcialmente corretos
do ponto de vista científico e subsunçores relevantes;
C3S2 se o estudante apresentava conhecimentos prévios alternativos, isto é, não
convergentes com os cientificamente aceitos e ausência de subsunçores relevantes.
Os resultados do pré-teste contribuíram para o planejamento da SAI que seria
implementada com o GE, pois, quando verificada a ausência de subsunçores necessá-
rios para a ancoragem do novo conhecimento, foram produzidos materiais
instrucionais que pudessem promover a diferenciação progressiva e a reconciliação in-
tegradora na organização e na aplicação do conhecimento (AUSUBEL, 1978).
Para o pós-teste, buscou-se possíveis evidências de aprendizagem após a imple-
mentação da SAI planejada na perspectiva dos TMP e elaborou-se quatorze questões
sobre EM, objetivas e abertas, semelhantes àquelas do pré-teste, para que os estudantes
pudessem expressar a sua compreensão do conteúdo e transformassem o conhecimento
adquirido em situações novas (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO,
2002). Foi o momento de verificar a construção de aspectos mais formativos que so-
mativos para tentar encontrar significado nas respostas analisadas. As respostas foram
analisadas por meio de três categorias, a saber:
C1 o estudante apresentava conceitos cientificamente corretos, logo indícios
de aprendizagem significativa.
C2 o estudante apresentava conceitos parcialmente corretos, logo poucos indí-
cios de aprendizagem significativa.
C3 o estudante apresentava conceitos alternativos e não convergentes com os
cientificamente aceitos.
O instrumento buscou verificar se houve mudanças nas respostas prévias dos es-
tudantes e, dessa forma, identificar possíveis indícios de aprendizagem significativa.
O GC foi utilizado como parâmetro para poder comparar o desempenho do GE.
Assim, foram ministrados os mesmos conteúdos, aplicados os mesmos instrumentos
pré-teste e pós-teste na qual os estudantes responderam individualmente e sem consulta
e com metodologias de ensino diferentes a fim de comparar os resultados obtidos nos
dois grupos. A análise qualitativa da proposta considerou o procedimento proposto por
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Moraes (1999), em cinco etapas: preparação das informações, unitarização ou transfor-
mação do conteúdo em unidades; categorização ou classificação das unidades em
categorias; descrição e interpretação. Os resultados foram atrelados à identificação de
subsunçores acerca dos conhecimentos trabalhados sobre EM e à eficácia da programa-
ção dos materiais instrucionais da UE, com vistas à construção de organizadores prévios
para a função de ancoradouro dos novos conhecimentos, necessários à aprendizagem
significativa. Para a análise quantitativa, foi utilizado o teste t-Student, considerando os
resultados obtidos no pré-teste e pós-teste que foram aplicados com os dois grupos, GE
e GC, a fim de verificar se as médias obtidas com as formas de ensino (metodologia
SAI e metodologia tradicional) eram diferentes entre os dois grupos.
A tabela 1 mostra a evolução verificada nas respostas dos estudantes do GE em
relação ao pré-teste e pós-teste, conforme as categorias de análise previamente defini-
das.
Tabela 1 Comparação entre pré-teste e pós-teste do GE.
Fonte: Dados da pesquisa.
Utilizando o teste t-Student, obteve-se p < 0,05 em todas as categorias analisadas
e esse dado mostra que existe diferença significativa entre os resultados do pré-teste e
do pós-teste dos estudantes do GE. Na categoria de conhecimentos corretos do ponto
de vista científico foi encontrado um p = 2,23 . 10
-16
e esse dado indica que o desempe-
nho obtido pelos estudantes no pós-teste (C1) foi melhor, com média 7,677, em
relação ao desempenho obtido no pré-teste (C1S1), onde a média foi 2,258. Esses re-
sultados apontam que o GE apresentou alterações dos conhecimentos prévios que
foram progressivamente diferenciados ficando mais elaborados e completos durante o
desenvolvimento da UE e foi possível verificar indícios de aprendizagem significativa
no que se refere ao fato de que a energia é continuamente transformada, distinção entre
fonte de geração de energia e tipos de energia, caracterização de energia cinética e ener-
gia potencial gravitacional, identificação do tipo de energia predominantemente
associada a situações específicas e reconhecimento do Princípio da Conservação da
Energia em sistemas conservativos e não-conservativos.
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Para os conhecimentos parcialmente corretos, o desempenho obtido pelos estu-
dantes foi melhor no pós-teste (C2), pois a média foi menor, com valor de 2,710 em
relação à média de 4,258 verificada no pré-teste (C2S1), com p = 1,24 .10
-4
. Em termos
de aprendizagem significativa, é possível que os conhecimentos que eram parciais e
incompletos foram modificados e evoluídos, tornando-se mais completos e corretos.
Em relação aos conhecimentos alternativos e não convergentes com aqueles ci-
entificamente aceitos, pode-se dizer que existe diferença significativa, pois encontrou-
se um p = 2,987.10
-10
entre os resultados obtidos no pré-teste e no pós-teste. No pós-
teste (C3) o desempenho foi melhor, pois teve média de 4,613 inferior à média do pré-
teste (C3S2), 8,484, indicando que o grupo apresentou redução de 54% nos conheci-
mentos alternativos sobre EM.
A tabela 2 apresenta os resultados obtidos na comparação entre os instrumentos
pré-teste e pós-teste aplicados com os estudantes do GC.
Tabela 2 Comparação entre pré-teste e pós-teste do GC
Fonte: Dados da pesquisa.
Os dados da tabela indicam que os estudantes do GC apresentaram diferença
significativa de aprendizagem em relação aos conhecimentos corretos, com média de
1,548 no pré-teste (C1S1) e 3,967 no pós-teste (C1), embora tenham experimentado
a metodologia tradicional de ensino foi possível identificar uma evolução conceitual
em relação a conceitos de EM, resultado que corrobora o pensamento de Masini e
Moreira (2017, p. 44) quando afirmam que “Mesmo com estratégias e instrumentos
clássicos, tradicionais, pode-se promover uma aprendizagem significativa [...]”. Ade-
mais, não houve diferença significativa nos conhecimentos parcialmente corretos, pois
no pré-teste (C2S1) a média foi 3,548, enquanto que no pós-teste (C2), 4,000. Isso
pode indicar que alguns conhecimentos não modificaram e continuam incompletos.
Em relação aos conhecimentos alternativos e não convergentes com aqueles cientifica-
mente aceitos, os resultados indicaram que existe diferença significativa. No pré-teste
(C3S2) a média foi 9,903 e no pós-teste (C3) 7,032, o que indica uma redução de
conhecimentos que não convergem com aqueles cientificamente aceitos sobre EM.
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Considerando as categorias de análise construídas a priori, para o pré-teste, os
resultados indicaram a existência de conhecimentos prévios alternativos e não conver-
gentes com os cientificamente aceitos para a maioria das respostas de ambos os grupos
de estudantes, sobre os conceitos relacionados ao Princípio de Conservação da Energia
Mecânica. As fragilidades conceituais apontaram a necessidade da introdução de con-
ceitos subsunçores por meio de organizadores prévios para servir de ancoradouro à
aprendizagem dos novos conceitos, visando promover a diferenciação progressiva e a
modificação do subsunçor. Na perspectiva da TAS, os organizadores prévios são recur-
sos instrucionais que devem ser usados quando o aluno não tem subsunçores relevantes
para dar significado ao novo conhecimento (AUSUBEL, 2003).
Ao utilizar o teste t-Student, foi possível verificar diferença significativa de apren-
dizagem entre os dois grupos, conforme dados da tabela 3.
Tabela 3 Resultados do questionários pós-teste.
Fonte: Dados da pesquisa.
Os dados apresentados na tabela 3 mostram que existe diferença significativa en-
tre os conhecimentos dos estudantes do GE e do GC para os resultados obtidos com o
pós-teste, pois ao utilizar o teste estatístico t-Student encontrou-se um p < 0,05. Os
estudantes do GE obtiveram a média 7,677 de acertos no pós-teste, enquanto que os
estudantes do GC obtiveram a média 3,967 para o mesmo instrumento. Além disso,
em relação aos conhecimentos cientificamente corretos, o desempenho do GE no pós-
teste foi melhor do que o verificado no GC.
Dessa forma, os resultados indicam que os estudantes do GE apresentaram uma
média de acertos para as questões do pós-teste significativamente melhor do que aquela
verificada no GC para o mesmo questionário, e esse fato pode sugerir a possível eficácia
da implementação da metodologia SAI organizada na perspectiva dos TMP.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Considerações finais
Na concepção da TAS, a ocorrência da aprendizagem significativa está condici-
onada à interação entre o prévio e o novo conhecimento, que Moreira (2010) chama
de conceito subsunçor, um conhecimento especificamente relevante que seja capaz de
proporcionar a interação cognitiva necessária para a aprendizagem. Nesse sentido, a
fim de verificar as contribuições da SAI na perspectiva dos TMP, para a aprendizagem
significativa de conceitos de EM, foram elaboradas duas Unidades de Ensino para se-
rem desenvolvidas com grupos de estudantes: o GE que vivenciou a implementação da
SAI e o GC que foi tomado como parâmetro para o estudo e vivenciou a prática tradi-
cional de ensino.
Os resultados do estudo indicaram que a SAI, organizada em TMP, configurou-
se uma opção metodológica potencial para a identificação e/ou construção de subsun-
çores necessárias à aprendizagem significativa de EM. As fragilidades conceituais que
foram identificadas no pré-teste foram consideradas para o planejamento da UE que
seria desenvolvida com o GE com vistas à diferenciação progressiva e modificação do
subsunçor.
Além do mais, foi possível verificar alterações dos conhecimentos prévios que
foram progressivamente diferenciados durante o desenvolvimento da UE do GE e pos-
síveis indícios de aprendizagem significativa acerca de conhecimentos de EM, como:
transformação de energia, fonte de geração de energia e tipos de energia, Energia Me-
cânica, Energia Cinética e Energia Potencial Gravitacional e Princípio da Conservação
da Energia em sistemas conservativos e não-conservativos.
Os resultados estatísticos deste estudo, obtidos com o teste t-Student, destacaram
a diferença significativa de aprendizagem entre os alunos do GE e GC, verificada nos
questionários que foram aplicados aos referidos grupos. Os dados mostraram que a
média de acertos dos estudantes do GE ao pós-teste foi 7,677 enquanto que a média
de acertos do GC foi de 3,967, indicando um melhor desempenho do GE na categoria
de conceitos cientificamente corretos em relação ao GC e esse resultado pode indicar a
possível influência da SAI que foi planejada em TMP. Estes índices corroboram com
o pensamento de Freitas (2015) que afirma que a SAI é uma metodologia potencial
para a construção do conhecimento, pois oferece potencialidades didáticas, possibilita
o uso de recursos digitais e tende a promover a participação ativa e a colaboração dos
estudantes, aspectos não verificados na metodologia de ensino tradicional.
Destaca-se a identificação de aspectos relevantes verificados na implementação
da SAI, como: a autonomia dos estudantes para realizar o estudo prévio, o engajamento
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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para realizar as atividades propostas, a colaboração para o trabalho em grupos, o prota-
gonismo e a interação entre estudantes e com a professora durante as aulas presenciais,
aspecto que é um dos grandes benefícios que a implementação da metodologia SAI
proporciona (BERGMANN; SAMS, 2016).
Os recursos utilizados na SAI planejada na perspectiva dos TMP, inserção de
variadas TIC (textos, simulações, vídeos, infográfico) em todos os momentos pedagó-
gicos da UE contribuíram para a promoção do conhecimento dos estudantes do GE,
considerando que, segundo Masini e Moreira (2017), a motivação do aluno pode ser
alcançada com estratégias pedagógicas que têm o potencial de aumentar a predisposição
para aprender, condição necessária para a ocorrência da aprendizagem significativa
(AUSUBEL, 1978).
Ademais, os resultados da pesquisa destacaram o papel de mediador que o pro-
fessor exerce no processo de ensino e aprendizagem (MORAN, 2018), incentivando o
aluno a desenvolver a autonomia e a buscar a solução para suas dificuldades (BACICH,
2016).
No contexto desse estudo, destaca-se a importância dos TMP: na PI foi possível
identificar os conhecimentos prévios e subsunçores; na OC foi possível contemplar o
desenvolvimento das aprendizagens e promover a diferenciação progressiva e os signi-
ficados dos conceitos de EM; e, finalmente, na AC, buscou-se identificar as
aprendizagens e promover a reconciliação integrativa dos conceitos estudados. Ainda,
a integração das metodologias SAI e TMP possibilitou a flexibilização do tempo e do
espaço de acordo o ritmo do aluno (KENSKI, 2013), bem como o aproveitamento do
tempo de aula presencial para discutir e solucionar dúvidas e a aplicação o conheci-
mento na resolução de situações-problema (DELIZOICOV; ANGOTTI;
PERNAMBUCO, 2002).
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Este artigo está licenciado com a licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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v. 29, n. 2, Passo Fundo, p. 575-598, maio/ago. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Formação continuada de professores na perspectiva da teoria
da aprendizagem significativa
Continuous teacher education from the perspective of meaningful
learning theory
La formación continua del profesorado desde la perspectiva de la teoría
del aprendizaje significativo
Graziela Ferreira de Souza
*
Nilcéia Aparecida Maciel Pinheiro
**
Sani de Carvalho Rutz da Silva
***
Resumo
Este artigo tem por objetivo propor uma reflexão sobre as mudanças e demandas do trabalho do-
cente, em busca do aperfeiçoamento e qualidade das aprendizagens, tendo como contexto a formação
continuada de professores. Nesse sentido, articula-se no estudo, a Teoria da Aprendizagem Signifi-
cativa como um caminho à formação docente, a partir da proposição de um curso de formação
continuada ofertado a um grupo de professores dos anos iniciais do ensino fundamental. A formação,
organizada na forma de uma Unidade de Ensino Potencialmente Significativa (UEPS), teve como
intuito subsidiar teoricamente os docentes para o desenvolvimento do conhecimento pedagógico de
conteúdo-PCK (SHULMAN, 2015) e também oferecer ferramentas para a articulação de procedi-
mentos práticos e didáticos, em busca de aprendizagens mais qualificadas. Conclui-se que
movimento teórico-prática proposto no curso, possibilitou aos participantes reflexões sobre sua prá-
xis, bem como a tomada de consciência e o fortalecimento das práticas de ensino, consolidando
saberes e aprimorando os conhecimentos que auxiliam professores na docência.
Palavras-chave: Formação docente; Aprendizagem Significativa; Ensino; Aprendizagem.
Recebido em: 22.12.2021Aprovado em: 21.02.2022
https://doi.org/10.5335/rep.v29i2.13271
ISSN on-line: 2238-0302
*
Doutora e mestre em Ensino de Ciência e Tecnologia pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPF).
Professora colaboradora do curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Orcid:
https://orcid.org/0000-0001-5747-3210. E-mail: graziela.uepg@gmail.com.
**
Doutora em Educação Científica e Tecnológica pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora titular do
Departamento de Matemática da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3313-
1472. E-mail: nilceia@utfpr.edu.br.
***
Doutora em Ciência dos Materiais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora Titular na
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1548-5739. E-mail:
sani@utfpr.edu.br.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Graziela Ferreira de Souza, Nilcéia Aparecida Maciel Pinheiro, Sani de Carvalho Rutz da Silva
576
v. 29, n. 2, Passo Fundo, p. 575-598, maio/ago. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Abstract
This article aims to propose a reflection on the changes and demands of teaching work, in search of
improvement and quality of learning, within the context of the continuing education of teachers. In
this sense, the Theory of Meaningful Learning is articulated in the study as a path to teacher
education, based on the proposition of a continuing education course offered to a group of teachers
from the early years of elementary school. The training, organized in the form of a Potentially
Significant Teaching Unit (UEPS), was intended to theoretically subsidize teachers for the
development of pedagogical content-PCK knowledge (SHULMAN, 2015) and also to offer tools
for the articulation of practical and didactic, in search of more qualified learning. It is concluded
that the theoretical-practical movement proposed in the course allowed participants to reflect on
their praxis, as well as to raise awareness and strengthen teaching practices, consolidating knowledge
and improving knowledge that help teachers in teaching.
Keywords: Teacher training; Meaningful Learning; Teaching; Learning.
Resumen
Este artículo tiene como objetivo proponer una reflexión sobre los cambios y demandas del trabajo
docente, en busca de mejora y calidad de los aprendizajes, en el contexto de la formación continua
del profesorado. En este sentido, la Teoría del Aprendizaje Significativo se articula en el estudio como
un camino hacia la formación docente, a partir de la propuesta de un curso de educación continua
ofrecido a un grupo de docentes desde los primeros años de la escuela primaria. La formación, orga-
nizada en forma de Unidad Docente Potencialmente Significativa (UEPS), tenía como objetivo
subsidiar teóricamente a los docentes para el desarrollo de contenidos pedagógicos-conocimientos
PCK (SHULMAN, 2015) y también ofrecer herramientas para la articulación de prácticas y didác-
ticas, en busca de un aprendizaje más calificado. Se concluye que el movimiento teórico-práctico
propuesto en el curso permitió a los participantes reflexionar sobre su praxis, así como sensibilizar y
fortalecer las prácticas docentes, consolidando conocimientos y mejorando conocimientos que ayu-
dan a los docentes en la docencia.
Palabras clave: Formación de profesores; Aprendizaje significativo; Ensenãnza; Aprendizaje.
Introdução
Ao refletirmos sobre as mudanças e demandas que os contextos educacionais tra-
zem ao trabalho docente, recorremos a estudos que apontam a constante necessidade
de formação aos educadores. Em Nóvoa (1992) compreende-se a formação continuada
como a capacidade de discussão, reflexão e compartilhamento de ideias em busca de
melhores métodos que promovam a reconstrução das experiências de aprendizagem.
Diante dessa perspectiva, compreende-se que para que os processos formativos
possam subsidiar mudanças e transformações na ação docente é necessário fundamentá-
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los sob aspectos teóricos que fortaleçam os conhecimentos para a docência, garantindo
autonomia e respeito à trajetória dos educadores.
Nesse sentido, a proposta deste estudo pauta-se nos princípios relacionados à
Teoria da Aprendizagem Significativa como um caminho para essa formação, a partir
de uma proposição de um curso de formação continuada, com aporte nesse referencial
teórico. Como contexto investigativo, elegeu-se o contexto de trabalho dos professores
dos anos iniciais do Ensino Fundamental, especificamente àqueles que atuam no ensino
de matemática, tendo em vistas as fragilidades apontadas pela literatura sobre os pro-
cessos formativos desses profissionais (SOUZA, 2021a)
A partir dos estudos realizados por Souza (2021a) compreende-se que a Teoria
da Aprendizagem Significativa, de Ausubel, pode oferecer suporte a professores no de-
senvolvimento de suas práticas de ensino, uma vez que é uma sólida teoria, que descreve
os processos mentais de organização do conhecimento, constituindo-se como ferra-
mentas para o professor articular procedimentos práticos e didáticos, em busca de
aprendizagens mais qualificadas.
Nesse embasamento, destaca-se que aprendizagem significativa é o processo pelo
qual novos conhecimentos se organizam na estrutura cognitiva dos estudantes, por
meio de uma ancoragem seletiva entre o conhecimento já existente e novos conceitos
(AUSUBEL, 2003; MOREIRA, 2010). Isso ocorre por meio de relações idiossincráti-
cas estabelecidas, que qualificam e atribuem significados únicos para cada indivíduo
durante o processo de aprendizagem.
Entende-se que a organização cognitiva do educando é relevante para a aprendizagem de concei-
tos científicos, pois estes são constituídos por uma organização de conceitos e proposições que
formam um conjunto de novas relações, que interagem com uma estrutura de conhecimento
específica (SILVA; SCHIRLO, 2014, p. 38).
O desenvolvimento resultante dessa interação, quando apoiado nas condições
estruturantes da Teoria Ausubeliana, associa-se às aprendizagens mais duradouras e car-
regadas de sentido, distanciando-se da memorização e da aprendizagem mecânica. Para
tanto, encontram-se, nesse aporte teórico, os pressupostos para a organização de uma
ação educativa capaz de consolidar e modificar relações conceituais na estrutura cogni-
tiva dos estudantes. De acordo com Ausubel (1963, p. 217), é na modificação e
influência exercida pela organização da estrutura cognitiva que se chega ao “cerne do
processo educativo”.
Assim, encontramos nos estudos de Ausubel (1963, 2003), reiterado por Novak
e Canãs (2010), Moreira (2010a, 2011b), Moreira e Masini (2001), elementos que
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permitem vislumbrar o desenvolvimento de um processo de formação docente para
conhecimento e reconhecimento das bases teóricas e das estratégias de organização do
ensino, baseadas nos princípios dessa teoria.
Considera-se que os processos pautados na Teoria Ausubeliana guardam uma
relação muito próxima com o protagonismo dos alunos e a relação de mediação do
professor, preconizados para a educação. Nessa perspectiva, a aprendizagem se torna
uma experiência única e de maior significado para os estudantes, podendo promover
mudanças no cenário educacional repleto de desafios e fragilidades na aprendizagem.
Por esta razão, elege-se como foco deste estudo a análise de um processo de for-
mação continuada de professores dos anos iniciais do ensino fundamental, visando
revelar as contribuições que a formação, com enfoque na Teoria da Aprendizagem Sig-
nificativa (TAS), pode trazer ao conhecimento dos docentes. Esse estudo compõe parte
da pesquisa de doutorado de uma das autoras e apresenta-se como um recorte da in-
vestigação realizada junto ao grupo de professores dos anos iniciais do Ensino
Fundamental de cidades paranaenses (SOUZA, 2021a).
A aprendizagem significativa de Ausubel
A Teoria da Aprendizagem Significativa originou-se na década de 1960, por
meio dos estudos de David Ausubel (1918-2008), psicólogo e médico norte-americano.
Ausubel (1963; 2003) descreveu os mecanismos internos de assimilação e retenção do
conhecimento na mente humana, configurando uma teoria de corrente cognitivista no
campo da psicologia e das teorias de aprendizagem.
Os estudos ausubelianos surgem dentro do contexto em que prevaleciam ideias
behavioristas de influência comportamentalistas (décadas de 1920 - 1970). Tal abor-
dagem foi marcada pelo controle do comportamento humano, sob a ótica do
treinamento, na dualidade estímulo resposta. É em relação a esse aspecto que a teoria
de Ausubel, contrapõe-se ao behaviorismo, avançando em termos de compreensão dos
processos mentais desenvolvidos pelo indivíduo, em sua aprendizagem.
Com a intenção de compreender os processos mentais inerentes aos seres huma-
nos, Ausubel (1963; 2003) consolidou seus estudos descrevendo uma teoria de
assimilação e retenção do conhecimento, na qual preconiza que toda a informação ad-
quirida é um produto de um processo ativo, integrador e interativo entre conceitos,
materiais e ideias já presentes na estrutura cognitiva de cada indivíduo (AUSUBEL,
2003). Esse processo, marcado por recorrentes interações entre as ideias, qualifica os
processos psicológicos mentais e as formas de aprendizagem desenvolvidas.
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A aquisição de conceitos, por aprendizagem significativa, difere-se da aprendiza-
gem mecânica em termos de complexidade das relações de conhecimento, durabilidade
das informações e capacidade de articulação dos conceitos, diante das situações de
aprendizagem. Ausubel (1963, 2003) estabeleceu a relação entre esses tipos de apren-
dizagem como um continuum, que não se contrapõe dicotomicamente, mas representa
níveis de complexidade diferenciados nas relações de aprendizagem dos sujeitos. Para
o autor, “a aquisição e a retenção de conhecimentos são atividades profundas e de toda
uma vida, essenciais para o desempenho competente, gestão eficiente e o melhora-
mento das tarefas cotidianas” (AUSUBEL, 2003, p. XI).
Logo, o ponto fundamental dessa teoria se situa na aquisição de conhecimento
de forma duradoura, verdadeira, lógica e interativa com a estrutura cognitiva de conhe-
cimento presente em cada indivíduo. Esse processo se baseia na interação dos novos
aprendizados com ideias relevantes da estrutura de conhecimento do aprendiz, consti-
tuindo um processo mental, consciente e único para cada indivíduo (AUSUBEL, 2003,
p. 1).
Desse modo, o processo da aprendizagem significativa se constitui na interação
e construção de novos significados para as informações, por meio de diferenciação e
modificação da complexidade das conexões. A essência desse processo é que novas in-
formações sejam relacionadas de modo não literal e não arbitrário ao que o aprendiz já
sabe (AUSUBEL, 1963, 2003), ou seja, o novo conhecimento deve mobilizar ideias
específicas e relevantes existentes na estrutura cognitiva dos indivíduos e deve interagir
com esses conhecimentos, atribuindo-lhes novos significados. Nas palavras de Moreira
(2011b), isso significa que a:
Aprendizagem significativa é aquela em que ideias expressas simbolicamente interagem de ma-
neira substantiva e não-arbitrária com aquilo que o aprendiz já sabe. Substantiva quer dizer não-
literal, não ao pé-da-letra, e não-arbitrária significa que a interação não é com qualquer ideia
prévia, mas sim com algum conhecimento especificamente relevante já existente na estrutura
cognitiva do sujeito que aprende (MOREIRA, 2011b, p. 13).
Assim, surgem alguns conceitos fundamentais para a compreensão desse pro-
cesso, tais como a estrutura cognitiva, compreendida como o conteúdo total das ideias
de um indivíduo, organizado hierarquicamente a partir das abstrações de experiências
e interações deste (AUSUBEL, 2003; MOREIRA, MASINI, 2001).
Para Ausubel (2003), a aprendizagem significativa é aquela que ocorre quando
uma nova informação é ancorada a um conceito relevante e preexistente na estrutura
cognitiva do indivíduo. Esse processo se dá com a interação entre as informações na
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estrutura de conhecimento já existente. O armazenamento de informações acontece de
forma hierárquica, sendo que conceitos mais específicos se relacionam com conceitos
mais gerais e inclusivos. Essa organização conceitual hierárquica é o que Ausubel (2003)
define como estrutura cognitiva.
De acordo com Ausubel (1963, 2003), “o fator isolado mais importante que
influencia a aprendizagem é aquilo que o aluno já sabe. Descubra isso e ensine-o de
acordo”. Partindo dessa premissa, identificamos a importância atribuída ao conheci-
mento que o aprendiz já apresenta em sua estrutura cognitiva, sendo este o ponto de
partida para o início do processo de aprendizagem significativa, elemento que Ausubel
denominou como subsunçor.
1
Para a aquisição de conhecimento, de forma significativa, a teoria preconiza uma
articulação entre o conhecimento prévio dos indivíduos os subsunçores e os novos
conceitos, que, por meio do processo de interação, são reorganizados e alterados, cons-
tituindo-se na aprendizagem. A ideia é que essa interação, compreendida na TAS como
ancoragem, atribua uma rede de significados às informações, desenvolvendo, assim, a
aprendizagem significativa. Ausubel explica esse processo como:
[...] ideias novas interagem com as ideias relevantes ancoradas e o produto principal desta intera-
ção torna-se, para o aprendiz, o significado das ideias de instrução acabadas de introduzir. Estes
novos significados emergentes são, depois, armazenados (ligados) e organizados no intervalo de
retenção (memória) com as ideias ancoradas (AUSUBEL, 2003, p. 8).
Nesse sentido, Moreira e Masini (2001) corroboram com a compreensão desse
processo ao afirmarem que a ancoragem, quando oportunizada dentro de uma estru-
tura lógica, de interação com conceitos relevantes e inclusivos, claros e disponíveis na
estrutura cognitiva dos indivíduos, contribui para a aprendizagem por meio de proces-
sos de diferenciação, elaboração e estabilidade dos conhecimentos aprendidos.
Nesse sentido, há necessidade de se identificar, dentro do processo de ensino, as
condições de existência desse subsunçor para o desenvolvimento de práticas que con-
duzam à aprendizagem significativa. Na ausência desses subsunçores, pode-se lançar
mão de estratégias que desencadeiam o processo de ancoragem dentro dessa aborda-
gem, tais como o uso de organizadores prévios, os quais são compreendidos como
materiais facilitadores de criação de pontes de ancoragem para a apresentação do novo
conhecimento (MOREIRA, 2011b).
Nessa perspectiva, a dimensão teórica do processo de retenção do conhecimento,
explicitada por Ausubel, apresenta elementos estruturantes desse processo, conside-
rando que o desenvolvimento cognitivo está diretamente relacionado à forma como os
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conhecimentos se articulam e se organizam para cada indivíduo, em um processo men-
tal, lógico e individual.
Desse modo, emergem como princípios fundamentais para o desenvolvimento
da diferenciação progressiva, que representa a organização hierárquica do conhecimento;
e da reconciliação integrativa, que explora as relações entre ideias, por similaridades e
diferenças (AUSUBEL, 2003; MOREIRA, 2011b).
[...] a diferenciação progressiva, a aprendizagem significativa é um processo contínuo, no qual os
alunos adquirem conhecimentos mais significativos à medida que são estabelecidas novas relações
entre os conceitos apresentados (SILVA; SCHIRLO, 2014, p. 39).
Na aprendizagem significativa a relação entre conceitos se faz por meio da dife-
renciação entre eles, seja por meio das similaridades e diferenças, em um processo
cíclico de recombinações e ressignificações. Esse processo está associado aos avanços e
recomposições da estrutura cognitiva, em que o aprendiz integra os significados emer-
gentes da aprendizagem com o conhecimento disponível em sua estrutura, que pode
ser caracterizado como o princípio de reconciliação integrativa (SOUZA, 2021b). Isso
confere à aprendizagem um caráter reconciliador, “processo pelo qual o estudante re-
conhece novas relações entre conceitos, até então vistos de forma isolada” (SILVA;
SCHIRLO, 2014, p. 41).
Haja vista a definição dos elementos fundamentais para o desenvolvimento da
aprendizagem (conhecimento prévio, nova informação e ancoragem), a definição desse
tipo de aprendizagem como “significativa” está relacionada à forma como o aprendiz
articula, assimila e promove a interação entre esses conhecimentos, por meio da modi-
ficação e da ampliação de sua rede conceitual. No entanto, é importante destacar que,
para a ocorrência desse processo, são necessárias posturas e práticas que oportunizem
essa ancoragem com qualidade e significado.
Sobre esse aspecto, a teoria ausubeliana destaca fatores condicionantes do sucesso
da aprendizagem, que facilitam os processos de ancoragem e as inter-relações necessá-
rias para o enriquecimento da estrutura cognitiva do aprendiz, sendo eles:
a) O material a ser aprendido seja potencialmente significativo para o aprendiz, ou seja, relacio-
nável a sua estrutura de conhecimento de forma não-arbitrária e não literal (substantiva); b) O
aprendiz manifeste uma disposição de relacionar o novo material de maneira substantiva e não-
arbitrária a sua estrutura cognitiva (MOREIRA; MASINI, 2001, p. 23).
Logo, para que ocorra um processo de aprendizagem significativa, pode-se elen-
car a necessidade de subsunçores aliados ao desenvolvimento de um processo de
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ancoragem que deverá ser oportunizado por um material potencialmente significativo
e pela predisposição do aluno para aprender.
A predisposição para aprender e aprendizagem significativa guardam entre si uma relação prati-
camente circular: a aprendizagem significativa requer predisposição para aprender e, ao mesmo
tempo, gera este tipo de experiência afetiva (MOREIRA, 2011b, p. 13).
Moreira (2011b, p.13), por sua vez, afirma que a “predisposição para aprender e
aprendizagem significativa guardam entre si uma relação praticamente circular: a
aprendizagem significativa requer predisposição para aprender e, ao mesmo tempo,
gera este tipo de experiência afetiva”, ou seja, além da organização da estrutura cogni-
tiva, há, ainda, o elemento afetivo como determinante da ocorrência da aprendizagem
significativa.
Desse modo, compreende-se que a dinâmica da aprendizagem significativa
pauta-se, também, em uma relação e interação entre professores e alunos. Embora a
teoria descreva os processos mentais que são vivenciados durante a assimilação das in-
formações, o vínculo estabelecido entre o processo de ensino e o processo de
aprendizagem é determinante para como se dará a construção das redes de significado
das informações.
Nessa significação, em Novak e Canãs (2010) há destaque para o processo de
ensino intencional, capaz de despertar o sentido e o interesse nessa forma de organiza-
ção da aprendizagem, pois, segundo os autores:
A única condição sobre a qual o professor ou mentor não possui controle direto é a da motivação
dos estudantes em aprender tentando incorporar novos significados ao seu conhecimento prévio,
em vez de simplesmente memorizando definições de conceitos ou afirmações proposicionais, ou
ainda, procedimentos computacionais. O controle indireto sobre essa escolha encontra-se, essen-
cialmente, nas estratégias de ensino e nas estratégias de avaliação usadas (NOVAK; CAÑAS,
2010, p. 11).
Diante dessa perspectiva, pode-se dizer que o processo da aprendizagem signifi-
cativa estabelece um protagonismo do estudante e uma postura mediadora do educador
na condução do percurso de ensino. Tais características preconizam a ruptura dos mo-
delos de ensino tradicionais baseados na memorização e na mecanização dos processos,
pois ampliam as relações estabelecidas entre o conhecimento.
Assim, para o desenvolvimento de uma abordagem de ensino subjacente às pro-
posições da TAS, há necessidade de organização desse processo para que o ensino possa
ter um significado lógico e assimilável ao estudante, bem como da condição primordial
de existência dos subsunçores disponíveis na estrutura cognitiva do aprendiz.
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Portanto, a organização didática dos processos de ensino, que preconizam apren-
dizagens significativas, precisa compreender essa dimensão das relações conceituais
como pressupostos para a organização dos percursos de aprendizagem. É sob essa ótica
que esta proposta de pesquisa se organiza, com o intuito de problematizar e articular a
formação de professores para o desenvolvimento de práticas de ensino que possam de-
senvolver potencialmente a aprendizagem significativa.
Processos de formação dos docentes da Educação Básica
Ao refletirmos sobre os processos de formação docente para atuação na Educação
Básica verificam-se muitas demandas ligadas à constituição da profissionalidade dos
profissionais da educação, que permeiam sua formação inicial e continuadas.
Historicamente, considera-se que a década de 1990 marca uma importante mu-
dança no processo de formação de professores, ao estabelecer, na forma de legislação, a
exigência de formação em nível superior para a docência da educação infantil e anos
iniciais do Ensino Fundamental. No texto expresso pela LDB, indica-se, no Art. 62, as
condições de formação desejadas para o profissional atuante nesses níveis de ensino:
Art. 62: A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em
curso de licenciatura plena, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na
educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio,
na modalidade normal (BRASIL, 1996, online).
Tendo em vista o enfoque deste estudo em processos de formação continuada
dos docentes dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Assim revela-se que para este
segmento de ensino, destaca-se a formação de docentes em cursos de Licenciatura em
Pedagogia, cujo viés da formação se dá em uma perspectiva de multidimensionalidade
e polivalia.
Dentre os documentos legais que perpassam a formação do professor pedagogo,
encontram-se elementos demarcadores desta na Constituição Federal de 1988, no
Plano Nacional de Educação, PNE, e, mais especificamente, nas regulamentações ex-
pressas na Resolução do Conselho Nacional de Educação, CNE/CP, n° 2/2019
(BRASIL, 2019).
Esse último documento foi resultado de uma articulação iniciada na década de
1990, por meio da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB n°
9394/96), que implicou na elaboração de diretrizes curriculares para níveis e etapas de
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escolarização (GONÇALVES; MOTA; ANADON, 2020). Uma proposição de Dire-
trizes Curriculares para o curso de Pedagogia elencou as funções dessa formação e as
áreas de atuação do pedagogo, as quais descreviam que o profissional da pedagogia
poderia atuar na organização e gestão de sistemas, unidades e projetos educacionais, na
produção e na difusão do conhecimento.
A partir dessa década, instituíram-se diversas perspectivas para as Diretrizes Cur-
riculares Nacionais para a Formação de Professores, destacando-se exigências e
competências a serem desenvolvidas na constituição da identidade e da formação desses
profissionais, dadas pelos documentos do Conselho Nacional de Educação, de 2002,
2006 e 2015, e, mais recentemente, pela Resolução CNE/CP n° 2/2019 (BRASIL,
2019).
Em síntese, na referida resolução, identificam-se as diretrizes e os encaminha-
mentos gerais que são referência para as Instituições de Ensino Superior (IES) na
articulação e concepção de seus planos pedagógicos e curriculares. No mais recente
documento, é expresso que:
Art. 2. A formação docente pressupõe o desenvolvimento, pelo licenciando, das competências
gerais previstas na BNCC-Educação Básica, bem como das aprendizagens essenciais a serem ga-
rantidas aos estudantes, quanto aos aspectos intelectual, físico, cultural, social e emocional de sua
formação, tendo como perspectiva o desenvolvimento pleno das pessoas, visando à Educação
Integral (BRASIL, 2019, online).
Além desses princípios, são estabelecidas competências gerais e específicas para a
formação dos docentes, permeadas pela correlação com as BNCC, já em vigor. Em
análise dos referidos documentos, alguns autores e entidades representativas
(FREITAS; MOLINA, 2020; GONÇALVES; MOTA; ANADON, 2020, ANFOPE,
2020) destacam as questões voltadas à ideologia capitalista, de visão tecnicista e prag-
mática da educação, traduzidas na Resolução CNE/CP n° 2/2019.
As novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores rompem drastica-
mente com conquistas históricas para a formação e valorização profissional docente expressas na
Resolução CNE/CP n. 2/2015. A Resolução CNE/CP n. 2/2019 é um documento que possui
inconsistências, entra em conflito com as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Peda-
gogia, busca uma formação pragmática e padronizada, pautada na pedagogia das competências e
comprometida com os interesses mercantilistas de fundações privadas. (GONÇALVES; MOTA;
ANADON, 2020, p. 366-367).
A Resolução CNE/CP n° 2/2019, criticada por seu aspecto tecnicista de aborda-
gem da formação, estabelece uma organização de carga horária e concepções de
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formação que “empobrecem a qualidade da formação de professores”, proporcionando
uma perda de identidade dos cursos de licenciatura e retrocessos (ANFOPE, 2020).
Isso se torna preocupante ao estabelecer parâmetros de formação que perpetuam e se
consolidam na organização dos cursos de formação, em, no mínimo, uma década, re-
fletindo-se na prática profissional dos educadores por muitos anos, uma vez que o
documento orientador é marcado pela dissociação dos marcos teóricos e epistemológi-
cos e pelas articulações construídas e edificadas pelo movimento de educadores até o
marco anterior, o da Resolução CNE/CP nº 2/2015.
No que tange à formação continuada, além das nuances expressas nas legislações
pertinentes à área educacional, são expressas nas metas 15 e 16 do Plano Nacional de
Educação (BRASIL, 2014) as estratégias pretendidas para o período de vigência do
plano (2014-2024):
META 15. Garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios, no prazo de 1 (um) ano de vigência desse PNE, política nacional de formação
dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do capítulo art. 61 da Lei n
9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os professores e as professoras da edu-
cação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na
área de conhecimento em que atuam.
META 16. Formar, em nível de pós-graduação, 50% (cinquenta por cento) dos professores da
educação básica, até o último ano de vigência deste PNE, e garantir a todos(as) os(as) profissionais
da educação básica formação continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades,
demandas e contextualizações dos sistemas de ensino. (BRASIL, 2014, online)
Essa é uma importante articulação presente no documento referencial supraci-
tado, uma vez que o Plano Nacional de Educação possui características de viabilidade
das políticas públicas e legislativas. Nele, destaca-se que a necessidade de ampliação da
formação de professores em nível superior deve trazer mudanças à prática educativa e
à organização dos sistemas de ensino.
Nesse sentido, problematizar a formação profissional é urgente diante desse con-
texto, sobretudo, frente às pesquisas que constatam que, em relação à formação de
professores, “[...] os problemas, impasses, dilemas e pontos de tensão são praticamente
os mesmos há mais de 70 anos” (MINDAL; GUÉRIOS, 2013, p. 30).
Entende-se, portanto, que faz-se necessário problematizar os aspectos relativos à
formação docente, em busca do desenvolvimento da identidade e da formação dos pro-
fissionais. Em Libâneo (2018), compreendemos que a constituição e desenvolvimento
dessa identidade se faz de modo processual, ao longo de toda a trajetória que perpassa
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a formação inicial e continuada, e também é permeada pelas vivências, aprendizagem
e reflexões teórico-práticas constituintes da profissionalidade dos educadores.
Segundo Libâneo, podemos definir a formação continuada como “(...) o prolon-
gamento da formação inicial visando ao aperfeiçoamento teórico e prático no próprio
contexto de trabalho e ao desenvolvimento de uma cultura geral mais ampla, para além
do exercício profissional”(2018, p. 187).
Para Diniz-Pereira (2010), a formação continuada do docente não pode ser pela
perspectiva de treinamento, pois este formato não leva em consideração as demandas
reais das instituições e nem o caráter imprevisível do processo educativo. Por isso, deve
promover discussão uma articulação entre saberes teóricos e práticos que valorizam a
experiência docente, mobilizam investigações e a reflexão de modo a refletir em práticas
de ensino mais abrangentes e emancipatórias na formação dos estudantes.
Partilhando das ideias de Shulman (1987, 2015), compreendemos que a forma-
ção docente abarca sete categorias que perpassam dimensões formativas, destacadas
pelo autor, tais como:
• conhecimento do conteúdo;
• conhecimento pedagógico geral, com especial referência aos princípios e estratégias mais abran-
gentes de gerenciamento e organização de sala de aula, que parecem transcender a matéria;
• conhecimento do currículo, particularmente dos materiais e programas que servem como “fer-
ramentas do ofício” para os professores;
conhecimento pedagógico do conteúdo, esse amálgama especial de conteúdo e pedagogia que
é o terreno exclusivo dos professores, seu meio especial de compreensão profissional;
• conhecimento dos alunos e de suas características;
• conhecimento de contextos educacionais, desde o funcionamento do grupo ou da sala de aula,
passando pela gestão e financiamento dos sistemas educacionais, até as características das comu-
nidades e suas culturas; e
• conhecimento dos fins, propósitos e valores da educação e de sua
base histórica e filosófica (SHULMAN, 2015, p. 206).
Para o referido autor, faz-se necessária a desmontagem analítica dos componentes
que estão envolvidos no conhecimento docente, para que possam ser articulados em
suas dimensões, equilibrando seus significados na atuação profissional, sendo de espe-
cial interesse, entre as categorias, o conhecimento pedagógico do conteúdo, ligados às
estratégias instrucionais da ação docente.
Essa dimensão de conhecimento se refere ao reconhecimento e domínio do ob-
jeto de conhecimento para o qual serão oportunizados os processos de ensino. Ela
oportuniza compreensões sobre as relações existentes entre os pressupostos e as concep-
ções dos campos de conhecimento, como subsídio para a prática. São relativas ao
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conjunto de modos de pensar, representações, formulações e abordagens das temáticas
em estudo.
É nessa perspectiva que a presente proposta de investigação atua, com a intenção
de desenvolver processos formativos para os professores que ensinam da educação bá-
sica, à luz da TAS. A centralidade desta pesquisa está, portanto, no desenvolvimento
daquilo que Shulman (2015) nominou como Conhecimento Pedagógico de Conteúdo
ou PCK
2
, tendo em vista que este:
Identifica os distintos corpos de conhecimento necessários para ensinar. Ele representa a combi-
nação de conteúdo e pedagogia no entendimento de como tópicos específicos, problemas ou
questões são organizados, representados e adaptados para os diversos interesses e aptidões dos
alunos, e apresentados no processo educacional em sala de aula (SHULMAN, 2015, p. 207).
Nesse sentido, compreende-se que os processos de formação dos docentes neces-
sitam contemplar esses aspectos, para que possam refletir práticas de ensino mais
qualificadas, resultando em aprendizagens que se tornem significativas para os estudan-
tes. Para esta pesquisa é clara a relação entre os conhecimentos já consolidados na
atuação e formação docente, bem como se ressalta a importância de aprimorá-los no
decorrer da atuação profissional dos professores.
Pontua-se que, ao analisar o contexto de formação inicial e continuada de pro-
fessores, defende-se que o processo de qualificação profissional seja desenvolvido a
partir da compreensão dos contextos e das reais necessidades observadas e vivenciadas
pelos professores em seus territórios educativos. Assim, compreende-se que a perspec-
tiva de formação continuada evidenciada pode ser um caminho para a superação do
que, em parte, é fruto de uma histórica constituição de ausências políticas e retrocessos
educacionais.
Pensando no desenvolvimento do profissional da educação, busca-se nesta pro-
posição de formação o desenvolvimento de conhecimentos pedagógicos, que visem o
enriquecimento das práticas, a autonomia e a valorização do profissional docente,
tendo como aporte os estudos relacionados à Aprendizagem Significativa como meio
para o fortalecimento dos domínios específicos necessários para a pedagogia do profes-
sor dos anos iniciais.
Metodologia do Estudo
Este estudo foi desenvolvido no âmbito da investigação de doutorado da primeira
autora deste artigo, a partir da perspectiva da pesquisa-ação (THIOLLENT, 1986),
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visando um caminho de interação entre pesquisadora e participantes, em torno de uma
ação planejada, voltada para o desenvolvimento de sua formação continuada, com in-
tenções de mudança e aprimoramento da ação educativa. Do ponto de vista da
natureza, este estudo se classifica como pesquisa aplicada, cuja abordagem de análise é
definida como qualitativa e interpretativa, em que foram adotados os procedimentos e
critérios estabelecidos pela Análise de Conteúdo, à luz dos estudos de Bardin (2016).
A pesquisa foi realizada junto a um grupo de 15 professores atuantes no ensino
de matemática dos anos iniciais do Ensino Fundamental, de cidades paranaenses. A
formação continuada organizou-se por meio de um curso de extensão universitária,
com carga horária de 50h de formação, desenvolvido no ano de 2021 em parceria com
a Universidade Tecnológica Federal do Paraná. O curso foi oferecido na modalidade
de ensino à distância, por meio dos recursos do ‘Google Classroom’.
Na atividade, os dados foram coletados a partir das vivências da proposta do
curso de formação, estruturada a partir de uma Unidade de Ensino Potencialmente
Significativa, constituindo um corpus de análise formado por questionários, registros
de encontros, transcrições de falas dos participantes e produção de materiais referentes
aos estudos. Aqui apresentamos parte desse estudo, caracterizado pelo desenvolvimento
de uma Unidade de Ensino Potencialmente Significativa (UEPS) formativa e as con-
tribuições que o conhecimento sobre processos estruturantes da aprendizagem
significativa podem trazer ao à prática pedagógica do professor dos anos iniciais.
Resultados e discussões
As demandas de formação de professores estão baseadas em vários aspectos, que
incluem a formação continuada para o domínio dos conhecimentos pedagógicos, as
condições e interesses de participação, e a significatividade dos processos para a sua
atuação.
Infelizmente, a “formação continuada” ou “contínua” que conhecemos no Brasil configura-se,
na maioria das vezes, em ações isoladas, pontuais e de caráter eventual. Portanto, trata-se de uma
formação muito mais “descontínua” do que propriamente “contínua”. Ainda predomina a visão
da oferta de cursos de curta duração atualização, aperfeiçoamento ou, até mesmo, “reciclagem”
(sic) ou de pós-graduação lato sensu em que os temas e os conteúdos ali tratados não necessa-
riamente refletem as necessidades formativas dos docentes. Os professores passam a colecionar
certificados [...] que, geralmente, não trazem muitos ganhos para a melhoria de sua prática de
ensino na sala de aula (DINIZ-PEREIRA, 2010, n. p.).
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Nesse sentido, lançamos mão, nesta pesquisa, da compreensão do processo dis-
posto em Nóvoa (1992) como um continuum,
3
o qual deve ocorrer ao longo de toda
carreira docente, por meio de formação continuada, reflexões, pesquisas e atuação do-
cente. Assim, a proposta de formação traz essas concepções como elementos a serem
considerados em sua construção e desenvolvimento, de modo a colaborar no aperfei-
çoamento profissional pautado em processos reflexivos, que consideram contextos e
subjetividades na atuação docente.
Nesse sentido, a intenção desta pesquisa foi desenvolver um processo formativo,
como curso de extensão com carga horária de 50 horas, a partir da organização de uma
UEPS, conforme pode ser observado no Quadro 1, a seguir.
Quadro 1: UEPS estruturante do curso de formação.
Etapa 1 Definição do tema
Tema: Formação de professores para o ensino de matemática mediado por UEPS.
Objetivo:
Orientar a formação continuada para professores, pautada na Teoria da Aprendi-
zagem Significativa e mediada por UEPS, de modo a potencializar as
aprendizagens no ensino de matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Público-
alvo:
Professores da Educação Básica
Carga horá-
ria total:
50 horas
Etapa 2
Levantamento dos conhecimentos prévios
Objetivo:
Identificar os conhecimentos prévios dos participantes sobre o ensino de ma-
temática, os desafios e fragilidades enfrentados na prática docente.
Aspectos a
serem abor-
dados:
Encontro para apresentação das experiências e trajetórias dos participantes.
Aplicação de questionários para compreender a percepção dos participantes
sobre sua formação e sobre o ensino e a aprendizagem matemática dos es-
tudantes da Educação Básica.
Tempo pre-
visto:
4 horas
Etapa 3 Situação introdutória
Objetivo:
Relacionar as situações vivenciadas na prática docente aos estudos da área
da Educação Matemática.
Identificar elementos a serem superados no ensino de matemática dos anos
iniciais.
Aspectos a
serem abor-
dados:
Encontros formativos para estudos sobre o ensino de matemática nos anos
iniciais: práticas que são realizadas, pesquisas sobre a aprendizagem, análi-
ses sobre dados estatísticos e de avaliações externas, levantamento das
dificuldades observadas no processo, e comparativos com a literatura da área.
Estudos direcionados aos aspectos relativos ao embasamento teórico da te-
mática.
Reflexões e discussões sobre o tema, considerando a experiência e a prática
docente dos participantes.
Tempo pre-
visto:
8 horas
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Etapa 4 Apresentação do novo conhecimento
Objetivo:
Compreender como se desenvolve o processo de retenção do conhecimento
de forma significativa.
Identificar os processos fundamentais para a ocorrência da aprendizagem sig-
nificativa.
Reconhecer recursos e materiais potencialmente significativos para a apren-
dizagem dos estudantes.
Aspectos a
serem abor-
dados:
A Teoria da Aprendizagem Significativa: o que é, quais os princípios nortea-
dores, como pode ser desenvolvida dentro do espaço escolar, como ocorre a
aprendizagem.
Elementos facilitadores da aprendizagem significativa: mapas conceituais e
UEPS.
Estudos direcionados aos aspectos relativos ao embasamento teórico da te-
mática.
Reflexões e discussões sobre o tema, considerando a experiência e a prática
docente dos participantes.
Tempo pre-
visto:
8 horas
Etapa 5
Avançar na complexidade de abordagem do tema
Objetivo:
Compreender as relações possíveis entre a Teoria da Aprendizagem Signifi-
cativa e as UEPS.
Identificar potencialidades do uso de UEPS no ensino de matemática.
Aspectos a
serem abor-
dados:
Relações entre a Teoria da Aprendizagem Significativa, UEPS e o ensino de
matemática: estudos sobre práticas já desenvolvidas e caminhos possíveis
para a educação básica.
Levantamento, estudos e análise de experiências de ensino baseadas em
UEPS.
Estudos direcionados aos aspectos relativos ao embasamento teórico da te-
mática.
Reflexões e discussões sobre o tema, considerando a experiência e a prática
docente dos participantes.
Tempo pre-
visto:
8 horas
Etapa 6 Abordagem do tópico de estudo em maior grau de complexidade
Objetivo:
Identificar aspectos relevantes da matéria de ensino para estruturar um pro-
cesso de ensino orientado por UEPS.
Planejar processos de ensino de matemática baseados na estrutura das
UEPS.
Considerar os processos da Teoria da Aprendizagem Significativa nas práti-
cas de ensino propostas nas etapas da UEPS, a serem produzidas.
Aspectos a
serem abor-
dados:
Orientação e organização de produções individuais ou coletivas, em que os
participantes construirão uma UEPS, a partir de suas experiências e contextos
de atuação, mediados pela orientação do coordenador da formação.
Encontros individuais e coletivos para orientações específicas quanto às eta-
pas de produção dos materiais e atividades das UEPS.
Tempo pre-
visto:
15 horas
Etapa 7
Avaliação da aprendizagem do participante
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Objetivo:
Avaliar o processo de formação vivenciado e as contribuições para a atuação do-
cente dos professores de matemática dos anos iniciais.
Aspectos a
serem abor-
dados:
Encontros para a socialização das UEPS construídas pelos participantes, me-
diada por discussões, reflexões e aprimoramentos, a partir das construções
do grupo.
Tempo pre-
visto:
5 horas
Etapa 8
Avaliação da UEPS
Objetivo:
Avaliar a proposição da UEPS para a formação de professores.
Atividade:
Avaliação da proposta formativa quanto a sua: pertinência enquanto curso de
capacitação; relevância para formação docente; viabilidade de aprimoramento
da prática docente; significatividade quanto ao conteúdo; participação (autoa-
valiação).
Aplicação de questionário final.
Tempo pre-
visto:
2 horas
Fonte: Souza (2021a).
Nesse sentido, a proposta de investigação deste estudo buscou levantar indícios
de como as UEPS podem se constituir em um caminho para o enfrentamento das la-
cunas da formação docente, uma vez que sua estruturação lógica, alicerçada sob a teoria
de Ausubel, oportuniza o fortalecimento das práticas docentes e aprimora os conheci-
mentos que auxiliam professores na docência. De acordo com Rosa, Cavalcanti e
Perez,“[...] as UEPS primam pela diversificação de estratégias de aprendizagem, apos-
tando na possibilidade de contribuir para o desenvolvimento das estruturas mentais do
aluno, ao exigir-lhe diferentes movimentos cognitivos” (2016, p. 214).
Elegeu-se o ensino de matemática com contexto de formação e investigação junto
aos docentes dos anos iniciais, visto que pesquisas realizadas por Souza (2021a), apon-
tam demandas formativas para área de atuação entre os docentes. A proposta de
apresentar ao grupo as UEPS como uma possibilidade para a organização, o planeja-
mento e o desenvolvimento de processos de ensino voltado à aprendizagem
significativa, foi orientada por reflexões, momentos de aprofundamento teórico e com-
partilhamento de experiências entre os cursistas. Entende-se que as UEPS ao se
fundamentarem na Teoria da Aprendizagem Significativa, oferecem suporte metodo-
lógico para às práticas, significando as aprendizagens ao contribuírem para associações
entre os objetos de estudo e a vivência cotidiana dos estudantes (DARROZ, 2018).
Destacam-se como contribuições da pesquisa, as reflexões sobre a prática opor-
tunizada durante as vivências do curso de formação docente. No desenvolvimento dos
encontros, os participantes foram convidados a relatar suas práticas, articulando-as com
os conhecimentos que foram produzidos a partir dos estudos do curso. Desse processo
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emergiram novos significados à prática docente, traduzidos no planejamento das UEPS
e, também, na fala dos cursistas, os quais indicaram, por exemplo:
As práticas vivenciadas no curso foram ótimas principalmente por me ajudarem a entender
melhor o desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes. Não me recordava sobre esses
processos psicológicos e sobre como devemos respeitá-los para conseguir resultados posi-
tivos em nosso trabalho. Às vezes fazemos nossos planejamentos de forma tão automática
que não paramos para refletir se as ações propostas são capazes de atingir e mobilizar a
construção de conhecimento do aluno. Com o estudo da teoria da aprendizagem significativa
e a proposta de organizarmos nosso plano de ação na forma de UEPS vejo muitas possibili-
dades de melhorar a qualidade da disciplina de matemática que ministro (TF encontro
final_9).
O maior destaque dessa formação foi o aprendizado sobre o planejamento. Ficou evidente a
partir do que estudamos que ao planejar devemos levantar questões interessantes na aula,
e que os alunos possam refletir e repensar explorando sempre novas ideias, mostrando dife-
rentes pontos para obter e enriquecer o conhecimento proposto durante as aulas. Quando
parei para refletir sobre como me organizava enquanto professora de matemática vi que isso
era algo que eu não fazia, vejo hoje que preciso mudar, deixar de aplicar um monte de exer-
cícios, valorizar somente a técnica e o cálculo e pensar mais na aprendizagem e no percurso
do meu aluno (TF_encontro 9_4).
Para Mizukami (2004), a reflexão sobre a prática é um elemento que produz
sentido e direcionamento na formação docente, sendo considerado elemento de orien-
tação conceitual e fonte de aprendizagem profissional. Desse modo, considera-se que o
processo de formação mediado por UEPS proporcionou a inserção de conhecimentos
contextualizados, fundamentados teoricamente na abordagem de Ausubel, que articu-
lam e significam as práticas dos participantes, permitindo o movimento reflexivo sobre
a ação pedagógica.
Essas mudanças apontam para a produção de significados e busca por intencio-
nalidades na prática dos cursistas, que se refletirão na aprendizagem de seus alunos.
Resgatando as palavras de Moreira (2011a), que afirma que sem aprendizagem não há
ensino, considera-se que ao professor é necessária uma compreensão sobre seu papel
como mediador e condutor dos caminhos de aprendizagem.
Por isso, os pontos de estudo e reflexão sobre o ensino de matemática e a Teoria
da Aprendizagem Significativa foram articulados, de modo a oferecer subsídios aos pro-
fessores para compreensão da aprendizagem dos estudantes, e, consequentemente, para
os processos de ensino. Destaca-se, aqui, que, em relação à formação proposta na pes-
quisa, as UEPS se apresentaram como uma importante ferramenta para a busca da
aprendizagem significativa, ao orientarem um encaminhamento sequencial e com em-
basamento científico para as práticas docentes.
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Logo, é preciso que sejam reforçadas as reflexões que valorizam as iniciativas de ruptura paradig-
mática nos processos de ensinar e aprender; acima de tudo, devem ter compromisso com a
formação de cidadãos reflexivos, críticos e com condições de continuar a aprender e a produzir
conhecimentos socialmente relevantes. Acredita-se que o compromisso social da educação é
imensurável, sendo necessário que o professor se assuma como pesquisador de sua prática peda-
gógica, questionando o seu saber e buscando respostas por meio de pesquisas realizadas no
cotidiano de suas atividades docentes, num continum (SILVA, SCHIRLO, 2014, p. 41, grifo
nosso).
A avaliação da aprendizagem também foi um dos temas emergentes do estudo,
que trouxe evidentes contribuições à aprendizagem dos professores participantes. Du-
rante o desenvolvimento do curso, foram abordados os princípios da avaliação
formativa, de modo a romper com compreensões de avaliação como resultado final da
aprendizagem, baseado somente em resultados. Tendo em vista que “o processo avali-
ativo deve ter caráter emancipatório, autônomo, permitindo ao estudante perceber o
ponto em que se encontra no processo de aprender” (DARROZ; ROSA; GHIGGI,
2015, p. 83), o que demanda mudanças na atuação e posicionamento do professor, que
precisará “promover situações em que o estudante possa aplicar os conceitos estudados
em novos contextos” (DARROZ; ROSA; GHIGGI, 2015, p. 83).
Esse processo foi facilitado ao se assumir as UEPS como uma metodologia de
ensino com possibilidade de processos avaliativos, ao longo de toda a sua implementa-
ção. Assim, ao elaborarem cada uma das etapas das unidades de ensino, os cursistas
dedicaram-se a refletir sobre como observar os desdobramentos da prática de ensino na
aprendizagem dos estudantes, conduzindo, desta forma, um processo voltado ao pro-
tagonismo do aluno, valorização das etapas e possibilidade de interações e feedbacks ao
longo das aulas.
O conhecimento para a docência faz parte da categorização proposta por Shul-
man (1987, 2015), que reúne elementos-base para a ação educativa, entre eles, o
conhecimento pedagógico de conteúdo (PCK), referente aos conhecimentos práticos,
que promovem a interseção entre os conteúdos e a prática pedagógica. Assim, tendo os
professores desenvolvido suas próprias UEPS, reconhecendo cada uma de suas etapas
como um encaminhamento necessário à aprendizagem, o conhecimento contribui para
o desenvolvimento do que Shulman como PCK, favorecendo e fortalecendo a prática
pedagógica dos cursistas.
Ao estruturar uma UEPS como um encaminhamento prático dos pressupostos
da TAS, constatou-se que os professores mobilizaram suas competências cognitivas e
metacognitivas ao traduzir o conhecimento sobre a teoria ausubeliana em ações didáti-
cas voltadas aos seus contextos de atuação. Considera-se que esse movimento reflexivo
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traz significatividade às práticas de ensino, uma vez que promove reflexão sobres as
ações que estão voltadas ao aprendizado do estudante, valorizando seus saberes, quali-
ficando suas experiências e estreitando as relações entre professores e alunos (SOUZA,
2021a, NERLING; DARROZ, 2021).
A Figura 1 propõe uma representação do conhecimento resultante da investiga-
ção proposta neste estudo e articula perspectivas observáveis em relação aos avanços e
contribuições para o desenvolvimento dos participantes.
Figura 1: Síntese do conhecimento construído na pesquisa.
Fonte: SOUZA (2021a, p. 154).
Nesse sentido, a formação oportunizada trouxe contribuições às práticas docen-
tes, sobretudo pela busca, por parte dos professores participantes, no desenvolvimento
de métodos que possibilitem “uma melhor organização da forma de ensino, auxiliando
o aprendiz a explorar seu conhecimento e localizar o meio mais adequado de assimila-
ção” (DARROZ, 2018, p. 579).
Embora detalhadas até aqui, as perspectivas sinalizadas como conhecimento re-
sultante da pesquisa articulam-se, tornando-se complementares, do ponto de vista das
contribuições para a ação docente. Por esta razão, considera-se que esta pesquisa aten-
deu aos objetivos propostos, trazendo conhecimento e formação aos educadores,
ampliando suas percepções sobre a prática docente e a aprendizagem de seus alunos.
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Acredita-se que o conhecimento construído nesta pesquisa resultará em propostas de
ensino mais qualificadas e aprendizagens mais significativas para os grupos de estudan-
tes mediados pelos participantes do estudo.
Conclui-se, portanto, que processos pautados na Teoria da Aprendizagem Signi-
ficativa e nas UEPS se constituem como uma possibilidade para a Formação de
Professores, pois oportunizam a tomada de consciência sobre o processo educativo, a
reflexão sobre a ação pedagógica e o fortalecimento das práticas de ensino, consoli-
dando saberes e aprimorando os conhecimentos que auxiliam professores na docência.
Considerações finais
Nesse sentido, estruturou-se um percurso formativo para professores, demons-
trando as relações e possibilidades de ampliar o conhecimento dos professores para sua
prática pedagógica com base na Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel. A
proposta entrelaçou tais conhecimentos a estrutura metodológica das Unidades de En-
sino Potencialmente Significativa como meio para desenvolvimento da formação e,
também, como objeto de estudo, de modo a subsidiar as práticas dos docentes na con-
dução de processos orientados à aprendizagem significativa.
Pôde-se observar que o curso forneceu aos participantes subsídios teórico-práti-
cos que possibilitaram reconhecer as UEPS como uma abordagem pedagógica baseada
na consolidação de um processo sequencial e estruturado, que viabiliza movimentos e
processos cognitivos em busca da aprendizagem significativa. A abordagem proposta
demonstrou, por meio das colocações dos participantes, mudanças em suas percepções
de ensino, aprendizagem e prática pedagógica, promovendo reflexões sobre o fazer do-
cente, ampliando seus conhecimentos para a docência.
Assim, destaca-se que a proposição de UEPS como encaminhamento para o de-
senvolvimento de práticas voltadas à significatividade das aprendizagens nos anos
iniciais do Ensino Fundamental demonstrou contribuições ao conhecimento pedagó-
gico dos participantes. Em especial, configuraram-se como um recurso capaz auxiliar e
orientar o docente na organização didático-pedagógica do processo de ensino, na cons-
trução do seu planejamento e estruturação de aulas, e nos encaminhamentos e processos
de mediação da aprendizagem dos estudantes. Sobre esse aspecto, os estudos de Shul-
man (1987, 2015) colaboraram para compreender as demandas dos conhecimentos
necessários à docência, destacando, nesta tese, o conhecimento pedagógico de conte-
údo.
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Além de oportunizar conhecimento sobre como estruturar a ação docente fun-
damentada nos princípios da aprendizagem significativa, cabe ressaltar que o processo
de formação promoveu uma articulação teórico-prática, instrumentalizadora da práxis
docente, ampliando as percepções, não somente para a aplicação do recurso UEPS, mas
para a compreensão ampla do processo de assimilação da aprendizagem e da significa-
tividade que as aprendizagens podem (e devem) ter na vida do estudante.
Cumpre-nos destacar que movimentos investigativos como este, de formação
continuada de professores, necessitam, também, de acompanhamento de políticas e
práticas de formação para o contexto educacional, para que sejam viabilizadas oportu-
nidades aos docentes e possibilidades de continuidade de pesquisas que objetivam
superar as lacunas e dificuldades enfrentadas pela educação brasileira.
Notas
1
Tradução do termo original, em inglês, subsumer.
2
Do termo original, em inglês, The Pedagogical Content Knowledge, utilizado em língua portuguesa
como Conhecimento Pedagógico de Conteúdo.
3
Em Nóvoa (1991, 1992), o conceito de continuum compreende a relação entre a formação inicial e a
formação contínua, numa perspectiva de desenvolvimento profissional ao longo de toda a carreira.
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Este artigo está licenciado com a licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
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Avaliação da aprendizagem por parâmetros ausubelianos após
vivência em uma unidade de ensino potencialmente
significativa
Learning evaluation through ausubelian parameters after living in a
potentially meaningful teaching unit
Evaluación del aprendizaje según los parámetros ausubelianos tras la
convivencia en una unidad didáctica potencialmente significativa
Kátia Aparecida da Silva Aquino
*
Saulo de Tárcio Gomes do Nascimento
**
José Antônio Bezerra de Oliveira
***
Resumo
Percursos didáticos que se amparem em perspectivas construtivistas de aprendizagem são caminhos
aspirados desde o final do século XX pelos estudiosos em educação. Outrossim, o processo avaliativo
é um movimento complexo que demanda do professor certo esforço na busca por evidências da
consolidação da aprendizagem. Posto isto, na perspectiva de uma aprendizagem significativa, este
estudo apresenta uma proposta de Unidade de Ensino Potencialmente Significativa (UEPS) para a
educação básica, além de uma sugestão para avaliar, por meio de parâmetros ausubelianos práticos,
uma possível aprendizagem significativa que possa se desenvolver a partir da aplicação da Unidade.
Para a avaliação do aprendizado com significado de forma mais assertiva, sugere-se a análise de cri-
térios e itens que abarquem os domínios cognitivo, atitudinal, ciente, consciente e contextual da
aprendizagem, utilizando múltiplos instrumentos avaliativos. Desta forma, as propostas aqui discu-
tidas constituem-se como um recurso para subsidiar a análise e entendimento acerca dos episódios
de aprendizagem significativa.
Palavras-chave: Aprendizagem Significativa; Avaliação; Ensino de Ciências.
Recebido em: 31.10.2021Aprovado em: 24.02.2022
https://doi.org/10.5335/rep.v29i2.13114
ISSN on-line: 2238-0302
*
Professora Titular do Colégio de Aplicação da UFPE e Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Aprendizagem
Significativa (GEPAS) da UFPE. Orcid: http://orcid.org/0000-0001-8895-6637. E-mail: aquino@ufpe.br.
**
Mestre pelo Programa de Pós Graduação em Rede Nacional para o Ensino de Ciências Ambientais PROFICIAMB- UFPE,
e membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Aprendizagem Significativa da UFPE - GEPAS. Professor da Rede Estadual
de Ensino de Pernambuco. Membro do GEPAS - UFPE. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4691-5594. E-mail:
saulo.tarcio@hotmail.com.
***
Doutorando em Educação Tecnológica (concentração em Ensino de Ciências e Matemática) e Mestre em Ensino das Ciências
Ambientais pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor da Rede Estadual de Ensino de Pernambuco.
Pesquisador do GEPAS - UFPE. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4952-7746. E-mail: j.antoniobezerra@gmail.com.
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Abstract
Didactic paths based on constructivist perspectives of learning are paths aspired since the late
twentieth century by scholars in education. However, the evaluation process is a complex movement
that demands a certain effort from the teacher in the search for evidence of learning consolidation.
Therefore, from the perspective of meaningful learning, this study presents a proposal for a
Potentially Meaningful Teaching Unit for basic education, as well as a suggestion to evaluate,
through practical ausubelian parameters, a possible meaningful learning that may develop from the
application of the Unit. For the assessment of meaningful learning in a more assertive way, it is
suggested the analysis of criteria and items that cover the cognitive, attitudinal, aware, conscious and
contextual domains of learning, using multiple evaluative instruments. Thus, the proposals discussed
here constitute a resource to support the analysis and understanding of episodes of meaningful
learning.
Keywords: Meaningful Learning; Evaluation; Science Teaching.
Resumen
Las vías didácticas basadas en las perspectivas constructivistas del aprendizaje son vías a las que aspi-
ran desde finales del siglo XX los estudiosos de la educación. Sin embargo, el proceso de evaluación
es un movimiento complejo que exige del profesor un cierto esfuerzo en la búsqueda de evidencias
de consolidación del aprendizaje. Por lo tanto, en la perspectiva del aprendizaje significativo, este
estudio presenta una propuesta de Unidad Didáctica Potencialmente Significativa (UDSP) para la
educación básica, así como una sugerencia para evaluar, a través de parámetros prácticos ausubelia-
nos, un posible aprendizaje significativo que pueda desarrollarse a partir de la aplicación de la
Unidad. Para la evaluación del aprendizaje significativo de una manera más asertiva, se sugiere el
análisis de criterios e ítems que cubran los dominios cognitivo, actitudinal, consciente y contextual
del aprendizaje, utilizando múltiples instrumentos evaluativos. Así, las propuestas que aquí se co-
mentan constituyen un recurso para apoyar el análisis y la comprensión sobre los episodios de
aprendizaje significativo.
Palabras clave: Aprendizaje Significativo; Evalución; Enseñanza de las Ciencias.
Introdução
Percebe-se que, no ensino básico brasileiro, a memorização como único caminho
didático ainda é imperativa quando se observa os episódios de ensinar e aprender, fa-
zendo com que o percurso educativo se torne frágil e desmotivador para os estudantes
(MOREIRA, 2021). Os conhecimentos assimilados de forma mecânica podem ser apli-
cados habitualmente a casos já conhecidos, mas não direcionam o estudante a
compreenderem a essência do que foi ensinado, pois esses não aprenderam significati-
vamente (MOREIRA, 2005).
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Os processos de ensino e aprendizagem, a fim de que colaborem significativa-
mente para a formação do sujeito estudantil, necessitam de constantes esforços para a
elaboração de estratégias didáticas, especificamente sob uma perspectiva ativa e dialó-
gica, em que os conhecimentos trazidos pelos componentes curriculares se relacionem
com o contexto sociocultural do aprendiz (MOREIRA, 2011). Documentos oficiais
educacionais, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), ressalta a importân-
cia de trabalhar temáticas que se contextualizem com a vivência dos estudantes
(BRASIL, 2018).
Quando a construção de saberes pelo indivíduo acontece como resultado da mo-
dificação de seus conhecimentos pré-existentes com as novas informações que lhes são
apresentadas por algo ou alguém, de forma não-literal e com predisposição para apren-
der, diz-se que a aprendizagem foi construída significativamente. Essa premissa
constitui a Teoria da Aprendizagem Significativa (AUSUBEL, 1963). Ademais, Ausu-
bel comenta que o fator isolado que mais influencia a aprendizagem é aquilo que o
aprendiz já conhece. “Descubra o que ele sabe e baseie nisso seus ensinamentos”
(AUSUBEL; NOVAK; HANESIAN, 1980, p. 137).
Moreira (2005) reflete que a aprendizagem, além de ser significativa, necessita
ser crítica, pois tem potencial de desenvolver o senso crítico do aprendiz, propiciando
uma distinta visão de mundo. Assim, o mesmo autor concebe a Teoria da Aprendiza-
gem Significativa Crítica, ampliando a teoria ausubeliana e orientando pesquisadores e
professores a desenvolver ações didáticas baseadas em princípios facilitadores para uma
aprendizagem crítica.
Como caminho para o desenvolvimento de uma aprendizagem significativa (AS)
e crítica, Moreira (2011), propôs o uso do que ele denominou Unidade de Ensino
Potencialmente Significativa (UEPS), que se constitui como uma sequência de ações
didáticas articuladas de forma lógica para promover processos cognitivos inerentes a
aprendizagem significativa, numa perspectiva crítica. Desta forma, a partir dos elemen-
tos didáticos contidos nesta estratégia, o professor poderá fortalecer o processo de
aprendizagem do estudante, o qual será capaz de aprender significativamente e critica-
mente (NASCIMENTO, 2021).
A avaliação da aprendizagem na perspectiva da TAS é algo que demanda um
trabalho minucioso, tendo em vista que a avaliação é de cunho formativo. A avaliação
não pode ser vista como um exame, que objetiva selecionar e classificar, mas sim ter
um sentido mais amplo de incluir e diagnosticar. Este processo avaliativo requer um
ritual de procedimentos e variáveis, como o tempo, construção, aplicação, devolução
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dos resultados, reorientação das aprendizagens ainda não concluídas, e do sentido psi-
cológico (SILVA; SILVA, 2021).
Neste segmento, com o intuito de facilitar a avaliação da aprendizagem na pers-
pectiva da aprendizagem significativa (AS), Flores-Espejo (2018) propõe a análise de
elementos ausubelianos (variáveis, critérios e itens) que tendem a deixar mais evidente
uma AS em curso, abrangendo os domínios cognitivo, atitudinal, ciente, consciente e
contextual do estudante. Diante do exposto, este estudo visou elaborar e analisar uma
proposta de UEPS, bem como propor a avaliação da aprendizagem através de parâme-
tros ausubelianos descritos acima.
Pressupostos teóricos
Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS)
As formas pelas quais os processos de aprendizagem podem acontecer se caracte-
rizam pela forma com a qual o professor constrói sua prática pedagógica na sala de aula.
Quando nos referimos à abordagem tradicional de ensino, por exemplo, relacionamos
o nosso pensamento nas transmissões de conhecimento, que acontecem de forma li-
near, em que o estudante se encontra de forma passiva nos processos de ensino e
aprendizagem e que o leva muitas vezes para a simples memorização.
De acordo com Moreira (2021), há um equívoco ao confundir testagem para
treinar com avaliação da aprendizagem, pois tais testes têm o intuito de mensurar as
respostas corretas. Contudo, “dar a resposta certa” não quer dizer que ela foi compre-
endida, bem como a resolução de um problema utilizando a “fórmula certa” também
não significa que houve aprendizagem daquele dado conteúdo conceitual. Pode-se de-
duzir, então, que muitas vezes os bons resultados de um percurso educativo podem
significar o desenvolvimento de uma aprendizagem mecânica. Essa se caracteriza como
um armazenamento cognitivo, na memória de curto prazo, literal, arbitrário, sem significado,
que não requer compreensão e resulta em aplicação mecânica a situações conhecidas. Por isso, os
alunos estudam sempre na véspera das provas e por isso, também, que os alunos reclamam que a
matéria não foi dada quando situações novas, não conhecidas, “caem nas provas” (MOREIRA,
2021, p. 26).
Por outro lado, Ausubel (1963) conceitua como aprendizagem significativa um
processo que leva o indivíduo a ter compreensão sobre aquilo que assimilou, gerando
significados e promovendo movimentos cognitivos que fazem com que o conheci-
mento apreendido faça sentido para ele. Para alcançar este objetivo, os conhecimentos
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específicos já existentes na estrutura cognitiva do indivíduo subsunçores precisam
interagir, de forma não-literal e não-arbitrária, os com novos conhecimentos trazidos
pelo episódio de aprendizagem. Desta maneira, o aprendiz pode adquirir a capacidade
de explicar, aplicar e descrever o conhecimento construído em novos contextos
(AUSUBEL, 2003).
Não se pode dizer, então, que a aprendizagem significativa está em oposição a
uma aprendizagem mecânica. A aprendizagem mecânica pode servir de alicerce para a
construção de uma aprendizagem significativa quando, por exemplo, um novo conhe-
cimento não encontra um subsunçor para ancorar e, em outro momento de
aprendizagem, este mesmo conhecimento passa a ser um subsunçor para novos concei-
tos que o aprendiz assimila. Assim, considerar o conhecimento prévio do aprendiz é a
porta de entrada para o desenvolvimento de uma aprendizagem significativa. Além
disso, Ausubel (2000) descreve outros fatores importantes que propiciam o desenvol-
vimento da AS:
a) Precisa-se de uma predisposição para aprender o novo conhecimento, e as in-
formações apresentadas pelo professor ou material instrucional precisam interagir com
algum subsunçor específico, a fim de que os conhecimentos prévios ganhem novos
significados.
b) O material instrucional deve apresentar um significado lógico, quando de-
pende somente da natureza da sua natureza, e de um significado psicológico, que
depende da experiência que cada indivíduo abordado terá.
Assim, desenvolver um caminho lógico de significados de forma não-literal e
não-substancial não compete apenas ao professor, nem tão pouco do material de apren-
dizagem, mas de uma tríade entre Estudante-Professor-Material de Aprendizagem
(MOREIRA, CABALLERO, RODRIGUEZ, 1997). Ausubel (1963) discute, ainda,
que podem acontecer dois processos inerentes à aprendizagem significativa: a diferen-
ciação progressiva e a reconciliação integrativa.
No processo da diferenciação progressiva os novos conhecimentos vão se ligando
aos conhecimentos prévios de forma que, progressivamente os torna mais diferenciados
em teor de detalhes e especificidades. Nesse processo, os conhecimentos prévios se tor-
nam mais ricos, ligados a mais exemplos, o que amplia o seu significado para o
aprendiz. Por outro lado, no processo de reconciliação integrativa o aprendiz consegue
estabelecer diferenças e similaridades entre os conhecimentos, que se constitui como
uma ação mais sofisticado de aprendizagem significativa. Cabe salientar que esses dois
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processos coexistem, pois na medida em que se aprende significativamente os conheci-
mentos vão se diferenciando e integrando, resultando em uma estrutura cognitiva cujos
os conhecimentos se tornam mais estabilizados e organizados (AUSUBEL, 2003).
Ademais, na estrutura cognitiva do aprendiz que aprende de forma significativa,
é possível acontecer relações entre ideias, que podem ser proposições ou conceitos que
já estão internalizados nessa estrutura. Assim, a presença de conceitos ou proposições
estáveis, com alto grau de diferenciação, passam a interagir com outros conceitos, pos-
sibilitando a criação novos significados, reorganizando as ideias, que passa a estabelecer
uma reconciliação integrativa (MOREIRA, 2021).
Avaliação da aprendizagem significativa por parâmetros ausube-
lianos
Avaliar a aprendizagem é um processo alvo de várias discussões. Segundo Moreira
(2013, 2021), estamos vivenciando um contexto educacional comportamentalista, em
que as avaliações de aprendizagens são pautadas no aprendiz ser treinado para dar res-
postas certas, prontas. No que tange, portanto, a avaliação no contexto de uma
aprendizagem significativa, é necessário levar em conta vários instrumentos que possam
evidenciar as relações construídas significativamente.
Para Ausubel (2000), uma forma de evidenciar AS mais nitidamente é criando
questões que expressem uma problemática de maneira nova, com o intuito de fazer
com que o aprendiz aplique o máximo de conhecimentos obtidos. Vale ressaltar que o
autor deixa claro que a avaliação de uma AS não tem cunho somativo, e prioriza a
avaliação formativa e recursiva. Em outras palavras,-se ao aprendiz a oportunidade
de refazer as atividades de avaliação na tentativa de buscar no erro, materiais mais ade-
quados ao seu perfil e que de fato o auxilie na sua trajetória de aprendizagem.
O processo de avaliação da AS não é algo simples e demanda cautela, pois de-
pende de alguns critérios e variáveis. De acordo com Flores-Espejo (2018), para avaliar
a AS se faz necessária a aplicação de diversos instrumentos de avaliação, com o intuito
de conhecer as diferentes formas de representação de signos que são externalizados pelos
estudantes no processo de ensino e aprendizagem.
Nesta direção, a AS está associada a diferentes domínios pelos quais o estudante
é capaz de criar habilidades e competências que o possibilita agir de forma crítica e
autônoma frente a situações específicas. Então, a promoção da AS integra ou articula
cinco domínios distintos: o pensante, o atuante, o ciente, o consciente e o contextual,
conforme especificados no Quadro 1.
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Quadro 1: Domínios utilizados para avaliar a aprendizagem significativa.
Domínio Descrição
Cognitivo
Aspectos cognitivos da aprendizagem, envolvidos com os conteúdos teóricos,
conceituais, declarativos. É neste domínio que são possíveis localizar algumas
variáveis com seus respectivos critérios de aprendizagem:
Estrutura cognitiva: corresponde a configuração hierárquica dos conhecimentos,
de modo que os conhecimentos mais gerais se resumam ao menos gerais, en-
quanto os mais específicos se modificam através de um processo de
aprendizagem representacional, conceitual e proposicional (AUSUBEL, 2003).
Retenção de significados: retenção prolongada de significados após o período de
obliteração, isto é, após certo tempo passado da intervenção didática que gerou o
conhecimento.
Atitude de Aprendizagem: predisposição cognitiva de aprender de maneira mecâ-
nica ou de maneira significativa.
Atitudinal
Se refere aos aspectos práticos, procedimentais e metodológicos, que implicam
na ação do aprendiz em situações específicas.
Ciente
Se refere ao estado de sentir do estudante que implica nas variáveis afetivas
emocionais e sentimentais relacionadas à aprendizagem.
Consciente
Se refere aos aspectos intencionais da aprendizagem, levando em conta o pen-
samento crítico e reflexivo, os processos metacognitivos e valores éticos do
aprendiz.
Contextual
Se refere aos aspectos extrínsecos situacionais que ocorrem em eventos e inte-
rações que favorecem a AS, ou seja, se trata de um contexto potencialmente
significativo. Este domínio implica em desenvolver contextos didáticos adequados
e novos, virtuais ou reais, teóricos ou práticos.
Fonte: Adaptado de Flores-Espejo (2018, p. 19-20).
Utilizando os domínios descritos no Quadro 1, são definidos para cada um vari-
áveis que os definem. Cada variável tem seus critérios de aprendizagem (ou parâmetros
ausubelianos) que dispõem de uma caracterização a partir do conteúdo temático defi-
nido para estudo. Tais caracterizações são denominadas Indicadores de Aprendizagem.
Os indicadores são escolhidos pelo professor, que deve propor ações avaliativas que
investiguem evidências do estabelecimento de uma aprendizagem significativa. Neste
contexto, as evidências são denominadas Itens e as ações são os Instrumentos Avaliativos.
Assim, a partir desses parâmetros o professor pode desenvolver suas estratégias
avaliativas em busca de evidências de que suas ações pedagógicas estão direcionadas
para a promoção de uma AS. Contudo, não existe a obrigatoriedade do uso de todos
os critérios de avaliação, mas pelo menos uma variável para cada domínio apresentado
no Quadro 1, que permita valorizar e articular o empoderamento crítico do estudante
em sua realidade (FLORES-ESPEJO, 2018).
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Aprendizagem Significativa Crítica (ASC) e Unidade de Ensino Potenci-
almente Significativa (UEPS)
A partir dos estudos de Ausubel (1963) e de Postman e Weingartner (1969),
Moreira (2005) concebe a Teoria da Aprendizagem Significativa Crítica (TASC). Por
meio da aprendizagem significativa crítica (ASC) o aprendiz é capaz de se sentir inse-
rido em sua cultura, mas ao mesmo tempo fora dela, possibilitando a criação de
pensamentos críticos e, consequentemente, ter mais autonomia a partir dos saberes que
aprendeu significativamente. Para que isso aconteça são propostos onze princípios fa-
cilitadores, que são bem discutidos e definidos no trabalho de Moreira (2005). Diante
dos princípios norteadores da ASC, Oliveira (2018), apoiado nos estudos de Moreira
(2005), conclui que:
A promoção de aprendizagens significativas críticas demonstra um empenho voltado para a su-
peração de práticas colocadas como verdades absolutas, processos e sujeitos isolados, os estados e
"coisas" fixos e as tradicionais dicotomias (bom/ruim; desenvolvimento/subdesenvolvimento;
centro/periferia; pobreza/riqueza etc.) (OLIVEIRA, 2018, p. 17).
Promover uma AS, bem como uma ASC, de acordo Moreira (2021) significa
que os conceitos e as novas informações precisam interagir entre si, servindo de sub-
sunçor para criar novos significados que também se modificam. Esse processo torna o
subsunçor mais otimizado, mais singular, servindo de âncora a fim de alcançar novos
conhecimentos, promovendo uma diferenciação progressiva paralelamente a uma re-
conciliação integrativa. Assim, a estrutura cognitiva tende a se tronar uma estrutura
hierárquica de conceitos que tendem a abstrair a partir da vivência do aprendiz.
Como objetivo de promover uma ASC, Moreira (2011) idealizou o padrão de
uma sequência de ensino denominada Unidade de Ensino Potencialmente Significativa
(UEPS). Segundo o mesmo autor, a UEPS é construída e fundamentada a partir de
pensamentos lógicos e metodológicos na forma de sequência didática, a fim de um
aprendizado com significado a partir da prática de ensino, norteada pelos pressupostos
da AS. Uma UEPS é constituída por 7 etapas, que estão descritas no Quadro 2.
Quadro 2: Aspectos sequenciais de uma UEPS.
ELEMENTOS OBJETIVO
Escolha do tema
Definir o tópico que será abordado, resgatando o conhecimento pré-
vio e as relações que podem ser estabelecidas com o novo
conhecimento.
Levantamento dos Co-
nhecimentos Prévios
Proporcionar situações em que o estudante possa externalizar o co-
nhecimento prévio.
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Situação Problema In-
trodutório
Introdução ao tópico de estudo, com situações que relacionem o co-
nhecimento prévio com o novo conhecimento.
Desenvolvimento do
processo de diferencia-
ção progressiva
Apresentar o novo conteúdo conceitual, partindo dos aspectos mais
gerais para os mais específicos.
Discussão a nível mais
complexo
Retomada dos aspectos mais gerais do conteúdo conceitual, avan-
çando na complexidade. Promover situações de interação entre os
estudantes, envolvendo negociação de significados.
Desenvolvimento do
processo de reconcilia-
ção progressiva
Abordagem do tópico de estudo em maior grau de complexidade,
com diversificação de atividade, diversos contextos para que os es-
tudantes possam relacionar as diferenças e similaridades entre os
conceitos trabalhados.
Avaliação
Avaliação processual e formativa da aprendizagem, retomando ca-
racterísticas mais relevantes do conteúdo e/ou conceito estudado.
Avaliação, segundo evidências da aprendizagem significativa (deve
ser um processo contínuo no desenvolvimento da proposta).
Fonte: Adaptado de Moreira (2011).
Vale salientar que as etapas da UEPS não caracterizam um engessamento ou uma
receita que deve ser seguida à risca, mas devem ser vistas como uma proposta que visa
tornar a construção do conhecimento mais dinâmico e aberto a adequações conforme
a realidade de cada espaço de ensino. Para Raber, Grisa e Booth (2017), a utilização de
UEPSs em sala de aula se torna viável por incentivar o uso de materiais e estratégias
diversas, promovendo o diálogo, pensamento crítico e tomada de decisões por meio de
atividades coletivas e individuais, em prol da promoção de uma ASC.
Percurso metodológico
Esse estudo se caracteriza por apresentar uma proposta de UEPS, em que sugere-
se as atividades em suas etapas, bem como a avaliação da aprendizagem oriunda da
vivência das ações propostas por meio do uso de parâmetros ausubelianos. Nesta dire-
ção, esta pesquisa foi idealizada para ser desenvolvida com estudantes do Ensino Médio,
nos componentes curriculares de Química e Biologia. Nesse ensejo, será aqui proposta
uma UEPS estruturada para o ensino da temática “pH da água e o seu efeito na biodi-
versidade”, abrangendo os objetos de conhecimento pH e Biodiversidade.
A estrutura da UEPS foi desenvolvida com o objetivo não só de possibilitar a
promoção de uma ASC, mas de contribuir para a formação de uma sociedade mais
ecológica, possibilitando que os estudantes abordados criem pensamentos críticos e que
se tornem ativos diante da sociedade. Cabe salientar que os elementos da UEPS pro-
posta neste trabalho foram elaborados tendo por base a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), dentro da área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias do
Ensino Médio (BRASIL, 2018).
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Para a proposta de avaliação da aprendizagem decorrente da aplicação da UEPS
serão utilizados parâmetros ausubelianos de aprendizagem discutido por Flores-Espejo
(2018). Assim, visasse pontuar possíveis atividades que possam contribuir para o levan-
tamento de evidências da promoção de uma ASC por meio das atividades propostas na
UEPS “pH da água e o seu efeito na biodiversidade”
Apresentação das Propostas
A contextualização é um caminho privilegiado para flexibilizar o conhecimento,
a fim de que os processos inerentes da AS (diferenciação progressiva e reconciliação
integrativa) possam acontecer. Segundo a BNCC:
Contextualizar os conteúdos dos componentes curriculares, identificando estratégias para apre-
sentá-los, representá-los, exemplificá-los, conectá-los e torná-los significativos, com base na
realidade do lugar e do tempo nos quais as aprendizagens estão situadas (BRASIL, 2018, p. 16).
No Quadro 3 são apresentadas as etapas propostas para a UEPS “pH da água e
seu efeito na biodiversidade”. As atividades visam integrar os objetos de conhecimentos,
que são trabalhados por docentes dos componentes curriculares de Química e Biologia,
de forma integrada e contextualizada.
As atividades idealizadas nas etapas da UEPS foram caracterizadas para nortear
outras atividades que possam ser planejadas de acordo com a realidade de cada espaço
de ensino. Para uma análise mais detalhada das atividades propostas na UEPS serão
analisadas as etapas de Diferenciação Progressiva e Reconciliação Integrativa, ou seja,
etapas D e F, respectivamente.
Quadro 3: Caracterização da Unidade de Ensino Potencialmente Significativa para
estudo do pH da água e seu efeito na biodiversidade.
Etapa Caracterização
A) Escolha do
Tema
Podem ser trabalhados os objetos de conhecimento Ácidos/Bases e Bio-
diversidade
, que são trabalhados nas componentes curriculares de
Química e Biologia, respectivamente. Visa-se trabalhar o efeito do pH da
água na biodiversidade.
B) Levantamento do
Conhecimento Pré-
vio
O professor pode solicitar a construção de um texto dissertativo sobre a
temática, promover a criação de uma nuvem de palavras e observar as
palavras mais frequentes. Também é possível propor a construção de um
mapa conceitual como resposta a uma pergunta-focal estabelecida. Acon-
selha-se o uso de plataformas como o Mentimeter e softwares como o
Cmaps Tools.
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C) Abordagem de
Situação-problema
Introdutória
Aqui o professor deve providenciar duas fotografias que podem ser dispo-
nibilizadas impressas ou visualizadas em um projetor multimídia. A
atividade sugerida é a visualização de duas situações na natureza: um rio
limpo e um rio poluído. Diante da análise das fotografias, o professor pode
promover uma discussão a partir de perguntas geradoras. Após as discus-
sões, o professor pode solicitar que os estudantes pesquisem as possíveis
causas da poluição de rios, refletindo sobre as ações humanas nesse pro-
cesso.
D) Momento de Di-
ferenciação
Progressiva
Aqui sugere-se duas ações: 1) uma ação pode ser voltada para discutir a
origem da água no mundo e 2) a segunda ação pode ser voltada para
discutir o pH da água e a sua influência na biodiversidade. Sugere-se aqui
que sejam ministradas aulas expositivas com a intervenção e discussões
com os professores de Biologia e Química da turma. Deve-se procurar
observar a apresentação de informações de forma mais geral para mais
específica ao longo da abordagem didática.
E) Abordagem de
Situação-problema
Complexa
Sugere-se a aplicação de dois experimentos: experimento 1 Teste de
indicador de pH com repolho roxo em diferentes substâncias encontradas
no cotidiano; Experimento 2 Simulação da eutrofização na presença de
indicador de pH.
F) Momento de Re-
conciliação
Integrativa
Nesta etapa podem ser exibidas três reportagens com diferentes contex-
tos: sugerimos https://cutt.ly/OgztpGH, https://cutt.ly/jgztvKJ e
https://cutt.ly/hgztTq7, para que os estudantes consigam enxergar os ob-
jetos de conhecimento vivenciados e criarem sua própria reportagem com
base em suas vivências.
G) Avaliação da
Aprendizagem da
UEPS
Sugere-se a produção de novos textos ou mapas conceituais, dependendo
do instrumento utilizado para o levantamento do conhecimento prévio.
Neste caso, uma comparação pode ser estabelecida para verificação de
comos os novos novos conhecimentos s estabilizaram após as interven-
ções sugeridas nas etapas da UEPS. Ainda, recomenda-se fazer uma
análise da aprendizagem significativa utilizando os parâmetros ausubelia-
nos descritos por Flores-Espejo (2018).
Fonte: Nascimento (2021).
A etapa da diferenciação progressiva (etapa D) é caracterizada como uma fase que
busca em que o conhecimento seja trabalhado nos seus aspectos do mais gerais para os
mais específicos. É nesta etapa que o conhecimento prévio se torna mais rico, e como
forma de organizar os conceitos na etapa são propostas duas ações: ação 1 e ação 2.
A diferenciação progressiva dos conceitos facilita a assimilação de novas informações durante a
aprendizagem. Por esse motivo, é aconselhável começar a instrução com conceitos mais gerais
sobre o assunto a ser abordado. Os detalhamentos devem ser feitos a partir deles, a fim de que os
estudantes consigam compreender todas as partes do conteúdo sem perder a chance de relacioná-
las com o todo (CICUTO; MENDES; CORREIA, 2013, p. 5).
A ação 1 é direcionada para apresentar o conceito de água e como ela é distribuída
no mundo, buscando trazer a importância dos recursos hídricos no cotidiano do apren-
diz associando com os conhecimentos químicos e biológicos. Para este fim, sugere-se
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Kátia Aparecida da Silva Aquino, Saulo de Tárcio Gomes do Nascimento, José Antônio Bezerra de Oliveira
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inicialmente trabalhar a letra da canção “Planeta água” interpretada pelo cantor Gui-
lherme Arantes, por exemplo, com o intuito de se buscar uma relação entre a visão
poética do compositor sobre a origem da água e como ela é disposta no mundo, que
pode ser representada na forma de fluxograma. A escolha do fluxograma nesta atividade
tem por finalidade buscar evidências de formação de novos conceitos e como estes estão
sendo organizadas na estrutura cognitiva do aprendiz.
Já a ação 2 é destinada para apresentar o conceito de biodiversidade aquática,
buscando relacionar os conceitos químicos sobre pH e a sua ação no meio ambiente
marinho. Esta etapa pode ter a intervenção dos professores dos componentes curricu-
lares de Química e Biologia para, por meio de aulas expositivas e dialogadas, apresentar
e discutir os objetos de conhecimento inerentes à temática aborda na UEPS.
Também é sugerida a utilização de perguntas problematizadoras nas ações 1 e 2,
as quais podem criar um ambiente propício a reflexões e ao pensamento crítico, que
possibilita, aproximações entre o conteúdo conceitual e a vivência do aprendiz, os mo-
tivando a construírem o conhecimento de forma ativa. Nesta ocasião, o professor tem
um papel crucial na escolha da pergunta problematizadora, que permita que o conhe-
cimento seja reestruturado por meio da negociação de significados para que sejam então
assimilados e acomodados na perspectiva da promoção de uma ASC.
Antes da etapa de reconciliação integrativa, temos uma etapa importante que
serve de aprofundamento, a etapa de visa a aplicação de uma situação-problema com-
plexa (etapa E). Nesta etapa a sugestão é o uso da experimentação que pode ser
desenvolvida através da mediação do pH da água proveniente de vários locais (casa,
escola, rios, praia, etc) através de materiais simples como uma fita indicadora de pH,
suco de repolho roxo, etc. A experimentação é um momento rico de observação e dis-
cussões que privilegia o pensamento crítico e reflexivo, propiciando a motivação,
deixando a aula mais prazerosa e mais dinâmica.
É importante destacar que boas atividades experimentais se fundamentam na solução de proble-
mas, envolvendo questões da realidade dos alunos, que possam ser submetidos a conflitos
cognitivos. Desta forma, o ensino de Ciências, integrando teoria e prática, poderá proporcionar
uma visão das Ciências como uma atividade complexa, construída socialmente, em que não existe
um método universal para resolução de todos os problemas, mas uma atividade dinâmica, inte-
rativa, uma constante interação de pensamento e ação (ROSITO, 2003, p. 208).
Na etapa de Reconciliação Integrativa (Etapa F) é esperado que os estudantes
tenham formados novos significados conceituais a partir da interação entre os subsun-
çores e os novos conhecimentos. Neste cenário, o estudante seria capaz de analisar um
contexto através de semelhanças e diferenças conceituais, com a elaboração de novos
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Avaliação da aprendizagem por parâmetros ausubelianos após vivência em uma unidade de ensino...
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significados para um mesmo conhecimento. Este processo exige mais do estudante que
tende a apresentar maior flexibilidade de aplicação de conceitos, inclusive em áreas dis-
tintas do conhecimento. Nesta direção, as atividades sugeridas, proporciona aos
estudantes uma alternativa para reorganizar os conceitos e reconciliá-los por meio da
expressão jornalística, por exemplo. A proposta da atividade é mostrar três reportagens
de diferentes contextos e fazer com que os estudantes consigam enxergar os conteúdos
conceituais vivenciados e, então, criar a sua própria reportagem com base na sua vivên-
cia.
Para a realização da atividade na etapa de reconciliação foram sugeridas três re-
portagens. A primeira reportagem traz um recorte do acidente trágico que deixou
dezenas de mortes por conta da contaminação da água por cianobactérias. Na segunda
reportagem, é discutido o uso de cascas de tomate para o tratamento de água eutrofi-
zadas. Nesta condição, esta matéria jornalística tende a proporcionar um resgate para
os métodos de tratamento de água estudados na ação 1 da etapa de diferenciação pro-
gressiva (etapa D). A terceira e última reportagem trata de como a biodiversidade é
afetada pelas águas eutrofizadas. Com esta reportagem os estudantes podem resgatar os
conceitos construídos na ação 2 do processo de diferenciação progressiva (etapa D) e
nos experimentos utilizados para discutir a temática no nível mais complexo (etapa E).
Incentivar os estudantes a produzirem textos jornalísticos pode ser uma forma
dos mesmos externalizarem de forma crítica os conhecimentos reestruturados (constru-
ídos e desconstruídos) ao longo das etapas da UEPS. Neste cenário, utilizar de
diferentes gêneros jornalísticos na escola como objetos de ensino/aprendizagem encontram seu
respaldo na necessidade de compreensão e domínio dos modos de produção e significação dos
discursos da esfera jornalística, criando condições para que os alunos construam os conhecimen-
tos linguístico discursivos requeridos para a compreensão e produção desses gêneros, caminho
para o exercício da cidadania, que passa pelo posicionamento crítico diante dos discursos
(RODRIGUES, 2000, p. 141)
Após toda a discussão em torno das possíveis atividades que podem constituir
uma UEPS vamos seguir para um ponto muito importante: buscar indícios de que uma
aprendizagem significativa esteja acontecendo, resultante da abordagem didática da
UEPS. No Quadro 4 é apresentada uma proposta de uso dos parâmetros ausubelianos
para avaliação da aprendizagem, após a vivência do estudante das etapas da UEPS pro-
posta neste trabalho.
Quadro 4: proposta de uso de parâmetros ausubelianos para avaliação da
aprendizagem significativa a partir da aplicação da Unidade de Ensino
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Kátia Aparecida da Silva Aquino, Saulo de Tárcio Gomes do Nascimento, José Antônio Bezerra de Oliveira
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Potencialmente Significativa para o estudo do pH da água e seu efeito na
biodiversidade.
Domínio Variável
Critério de
Aprendiza-
gem
Indicadores de
Aprendizagem
Item/Instrumento de avaliação
Cognitivo
Estrutura
Cognitiva
Conhecimento
Prévio
Conhecimentos
pré-existentes
sobre ácidos,
bases, poluição
de rios, impactos
da poluição flu-
vial na fauna e
na flora.
Saber conceituar ácido, base,
pH, poluição, contaminação,
fauna, flora, impacto ambiental,
ação antrópica; texto, mapa con-
ceitual.
Diferenciação
Progressiva
Reconhecer os
conceitos a fim
de conceituar,
interpretar e or-
ganizar os
conceitos de
Química e Biolo-
gia.
Reconhecimento e Conceituali-
zação dos conceitos água,
poluição; interpretação e organi-
zação conceitual sobre rios,
biodiversidade, contaminação,
sustentabilidade e conscientiza-
ção, pH e eutrofização). Mapa
conceitual
Reconciliação
Integrativa
Relação entre
diferentes con-
ceitos de
Química e Biolo-
gia para
responder um
questionamento.
Relacionar conceitos relevantes
sobre pH, água e biodiversidade
para discutir em uma temática
ambiental; mapa conceitual, ex-
posição em vídeo.
Atitudinal
Resolução
de Proble-
mas
Transferência
de Conheci-
mento
Resolução de si-
tuações
problemas medi-
ante atividades
de pesquisa
e/ou experimen-
tação com uso
de conhecimen-
tos químicos e
biológicos.
Desenvolver respostas coeren-
tes para resolver situações
propostas, a nível experimental
ou fictício, envolvendo o tema do
pH da água e biodiversidade.
Questões discursivas.
Ciente Emoções
Estado
emocional
Disposição emo-
cional para
estudar o objeto
de aprendiza-
gem. Motivação
para tal.
Em que estado emocional o es-
tudante se encontra? Está
motivado? Observação.
Consci-
ente
Consciên-
cia ativa
Pensamento
crítico
Formulação de
perguntas e con-
frontamentos de
ideias (negocia-
ção de
significados)
acerca da temá-
tica ambiental.
Participar de forma ativa na
construção de questionamentos.
Refletir e avaliar a perspectiva do
outro em um confronto de ideias.
Debate.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Avaliação da aprendizagem por parâmetros ausubelianos após vivência em uma unidade de ensino...
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Contex-
tual
Contexto
Potencial
de aprendi-
zagem
Interação do
estudante
Interação na
abordagem di-
dát
ica com o
professor e/ou
com os demais
colegas.
Em que nível de interação os alu-
nos interagem para compartilhar
significados? Observação.
Fonte: Adaptado de Nascimento (2021) e Flores-Espejo (2018).
Mesmo sendo o elemento mais importante para o estabelecimento de uma apren-
dizagem significativa, o conhecimento prévio pode incluir concepções com erros, ou
alternativas. Comumente os estudantes tendem a não substituírem seus subsunçores
pelos conceitos que o professor apresenta como concepções aceitas cientificamente
(MOREIRA, 2021). É necessário um esforço de quem planeja e leciona para, a partir
das expectativas de aprendizagem aportadas pelos subsunçores observados previamente
no estudante, promover momentos didáticos pautados na idiossincrasia e predisposição
a aprender dele. Assim, se as modificações conceituais poderão acontecer em estrutura
cognitiva, pelo estudante entendê-las como significativas. A mudança conceitual não é
substitutiva, é evolutiva e progressiva (MOREIRA, CABALLERO, RODRIGUEZ,
1997).
A partir da reflexão anterior, o critério conhecimento prévio se consolida como
parâmetro ausubeliano que sempre deve estar presente na avaliação da aprendizagem
de percursos educativos potencialmente promotores de AS. Para a proposta de UEPS
apresentada, orienta-se que os professores dos componentes curriculares de Biologia e
Química observem se os estudantes já têm concepções acerca das funções inorgânicas,
poluição, contaminação de corpos fluviais e sobre fauna e flora. Sugere-se o uso de
mapas conceituais para fazer emergir os conhecimentos prévios dos estudantes, por esse
instrumento revelar relações significativas entre conceitos e proposições (MOREIRA,
2013). Ainda, indica-se também o instrumento texto dissertativo, por esse se amparar
na premissa de que linguagem e pensamento estão inerentemente relacionados, pois
um texto escrito pelo estudante representa articulação de linguagem que é constitutiva
de sua cognição, conforme preconiza Vygotsky (MOREIRA, CABALLERO,
RODRIGUEZ, 1997).
Os processos de diferenciação progressiva e reconciliação integrativa são movi-
mentos cognitivos característicos da AS. Deste modo, observá-los acontecendo trará ao
professor evidências para uma interpretação mais precisa sobre desenvolvimento de um
aprendizado com significado. Para tal, recomenda-se o uso de mapas conceituais, por
estes exigirem uma construção hierárquica de conceitos e proposições e exibirem de
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forma gráfica a especificação ou subordinação, superordenação e combinação de signi-
ficados (MOREIRA, 2013). Assim, a partir dos mapas conceituais o professor
observará se os conceitos e ideias biológicos e químicos apresentados ao longo da UEPS
aparecem e se relacionam com outros conhecimentos do estudante.
No domínio atitudinal, o critério transferência do conhecimento representa a ca-
pacidade que o estudante terá de dar aplicabilidade aos conhecimentos que construiu
ao longo da UEPS, por meio da resolução de problemas. Isso inclusive por promover
flexibilidade cognitiva no estudante (OLIVEIRA, 2018; OLIVEIRA; AQUINO,
2021). Moreira (2011) comenta, apoiado na Teoria dos Campos Conceituais de Verg-
naud, que são as situações, as quais o estudante se depara e que precisa interagir, que
dão sentido aos conceitos que ele assimilou ou que estará desenvolvendo. A conceitua-
ção teorizada por Vergnaud tem como subjacente a TAS (MOREIRA, CABALLERO,
RODRIGUEZ, 1997) e pode ser evidenciada por meio de questões discursivas. Além
disso, resolver problemas implica uma aprendizagem ativa e para o exercício da cida-
dania, conforme indica a BNCC (BRASIL, 2018). A Base, especificamente para o
ensino das Ciências da Natureza, sugere que a problematização seja uma ação didática
presente nas abordagens didáticas do Ensino Médio.
No domínio ciente, o critério estado emocional é um elemento que se julga im-
portante para ser observado nos episódios de ensino e aprendizagem. Isto porque vários
fatores afetivos e sentimentais podem influenciar diretamente no resultado de aprendi-
zagem de um estudante (NASCIMENTO, 2021). Como predisposição a aprender está
intimamente relacionada ao estado emocional de quem aprende, observar esse estado
parece subsidiar o professor para a possibilidade de uma ação recursiva ou personalizada
para o estudante em questão.
O pensamento crítico, o processo de elaboração de argumentos e tomada de de-
cisão perante crenças, valores e conhecimentos dos estudantes constituem-se de
movimentos conscientes que devem ser levados em consideração para avaliar uma
aprendizagem significativa de forma mais assertiva (FLORES-ESPEJO, 2018). A in-
teração social (professor-estudante e estudante-estudante) e o questionamento
compõem um princípio facilitador de uma aprendizagem significativa e crítica
(MOREIRA, 2005). Assim, é importante se considerar uma análise do ponto de vista
da AS como promotora de criticidade no estudante, por ele poder utilizar seus conhe-
cimentos assimilados para agir no seu entorno de forma crítica e como agente de
transformação.
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Ainda na mesma direção, no critério pensamento crítico recomenda-se o uso de
debates para que o professor perceba a capacidade dos estudantes de construírem argu-
mentos, revisarem seus pontos de vista e se depararem com novas perspectivas naquela
situação didática. Para que esses monitoramentos de pensamento aconteçam, há um
sofisticado processo de relação entre componentes cognitivos, atitudinais e sentimen-
tais em que a aprendizagem significativa pode se amparar, pois ela ocorre de forma
ímpar em cada indivíduo, pois cada aprendiz tem uma história, concepções, conheci-
mentos e cultura particulares (AUSUBEL, 1963; 2003).
O critério interação do estudante é um importante componente do domínio con-
textual, em nível avaliativo. Como esse domínio exprime um contexto potencialmente
significativo que reflete os fatores externos que influenciam o desenvolvimento da AS,
a avaliação deste critério acaba por revelar como os contextos didáticos promovidos
pelo professor estão interferindo no desenvolvimento da aprendizagem significativa
(FLORES-ESPEJO, 2018). Desta forma quando o professor se propõe a avaliar a in-
teração do estudante, consequentemente estará analisando e ponderando sua prática,
podendo se debruçar sobre como vai seu planejamento e configuração do espaço edu-
cativo até sua abordagem dialógica, motivadora, engajadora e fomento à
progressividade da aprendizagem, quando consolidada.
Considerações finais
Ensinar e aprender são processos que dependem de um conjunto articulado de
ações que vão muito além de inovar no uso de ferramentas didáticas. Assim, reflete-se
que é necessário que os materiais para aprendizagem sejam idealizados com um objetivo
específico de compor significados psicológicos para o estudante, e assim o induzir a um
caminho lógico potencial para o desenvolvimento da aprendizagem significativa. Nesse
processo, é imperativo desenvolver no estudante a intenção para que ele perceba a in-
formação, interprete-as, represente-as e crie em seu constructo cognitivo representações
que revelem as representações que retratem da melhor maneira os conhecimentos assi-
milados.
Ademais, a utilização de instrumentos avaliativos é posta muitas vezes como a
última etapa do percurso didático, e assim usada como componente examinador ou a
punitivo. Na perspectiva da AS, este estudo propôs a utilização de um novo recurso de
análise que subsidie o professor na observação das evidências de AS a partir da aplicação
da UEPS sugerida.
Como existem poucos trabalhos que versam sobre a avaliação da aprendizagem
significativa do ponto de vista ausubeliano, os parâmetros propostos por Flores-Espejo
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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(2018) trazem elementos que vêm a tornar o processo avaliativo da aprendizagem do
significativo mais autêntico. Por fim, ressalta-se que é preciso realizar uma avaliação
sempre coerente com os propósitos didáticos, nas quais a integridade de agir, pensar,
sentir, interagir e ser consciente do estudante é desafiada em um contexto educativo.
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Este artigo está licenciado com a licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
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O currículo de Ciências na perspectiva dos professores da rede
estadual de ensino de São Paulo
The Science curriculum from the perspective of teachers from the state
school system in São Paulo
El currículum de Ciencias en la perspectiva de los profesores de la red
estatal de enseñanza de São Paulo
Celso do Prado Ferraz de Carvalho
*
Luciane da Silva Vicente
**
Resumo
O artigo em tela tem como objeto de problematização o currículo da disciplina de Ciências da Se-
cretaria de Educação do Estado de São Paulo, elaborado por um grupo de especialistas definidos pela
SEESP, sem a participação dos professores. Apresentamos dados de pesquisa que apresentam a com-
preensão que os professores de Ciências possuem do currículo oficial e como esse entendimento tem
impactado em seu trabalho. Realizamos um conjunto de entrevistas semiestruturadas com professo-
res de Ciências, que tratou da experiência, percepção e compreensão que eles possuem do currículo
e de como impactou a prática escolar. As entrevistas foram analisadas por meio da articulação entre
técnicas de pesquisa qualitativa e metodologia da análise de conteúdo. Os resultados dessa investiga-
ção indicam que o Currículo Oficial para a Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo
desconsidera as peculiaridades dos contextos escolares, não disponibiliza recursos didáticos e infraes-
trutura adequada para que os professores realizem seu trabalho. Além disso, sua concepção reduz os
professores a meros reprodutores de um currículo construído sem a participação dos envolvidos di-
retamente no processo educativo da rede.
Palavras-chave: Currículo; Disciplina de Ciências; Professores; Prática Escolar; São Paulo.
Recebido em: 22.06.2020Aprovado em: 10.10.2022
https://doi.org/10.5335/rep.v29i2.11218
ISSN on-line: 2238-0302
*
Doutor em Educação pela PUC/SP. Professor Titular do Programa de Pós Graduação em Educação da Uninove. Líder do
Grupo de pesquisa em Política e Gestão Educacional. Coordenador da Linha de Pesquisa em Política Educacional. Orcid:
https://orcid.org/0000-0001-8703-8236. E-mail: cpfcarvalho@gmail.com.
**
Mestre em Educação pelo PPGE-Uninove. Doutoranda em Educação no PPGE Uninove. Professora da Rede Estadual de
Ensino de São Paulo. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6610-9506. E-mail: lusivisv@hotmail.com.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Celso do Prado Ferraz de Carvalho, Luciane da Silva Vicente
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v. 29, n. 2, Passo Fundo, p. 618-632, maio/ago. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Abstract
The article in question has the object of questioning the curriculum of the science discipline of the
São Paulo State Department of Education (SPSDE in Portuguese SEESP), prepared by a group of
specialists defined by SEESP, without the participation of teachers. We present research data that
show the understanding that science teachers have of the official curriculum and how this
understanding has impacted their work. We conducted a set of semi-structured interviews with
Science teachers, which dealt with the experience, perception and understanding they have of the
curriculum and how it impacted school practice. The interviews were analyzed through the
articulation between qualitative research techniques and content analysis methodology. The results
of this investigation indicate that the Official Curriculum for the State Education Network of the
State of São Paulo disregards the peculiarities of school contexts, does not provide didactic resources
and adequate infrastructure for teachers to carry out their work. In addition, its conception reduces
teachers to merely reproducing a curriculum built without the participation of those directly
involved in the network's educational process.
Keywords: Curriculum; Science Discipline; Teachers; School Practice; Sao Paulo.
Resumen
El presente articulo tiene como objeto de problematización el currículum de la asignatura de Ciencias
de la Secretaría de Educación del Estado de São Paulo, diseñado por un grupo de expertos seleccio-
nados por la SEESP, sin la participación de ningún profesor. Presentamos datos de la investigación
que demuestran la comprensión que los profesores de Ciencias poseen del currículum oficial y cómo
este conocimiento impacta en su trabajo. Realizamos un conjunto de encuestas semiestructuradas
con los profesores que trató de la experiencia, percepción y comprensión que ellos tienen del currí-
culum y de cómo éste impacta/impactó la práctica escolar. Analizamos las encuestas utilizando las
técnicas de investigación cualitativa y la metodología de análisis de contenido. Los resultados de esta
investigación indican que el Currículum Oficial para la Red Estatal de Enseñanza del Estado de São
Paulo desconsidera las particularidades de los contextos escolares, no proporciona recursos didácticos
e infraestructura adecuada para que los profesores realicen su trabajo. Además, su concepción, reduce
a los profesores a simples reproductores de un currículum construido sin la participación de los que
realmente están involucrados en el proceso educativo.
Palabras clave: Currículum; Asignatura de Ciencias; Profesores; Práctica escolar; São Paulo.
Introdução
Currículo pode ser compreendido como um conjunto de todas as experiências
de aprendizagens propiciadas aos estudantes com o propósito de formar uma determi-
nada identidade social e individual (SILVA, 1995).
Com esse entendimento, afirma Lopes:
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Não existe nenhum currículo neutro e imparcial, nem tampouco um conhecimento escolar ab-
soluto e imutável. Grupos e classes dominantes atuam no sentido de valorizar suas tradições
culturais como conhecimento, excluindo tradições culturais de grupos e classes subordinadas
(LOPES, 1999, p. 22).
Isto equivale dizer que os conhecimentos que permeiam o currículo são mediados
por significados e relações de poder, nas quais se condensam intenções, políticas e ide-
ológicas sobre a sociedade. O poder é propriamente decidir o que é e o que não é
conhecimento. Pois quando um conhecimento é selecionado e privilegiado em prol de
outros, garante-se a hegemonia de determinada identidade em detrimento de outras
(SILVA, 1995).
Ao longo de seu desenvolvimento histórico, o currículo de Ciências sempre es-
teve vinculado ao desenvolvimento científico, ao momento político, econômico e
cultural da sociedade. Até a década de 1950, predominava o pensamento de que essa
área do conhecimento era sempre neutra em suas descobertas e que os saberes dela
decorrentes seriam verdades únicas e definitivas. Essa tendência caracterizava-se por
contemplar uma aprendizagem mecânica que exigia do estudante uma atitude passiva
e receptiva. Um modelo de ensino, destinado a uma minoria elitizada, que tencionava
qualificar os estudantes mais aptos a prosseguir os estudos até a formação no Ensino
Superior.
Um episódio que transformou profundamente o ensino de Ciências nos currícu-
los escolares ocorreu no final da década de 1950, durante a guerra fria. Com o fim da
segunda guerra mundial os Estados Unidos e a União Soviética travaram uma disputa
tecnológica pela exploração do espaço. Empenhada em vencer essa disputa a URSS
lança em 1957 o primeiro satélite artificial à órbita terrestre, o Sputnik. O sucesso dessa
missão assinalou a vitória momentânea da antiga União Soviética e significou que a
supremacia tecnológica dos Estados Unidos tinha sido ultrapassada. Nessa época, uma
série de críticas desabou-se sobre as escolas americanas e o currículo secundário, focado
no preparo do estudantes para a vida, foi apontado como a causa da decadência do
ensino americano (LORENZ, 2008).
Na busca por culpados, conforme Chassot (2004) os Estados Unidos responsa-
bilizou o ensino de Ciências pelo “atraso tecnológico” do país. Esse fato histórico
desencadeou uma sequência de reformas curriculares no sistema educacional norte-
americano, entre as quais os conceitos científicos, passaram a ser ensinados sob a ótica
de impulsionar o progresso da ciência e da tecnologia e não mais para formar cidadãos.
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Tais reformas canalizaram-se no desenvolvimento de projetos para os quais o
governo dos Estados Unidos ampliou investimentos sem paralelo na história da educa-
ção. Essa reforma visava definir conteúdos e métodos de ensino capazes de formar uma
elite de jovens talentos para seguir as carreiras científicas. Um período marcante e cru-
cial na história do ensino de Ciências, que segundo Krasilchik (2000), em função de
fatores políticos, econômicos e sociais, resultaram em outras modificações, que sucede-
ram nas transformações das políticas educacionais dessas últimas décadas. E até hoje,
completa a autora, influi nas tendências curriculares das várias disciplinas, tanto no
Ensino Fundamental como no Ensino Médio.
Ancorado aos princípios norteadores dos grandes projetos curriculares estaduni-
denses, ao final da década de 1950 o Brasil dá início a uma sequência de projetos
curriculares que compreendiam: Feiras de Ciências, Clubes de Ciências e treinamento
de professores. Além de equipar os laboratórios das escolas, foram produzidos kits com
materiais para experimentos que eram vendidos semanalmente em bancas de jornal.
Esses kits, denominados de Os Cientistas, vinham acompanhados de folhetos com ins-
truções e tinham a finalidade de despertar nas crianças e adolescentes o interesse em
descobrir como a ciência funcionava (CHASSOT, 2004).
À medida que as transformações políticas perpassavam o país, o papel da escola
também mudava. A promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei nº 4024/61) em 1961 incorporava a atmosfera de renovação curricular e o Con-
selho Federal de Educação regulamentava a nova disciplina de ciências, a ser oferecida
nos dois anos finais do ensino ginasial, na forma de “Iniciação à Ciência”
(ABRANTES; AZEVEDO, 2010). Essa regulamentação estendeu o ensino da disci-
plina a todas as séries ginasiais, ampliando seu escopo e modificando seus objetivos de
ensino.
A partir da segunda metade da década de 1980, desvelavam-se os problemas so-
ciais e ambientais decorrentes das novas formas de produção, passando a ser realidade
reconhecida em território mundial. Em resposta a essa demanda emerge a tendência
Ciência, Tecnologia, Sociedade (CTS).
1
Essa tendência, também conhecida como mo-
vimento CTS, levou a proposição de novos currículos para o ensino de Ciências que,
por sua vez, passaram a incorporar conteúdos socialmente relevantes, constituindo seu
foco na formação da cidadania.
Silva e Cicillini (2010) apontam outras correntes importantes que paralelamente
à tendência CTS, influenciaram nas reformulações curriculares e passaram a orientar o
currículo de ciências:
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a) a abordagem interdisciplinar (aproximação dos conhecimentos oriundos da
ciência com os de outros campos do saber para uma compreensão mais ampla dos temas
a serem estudados);
b) a perspectiva epistemológica (como prática específica que, historicamente lo-
calizada, revela modos de compreensão e apreensão da relação homem-natureza e
sociedade).
c) Inter-relações com as questões culturais (defende a ideia que o conhecimento
escolar e o conhecimento do campo científico são permeados, constituídos e constitui-
dores de uma dimensão cultural).
d) a abordagem construtivista (propõe a valorização de conhecimentos prévios
dos estudantes, a proposição de trabalhos colaborativos e de aprendizagem significativa
e a perspectiva de abordagem da história da ciência).
Esta última abordagem tem sido amplamente incorporada nas propostas curri-
culares a partir da década de 1990 em virtude das suas eventuais potencialidades para
o desenvolvimento das capacidades intelectuais, através da interação e do envolvimento
ativo. Potencialidades estas, requeridas ao exercício da cidadania.
O exame da literatura nos mostra que várias têm sido as razões alegadas pelos
reformadores para modificações nos currículos de ciências. Inadequação, inovação tec-
nológica, falta de relação com o cotidiano dos estudantes, pouca adequação às
demandas da vida e do trabalho, ideologização excessiva, etc.
Nessa perspectiva, esse artigo objetiva analisar a compreensão que os professores
da disciplina de Ciências possuem do Currículo de Ciências da Natureza da rede Esta-
dual Paulista e, mais especificamente, como essa compreensão tem impactado suas
práticas pedagógicas.
Este texto originou-se a partir dos resultados obtidos em nossa dissertação de
mestrado, que teve início em 2015. Para que pudéssemos compreender as implicações
do currículo oficial no trabalho do professor, realizamos um conjunto de entrevistas
com oito professores de Ciências que atuam na rede estadual paulista de ensino há no
mínimo dez anos. Procedemos dessa forma por entender, que o tempo de trabalho do
professor. Na rede e a vivência de diferentes propostas curriculares, poderiam nos tra-
zer elementos que permitissem examinar, de modo amplo, as implicações no trabalho
do professor no atual currículo oficial.
As entrevistas foram analisadas por meio da articulação entre técnicas de pesquisa
qualitativa e metodologia da análise de conteúdo, tendo-se como indicativo a frequên-
cia ou a incidência com que as falas dos professores se repetiam ao longo dos diálogos.
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Os professores entrevistados, quatro professores do sexo feminino e quatro do
sexo masculino, foram nomeados pela letra P, seguidos por números de 1 a 8 (P1, P2,
P3, P4, P5, P6, P7 e P8), sendo os respectivos números atribuídos conforme a sequên-
cia em que as entrevistas foram efetivadas. Todos são professores efetivos e acumulam
cargos ou funções na referida rede ou fora dela. Em termos de formação profissional,
são licenciados em Ciências Biológicas e com exceção da P4, possuem pelo menos uma
formação complementar em nível de especialização.
Dois dos oito professores entrevistados trabalham na mesma unidade escolar, os
outros seis professores atuam em seis escolas distintas, localizadas em quatro bairros do
município de Guarulhos, todas pertencentes à Diretoria de Ensino Guarulhos Sul. Os
bairros onde seis dos professores entrevistados trabalham (P1, P3, P4, P5, P6 e P8)
estão localizados na região periférica da cidade e carecem de infraestrutura urbana e de
opções de lazer para crianças e jovens em idade escolar. Já outros dois professores en-
trevistados (P2 e P7), trabalham em escolas localizadas em bairros próximos ao centro
da cidade, que embora circundada por moradias precárias e em situação de vulnerabi-
lidade social, possuem intensa atividade comercial e opções de lazer nas proximidades.
Os resultados das entrevistas foram reunidos em três grandes grupos: a compreensão
dos professores sobre o currículo da SEE/SP; como o professor incorpora o currículo
em seu trabalho e; as mudanças identificadas pelo professor no currículo atual. Discu-
tiremos os resultados obtidos nas seções a seguir.
Como o professor incorpora o currículo em seu trabalho
Sobre o posicionamento dos professores em relação ao atual currículo de Ciências
da SEE/SP, a desaprovação remete para organização dos conteúdos. No currículo ofi-
cial vigente, os conteúdos são organizados em torno de quatro eixos temáticos: Vida e
ambiente, Ciência e tecnologia, Ser humano e saúde e Terra e Universo. Cada eixo temá-
tico possui um conjunto de conteúdos que são retomados em diferentes momentos ao
longo do ano letivo sendo que, entre um conteúdo e outro são abordados assuntos
completamente distintos.
Para os P1, P2, P4, P5 e P6, os conteúdos propostos, além de não estabelecerem
uma conexão entre si, não levam em conta a maturidade dos estudantes. E de acordo
com a experiência de sala de aula que possuem, o vai e volta em assuntos muito distintos,
dificulta a compreensão dos estudantes, pois o entendimento de determinados concei-
tos, depende da aquisição prévia de outros conhecimentos.
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Além disso, grande parte dos conteúdos indicados no currículo oficial não coin-
cide em termos de série/anos com os conteúdos dos livros didáticos fornecidos às
escolas. Essa incompatibilidade se deve ao fato da Base Nacional Curricular (que for-
nece os livros às escolas) ser divergente da Base Curricular Estadual (que reorganizou
os conteúdos da disciplina de forma distinta).
Nesse mesmo sentido, são também relatadas as dificuldades para desenvolver o
trabalho pedagógico:
a) ter que procurar livros de outras séries e ficar trocando para que o estudante
tenha acesso ao material didático sobre o conteúdo que está sendo trabalhado.
b) separar esse material e passar a trabalhar com livro volante para que o estudante
possa ter maior suporte pedagógico.
c) colocar os estudantes para trabalhar em grupo quando a quantidade de livros
não é suficiente, sendo que determinadas atividades necessitam de concentração indi-
vidual.
O livro didático constitui-se de um importante instrumento de apoio para o pro-
fessor no processo de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, qualquer material que
especifique conteúdo, deve ser objeto de análise e de adequação para o trabalho docente
(MARCHESI; MARTÍN, 2003).
Sacristán (2000) ao discutir as possíveis implicações do conhecimento fragmen-
tado nas propostas de currículo, destaca que “ao professor se propõe, hoje, conteúdos
para se desenvolver nos currículos muito diferentes do que ele estudou, sem que com-
preenda o significado social educativo e epistemológico das novas propostas frente às
anteriores” (SACRISTÁN, 2000, p. 95). Assim, afirma o mesmo autor, o professor
torna-se profissionalmente inerte, pois passa a ter a função básica de reprodutor do
saber.
Conforme destacamos anteriormente, os conteúdos são organizados em torno de
quatro eixos temáticos, nos quais os conceitos são ensinados em um primeiro momento
e revistos em diferentes séries/anos, com maior nível de profundidade e modo de re-
presentação. Esse método de ensino é chamado de currículo em espiral. Contudo, o
aprendizado em espiral é defendido desde a Proposta Curricular da década de 1990,
originalmente desenvolvida na década de 1980, o que nos leva a inferir que, além da
maior parte dos entrevistados não ter se apropriado das proposições curriculares que
antecederam o currículo atual, não havia por parte da SEE/SP a cobrança para que tal
proposição fosse cumprida.
Questionados sobre o uso do material de apoio em suas aulas, todos os entrevis-
tados afirmaram fazer uso, no entanto, percebemos nos comentários dos P1, P2, P3,
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P4 e P7, a indicação que o material disponibilizado pela SEE/SP não é o mais adequado
à realidade escolar. As principais críticas remetem à inadequação das atividades em re-
lação aos recursos disponíveis na escola, à formulação das atividades contidas no
material destinado aos estudantes, a abordagem superficial dos conteúdos e as pergun-
tas repetitivas para os estudantes responderem.
A ausência de uma orientação conceitual compatível com as atividades propostas
no caderno do aluno é mais um elemento que dificulta o trabalho dos professores. Além
disso, observa a P5, os cadernos do aluno não são atualizados e as respostas das atividades
estão disponíveis na internet, o que de certa forma inviabiliza o seu uso.
Na opinião dos professores a proposta curricular em si é boa, mas suas respectivas
escolas não dispõem de estrutura física e material para que possa ser concretizada. Con-
forme o relato desses professores, os computadores nem sempre estão disponíveis para
seu uso. Além da quantidade de equipamentos ser insuficiente para atender o número
de estudantes de uma sala de aula, quando disponíveis, os computadores não possuem
acesso à internet ou estão danificados aguardando há meses por manutenção.
Ainda sobre a questão da disponibilidade de recursos, os entrevistados comenta-
ram sobre a estrutura das bibliotecas em suas respectivas escolas. Esse espaço de leitura
e estudo quando presentes no ambiente escolar estão com suas estruturas defasadas e
muito aquém de contribuir para uma mudança qualitativa no ensino e na aprendiza-
gem. Além de não dispor de uma pessoa para atender os estudantes, esse espaço
funciona mais como um depósito de livros do que como um ambiente de incentivo ao
hábito de ler.
Outra questão levantada por estes professores é a ausência de laboratório e de
recursos materiais para realização de experimentos sugeridos pelo material de apoio.
Também não há verbas para realização de atividades fora do espaço escolar. Conforme
menciona o P2, são raras as vezes que a escola consegue proporcionar aos estudantes o
contato direto com outras formas de conhecimento. Sem essa aproximação, o ensino
limita-se ao campo teórico. A construção da identidade individual e coletiva fica restrita
ao passado dos pais dos estudantes que passaram pela escola, justamente o processo
contrário defendido pelo currículo prescrito:
(...) é importante destacar que o domínio das linguagens representa um primordial elemento para
a conquista da autonomia, a chave para o acesso a informações, permitindo
a comunicação de ideias, a expressão de sentimentos e o diálogo, necessários à negociação dos
significados e à aprendizagem continuada (SÃO PAULO, 2010, p. 17-18).
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Giroux (1997) observa que quando se trata de reforma educacional o professor é
na maioria das vezes colocado à margem das decisões, embora dele se espera o cumpri-
mento de suas diretrizes. Nesse sentido, as deliberações geralmente elaboradas por
especialistas afastados da sala de aula, além de reduzir o trabalho docente ao papel de
transmissor de conteúdos e realizador de metas, propõem “metodologias que parecem
negar a própria necessidade de pensamento crítico” (GIROUX, 1997, p. 159).
Há ainda na fala da P7 o relato de monitoramento do currículo por parte da
escola em que atua, em função do SARESP. Instituída como lei (resolução SE n. 27,
de 29/03/1996), o SARESP (Sistema de avaliação do rendimento escolar do estado de
São Paulo), concede gratificação financeira aos servidores das escolas que atingirem as
metas estipuladas pela SEE/SP. E como a avaliação institucional é pautada nos conte-
údos do material de apoio, há por parte de algumas escolas a cobrança quanto ao uso
dos cadernos do aluno, como se a mera utilização destes fosse produzir bons resultados.
Arroyo (2011) ao posicionar-se sobre a centralidade política do currículo argu-
menta que
Nunca como agora tivemos políticas oficiais, nacionais e internacionais que avaliam com extremo
cuidado como o currículo é tratado na sala de aula, em cada turma, em cada escola, em cada
cidade, campo, município, estado ou região. Caminhamos para a configuração de um currículo
não só nacional, mas internacional, único, avaliado em parâmetros únicos (ARROYO, 2011, p.
13).
Para Arroyo (2011) o currículo passou a ser o território mais normatizado e ava-
liado de todos os tempos. Nesse sentido, são constantes as disputas sobre o controle da
função social da escola, sobre o trabalho dos professores, dos gestores, sobre os modos
de pensar e de aprender e, sobretudo, pelos conhecimentos e culturas, geralmente legi-
timados pelas orientações curriculares como núcleos sagrados.
Em relação aos objetivos da disciplina na orientação curricular aqui discutida, “o
estudo de Ciências Naturais tem como um dos seus papéis principais a preparação dos
jovens cidadãos para enfrentar os desafios de uma sociedade em mudança contínua”
(SÃO PAULO, 2010, p. 31). Isso significa dizer que as Ciências da Natureza consti-
tuem linguagem própria a ser trabalhada na aprendizagem escolar para que o estudante
se posicione diante de questões para as quais o domínio das ciências seja necessário.
Aproximando a fala dos professores sobre a questão das finalidades do ensino de
ciências, notamos que as dificuldades elencadas para o alcance dos objetivos estão quase
sempre vinculadas aos estudantes, ora pela defasagem que carregam, ora pelo papel da
família.
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De modo geral, os professores não tendem a associar o fracasso do estudante ao
modo como o sistema escolar lida com os conhecimentos selecionados e transmitidos
através do currículo. Parecem não perceber “porque as coisas são como são, como fica-
ram assim, e que condições as sustentam” (GIROUX, 1997, p. 168).
Sob esta perspectiva, Giroux (1997, p. 127) afirma que “as condições sob as quais
os professores trabalham são mutuamente determinadas pelos interesses e discursos que
fornecem a legitimação ideológica para a promoção de práticas escolares hegemônicas”.
Nesse sentido, os diálogos aqui apresentados reproduzem o discurso político que o cur-
rículo detém certa sabedoria e reflete o conhecimento que todos devem ter para ter
êxito na vida pessoal e profissional.
Na leitura de Giroux (1997) os professores que organizam suas experiências em
sala de aula a partir desse discurso, em certa medida, são vítimas das próprias condições
de trabalho que os impedem de se apropriarem de um posicionamento crítico sobre a
sua prática. Essa visão sobre o currículo que valoriza os interesses de quem ele repre-
senta e tende a desconsiderar o capital cultural do estudante é compartilhada por dois
professores em diversas etapas da entrevista.
Ainda sobre a questão das dificuldades apresentadas pelos estudantes, uma pro-
fessora observa que na escola em que trabalha atualmente os objetivos da disciplina são
alcançados, visto que os estudantes não apresentam defasagens de aprendizagem, o que
não ocorria em outra unidade escolar onde atuou por mais de 15 anos.
A questão da vulnerabilidade social mencionada pela professora pode estar rela-
cionada a diversos fatores como, aspectos sociais, afetivos e de ordem econômica, visto
que o acesso à saúde, a uma boa alimentação e a condições de moradia digna são con-
junturas que podem interferir diretamente no processo de aprendizagem e
desenvolvimento de crianças e adolescentes em idade escolar.
Nogueira e Nogueira (2011) com base nos conceitos de Bourdieu, explicam que
o saber escolar está intimamente incorporado à cultura dominante. Nesse sentido, con-
forme os autores, os conteúdos curriculares, geralmente selecionados em função dos
valores e interesses das classes dominantes e, portanto, reconhecidos como superiores,
nem sempre são compreendidos fora das bases socialmente privilegiadas, as quais além
de dominar o conjunto de referências linguísticas, relacionam-se facilmente com a cul-
tura e o saber por elas legitimados. A perpetuação das hierarquias sociais e a
consequente reprodução das desigualdades sociais são proporcionadas pela própria ins-
tituição de ensino, pois “ao tratar de modo igual quem é diferente, a escola privilegia,
de maneira dissimulada, quem por sua bagagem familiar, já é privilegiado
(NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2011, p. 36).
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Mudanças identificadas pelo professor no currículo atual
No que se refere às mudanças na prática do professor em função do novo modelo
de currículo, notamos que há posições favoráveis e contrárias frente às mudanças iden-
tificadas. O P2 relatou ter alterado sua prática no sentido de romper com o método
tradicional de ensino e não ficar somente no campo teórico. Para este professor essa
mudança foi positiva, pois o levou a incluir atividades mais dinâmicas no cotidiano de
suas aulas.
Já para a P8, a mudança positiva se deu em virtude da organização em espiral dos
conteúdos. Para esta professora a disciplina precisa abordar diversos assuntos durante
o ano letivo. E, ao contrário dos demais entrevistados, compreende que o vai e volta de
conteúdos é necessário, pois os conhecimentos chegam aos estudantes não somente atra-
vés do professor, mas através de outras fontes, como, rádio, TV, internet.
Por outro lado, observa o P3, o aporte material que acompanha a proposição
curricular não impactou de maneira efetiva o ensino nas escolas, pois na visão desse
professor, as instruções contidas no material do professor não possuem serventia se a
estrutura não for disponibilizada.
Com relação às mudanças desfavoráveis, os P6 e P7 reiteram que a reorganização
dos conteúdos não favoreceu o ensino de ciências, pois a abordagem espiral de conte-
údos dificulta o ensino e a aprendizagem dos conhecimentos prescritos no currículo.
Para Gouveia (1992) o professor é possuidor de um acervo importante de conhe-
cimentos e experiências, nesse sentido, qualquer planejamento pronto para ser aplicado
que imponha limitações tendem a não produzir bons resultados. Nessa mesma acepção
Sacristán (1998) afirma que
Uma vez feita a escolha de que se ensinar estudos sociais ou linguagem será necessário ajustar a
matéria pedagogicamente ao aluno / a, dosá-la, ordenar suas dificuldades e justificá-la desde o
ponto de vista psicológico (SACRISTÁN, 1998, p. 154).
Conforme adverte o autor, a adequação do material de apoio quanto aos níveis
de compreensão dos estudantes é fundamental no processo de ensino e aprendizagem.
Essa questão, inclusive, foi bastante mencionada pelos professores no processo de en-
trevistas. Os exercícios da apostila de Ciências fornecida aos estudantes não fornecem
dados suficientes para que resolvam as atividades sozinhos, sendo necessário uma série
de intervenções e adequações para sua realização. Ou seja, os recursos materiais dispo-
nibilizados a estudantes e professores de uma determinada rede de ensino são uma das
peças-chave na implantação de qualquer mudança curricular.
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Ao longo dos depoimentos aqui apresentados, podemos verificar que há um
grande distanciamento entre os objetivos da reforma curricular e a sua materialização
na prática docente. Sem autonomia e excluídos de participar das discussões que dizem
respeito ao seu trabalho, os professores tornam-se meros executores daquilo que lhes é
proposto.
Diante dessas considerações, constata-se que na proposta curricular em questão,
o princípio da liberdade de cátedra do professor é sutilmente cerceado. Em outras pa-
lavras, a proposta curricular não preconiza que os professores se expressem por suas
próprias convicções, sem que haja a imposição de critérios metodológicos ou didáticos
em relação à matéria ensinada.
Outra questão que pareceu incomodar os professores participantes dessa pesquisa
é o fato de as orientações do material de apoio menosprezar a capacidade dos estudantes
e dos professores de pensar por si próprio. Pois se trata de materiais simples e com uma
perspectiva não crítica para explorar os fatos históricos do conhecimento científico.
Em síntese, um currículo orientado por uma visão tecnicista, prescrito e padro-
nizado para atender aos interesses do capital, não contribui para a melhoria da
qualidade da educação. Entretanto, encontro-me na esperança de que os resultados
desta pesquisa venham de alguma forma contribuir para que os professores se sintam
capacitados para uma intervenção ativa e crítica em discussões e processos decisórios
sobre as questões educacionais.
Considerações finais
A fala dos professores evidencia que a reforma educacional implementada pela
SEE/SP a partir de 2008 produziu uma série de mudanças no trabalho pedagógico da
escola e na percepção que possuem sobre currículo, principalmente no que concerne
ao condicionamento às práticas avaliativas dessa rede.
De modo geral, os entrevistados compreendem o currículo como um guia de
conteúdos, que teria a função de indicar o que os professores devem fazer e, no caso do
currículo do Estado de São Paulo, como fazer. Não observamos por parte dos partici-
pantes da pesquisa a percepção que o currículo seja permeado por intenções políticas e
ideológicas sobre a educação e a sociedade.
A análise das entrevistas também revelou que as ações estruturadas pelo Governo
do Estado de São Paulo, para uniformizar os conhecimentos em toda Rede Estadual de
ensino não se concretizou na prática dos professores entrevistados, pois além do currí-
culo prescrito se encontrar muito distante da realidade de seus estudantes, em
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decorrência das peculiaridades existentes nas escolas onde atuam, não há estrutura ade-
quada nem recursos didáticos necessários para que a proposta pudesse ser concretizada.
Por esse mesmo motivo, os cadernos do aluno e do professor são pouco utilizados por
estes professores.
A reorganização dos conteúdos de ciências, no formato currículo em espiral, foi
outro ponto muito criticado pelos professores. O que antes era ensinado separadamente
em série/anos específicos do Ensino Fundamental, hoje está organizado em eixos temá-
ticos, que são tratados bimestralmente abarcando conceitos distintos. Para a maioria
dos professores entrevistados, essa forma de organização não possui uma sequência ló-
gica e além de fragmentar a unidade temática, dificulta o entendimento dos estudantes.
A reorganização dos conteúdos de ciências, no formato currículo em espiral, está
muito clara na visão de quem os organizou, mas o mesmo não acontece com aqueles
que implementam o currículo na sala de aula. Essa particularidade do currículo de Ci-
ências indica que as ações de formação continuada efetivadas pela Rede Estadual de
ensino, não contemplou os professores participantes da pesquisa.
Diante de tais dificuldades, alguns dos entrevistados alegaram ser esse o motivo
de não seguirem o currículo prescrito. Já outros, mesmo não concordando que este seja
o mais adequado para seus estudantes, declararam seguir em virtude da cobrança da
escola, pois são os justamente os conceitos elencados no currículo que serão o foco da
avaliação institucional (SARESP).
Pudemos constatar, ainda, que, mesmo discordando da adequação da proposta
curricular aos seus contextos de prática, os professores não abandonaram totalmente o
currículo prescrito. Esse fato pode ter relação não somente à eficiência do mecanismo
de controle do Estado através da avaliação institucional, como também, pelo fato do
currículo prescrito incutir a ideia que os conhecimentos por ele legitimados são pri-
mordiais para a vida social.
Notas
1
Posteriormente, quando se incluiu na cadeia das inter-relações CTS as implicações ambientais decor-
rentes do desenvolvimento científico e tecnológico, passou-se a utilizar também as siglas CTSA
(Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente), que inclui o ambiente como mais um foco de investi-
gação no ensino de ciências.
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Metodologias ativas: Aprendizagem Baseada em Projetos
como proposta interdisciplinar no Ensino Médio
Active Learning Methodologies: Project Based Learning as an
Interdisciplinary Proposal to Ensino Médio
Metodologías activas: el aprendizaje basado en proyectos como propuesta
interdisciplinar en Secundária
Fernando Augusto Treptow Brod
*
Valesca de Matos Duarte
**
Resumo
A sociedade atual demanda mudanças e inovação no processo educativo, motivando reflexões sobre
a diversificação metodológica no ensino e na aprendizagem. O estudo apresenta uma proposta de
transformação do fazer docente no Ensino Médio, utilizando a Aprendizagem Baseada em Projetos
como metodologia ativa interdisciplinar associada a um Ambiente Virtual de Aprendizagem. A pes-
quisa buscou analisar o que dizem os docentes sobre a estratégia metodológica realizada em duas
turmas de terceiro ano do Ensino Médio de uma escola localizada no interior do município de Can-
guçu/RS. O procedimento metodológico foi efetivado com abordagem qualitativa utilizando os
princípios da pesquisa-ação. Os dados foram coletados através de questionário e analisados pela téc-
nica do Discurso do Sujeito Coletivo. A análise dos dados constatou que a efetivação de práticas
relacionadas a ensinar e aprender através de metodologias ativas, de maneira interdisciplinar em redes
de conversação, oportunizou um transformar no fazer pedagógico dos docentes, possibilitando a
interação entre os conhecimentos abordados e o cotidiano, a integração entre as diversas áreas do
conhecimento e a construção de um trabalho colaborativo.
Palavras-chave: Metodologias Ativas; Aprendizagem Baseada em Projetos; Ambiente Virtual de
Aprendizagem.
Recebido em: 16.07.2018Aprovado em: 06.03.2022
https://doi.org/10.5335/rep.v29i2.8396
ISSN on-line: 2238-0302
*
Doutor em Educação em Ciências FURG, Mestre em Educação em Ciências - FURG, Especialista em Planejamento e
Administração em Informática - UCPEL, Graduado em Tecnologia em Processamento de Dados - UCPEL. Professor do
Ensino Básico, Técnico e Tecnológico no IFSUL/CaVG. Instituto Federal Sul-rio-grandense Campus Pelotas-Visconde da
Graça, Pelotas/RS. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5754-2869 E-mail: fernandobrod@ifsul.edu.br.
**
Mestra em Ensino de Ciências e Tecnologias na Educação - IFSUL/CaVG. Especialista em Práticas Pedagógicas
Interdisciplinares - FACVEST. Bacharela e Licenciada em Química - UFPEL. Professora do Ensino Básico na Escola
Estadual de Ensino Médio Doutor Carlos Mesko, Canguçu/RS. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0969-1277 E-mail:
valesca.gat.mesko@gmail.com.
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Abstract
Current society demands changes and innovation in the educational process provoking reflections
about the teaching and learning methodological diversification. The study presents a changing pro-
posal to the teaching work in the Ensino Médio using the Project Based Learning as an
interdisciplinary active learning methodology supported by a Virtual Learning Environment. The
research tried to analyze what teachers say about the methodological strategy carried out in two third
grade groups of students of an Ensino Médio state school located in a rural area of the city of
Canguçu, Rio Grande do Sul, Brazil. The methodological procedure was done in a qualitative ap-
proach making use of the action research principles. Data were collected in a questionnaire and
analyzed upon the Discourse of the Collective Subject technique. Data analysis showed that the
development of teaching and learning exercises through active learning methodologies, in an inter-
disciplinary way and making use of network conversation, promoted a transformation in the
teachers’ pedagogical work, enabling interaction between contents and daily facts, integration be-
tween different areas of knowledge and the construction of a collaborative work.
Keywords: Active Methodologies; Project Based Learning; Virtual Learning Environment.
Resumen
La sociedad actual exige cambios y innovación en el proceso educativo, motivando reflexiones sobre
la diversificación metodológica en la enseñanza y el aprendizaje. El estudio presenta una propuesta
para la transformación de la enseñanza en Secundária, utilizando la Aprendizagem Baseada em Pro-
jetos como metodología interdisciplinar activa asociada a un Ambiente Virtual de Aprendizagem. La
investigación buscó analizar lo que dicen los docentes sobre la estrategia metodológica realizada en
dos clases de tercero año de Secundaria en una escuela ubicada en el interior del municipio de Can-
guçu/RS. El procedimiento metodológico se llevó a cabo con un enfoque cualitativo utilizando los
principios de la pesquisa-ação. Los datos fueron recolectados a través de un cuestionario y analizados
utilizando la técnica del Discurso do Sujeito Coletivo. El análisis de datos encontró que la imple-
mentación de prácticas relacionadas con la enseñanza y el aprendizaje a través de metodologías
activas, de manera interdisciplinaria en redes de conversación, brindó una oportunidad para trans-
formar la practica pedagógica de los docentes, posibilitando la interacción entre los saberes abordados
y la vida cotidiana, la integración entre las diferentes áreas del conocimiento y la construcción de un
trabajo colaborativo.
Palabras clave: Metodología Activa. Aprendizagem Baseada em Projetos. Ambiente Virtual de Apren-
dizagem.
Introdução
O artigo apresenta um estudo sobre o processo de ensino e aprendizagem no
Ensino Médio (EM) com a proposta de transformação docente através da efetivação de
um trabalho colaborativo e interdisciplinar em uma escola da zona rural do munícipio
de Canguçu/RS.
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Ao analisamos a metodologia utilizada na disciplina de Química nesse educan-
dário verificamos que, paralelos aos conteúdos curriculares, projetos eram
desenvolvidos com o sentido de proporcionar uma formação integrada com as vivências
cotidianas, porém, de forma singular, empírica e baseada no senso comum.
A percepção desses aspectos desencadeou inquietações que buscamos superar a
partir de um trabalho colaborativo e interdisciplinar, utilizando como metodologia
ativa a Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP) apoiada por um Ambiente Virtual
de Aprendizagem (AVA) através da efetivação do projeto Biomas Brasileiros.
Acreditamos no educar em espaços de convivência onde haja aceitação mútua
ampliando o conviver em reciprocidade, provocando alterações em prol do bem co-
mum. Nesse sentido, o presente estudo teve por objetivo investigar o que dizem os
docentes sobre uma estratégia didática promotora de ensino e aprendizagem através de
projetos colaborativos e interdisciplinares, como oportunizadores da aceitação do outro
como legítimo outro, da formação integral, do protagonismo e do exercício da cidada-
nia.
Metodologias ativas: aprendizagem baseada em projetos e a uti-
lização de um ambiente virtual de aprendizagem
Existem formas diferentes de ensinar e de aprender, resultando na pluralidade de
possibilidades frente aos desafios da educação atual com ações fundamentadas na soli-
dariedade, amorosidade, cooperação e respeito às diferenças bem como com a utilização
de diversos recursos e ferramentas, incluindo as digitais. As metodologias ativas
(BACICH; MORAN, 2018) são estratégias de ensino que possibilitam ao discente ser
mais criativo, empreendedor e protagonista do aprendizado levando em conta seu pró-
prio ritmo, tempo e estilo e ao docente cabe o papel de parceiro na construção de
aprendizagens, ou seja, orientador na busca pela apropriação do conhecimento. “Me-
todologias ativas dão ênfase ao papel protagonista do aluno, ao seu envolvimento
direto, participativo e reflexivo em todas as etapas do processo, experimentando, dese-
nhando, criando, com orientação do professor” (MORAN, 2018, p.4). Como
exemplo, podemos citar a ABP associada a utilização de AVA.
A metodologia ativa de ABP promove a construção do conhecimento a partir da
análise da realidade local, da aproximação da formação integral e do protagonismo dos
discentes. Possibilita um ensino e aprendizagem que almeja a formação de discentes
autores e não meros espectadores na produção do conhecimento, ou seja, que refletem
e agem sobre a prática educativa. Nessa perspectiva, os discentes o capazes de aplicar
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suas aprendizagens, resolver problemas, planejar e avaliar seu próprio desempenho, as-
sim como expor suas ideias, demonstrando a construção do conhecimento (DUARTE;
BROD, 2017).
Segundo Markham, Larmer e Ravitz (2008) com ABP as percepções dos discen-
tes se aguçam e a participação de forma crítica e relacionada com a vida cotidiana cresce
significativamente durante as aulas.
A Aprendizagem Baseada em Projetos fornece um treinamento para a sobrevivência no século
XXI. Ela oferece aos alunos a oportunidade de aprender a trabalhar em grupos e realizar algumas
tarefas comuns. Exige que os alunos monitorem seu próprio desempenho e suas contribuições ao
grupo. Ela força os alunos a confrontar problemas inesperados e descobrir como resolvê-los, além
de fornecer aos alunos tempo para se aprofundar em um assunto e ensinar aos outros o que
aprenderam (MARKHAM; LARMER; RAVITZ, 2008, p. 7).
Para a efetivação de um trabalho colaborativo e interdisciplinar através da ABP
estudamos utilizar o Facebook como ferramenta de auxílio na superação das dificuldades
relacionadas ao tempo de encontro entre docentes e discentes, considerando que ele
poderia proporcionar o estreitamento das relações de colaboração entre os envolvidos
na pesquisa para além do tempo de convivência na escola.
Entretanto, o consideramos um ambiente virtual informal onde facilmente po-
deriam ocorrer distrações com assuntos diversos, já que possui recursos variados sendo
que o assédio através de mensagens e informes, públicos ou privados, poderiam trazer
dificuldades de concentração e prejudicar a interação docente/estratégica didática/dis-
cente. Assim sendo, consideramos um AVA o espaço educativo que possibilita
interações curriculares para a execução da proposta metodológica.
Para integrar múltiplas mídias, softwares e recursos, propiciar interações dos educadores com os
educandos, bem como entre pessoas e objetos de conhecimento, no ambiente da internet, dife-
rentes soluções de sistemas de processamento foram desenvolvidos, especialmente a partir de
1990, na forma de Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs) (KLERING; SCHRÖEDER,
2011, p. 44).
Nesse contexto, primamos pelo uso de um AVA como aliado tecnológico em-
pregado para disponibilizar uma diversidade de materiais e ampliar o espaço de trabalho
no EM.
A perspectiva do EM atual promove a integração das áreas do conhecimento com
ação coletiva visando a interdisciplinaridade e a utilização das Tecnologias Digitais de
Informação e Comunicação, sendo, nesse processo, o discente construtor dos seus sa-
beres enquanto o docente tem o papel de orientador de ensino. Portanto, surge um
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docente em transformação no sentido de apropriar-se de diferentes formas de ensinar
e de aprender.
Transformação do fazer docente
As demandas docentes estão em constante transformação, com vistas ao cumpri-
mento do papel social da escola, o que vem proporcionando um desacomodar nas
práticas pedagógicas, requerendo docentes “mais competentes, adaptados e capazes
profissionalmente” (FELÍCIO; SILVA, 2017, p. 151). Atualmente vive-se um pro-
cesso de expansão do fazer docente, pois exige-se dos profissionais da educação muito
mais que ministrar aulas e sim uma atuação voltada para a vida na sociedade do conhe-
cimento. Em Veiga (2009) encontramos,
No sentido formal, à docência é o trabalho dos professores; na realidade, estes desempenham um
conjunto de funções que ultrapassam a tarefa de ministrar aulas. As funções formativas conven-
cionais, como ter um bom conhecimento da disciplina e como explicá-la, foram tornando-se
mais complexas com o tempo e com o surgimento de novas condições de trabalho (VEIGA,
2009, p. 24).
Nessa perspectiva a formação permanente é fundamental, tanto quanto aos co-
nhecimentos teóricos das disciplinas curriculares quanto aos conhecimentos sociais
relacionados ao cotidiano, a resolução de problemas e ao trabalho colaborativo. Gri-
boski (2017) evidencia o profissional docente como agente social que concebe a
educação como
[...] prática social e emancipatória, trabalha em prol da qualidade social para todos, busca a uni-
dade teórico-prática, desenvolve a ação coletiva, incentiva a autonomia profissional e busca a
valorização profissional a partir dos saberes da docência revelados na ação educativa inclusiva e
para todos (GRIBOSKI, 2017, p. 129).
O docente atualizado, crítico e realista faz parte da perspectiva de ensino de for-
mação integral do discente na sociedade do século XXI. Sem o estudo, o entendimento
e a motivação, não há a efetiva materialização de um trabalho diferenciado na escola.
Um docente de olhar respeitoso, sensível e afetuoso percebe que em uma turma há
sujeitos oriundos de diversos meios sociais, cada qual com suas experiências de vida,
que influenciam no modo em como aprendem. Portanto, não há como ensinar através
de conteúdos curriculares de forma estanque, alicerçados apenas pela transmissão de
conteúdos, como coloca Freire “[...] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar
as possiblidades para a sua produção ou a sua construção” (2011a, p. 24).
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Na sociedade do século XXI,
[...] o trabalho dos professores se desenvolve em uma realidade escolar em que é cada vez mais
questionado pelas mudanças sociais, culturais, tecnológicas e econômicas, as quais demandam
professores com capacidades e competências que extrapolem o ato de ‘transmitir’ conteúdos
(FELÍCIO; SILVA, 2017, p. 152, grifos do autor).
Sendo assim, o processo educativo está imbricado com metodologias que possi-
bilitem a representação do real viver e conviver com a aceitação do outro como legítimo
outro (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004), oportunizando a visão do todo,
tendo em mente um mundo interativo em constante transformação. Metodologias que
proporcionem reflexões e ações interligadas, onde haja diálogo com a comunidade es-
colar, ou seja, colocando em prática os princípios básicos da ABP em um trabalho
colaborativo enfatizando a troca de saberes com um objetivo comum.
No contexto atual, um dos principais desafios da Educação Básica é a transfor-
mação do fazer docente. Um fazer que valorize as vivências e conhecimentos da
comunidade escolar,
1
que propicie a formação humana integral, significativa e realista,
que leve em conta o interesse discente oportunizando o entendimento do homem como
um ser de relações que está com o mundo (FREIRE, 2011b) e que compreende os
aspectos científicos, tecnológicos, humanísticos e culturais da vida em sociedade.
Para que haja essa transformação, antes de tudo, podemos criar redes de conver-
sação (MATURANA, 2001) que proporcionem um novo olhar, um estudo e/ou
reestudo de estratégias didáticas baseadas no conviver, na qual o humano seja visto
como um ser plural, dotado de emoções e onde exista a valorização do eu pessoal e
profissional. Para Freire (2011a)
[...] O que importa, na formação docente, não é a repetição mecânica do gesto, este ou aquele,
mas a compreensão do valor dos sentimentos, das emoções, do desejo, da insegurança a ser supe-
rada pela segurança, do medo que, ao ser ‘educado’, vai gerando a coragem (FREIRE, 2011a, p.
45, grifos do autor).
Transformação docente ancorada em processo de formação baseado na constante
análise crítica e reflexiva sobre a própria prática. Uma prática onde a formação humana
integral seja pautada na competência e no compromisso ético, que se revela em uma
atuação profissional entrelaçada com as transformações sociais e culturais necessárias à
edificação do exercício da cidadania (BRASIL, 2013a). Em um exercício docente que
oportunize a análise ponderada da sociedade atual, através do acompanhamento das
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evoluções científicas e tecnológicas, do conhecimento da realidade das vivências e da
compreensão das formas de interação usadas pelos discentes.
Para o avanço no processo de transformação prima-se pelo envolvimento da ges-
tão escolar e do docente, buscando por evolução nas condições do exercício profissional
(remuneração e plano de carreira), ao mesmo tempo apropriando-se criticamente dos
conteúdos das DCNEM, em especial no que diz respeito à formação humana integral
e às práticas interdisciplinares, para que, assim, seja possível promover coletivamente
um fazer docente que oportunize a ampliação dos conhecimentos desenvolvidos em
aula conduzindo o discente no processo de aprendizagem.
Através do estudo, do conversar, da reflexão e da reelaboração das concepções
sobre a prática educativa o docente pode apoderar-se de metodologias amplas que pro-
movem a construção de uma educação com sentidos e significados entrelaçados com
suas percepções, gerando ações concretas, efetivadas em um fazer pedagógico que valo-
riza a construção do conhecimento pela pesquisa na forma de projetos colaborativos e
interdisciplinares.
O reconhecimento do professor como sujeito e protagonista desse novo desenho curricular re-
presenta uma possibilidade de êxito do projeto a ser construído. Um olhar sobre a realidade nos
mostra que a escassa participação dos segmentos institucionais, principalmente dos docentes, é
uma das causas que contribui para que muitos projetos pedagógicos não passem de documentos
os quais apenas atendem às exigências burocráticas dos sistemas de ensino e terminam sendo
arquivados e esquecidos. Tais documentos geralmente elaborados por pequenos grupos não ad-
quirem sentido para o processo pedagógico institucional, pois não conseguem afetar a vida da
escola. Por essa razão é que valorizamos processos coletivos, os diálogos, as decisões tomadas em
conjunto e democraticamente (BRASIL, 2013c, p. 38).
O estudo apresenta os princípios da ABP como possiblidade de apoio num tra-
balho colaborativo interdisciplinar que não requer apenas mudança na prática
pedagógica, mas um novo olhar que possibilite ações integradoras entre as áreas do
conhecimento, sem esquecer o estudo de conceitos nas disciplinas, potencializando a
aprendizagem em sua totalidade e não de forma fragmentada. “Para fins formativos,
isso significa identificar componentes e conteúdos curriculares que permitam fazer re-
lações cada vez mais amplas e profundas entre os fenômenos que se quer ‘apreender’ e
a realidade na qual eles se inserem” (BRASIL, 2013c, p. 40, aspas do documento).
No processo educativo, docentes são profissionais inseridos na sociedade que tra-
zem consigo suas próprias histórias de vida, concepções, identidades, orientação sexual,
cultura, etnia, são constituídos na pluralidade e diversidade assim como toda a huma-
nidade, ou seja, antes de tudo, são seres humanos que efluem no mundo. “O ser
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humano é, naturalmente, um ser de intervenção no mundo, a razão de que faz a His-
tória. Nela, por isso mesmo, o ser humano deve deixar suas marcas de sujeito e não
pegadas de puro objeto” (FREIRE, 2000, p.119).
Pimenta e Anastasiou (2002) afirmam que o exercício docente
[...] constrói-se, também pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor confere à
atividade docente em seu cotidiano, em seu modo de situar-se no mundo, em sua história de
vida, em suas representações, em seus saberes, em suas angústias e anseios, no sentido que tem
em sua vida o ser professor (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p. 77).
Sendo assim, o docente atuante estabelece relações com suas vivências em con-
texto de heterogeneidade, interagindo com a comunidade escolar de forma que suas
ações transponham a sala de aula e estejam mediadas pelos conhecimentos científicos,
tecnológicos, culturais e sociais, proporcionando a formação integral.
Momentos de análise das ações possibilitam um conversar, planejar, escrever,
efetivar e avaliar as práticas pedagógicas, para que refletindo a partir da prática, em
grupos de conversação (MATURANA, 2001), seja efetivado um processo de ensino e
aprendizagem interativo e integrador.
Diferentes podem ser as estratégias didáticas adotadas pelos docentes para opor-
tunizar formas de enfrentar as novas e diversificadas tarefas que, na sociedade do
conhecimento, ultrapassam o espaço da sala de aula, porém lembramos:
[...] no espaço de sala de aula cabe ao docente o delicado exercício da mediação entre os alunos e
a cultura elaborada, em particular, da manutenção do ambiente dialógico e cooperativo, pois
somente assim se ampliam as capacidades humanas e se constroem a democracia e o espírito
colaborativo entre os discentes (BRASIL, 2013d, p. 47).
Brasil (2013e) realizando referência as DCNEM orienta que os docentes, em sua
atuação, aumentem as percepções sobre as áreas do conhecimento e seus componentes
curriculares, assim como, vislumbrem outras possibilidades de organização do conhe-
cimento escolar, a partir de quatro dimensões:
a) compreensão sobre os sujeitos do Ensino Médio considerando suas experiências e necessidades;
b) escolha de conhecimentos relevantes de modo a produzir conteúdos contextualizados nas di-
versas situações onde a educação no Ensino Médio é produzida; c) planejamento que propicie a
explicitação das práticas de docência e que amplie a diversificação das interversões no sentido da
integração nas áreas e entre áreas; d) avaliação que permita ao estudante compreender suas apren-
dizagens e ao docente identifica-las para novos planejamentos (BRASIL, 2013e, p. 4).
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Nas dimensões há a valorização das vivências, da realidade, do planejamento e
da avaliação como forma de articulação dos diversos saberes e superação da simples
transmissão de conteúdos. Em princípio, o exercício docente, pautado pelas DCNEM,
oportuniza a formação integral do humano.
Em Brasil (2013b), há argumentos que permitem a interpretação que a formação
integral proporciona o exercício da autonomia, da reflexão e da crítica voltadas para a
compreensão do ser em sua plenitude, levando em conta suas dimensões afetiva, social,
intelectual, potencializando o desenvolvimento de seu próprio conhecimento, favore-
cendo a aprendizagem. Freire (2011a) aponta que
[...] ensinar não se esgota no ‘tratamento’ do objeto ou do conteúdo, superficialmente feito, mas
se alonga à produção das condições em que aprender criticamente é possível. E essas condições
implicam ou exigem a presença de educadores e de educandos criadores, investigadores, inquie-
tos, rigorosamente curiosos, humildes e persistentes (FREIRE, 2011a, p. 28, grifos do autor).
A formação integral do discente ressalta o compromisso da escola e de seus pro-
fissionais em estruturar metodologias de ensino que promovam a aprendizagem
colaborativa, autônoma e criativa pensando no trabalho coletivo, na problematização e
nas ações dinâmicas e inovadoras como oportunidade de melhoria no ensino e na
aprendizagem com a possibilidade “[...] de dinamizar as experiências oferecidas aos
jovens alunos e de ressignificar os saberes e experiências com os quais se interage nas
escolas” (BRASIL, 2013c, p. 10).
Em Griboski (2017) encontramos que ser docente é viver e conviver com o im-
previsível, com o que ainda, por vezes, nem tem resposta, com o que não está previsto,
com a instabilidade cotidiana, ou seja, com a transformação constante da vida.
Enfim, o docente é um ser humano como qualquer outro com seus saberes e
sentidos aguçados pelo fazer pedagógico. “O professor é a pessoa; e uma parte impor-
tante da pessoa é o professor” (NÓVOA, 1992, p. 15). Neste trabalho é dado ênfase
aos colaboradores docentes, ouvindo suas inquietações e respeitando suas opiniões,
como simples seres humanos, imersos no processo de ensinar e aprender.
O trabalho colaborativo e interdisciplinar
Analisando o EM percebemos que embora ele esteja organizado por áreas do
conhecimento, na prática, as aulas ainda são disciplinares e há rara integração entre
elas. Em processos que visam o alcance da aprendizagem e geração do conhecimento é
recomendado apropriação dos aspectos científicos, tecnológicos e culturais produzidos
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ao longo da história, porém não pela simples transposição dos fatos em conteúdos den-
tro das disciplinas e sim de forma integrada oportunizando a compreensão da realidade.
[...] as disciplinas escolares, quando consideradas apenas como acervos de conteúdos de ensino,
isoladas e desprendidas da realidade concreta da qual esses conceitos se originaram não permitem
que o processo de ensino e aprendizagem redunde efetivamente na compreensão da realidade do
educando (BRASIL, 2013d, p. 13).
Este processo de ensino particularizado nas disciplinas dificulta o entendimento
integrado dos diversos saberes, pois se encontra descontextualizado das vivências, tanto
dos docentes como dos discentes e tornam o exercício de autoconhecimento e compre-
ensão do mundo, por muitas vezes, utópicos.
Maturana (2001) nos incita a refletir sobre as relações com o mundo em uma
perspectiva de autoprodução de saberes, fazeres e aprendizagens interligados com o vi-
ver/conhecer/viver em amorosidade, reciprocidade, aceitação do outro e em
colaboração, rompendo com metodologias de ensino e aprendizagem ancoradas em
certezas absolutas. A metodologia da ABP associada ao uso do AVA oportuniza um
ensino integrado e contextualizado
2
através da conexão das diferentes áreas do conhe-
cimento, permitindo análises dos acontecimentos que historicamente envolvem as
vivências em sociedade para além do espaço/tempo sala de aula. No entanto, há pouca
produção científica que relacione as teorias das metodologias educacionais com a reali-
dade da sala de aula (ROSA; DARROZ; ROSA, 2014) requerendo uma adaptação dos
diversos saberes e não, apenas, sua aplicação direta na realidade escolar. Cabe salientar
que cada sala de aula é um ambiente diversificado que precisa ser analisado antes da
proposição de uma metodologia educativa, pois “[...] todo aprendizado deve encontrar-
se intimamente associado à tomada de consciência da situação real vivida [...]”
(FREIRE, 2011b, p. 11).
O exercício interdisciplinar depende de uma mudança de postura docente e, por
consequência, de prática educativa. Reiterando, cabe ao docente ultrapassar a formação
básica disciplinar, proporcionar a compreensão do indivíduo ativo na sociedade, en-
tender que a vida é integrada.
A promoção do autoconhecimento, da conversação, da aceitação do outro como
legítimo outro, do emocionar (MATURANA; VARELA, 2001), influem positiva-
mente no cotidiano contribuindo com o processo de ensino e de aprendizagem
integrador de vivências. Esse processo de formação humana diário transforma a si pró-
prio e tem a capacidade de modificar a realidade produzindo ciência, tecnologia,
cultura, enfim, conhecimento.
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No entender de Japiassu, a “interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade
das trocas entre os especialistas e pelo grau de interação real das disciplinas no interior
de um mesmo projeto de pesquisa” (1976, p. 74).
A interdisciplinaridade promove a integração das diferentes áreas do conheci-
mento e a visão de que a realidade não está pronta e acabada. Consideramos a realidade
como energia fluída, e sua análise, em um primeiro momento, gera o caos, porém atra-
vés do estudo de suas transformações induz a organização e auto-organização
produzindo a aprendizagem (PELLANDA, 2009). Esse processo sugere um transcen-
der em busca do próprio conhecimento docente para a efetivação da formação integral
do discente. Para Buss, “Em termos educacionais e pedagógicos, a interdisciplinaridade
implica na articulação de ações que buscam um interesse em comum, oferecendo uma
nova postura diante do conhecimento” (BUSS, 2016, p. 70).
Há inúmeras publicações que dialogam sobre a temática interdisciplinar, porém
Rosa, Rosa e Giacomelli (2016), ao observarem a presença da interdisciplinaridade nos
periódicos nacionais, salientam que a produção nacional está distante de descrever tra-
balhos interdisciplinares eficientes e que sejam reais alternativas a prática docente. Os
autores indicam como relevante um olhar especial do pesquisador para a sala de aula,
transformando a produção acadêmica em possibilidades pedagógicas que, adaptadas a
cada realidade, auxiliem o docente na caminhada interdisciplinar, reafirmando o cons-
tatado por Rosa, Darroz, Rosa (2014).
Contudo a proposta de uma prática pedagógica interdisciplinar gera insegurança,
pois como dito anteriormente, apesar de termos o currículo organizado por áreas do
conhecimento, na prática o ensino ainda é disciplinar, compartimentado e fechado.
Encontramos em Buss (2016) a perspectiva latino-americana, ligada à cultura educaci-
onal brasileira que vem ao encontro da nossa visão interdisciplinar de ensino. Essa
concepção trata a interdisciplinaridade como uma maneira de formação humana inte-
gral que salvaguarda os aspectos afetivos, ou seja, onde o processo de ensino e
aprendizagem é formado por uma rede de conversação para o autoconhecimento, para
a aceitação recíproca do outro, para a autonomia amparada no viver e conviver em
respeito ao humano, ao ambiente, à vida em sociedade, ao mundo (MATURANA;
VERDEN-ZÖLLER, 2004).
Maturana e Varela (1997) concebem uma relação constante entre o biológico, o
social e o cultural ao dizer que os seres vivos e o mundo não podem ser vistos em
separado, mas em constantes interações, que o homem não foi formado para receber
informações passivamente, isto é, “[...] os indivíduos em suas interações constituem o
social, mas o social é o meio em que esses indivíduos se realizam como indivíduos, [...]
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não há contradição entre o individual e o social, porque são mutuamente gerativos”
(MATURANA; VARELA, 1997, p. 43).
Um trabalho interdisciplinar promove a integração de planejamentos e metodo-
logias que assegure a abertura do diálogo, diversas visões, problematizações e
articulações abrangentes de temáticas relevantes presentes no cotidiano escolar. Con-
tudo, reafirmamos, em grande parte das escolas, encontramos um currículo isolado e
compartimentado, docentes presos a uma listagem de conteúdos e por muitas vezes
acomodados à prática metodológica da transmissão do conhecimento. Esses fatores,
provavelmente, são os geradores da não efetivação da interdisciplinaridade, pois na prá-
tica não estamos acostumados a conceber o todo em uma visão coletiva, integrada e
contextualizada, voltada a uma reflexão e ação que realize conexões entre as partes e o
todo.
A visão limitada da maioria dos professores, relativa ao conhecimento como algo restrito ao seu
campo de domínio ou, mesmo, a carência de saberes do que lhe é externo tem acarretado
prejuízos ao processo de aprendizagem. Tal processo disciplinar, muitas vezes, traz consigo a ideia
de que cada fenômeno estudado acontece de forma isolada, despersonalizada, descontextualizada
e, não raras vezes, atemporal. Com isso, acaba-se esquecendo de que os problemas postos no
cotidiano são de natureza interdisciplinar e, logo, não podem remeter a uma única área de co-
nhecimento (ROSA, 2015, p. 57).
Por consequência, o trabalho interdisciplinar é, em especial, orientado a docentes
abertos à conversação, à reciprocidade, à aceitação do outro como legítimo outro, à
amorosidade, (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004), a variadas metodologias, à
análise do todo, a diferentes saberes. Profissionais dispostos à troca de conhecimentos,
gerando a própria aprendizagem e dos discentes com os quais convive, oportunizando
os princípios da formação integral e do protagonismo. Segundo Cristiano Buss,
A formação do professor interdisciplinar procuraria dar ao docente a capacidade de atuar em uma
atitude pedagógica interdisciplinar, em conjunto com seus pares, numa prática que esteja estabe-
lecida na colaboração, na comunicação e na troca de saberes e experiências entre os professores e
entre professores e alunos. Uma vez que a interdisciplinaridade indica ação, o professor formado
com tal concepção assumiria a intencionalidade de ser investigativo, reflexivo e comunicativo em
sua atitude pedagógica. Iria trabalhar não na transmissão do conhecimento, mas na construção
desse conhecimento e nas suas possíveis inter-relações, sendo o professor o mediador e, ao mesmo
tempo, o sujeito da própria aprendizagem (BUSS, 2016, p. 75).
Em Fazenda (2007) percebemos que a construção da interdisciplinaridade está
imbricada a um docente que apresente uma postura inovadora em relação ao processo
de ensino e aprendizagem, deixando de lado a comodidade do trabalho disciplinar. No
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método interdisciplinar a apropriação do conhecimento está articulada nas emoções e
vivências diárias associadas às ideias e teorias científicas, tecnológicas, culturais e sociais
que estão em constantes conversação entre si.
Rosa, Rosa e Giacomelli (2016) nos lembram que uma análise sobre como a
comunidade escolar entende a atividade interdisciplinar colabora na identificação dos
elementos limitadores de sua utilização. Em suma, uma possibilidade é construir e
acompanhar a efetivação de um projeto interdisciplinar, de preferência, com natureza
lúdica e mensurar o envolvimento dos diferentes sujeitos durante sua execução, neste
trabalho, em especial, avaliar as percepções docentes.
Reafirmamos a partir de Fazenda (1991), a exemplo de Japiassu (1976), a inevi-
tabilidade de que os docentes revisem suas práticas didáticas como oportunidade de
progresso em direção ao autoconhecimento e o conhecimento/ aceitação do outro atra-
vés de ações transformadoras que possibilitem a interdisciplinaridade.
Em Maturana e Verden-Zöller (2004) percebemos a importância das emoções e
que elas estão diretamente relacionadas à maneira como nos relacionamos com o outro.
Somos seres em constante construção e reconstrução. A cada momento e a cada nova
vivência há possibilidades para um sonho, um pensar, um saber, uma aprendizagem.
Existimos em constante transformação e somos interdisciplinares diariamente - ao sor-
rir, chorar, conversar, aprender, ensinar, emocionar, conviver enfim, ao viver.
Estratégia metodológica: o projeto biomas brasileiros
Para desenvolver a estratégia metodológica usamos os princípios da ABP, em um
projeto colaborativo interdisciplinar tendo o AVA Minha Escola Virtual (MEV)
3
,
como espaço de trabalho e convivência no EM. O AVA MEV disponibiliza, gratuita-
mente, a plataforma Moodle para escolas públicas.
Em reunião pedagógica foi colocado aos gestores, docentes e funcionários da es-
cola a intenção de desenvolver um projeto colaborativo interdisciplinar usando os
princípios da ABP através do AVA MEV no EM. Gestores e docentes presentes soma-
ram-se ao propósito e se dispuseram a apoiá-lo e a colocá-lo em prática. Em uma rede
de conversação, optamos por executar a proposta em um coletivo de três a quatro dis-
centes por grupo, nas turmas 301 e 302, terceiros anos, com temática ambiental
considerada relevante pelos docentes na atualidade: os Biomas Brasileiros.
No segundo encontro pedagógico o grupo de docentes colaboradores, através de
conversações e reflexões, optou por uma proposta com ênfase no estudo dos conteúdos,
elaboração e efetivação de atividades que oportunizaram o desenvolvimento da escrita,
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da oralidade, do domínio das TDIC e da linguagem corporal relacionados ao modo de
vida cotidiano e a sua influência sobre os Biomas Brasileiros, usando os recursos do
AVA MEV como ferramenta de auxílio na concretização das atividades através da cri-
ação e customização de um curso específico para a execução do projeto.
Como afirma Freire, “Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra,
no trabalho, na ação-reflexão” (FREIRE, 1987, p.78).
O projeto interdisciplinar Biomas Brasileiros foi executado, concomitantemente
às aulas disciplinares, utilizando o AVA MEV como espaço de trabalho e convívio que
oportunizou ir além do tempo/espaço presencial da escola. Ao docente regente de cada
disciplina coube apresentar recortes e dialogar sobre os conteúdos curriculares através
do estudo dos Biomas, com o intuito de que os discentes percebessem os conteúdos
incorporados à temática do projeto, assim como os princípios da formação integral, do
protagonismo e do exercício da cidadania foram o norte de sua execução. O esboço das
atividades propostas foi idealizado nos intervalos entre as aulas e/ou em recreios, como
também através da rede social Whatsapp, sendo esses os ambientes nos quais ocorreram
as conversações durante o desenvolvimento do projeto.
A partir da rede de conversação estabelecida entre os docentes foi customizado o
curso no AVA MEV intitulado “Biomas Brasileiros/Carlos Mesko 301 e 302” que tor-
nou possível a realização do projeto, ampliando o contato docente/discente e
possibilitando a postagem das propostas e das execuções de atividades.
A customização do AVA foi executada contando com o auxílio do Laboratório
de Aprendizagem e Desenvolvimento de Software do Instituto Federal do Rio Grande
do Sul (IFRS).
As atividades presencias e virtuais envolveram os discentes e contribuíram para o
desenvolvimento de habilidades e hábitos mentais propostos por Markham, Larmer e
Ravitz (2008) quando dialogam sobre o processo educativo através da ABP. Para os
autores, docentes podem verificar a evolução dos discentes com a identificação de ha-
bilidades como: criatividade, comunicação, pensamento crítico, resolução de
problemas, planejamento, colaboração, capacitação na era digital, autogestão, produti-
vidade, gerenciamento de grupo e compreensão interdisciplinar.
E com a identificação de hábitos mentais como: bom humor, persistir, criar,
imaginar, inovar, aprender continuamente, pensar de maneira independente, empe-
nhar-se por exatidão e precisão, pensar flexivelmente, administrar a impulsividade,
questionar e propor problemas, responder com surpresa e administração, assumir riscos
com responsabilidade, reunir dados por meio dos sentidos, aplicar conhecimento pré-
vio a novas situações e escutar os outros com compreensão e empatia.
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Conforme o andamento do projeto (maio a agosto), foram efetivadas avaliações
formativas e somativas, baseadas nos princípios da ABP apresentados por Markham,
Larmer, e Ravitz (2008) que entendem a avaliação como um processo de identificação
de habilidades e hábitos mentais.
O plano de avaliação, pensado em colaboração pelos docentes, abordou a capa-
cidade discente de desenvolver uma série de produções (pesquisa, resumo expandido,
seminários, mostras culturais, artefatos multimídias, autoavaliação), envolvendo habi-
lidades, hábitos mentais, conteúdos curriculares e associações com a realidade através
de redes de conversão presenciais e virtuais, sendo que, por meio da proposição e efeti-
vão das atividades foram oportunizados transformações no processo de ensinar e
aprender.
Para a análise da estratégia metodológica efetivamos pesquisa aplicada com abor-
dagem qualitativa através dos princípios da pesquisa-ação em conjunto com oito dos
doze colegas docentes do EM da escola.
Aos oito docentes aplicamos um questionário contendo questões referentes ao
ensino e à aprendizagem através de projeto colaborativo e interdisciplinar. Expressamos
o pensamento coletivo através da técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), como
forma de reconhecimento de cada colaborador envolvido, buscando a compreensão do
que eles dizem sobre uma estratégia didática efetivada em um ambiente colaborativo a
partir do ensino por projetos usando um ambiente virtual como como espaço de tra-
balho e convívio.
O DSC, desenvolvido por Lefevre e Lefevre (2003), constitui-se numa estratégia
metodológica que fala em nome da coletividade, desde o momento da elaboração das
perguntas, até a análise dos dados.
O DSC como técnica de processamento de dados com vistas à obtenção do pensamento coletivo
dá como resultado um painel de discursos de sujeitos, na 1ª pessoa do singular, justamente para
sugerir uma pessoa coletiva falando como se fosse um sujeito individual de discurso. [...] Confere
naturalidade, espontaneidade, vivacidade ao pensamento coletivo (LEFEVRE; LEFEVRE, 2005,
p. 32).
Para fazer os DSC existem figuras metodológicas que auxiliam sua construção e
análise. As Expressões-chave (ECH), pedaços, trechos ou transcrições do discurso que
revelam a essência do depoimento. As Ideias Centrais (IC), que buscam revelar o sen-
tido de cada um dos discursos analisados. A Ancoragem (AC), uma manifestação
linguística de uma dada teoria, ideologia ou crença usada para enquadrar uma situação
específica.
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Após identificação das figuras metodológicas o DSC é redigido na primeira pes-
soa do singular e composto pelas ECH que tem as mesmas IC e AC.
Na sequência, apresentamos a opinião dos docentes colaboradores da pesquisa
através de três DSC elaborados a partir das respostas dadas ao questionário, revelando
o que mencionam sobre a estratégia metodológica na efetivação do projeto Biomas
Brasileiros.
O que dizem os docentes sobre a proposta interdisciplinar
Para o entendimento do que dizem os docentes sobre um trabalho interdiscipli-
nar ressaltamos o movimento no sentido da integração entre as áreas do conhecimento
apresentando práticas interdisciplinares realizadas no projeto Biomas Brasileiros utili-
zando o AVA MEV. São elas:
- Na área das Ciências Humanas e suas Tecnologias, a disciplina de Geografia
abordou aspectos relevantes sobre a formação de cada Bioma Brasileiro, a disciplina de
História oportunizou o estudo dos aspectos históricos do processo de transformação
(degradação) dos Biomas e a disciplina de Sociologia identificou os aspectos culturais
das comunidades que formam os Biomas.
- A área da Matemática e suas Tecnologias abordou a temática das dimensões do
território, da população e do índice de degradação dos Biomas Brasileiros.
- Na área das Ciências da Natureza e suas Tecnologias, as disciplinas de Biologia
e Química estiveram envolvidas, em especial, na Mostra de Pratos Típicos. Os profes-
sores propuseram aos alunos a realização de uma pesquisa para apresentação à
comunidade escolar em forma de Seminário. A pesquisa realizada pelos alunos abordou
aspectos bioquímicos de diferentes grupos alimentares, bem como suas funções bioló-
gicas no organismo com a apresentação de estruturas químicas orgânicas.
- A contribuição da área das Linguagens e suas Tecnologias esteve relacionada ao
desenvolvimento da escrita e da oralidade. A disciplina de Literatura possibilitou o es-
tudo das Lendas Regionais e de Educação Física oportunizou o desenvolvimento da
expressão corporal através de Danças Típicas, ambas apresentadas na Mostra Cultural.
Nesse sentido, percebemos que o ensino por projetos presumiu integração, seja
entre os aspectos curriculares estudados nas áreas do conhecimento ou entre os envol-
vidos no processo educativo. Bender (2014), sustenta que projetos de ABP devem estar
relacionados às vivências da atualidade e que podem ser propostos por apenas um su-
jeito ou podem ser interdisciplinares. Consideramos o trabalho descrito como
interdisciplinar, pois como escrito acima, foi realizado em rede de conversação, com
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relações integradoras de disciplinas, em reciprocidade, propondo atividades que fomen-
taram a participação ativa do discente de forma que possibilitou o uso da imaginação e
da criatividade. Rosa; Rosa; Giacomelli (2016) salientam que docentes podem motivar
discentes ao favorecer sua participação e argumentação ativa no desenvolvimento de
atividades envolventes entre as áreas, sendo que a incorporação de uma metodologia
integradora favorece a construção do conhecimento. Para os autores, a ação docente
[...] poderá favorecer o desenvolvimento de diferentes capacidades que contribuem com a cons-
trução do conhecimento, ampliando a rede de significados construtivos tanto para as crianças
como para os jovens (ROSA; ROSA; GIACOMELLI, 2016, p. 537).
Nogueira (2001), acredita que os projetos interdisciplinares apresentam maior
eficiência no processo de ensinar e aprender, porém salienta que há inquietações refe-
rentes a sua prática efetiva. Em relação à interdisciplinaridade, o autor afirma:
Acreditamos que muitos são os ‘nós’ na prática interdisciplinar, mas se repensarmos as posturas
individuais e a questão do coletivo, com certeza já estaremos dando passos largos para eliminar
as ‘gavetas de arquivos’ existentes na cabeça de nosso aluno, que fragmenta disciplina por disci-
plina e compartimenta seus diferentes saberes nas suas múltiplas ‘gavetas’ (NOGUEIRA, 2001,
p. 136).
Os princípios da ABP apresentam conceitos e processos didáticos que proporci-
onaram uma participação dinâmica e integradora entre os docentes. Permanecendo
com a concepção de Nogueira (2001), um projeto interdisciplinar prevê que um dos
docentes atue como coordenador e estimule tanto docentes quanto discentes a terem
momentos de convivência em redes de conversação onde ocorra a troca, a integração e
a complementação dos diversos saberes. Nessa perspectiva, o primeiro discurso do su-
jeito coletivo (DSC1) aborda a ABP relacionada a Interdisciplinaridade.
DSC1 Interdisciplinaridade
Em primeiro lugar, as informações desta proposta foram expostas de maneira clara e objetiva,
com o apoio e ajuda necessários ao desenvolvimento. Todavia, eventualmente, no processo de
execução pode e tende a ocorrer alterações no que diz respeito ao planejamento original. Por
certo, o “chavão” Não somos seres divididos, ensino de gavetinhas, sempre foi debatido, ques-
tionado, os projetos interdisciplinares vieram “de” encontro a esta realidade. A possibilidade de
fazer conexões entre os saberes, torná-los significativos para a vida em sociedade, o partilhar,
debater, discordar, são pontos chaves para o crescimento e a construção do conhecimento, seja
educador-educador, educando-educando ou educador-educando.
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As relações entre os saberes concebem o entendimento da totalidade na sociedade
e os conhecimentos das partes só fazem sentido se estiverem relacionados ao todo, bem
como as relações humanas através de um viver e conviver em redes de conversação
induzem ao crescimento do ser em sua integralidade. Por conseguinte, o conhecimento
adquirido através das conexões entre os diversos saberes tem capacidade de transformar
o ser e o fazer do indivíduo. Portanto, é possível transformar a realidade de uma socie-
dade, ou seja, “[...] somos sujeitos de nossa história e de nosso conhecimento”
(BRASIL, 2013d, p. 31).
O ensino e a aprendizagem por projetos exigiram uma mudança no papel do-
cente, que, em um primeiro momento, gerou resistências e dificuldades inerente aos
seres humanos.
[...] os professores precisarão aprender diversas habilidades novas para facilitar o ensino na ABP
ou desenvolver de forma mais aprofundada suas habilidades nessa área de ensino relativamente
nova (BENDER, 2014, p. 107).
Na APB os docentes são colaboradores na compreensão dos conteúdos relacio-
nados ao todo das vivências cotidianas e não transmissores de conteúdos curriculares
(MARKHAM; LARMER; RAVITZ, 2008). Os princípios da ABP relacionados ao en-
sinar e aprender em reciprocidade alicerçados na formação integral e no protagonismo
discente promovendo a interdisciplinaridade gerou um desacomodar no processo edu-
cativo constatado no segundo discurso do sujeito coletivo (DSC2) que relata a
resistência e a dificuldade no ensino por projetos.
DSC2Resistência/Dificuldade ao ensino por projetos
O discurso evidencia as dificuldades de colocar em prática uma estratégia didática
não tradicional. Nogueira (2001) aponta que, na prática, o trabalho docente por pro-
jetos apresenta um obstáculo que merece atenção especial, a postura docente. A
estratégia didática prioriza uma postura docente aberta ao todo e ao que ocorre nele,
Trabalhar com os colegas, tentando atingir um objetivo comum, nem sempre é tarefa fácil, logo
dificuldade de trabalhar por projetos, afinal são métodos e modos de “ver” a escola muito
diferentes. O trabalho com projetos tem muita resistência por parte de alguns educadores que
não conseguem “visualizar” a interdisciplinaridade. Um pouco se deve a falhas na construção do
conhecimento nas licenciaturas. A área das exatas se torna menos maleável por ter um conhe-
cimento rígido e estático. O ser humano por si só tem dificuldade de desacomodar-se.
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aos próprios saberes e não-saberes e, aos docentes, falta “coragem” de participar ativa-
mente de redes de conversação onde seus não-saberes são abordados, sentindo-se,
talvez, ameaçados, o que, por vezes, inviabiliza a troca e a integração.
[...] o grande problema: ‘estar aberto aos seus não-saberes’. Sem a postura de humildade e reco-
nhecimento de seus não-saberes, diante de seus pares, o professor não se dispõe a realizar trocas
com os demais especialistas (NOGUEIRA, 2001, p. 136).
Por vezes, docentes apresentam desassossegos relacionados à interdisciplinari-
dade por não entenderem seu significado e sua amplitude. Na busca por uma definição
que abrande a inquietude apresentada pelos docentes no DSC2 encontramos em Rosa
que
[...] a interdisciplinaridade remete ao reconhecimento de novas linguagens, na superação das es-
pecíficas, quase um “desaprender”, com vistas a uma nova aprendizagem que permita e forneça
uma compreensão de ser humano envolvido em sua totalidade (ROSA, 2015, p. 61, grifos do
autor).
Outra abordagem observada a partir do DSC2 é a formação docente em cursos
de licenciaturas. Não somente em cursos de licenciaturas que, por vezes, formam ba-
charéis docentes,
4
como também os cursos Lato Sensu e Stricto Sensu realizam pesquisas
e produzem materiais de pesquisa acadêmica que se fecham nas universidades e não
chegam aos docentes da base. Como salientam Rosa, Rosa e Giacomelli (2016), no
campo da prática, o material e o estudo acadêmico sobre ensino por projetos interdis-
ciplinares ainda se encontram restritos. Sendo assim “[...] julga-se cada vez mais
importante que pesquisadores olhem para a sala de aula e estudem possibilidades de
transpor a produção acadêmica em situações didáticas” (ROSA; ROSA;
GIACOMELLI, 2016, p. 536).
Nogueira (2001) analisa como professores que tem sua carga horária completa,
dando aula nos três turnos e em escolas diferentes, poderiam apresentar condições de
realizar leituras, refletir sobre a própria prática e diversificar sua metodologia de traba-
lho. Segundo o autor,
O quadro drástico mencionado, serve apenas para demonstrar nossa hipótese de que o ‘educador
da ponta’ é carente dos recursos materiais e de tempo para a sua reciclagem e atualização, e se
não receber informações mais direcionadas, conhecimentos já digeridos e materiais de aplicação,
pouco fará para tomar atitudes interdisciplinares. Não acreditemos em sua falta de vontade, mas
na sua falta de recursos (NOGUEIRA, 2001, p. 138).
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No cotidiano atual, a atividade docente vem sofrendo crescente descrédito e des-
respeito por parte dos governantes e da sociedade do conhecimento, fatos que afetam
diretamente o ser e o fazer docente que, por vezes, encontra-se acomodado, sendo um
espectador no processo educativo. Esse contexto vivido acaba afetando diretamente as
práticas didáticas, pois no cotidiano há medos, angústias, incertezas, excesso de traba-
lho, falta de tempo que dificultam uma convivência autêntica com o outro e geram
dúvidas sobre a própria capacidade.
A prática da ABP se mostrou uma proposta integradora, autêntica e colaborativa
que modificou, parcialmente, o fazer de docentes e discentes, caminhando para a su-
peração das dificuldades apresentadas no processo educativo.
A partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de estar nela, pelos
atos de criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu mundo. Vai dominando a reali-
dade. Vai humanizando-a. Vai acrescendo a ela algo de que ele mesmo é o fazedor (FREIRE,
2011b, p. 60).
A metodologia proporcionou um ambiente de reflexão e transformação de vivên-
cias cotidianas pela implantação de uma prática que envolveu o ensinar e aprender em
colaboração, tendo o docente como orientador e o discente ativo na construção do seu
aprendizado.
A superação dos medos e das inquietudes e, acima de tudo, o respeito às diversas
opiniões foram fatores fundamentais para a construção da rede de conversação colabo-
rativa promotora da aceitação do outro como legítimo outro (MATURANA;
VERDEN-ZÖLLER 2004).
Um trabalho colaborativo ocorre em redes de conversação, com diálogo respei-
toso e crítico. Para Freire (2011b), o diálogo:
Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso, só o diálogo comu-
nica. E quando os dois polos do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um
no outro, se fazem críticos na busca de algo. Instala-se, então uma relação de simpatia entre
ambos. Só aí há comunicação (FREIRE, 2011b, p. 141).
Tendo por base as concepções de Maturana (2002) referenciamos o ensino e a
aprendizagem através de projetos como um processo contínuo de transformação na e
pela convivência em colaboração, que ocorre em toda parte e no decorrer de toda a
vida, com efeitos que perpetuam e não se modificam facilmente. O terceiro discurso
do sujeito coletivo (DSC3) apresenta o relato da realização de um trabalho colaborativo
como enriquecedor e transformador do ambiente educativo.
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DSC3. Trabalho colaborativo
No trabalho a convivência harmoniosa permitiu um trabalho colaborativo que
propiciou trocas de ideias, de experiências, de inquietudes e desassossegos, promoveu
o estreitamento dos laços através da comunicação com os pares. Houve comunicação
efetiva que contribuiu para um transformar do processo educativo no qual o ensinar
em colaboração produziu aprendizagem em uma real rede de conversação no viver e
conviver com o outro (MATURANA, 2002).
Em prática, houve o desenvolvimento de habilidades e hábitos promotores de
uma aprendizagem coletiva. Segundo Markham, Larmer e Ravitz (2008), habilidades
de comunicação, planejamento, criatividade, autogestão, colaboração, compreensão in-
terdisciplinar, produtividade, pensamento crítico, capacitação nas TDIC e resolução
de problemas, assim como hábitos como o respeito, a flexibilidade, a persistência, a
compreensão, a eficiência, a aplicação de conhecimentos, a autonomia, a empatia, o
posicionamento e a criticidade fazem parte de um trabalho colaborativo e foram obser-
vados através de interações recorrentes em redes de conversação.
Os DSC demonstram que a prática da ABP associada ao uso do AVA MEV
oportunizou o trabalho colaborativo, presencial e virtual, e possibilitou o desenvolvi-
mento de práticas relacionadas ao ensinar e aprender em reciprocidade de maneira
interdisciplinar, assim como se aproximou da formação integral e de protagonismo do
discente.
No entanto, pela disponibilidade de tempo livre dos docentes ser restrita, o pro-
cesso de implementação da metodologia e da ferramenta diversificada, apresentou
resistências e dificuldades, pois exigiu certo tempo para leituras, reflexões e adaptações.
Isso não impediu a ocorrência de ações transformadoras na prática educativa por parte
daqueles que se sentiram emocionados por uma possibilidade diferenciada do usual e
que propiciou um ambiente de amorosidade e aceitação do outro como legítimo outro
(MATURANA; VERDEN-ZÖLLER 2004).
Acredito no “regime” de colaboração entre os educadores com o propósito de nos deixar
unidos, interagindo mais no ambiente escolar, tanto com os colegas como com os alunos. Por
certo, agrega, constrói e enriquece o trabalho docente através da troca de saberes. Possibilita a
participação de todos na elaboração e execução das propostas, como também facilita ações
concretas e oportuniza novas abordagens. Dessa forma, o trabalho através de projetos, propicia
a interação com os colegas de forma agradável possibilitando a troca de ideias, de experiências
e de conhecimento, ou seja, se discute estratégias para o andamento harmonioso do projeto.
Com este tipo de trabalho todos os envolvidos crescem intelectualmente e como seres humanos
que somos, porque compartilhar nos faz crescer.
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Considerações finais
O processo educativo no EM do educandário em estudo suscitou reflexões sobre
ensinar e aprender a partir de uma proposta de projeto colaborativo interdisciplinar
usando a metodologia ativa de ABP e o AVA MEV como meios articuladores em busca
de transformações nas práticas docentes, possibilitando também ao discente uma par-
ticipação ativa, autônoma e de protagonismo na apropriação de conhecimentos
relacionados ao trabalho, ciência, tecnologia e cultura na sociedade do século XXI.
Nesse sentido, paralelo ao andamento das aulas tradicionais, foi proposto uma
prática de ensino que oportunizou a convivência em um ambiente colaborativo, tendo
os docentes como orientadores e os discentes construtores de seu conhecimento voltado
a percepção de situações cotidianas relacionadas aos conteúdos escolares. A prática pro-
porcionou um processo educativo por meio do uso de redes de conversação, da
aceitação do outro como legítimo outro, da amorosidade e do emocionar através da
proximidade na convivência (MATURANA, 2002).
A pesquisa problematizou o uso da ABP associada ao AVA na execução de um
projeto colaborativo no EM com o propósito de superação das inquietações provocadas
pelos projetos singulares e pelo curto período das aulas presenciais. No entanto, os
docentes colaboradores são provenientes do ensino tradicional e presencial e trazem
consigo seus preceitos os reproduzindo em sua prática pedagógica, demonstrando re-
sistências na internalização de alternativas diversificadas nas formas de ensinar e
aprender. De certo, notamos que uma execução efetiva no ensino por projetos usando
um ambiente virtual requer interesse, disponibilidade, plasticidade e mudança cultural,
já que novos conhecimentos são relevantes para o planejamento e efetivação da meto-
dologia. Sendo assim, é considerável que as experiências vividas sejam assimiladas,
refletidas e introjetadas para que possam, aos poucos, serem utilizadas.
A inserção da metodologia através da execução do projeto Biomas Brasileiros
contribuiu para a diversificação do processo educativo e oportunizou análise de enten-
dimentos e desassossegos que emergiram junto aos DSCs.
Destacamos que, através do primeiro e do segundo discurso, percebemos o en-
tendimento de que os objetos de estudo não são divididos e, sim, se constituem em
uma integralidade de saberes diversos. Ficou evidente que em uma escola, há variedade
de pensamentos e atitudes relacionados ao processo educativo, e que a metodologia da
ABP provocou inquietações, pois exigiu um trabalho colaborativo e um pensamento
interdisciplinar. Bender (2014) afirma que é normal, em docentes, que adotam a estra-
tégia da ABP a sensação de estarem sobrecarregados e de apreensão com sua execução
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prática, pois a metodologia envolve mudanças na dinâmica pedagógica que, por vezes,
pode provocar certa perda de controle docente no desenrolar do processo educativo,
portanto gerando um pouco de desconforto com a ABP. Os desassossegos foram sendo
superados com o andamento prático do projeto, em especial quando tornou-se percep-
tível a produtividade, o interesse, a participação e a aprendizagem do discente.
O terceiro discurso demonstrou a relevância do desenvolvimento de um trabalho
colaborativo, sendo criado um ambiente onde prevaleceu o diálogo em reciprocidade
abordando as experiências e saberes da coletividade que contribuíram para o cresci-
mento do ser humano em sua integralidade.
Em suma, docentes atentos, em constante reflexão/ação no cotidiano onde exer-
cem a prática educativa e, motivados por seus modos de ser, fazer, conviver e ver o
mundo foram os promotores da diversificação do ensino e da aprendizagem através da
metodologia da ABP associada ao uso do AVA MEV. Assim sendo, na prática tornou-
se fundamental aos docentes o entendimento de seus saberes experienciais cotidianos,
atrelados aos seus conhecimentos dos conteúdos curriculares e aos seus fazeres pedagó-
gicos para a realização do trabalho colaborativo e interdisciplinar.
Notas
1
Entendemos que a comunidade escolar é compreendida por gestores, docentes, funcionários, discentes
e familiares.
2
O ensino contextualizado faz relação entre a parte e totalidade. Não serve apenas exemplificar onde ele
se aplica ou que situação explica e sim evidenciar que qualquer conhecimento existe em resposta a
necessidades sociais (BRASIL, 2013d).
3
Espaço criado pelos pesquisadores do Laboratório de Aprendizagem de Desenvolvimento de Software
do Instituto Federal do Rio Grande do Sul - Campus Bento Gonçalves/RS - http://minhaescolavir-
tual.com.br/
4
Bacharéis docentes: Termo usado para os docentes que, embora licenciados, tenham sua forma-ção
ancorada no bacharelado.
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Práticas colaborativas com o uso de artefatos: o Google Drive
como estratégia para apropriação dos conceitos
Collaborative practices with the use of artifacts: Google Drive as a
strategy for appropriation of concepts
Prácticas colaborativas con el uso de artefactos: Google Drive como
estrategia de apropiación de conceptos
Edilaine Vagula
*
Resumo
Este artigo relata a experiência desenvolvida em uma disciplina do curso de pedagogia que tem como
foco de sua ementa o planejamento de ensino. O objetivo foi compreender as percepções dos estu-
dantes sobre a proposta de mediação centrada na participação colaborativa para aprender conceitos.
Partindo da noção de colaboração como processo de ampliação da aprendizagem, a proposta analisou
variáveis a partir dos objetivos, a fim de verificar como afetam o processo ensino-aprendizagem:
‘Experiências significativas em seu processo formativo’; ‘Aprendizagem conceitual e o Instrumento
Mediador’. A metodologia utilizada foi a Qualitativa, tipo exploratória e descritiva, os dados foram
coletados por meio de um questionário e foram analisados através da análise de conteúdo. Conforme
resultados, identificou-se que os alunos valorizaram a oportunidade de planejar, aprender conceitos
e construir conhecimentos de forma colaborativa, sentiram-se atuantes na disciplina, sendo que o
instrumento mediador fomentou o aprender a aprender, possibilitando rever o erro e promover a
aprendizagem. O uso do glossário elaborado com o Google Drive possibilitou o aprofundamento
dos conceitos trabalhados na disciplina. Conclui-se que as atividades ampliaram o pensamento, a
criticidade e o compartilhamento das ideias, surgindo novas formas de conceber a tecnologia.
Palavras-chave: Formação conceitual; Mediação; Prática colaborativa; Tecnologias Digitais.
Recebido em: 24.06.2020Aprovado em: 10.10.2020
https://doi.org/10.5335/rep.v29i2.11230
ISSN on-line: 2238-0302
*
Pós-doutora em Educação pela Universidade Estadual de Maringá; Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (2014); Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Londrina (2004); possui graduação em
Pedagogia pela Universidade Estadual de Londrina (1988). Atuou como docente na Educação à Distância na Universidade
Norte do Paraná. Atualmente é professora do Departamento de Educação, do Centro de Educação, Comunicação e Arte da
Universidade Estadual de Londrina. Orcid: http://orcid.org/0000-0003-1992-9680. E-mail: laine@uel.br.
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Abstract
This article reports the experience developed in a discipline of the course of Pedagogy, which focuses
its program of studies in teaching planning. The objective was to understand the students' percep-
tions about the mediation proposal centered on collaborative participation in order to learn concepts.
Based on the notion of collaboration as a process of expansion of learning, the proposal analyzed
variables from the objectives, in order to verify how they affect the teaching-learning process: Mean-
ingful experiences in their training process; Conceptual learning and the instrument of mediation.
The methodology used was Qualitative, exploratory and descriptive type, data were collected
through a questionnaire and analyzed through content analysis. According to results, it was identi-
fied that the students valued the opportunity to plan, learn concepts and build knowledge in a
collaborative way, they felt active in the discipline, and the instrument of mediation fostered learning
to learn, making it possible to review the error and promote learning. The use of the glossary devel-
oped with Google Drive made it possible to deepen the concepts developed in the discipline. It was
concluded that the activities amplified the thought, the criticality and the sharing of the ideas, giving
rise to new ways of conceiving the technology.
Keywords: Collaborative practice; Conceptual training; Digital Technologies; Mediation.
Resumen
Este artículo informa sobre la experiencia desarrollada en una disciplina del curso de pedagogía que
se centra en la planificación de la enseñanza. El objetivo era comprender las percepciones de los
estudiantes sobre la mediación propuesta centrada en la participación colaborativa para aprender
conceptos. Partiendo de la noción de colaboración como un proceso de expansión del aprendizaje,
la propuesta analizó variables a partir de los objetivos, a fin de verificar cómo afectan el proceso de
enseñanza-aprendizaje: experiencias significativas en su proceso formativo; Aprendizaje conceptual y
el instrumento mediador. La metodología utilizada fue cualitativa, exploratoria y descriptiva, los
datos se recopilaron mediante un cuestionario y se analizaron mediante análisis de contenido. De
acuerdo con los resultados, se identificó que los estudiantes valoraron la oportunidad de planificar,
aprender conceptos y desarrollar conocimientos de manera colaborativa, se sintieron activos en la
disciplina y el instrumento de mediación fomentó el aprendizaje para aprender, lo que permitió
revisar el error y promover el aprendizaje. . El uso del glosario desarrollado con Google Drive per-
mitió profundizar en los conceptos trabajados en la disciplina. Se concluye que las actividades
ampliaron el pensamiento, la criticidad y el intercambio de ideas, surgiendo nuevas formas de con-
cebir la tecnología.
Palabras clave: Formación conceptual; Mediación; Práctica colaborativa; Tecnologías digitales.
Introdução
Este artigo apresenta resultados de pesquisa desenvolvida na disciplina Didática:
Organização do trabalho Pedagógico, do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual
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de Londrina, cujo objetivo geral foi compreender as percepções dos estudantes sobre a
proposta de mediação centrada na participação colaborativa para aprender conceitos.
A proposta configura-se a partir da necessidade de aprofundar conhecimentos
sobre os artefatos digitais como suporte ao aprendizado no ensino superior. O interesse
pela temática decorreu das reflexões resultantes de estudos e discussões empreendidas
no Grupo de Pesquisa: ‘Tecnologias Digitais, Didática e Aprendizagem’. A constitui-
ção do campo educacional, no que diz respeito à tecnologia, gera inquietações e mostra
a necessidade de organizar novas situações didáticas, que possam favorecer mecanismos
de colaboração e suscitar novas formas de produção do conhecimento.
Cumpre dizer que o planejamento quando elaborado em colaboração pode ser
rico em experiências e vivências dos alunos em formação, possibilitando a reestrutura-
ção do fazer docente. É necessário renovar metodologias, estruturando uma sequência
didática adequada, mediante um planejamento flexível, que garanta uma variedade de
instrumentos e técnicas avaliativas e o uso de recursos tecnológicos. Os professores em
formação são atores competentes que constroem sua prática a partir das suas experiên-
cias e saberes teóricos.
Para Cacheiro-González (2011, p. 413, tradução nossa)
A familiaridade com a [tecnologia] facilita o planejamento e a organização de tarefas com alunos,
professores e pesquisadores. Algumas das características dessas ferramentas são: facilidade de uso,
a flexibilidade que oferece para seu acesso através da Internet, a possibilidade de colaborar e criar
de forma simultânea recursos para a docência e apoio às tarefas investigativas.
É uma forma de proporcionar educação ao longo da vida, acesso a saberes pro-
duzidos em diferentes culturas e tornar professores e alunos autônomos neste processo.
Deve ainda, o planejamento possibilitar ao professor a renovação das concepções sobre
o ensino e a aprendizagem, em uma perspectiva crítica e reflexiva. A tecnologia possui
potencial para a construção colaborativa do conhecimento, por intermédio de um pro-
cesso de criação. Entretanto, alcançar sucesso de aprendizagem com a tecnologias
implica em um bom planejamento, construído em função da realidade da sala de aula
e do propósito de colocar o pensamento do aluno em movimento.
Conhecer as características dos nossos alunos favorece a construção de um pla-
nejamento que possa valorizar e inserir as novas tecnologias em sala de aula, levando o
aluno a construir conhecimentos pela interação com seus pares e a resolver situações
problematizadoras.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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A partir deste entendimento, este estudo buscou compreender as percepções dos
estudantes sobre a proposta de mediação centrada na participação colaborativa para
aprender conceitos.
Referencial Teórico
A tarefa do professor é “ultrapassar a reprodução para a produção do conheci-
mento [buscando] opções metodológicas que caracterizem uma ação docente
compatível com as exigências e necessidades do mundo moderno” (BEHRENS, 2010,
p. 62). É necessário que o professor reflita sobre sua prática e por meio da mediação
proporcione aos alunos situações colaborativas, conferindo significado aos conteúdos
abordados pela disciplina, momentos em que os alunos se tornam coautores, em um
espaço marcado por relações dialógicas e intercâmbio de conhecimentos, superando a
prática sedimentada na reprodução de conhecimentos.
É necessário respeitar as características dos alunos e adotar estratégias de ensino
diferenciadas, as quais permitam aulas mais dinâmicas, mobilizando os alunos a parti-
ciparem mais e a desenvolverem espírito colaborativo. O relacionamento entre
professor e aluno se transforma, muito frequentemente, com a inserção da tecnologia
na sala de aula, abrindo novos espaços, “a colaboração entre os pares possibilita cons-
truir novos conhecimentos, com aspectos revisados, agregando novas informações, que
permanecem armazenadas e disponíveis [...]” (TORRES; SIQUEIRA; MATOS, 2013,
p. 199). Essa mudança possibilita experiências significativas e novas possibilidades para
a construção do conhecimento.
Acredita-se que, no papel de mediador, o professor pode encontrar formas dife-
rentes de trabalhar a tecnologia em sala de aula e proporcionar ao aluno participação
ativa, o exercício da sua criatividade, e acima de tudo, a colaboração. É importante,
então, planejar ações pedagógicas colaborativas, levando professores e alunos a lidar
com desafios. Ao se referir à organização do trabalho pedagógico, Veiga (2008, p. 23)
esclarece que é imprescindível “[...] possibilitar um trabalho mais significativo e cola-
borativo, consequentemente, mais comprometido com a qualidade das atividades
previstas”.
É nosso papel, como educadores, proporcionar ações colaborativas que favore-
çam a construção do conhecimento e a aprendizagem de conceitos. Assim sendo, o
professor pode acompanhar avanços dos alunos, verificar lacunas que precisam ser
ainda exploradas, por meio de práticas dialógicas. A forma como produzimos conheci-
mento passa por processos de transformação, a qualidade passa ser o alvo dos sistemas
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Práticas colaborativas com o uso de artefatos: o Google Drive como estratégia para apropriação dos conceitos
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educativos, modificando formas de pensar e agir, a fim de adotar novas possibilidades
de trabalho, novas visões e novos recursos tecnológicos como instrumentos mediadores
e neste sentido as tecnologias digitais, podem ser grandes aliadas pelas múltiplas possi-
bilidades que oferecem.
De acordo com Bruno et al. (2012, p.4)
Na colaboração, cada participante assume a responsabilidade do trabalho como um todo, não há
fracionamento, os membros do grupo têm igualdade na responsabilidade pela confecção do tra-
balho proposto. A parceria é um elemento fundamental nesse processo, pois é por meio dela que
a partilha pode efetivamente ocorrer.
Neste contexto, as tecnologias digitais darão os subsídios necessários para que a
interação e a colaboração aconteçam pela mediação pedagógica do professor, criando
redes de aprendizagem.
Para tanto, o planejamento torna-se um aspecto importante e necessário, pois é
um processo contínuo de análise da realidade em suas condições concretas, de busca de
alternativas para a solução de problemas e de tomada de decisões. O caráter de processo
indica que o plano é um roteiro para a prática, antecipa mentalmente a prática, pre
os passos a serem seguidos, sendo sempre flexível, implicando permanente ação e refle-
xão dos docentes sobre a prática.
Cada disciplina compreende sua fundamentação teórica, que implica seu objeto
de investigação, sustentada pelo conhecimento científico, e pelos conteúdos conceitu-
ais, procedimentais e atitudinais, permitindo a compreensão da realidade. Torres
(2005) apresenta diversas competências cognitivas que podem ser desenvolvidas nos
graduandos: aprender a pensar, aprender a aprender, aprender a estudar, aprender a
ensinar, aprender a recuperar o conhecimento e aprender a aplicar o que foi aprendido.
No sociedade da informação, aprender a pensar é uma das metas dos currículos,
possibilita aos alunos o desenvolvimento de habilidades de pensamento complexo, pois
o importante não é dominar uma grande quantidade de informações, mas os mecanis-
mos para aplicação dos conteúdos, pois “Tomar decisões concretas, desenvolver o
espírito de indagação e raciocínio” (TORRES, 2005, p. 86). Com os dispositivos e as
interfaces on-line, o professor pode criar condições para que os alunos se apropriem do
conhecimento, assim:
É necessário construir um novo discurso didático que possa [...] possibilitar a reutilização total
ou parcial de abordagens pedagógicas com abrangências diferentes em relação à turma ou em
relação a um único aluno, agiliza o aluno o fazer e desfazer ações, reconstruindo seu sistema de
significação, promovendo metacognição sobre esquemas adquiridos, sem uma sequência muito
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rígida, de forma que o usuário possa interagir com alguma liberdade na condução da aprendiza-
gem conforme seu conhecimento e características cognitivas pessoais (MERCADO; SILVA;
GRACINDO, 2008, p. 113).
Para desenvolver a complexidade em sala de aula, é necessário ir além das com-
petências básicas, desenvolvendo competências, em nível superior de complexidade,
sendo uma delas a capacidade para resolver problemas. Neste sentido, “Não se trata
mais de aprender a replicar as soluções dadas pelos professores aos problemas, mas de
se preparar para novos desafios, problemas novos que exijam novos encaminhamentos
e imaginação para soluções criativas” (MASETTO, 2011, p. 599). Essa transformação
implica em ensino com pesquisa. Torres (2005) sugere a importância da metacognição
para o aluno se autoconhecer, manter o controle sobre o seu próprio conhecimento e
poder se autoavaliar. Outra competência apontada por Torres (2005, p. 92) diz respeito
ao aprender a aprender, como um processo que envolve:
Refletir sobre a própria aprendizagem, tomar consciências das estratégias e dos estilos cognitivos
individuais, reconstruir os itinerários seguidos, identificar as dificuldades encontradas, assim,
como os pontos de apoio que permitam avançar [consiste na] possibilidade de aprimorar a pró-
pria aprendizagem.
Aprender a estudar é uma das habilidades que pode ser aprimorada pelo aluno,
melhorando sua capacidade de concentração, autonomia e automotivação. Assim, é
desejável que o aluno realize anotações durante a aula, concentre-se em fatos, seja crí-
tico quanto às leituras realizadas, construindo argumentos por iniciativa própria
(TORRES, 2005).
Aprender a ensinar, para Torres (2005, p. 95), “é uma das melhores formas de
aprender”, pois envolve a organização e sistematização das próprias ideias. Aprender a
recuperar o conhecimento em momentos oportunos é tão fundamental quanto aplicar
o que foi aprendido, utilizando os saberes teóricos em situações práticas. Acredita-se
que ensinar envolve os saberes “pedagógicos sobre a gestão interativa em sala de aula,
os didáticos nas diferentes disciplinas e os saberes da cultura” (ALTET, 2001, p. 29).
Nesse momento, ocorre o confronto dialético da teoria com a prática que possibilita
analisar a própria prática.
Na visão de Zabala (2002) o ensinar e aprender é um processo complexo, salienta
a importância da articulação entre a teoria e a prática e a necessidade de buscar opções
metodológicas globalizadoras, dentro de uma visão holística e integradora, fortale-
cendo, desta forma, o conceito de educar para a vida, considerando o aluno como ser
global.
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Trabalhar com prática colaborativa, aliada a tecnologia pode contribuir para o
desenvolvimento do pensamento complexo, segundo o qual os conteúdos devem ser
ligados à experiência dos alunos, deslocando o foco do conteúdo para a maneira de
como se aprende.
Percurso Metodológico
Este artigo apresenta as contribuições e reflexões desenvolvidas na disciplina Di-
dática: organização do trabalho pedagógico, vinculada a um projeto envolvendo boas
práticas com o uso da tecnologia, nesse sentido, a pesquisa buscou associar planeja-
mento com tecnologias educacionais, centrada no princípio da colaboração entre os
alunos. Para a investigação optou-se pela realização de uma pesquisa qualitativa do tipo
exploratória e descritiva. Gil (1999, p.94) salienta que a pesquisa qualitativa tem a fun-
ção de “[...] auxiliar os pesquisadores a compreenderem pessoas e seus contextos sociais,
culturais e institucionais”, já a pesquisa descritiva tem como objetivo “[...] a descrição
das características de determinada população ou fenômeno ou, então, o estabeleci-
mento de relações entre as variáveis” (GIL, 1999, p.46).
O campo de coleta de dados foi a disciplina de Didática: organização do trabalho
pedagógico, em um curso de pedagogia, de uma universidade pública. Esta disciplina
tem como foco o planejamento de ensino e a busca por experiências diferenciadas de
formação para seus estudantes no tocante a ação docente. Para tanto, a prática aqui
analisada refere-se a uma intervenção voltada à prática colaborativa realizada no decor-
rer de um semestre letivo em que os estudantes foram convidados a participar
ativamente do processo de planejamento e execução das aulas e a construir um glossário
com os conceitos chave utilizando o editor do Google Drive como estratégia para apro-
priação dos conceitos, com ênfase no trabalho colaborativo.
A população do estudo foi composta por 22 graduandos do primeiro ano do
curso de pedagogia. Para melhor compreensão, retoma-se o objetivo do artigo, que tem
como finalidade compreender as percepções dos estudantes sobre a proposta de medi-
ação centrada na participação colaborativa para aprender conceitos. Partindo da noção
de colaboração como processo de ampliação da aprendizagem e mediação, realizou-se
a aplicação de um questionário on-line com 22 alunos, orientando-se pelo objetivo pro-
posto, considerou-se três grupos de variáveis para base da reflexão: Experiências
significativas em seu processo formativo; Aprendizagem conceitual e o Instrumento
Mediador e 3 indicadores de desempenho: 1) Identificar se a experiência vivenciada
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pelos alunos foi positiva em seu processo formativo; 2) Perceber se a experiência pro-
porcionou aprendizagem dos conceitos; 3) Perceber se o uso do Google drive
possibilitou aprendizagem e participação colaborativa.
O questionário era composto pelas variáveis que entende-se influenciar o pro-
cesso de ensino e aprendizagem. O estudo exploratório permitiu conhecer as variáveis,
seu significado e suas formas de apresentação no contexto onde as mesmas estão inse-
ridas. A partir desses indicadores, a pesquisa foi estruturada para verificar se estas
variáveis estavam de fato associadas ao melhor desempenho dos graduandos. O quadro
abaixo apresenta as variáveis investigadas, com seus respectivos indicadores e as per-
guntas propostas pelo instrumento de coleta de dados para cada variável.
Quadro I: Indicadores e Variáveis
Objetivos específi-
cos (indicador)
Variável Perguntas
Identificar se a expe-
riência vivenciada
pelos alunos foi po-
sitiva em seu
processo formativo
Experiências
significativas
em seu pro-
cesso
formativo
A experiência de participar no planejamento e execução
das aulas foi: 1. Muito negativo; 2. Parcialmente negativo;
3. Negativo; 4. Parcialmente positivo; 5. Positivo; 6. Muito
positivo - Justifique sua opção
De tudo que fizemos nesta disciplina, o que foi mais signi-
ficativo em seu processo formativo? Explique.
Você se sentiu participante e atuante nesta disciplina?
Explique.
Perceber se a expe-
riência proporcionou
aprendizagem dos
conceitos
Aprendizagem
conceitual
Em sua opinião, a experiência de trabalhar de forma parti-
cipativa e colaborativa (como foi proposto nesta
disciplina) foi: 1. Completamente sem significado; 2. Par-
cialmente sem significado; 3. Sem significado; 4.
Significativa; 5. Parcialmente significativa 6. Completa-
mente significativa - Explique sua opção
A sua aprendizagem dos conceitos e dos conteúdos ocor-
reu de forma individual ou colaborativa? Explique:
Perceber se o uso
do Google drive pos-
sibilitou
aprendizagem e par-
ticipação
colaborativa
Instrumento
mediador
A construção do glossário no Google drive (também reali-
zada de forma colaborativa, com colegas e com a
professora) possibilitou:
Aprender a aprender um pouco mais sobre os conceitos
Entender claramente os conceitos;
Complementar as ideias discutidas em sala;
Ultrapassar o senso comum;
A avançar nos conhecimentos;
Explique sua opção
Fonte: As Autoras.
Optou-se pela análise de conteúdo, buscou-se a partir das categorias elencadas,
analisar os dados, realizando a sistematização. A análise de conteúdo, segundo Bardin
compreende:
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[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando a obter, por procedimentos
sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou
não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção
(variáveis inferidas) destas mensagens (BARDIN, 2011, p. 47).
Devido ao fato da pesquisa ser na área da educação, inserida em uma determi-
nada instituição de ensino superior, o percurso metodológico foi planejado
detalhadamente, considerando a ética docente na organização da proposta de ensino e
o rigor científico.
Análise dos Resultados
Nesta seção apresenta-se os resultados obtidos com o desenvolvimento da pes-
quisa, na qual foram investigadas as variáveis: Experiências significativas em seu
processo formativo; Aprendizagem conceitual e o Instrumento Mediador, que serviram
como eixo deste estudo.
Como se vê, os caminhos do conhecimento podem apontar para novas formas
de ensinar, com perspectivas colaborativas entre seus pares, considerando-se que mo-
dificar implica analisar o “estar juntos” em experiências formadoras, atribuir novos
sentidos à prática, examinando e vencendo obstáculos, conferindo autonomia para or-
ganizar o cotidiano acadêmico com o suporte da tecnologia.
Em relação à variável, “Experiências significativas em seu processo formativo”;
quanto a experiência de participar no planejamento e na execução das aulas, verificou-
se que 50% consideraram que foi muito significativa a participação, 37% positiva e
13% parcialmente positiva. Ao explicarem suas opções, 64% valorizaram a oportuni-
dade de compreender o planejamento do ponto de vista teórico e prático, 18%
consideraram importante o papel do professor e a flexibilidade em relação ao trabalho
em sala, 14% valorizaram a metodologia colaborativa utilizada na condução da disci-
plina, e 0,4% apontaram outras respostas.
Os resultados servem como balizadores de novas iniciativas, articuladoras do tra-
balho coletivo, que possibilite formar uma teia de conhecimento, pois os graduandos
demonstram em seus enunciados a aproximação da teoria com a prática em seu pro-
cesso formativo. Partindo da docência no mundo tecnológico como eixo de análise, o
trabalho permitiu o acesso à informação, a troca de experiências, a democratização do
conhecimento, o desenvolvimento de metodologias de trabalho, de novas estratégias
pedagógicas, bem como a autonomia dos estudantes, aproximando os atores do pro-
cesso.
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Outra questão do instrumento, solicitava que descrevessem o que foi mais sig-
nificativo de tudo que realizaram na disciplina, os dados mostraram que o processo de
aprender a planejar a aula, foi o mais apontado (73%), e em segundo lugar a metodo-
logia (27%), valorizaram a oportunidade de elaborar um glossário hipertextual. Este
estudo revelou que ao planejarmos nossas ações cotidianas, estamos resgatando a inten-
cionalidade da ação, possibilitando a reflexão e a possível mobilização de ações.
Segundo Vasconcellos (2000, p. 79), “o planejamento é uma mediação teórico meto-
dológica para a ação, que, em função de tal mediação, passa a ser consciente e
intencional”. Assim, sendo um elemento tão importante no processo educativo, faz-se
necessário ressaltar a necessidade de vivenciar experiências de formação que permitam
ao futuro docente a desnaturalização das formas instituídas de ensinar.
Ao planejar, o professor sente-se mais seguro para exercer sua ação em um con-
texto marcado pela complexidade e que impõe desafios constantes. “[...] o docente terá
de repensar “para que” e “por que” está formando os estudantes” (BEHRENS, 2000,
p. 68, grifos do autor).
A organização do trabalho pedagógico contribui com o professor em sua media-
ção pedagógica e com a intenção de materializar na sala de aula uma proposta
pedagógica voltada para as características e necessidades dos alunos. Todo planeja-
mento quando realizado de forma participativa impulsiona o processo de tomada de
decisões, organiza ações, combatendo a fragmentação das práticas pedagógicas. Com-
preende o encontro de pessoas em diferentes momentos da sua trajetória profissional e
de vida, com diferentes saberes e leituras da realidade.
Outro destaque vai para as mediações que ocorrem ao oportunizar trabalho co-
laborativo em sala de aula, pois abre espaço para interações, negociações, confrontos
cognitivos e possibilidades para os próprios sujeitos atuarem como mediadores e guias
dos colegas na formação conceitual.
A busca pela compreensão do significado da prática colaborativa também enca-
minhou a necessidade de questionar os estudantes em relação à participação e atuação
na disciplina. Os dados indicam os seguintes resultados: 91% disseram que se sentiram
participantes, e apenas 9% não consideram participantes devido a rotina e pouco tempo
para dedicação. A maioria dos enunciados dos alunos que se consideravam participan-
tes, salientaram a colaboração nas aulas (54%). A dialogicidade e a colaboração, ou seja,
aprender juntos: professor e alunos torna o ensinar e o aprender momentos privilegia-
dos e a valorização dos saberes, conduzindo à autoformação, através de um processo de
aprender a aprender com autonomia. A valorização de suas vivências leva os alunos a
acreditarem em suas possibilidades, colocando-lhes desafios. Nesse sentido, é necessário
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compromisso com a participação, evidenciando [...] o respeito ao aluno, [...] o diálogo
[...] a disponibilidade em ajudar o aluno a superar as dificuldades e aprender para as-
sumir uma atitude de mediação pedagógica; que é capaz de ser parceiro na construção
de sua formação profissional” (MASETTO, 2011, p. 616).
No que diz respeito à “aprendizagem conceitual” pode-se verificar a opinião dos
alunos em relação a experiência de trabalhar de forma participativa e colaborativa, 73%
consideraram significativa e 27% completamente significativa. A análise dos protocolos
de respostas produzidos pelos acadêmicos, ao justificar esta questão, mostra a diversi-
dade de representações que contribuíram para a aprendizagem significativa, no sentido
de conectar novas informações a estrutura cognitiva dos estudantes de maneira não
arbitrária e mecânica, possibilitando novos significados, construídos de maneira cola-
borativa.
Questionou-se também se a aprendizagem dos conceitos e dos conteúdos ocorreu
de forma individual ou colaborativa, do total 91% afirmaram que todo o processo se
deu de forma colaborativa e 9% afirmaram que parcialmente. Quando solicitados que
justificassem ao seu posicionamento, obteve-se uma variedade de respostas, sendo que
a categoria interação e atividades colaborativas foi a mais apontada, com 41%, seguida
da categoria confronto teoria-prática com 32%. Do total 100% afirmaram que a dis-
ciplina favoreceu a construção de conhecimentos e não a mera reprodução. Segundo
Vygotsky, a aprendizagem ocorre por um processo de internalização de conceitos, que
consiste na “reconstrução interna de uma operação externa” (VYGOTSKY, 2007, p.
56). Entendemos a internalização como um processo coletivo de apropriação, pois as
pessoas atribuem significados ao nosso fazer, para posteriormente, incorporarmos gra-
dativamente esse processo construído socialmente.
Em relação às informações obtidas sobre o “instrumento mediador”, ao serem
questionados se a construção do glossário ocorreu de forma colaborativa, 86% afirma-
ram que sim e 14% parcialmente. Buscou-se verificar se a construção do glossário no
Google drive, realizada de forma colaborativa, possibilitou: ”Aprender a aprender um
pouco mais sobre os conceitos” recebeu 13,6% das respostas; “Entender claramente os
conceitos” foi a opção de 4,5% dos participantes; “Complementar as ideias discutidas
em sala” foi a preferida de 13,6% dos alunos; “Ultrapassar o senso comum” foi citado
igualmente por 13,6% do universo pesquisado, e finalmente “Avançar na construção
do conhecimento” ocorreu em 54,5% das respostas, sendo a preponderante. Ninguém
optou por dizer que “Não possibilitou nada”. É pertinente fazer alusão a Lévy (1996)
pois, quando analisa a colaboração e a construção do conhecimento escolar, salienta
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que as pessoas estabelecem conexões, formam uma verdadeira teia que propicia a cons-
trução do saber coletivo, estabelecem relações e potencializam a prática pedagógica.
A disciplina fez uso do Google Drive para o compartilhamento dos conteúdos,
evidenciando o seu potencial para o ensino, assim, o instrumento buscou levantar se a
construção do Glossário com o uso de Google Planilhas, possibilitou alguma aprendi-
zagem, além do estabelecido pela professora, 96% afirmaram que sim, enquanto 4%
disseram que não. Os alunos aprofundaram-se nos conceitos trabalhados, utilizando-
se de diversos hiperlinks, explorando vídeos, charges, músicas, entre outros. Valoriza-
ram o trabalho em grupo e relataram os ganhos em termos de aprendizagem e o uso do
glossário possibilitou a compreensão e aprofundamento dos conceitos trabalhados na
disciplina. O aplicativo
[...] permite a criação de textos multimodais, formatação de planilhas por meio de fórmulas in-
tegradas, tabelas dinâmicas e gráficos, bem como seu compartilhamento. Essa atividade objetiva
trabalhar prioritariamente a habilidade de compreensão escrita e o desenvolvimento de vocabu-
lário (RAMOS; RAMOS; ASEGA, 2017, p. 9)
Em relação a prova realizada na disciplina, 100% dos participantes consideram
que a mesma os ajudou a aprender mais, pois houve a oportunidade de rever o erro e
contribuiu para a promoção da aprendizagem.
Nessa visão, o esforço conjunto de alunos na resolução de tarefas propostas pelo professor, a troca
de conhecimentos e de experiências realça a aprendizagem e pode levar a um conhecimento mais
duradouro do que aquele obtido por meio da aula tradicional, que pode ser facilmente esquecido
depois da tradicional avaliação escrita (TORRES; IRALA, 2014, p. 90).
Adotando-se práticas inovadoras, acreditamos que, além de um conhecimento
duradouro, professores e alunos sentem-se mais motivados, a aula conservadora cede
lugar à inovação, à renovação das nossas práticas e à busca por novos instrumentos e
técnicas para coletar dados sobre a aprendizagem dos alunos. Nessa perspectiva, o aluno
é sujeito ativo, gestor da sua aprendizagem, o professor provocador e orientador, que
leva o aluno a refletir sobre os conceitos, a fim de que reestruturem seu pensamento
através de aproximações sucessivas, conduzindo o aluno a autonomia.
Sobre a realização das atividades e tarefas referentes ao planejamento e execução
das aulas, 59% afirmaram ter participado, colaborado em tudo que estava sob a sua
responsabilidade, enquanto 18% participaram, colaboraram pouco, mas cumpriram o
que ficou sob sua responsabilidade, 14% o fizeram de maneira parcial, 4% participaram
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e colaboraram pouco e não assumiram responsabilidades, para 4% muitas coisas fica-
ram vagas, mas o que ficou sob sua responsabilidade conseguiram fazer. Quando o
professor oferece a oportunidade de circular diversos saberes entre as pessoas, tornando
a sala de aula espaço de construção crítica do conhecimento, ao mesmo tempo em que
pode elevar a autoestima, uma vez que confere maior autonomia e responsabilidade aos
alunos. Isso porque a aprendizagem colaborativa centra-se no grupo, mas também tra-
balha o aluno individualmente.
Pelos resultados obtidos, pode-se observar através do uso do glossário, que o tra-
balho em colaboração proporcionou a construção de um corpo de conhecimentos, que
possibilitou ir além do trabalho desenvolvido em sala, propiciando a parceria no pro-
cesso de produção do conhecimento, a vivência de experiências comuns e a criação de
significados.
Diante dessa análise temos, por um lado, que considerar o apoio a Aprendiza-
gem Colaborativa proporcionado pelos artefatos digitais, foi determinante para
alcançar os resultados produtivos, planejamento direcionado para as necessidades do
grupo, ou seja, domínio da tecnologia e oportunidades de trabalho colaborativo que
motivaram os participantes o uso de metodologias interativas.
Considerando relevantes as questões discutidas, foi necessário verificar as contri-
buições da disciplina enquanto proposta de prática colaborativa, sabe-se que a
competência pedagógica para o uso da tecnologia em sala de aula envolve mobilizar
situações didáticas que possibilitem a construção do conhecimento.
Considerações Finais
É de suma importância salientar que em seus dizeres, os participantes demons-
traram que compreenderam a importância da colaboração, as práticas desenvolvidas na
disciplina, enriquecidas pelo desejo do grupo de buscar novos conhecimentos, de com-
partilhar, de colaborar, aliado à mediação da comunicação, possibilitou a comprovação
de que os estudantes sobre a proposta de mediação centrada na participação colabora-
tiva ampliaram seus conceitos.
Por fim, é interessante concluir o fato de incluir atividades colaborativas dos alu-
nos na condução da disciplina de planejamento, possibilitou a ampliação do
pensamento, o desenvolvimento da criticidade e o compartilhamento das ideias, fez
surgir novas formas de conceber a tecnologia, essa colaboração por meio de um trabalho
coletivo estimulou a reflexão e a vivência de novas experiências de aprendizagem.
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Analisando o resultado desta experiência com a disciplina Didática: Organização
do trabalho pedagógico, identifica-se que a proposta contribuiu para o enriquecimento
do processo de aprendizagem por meio da colaboração. Sugere-se a necessidade de pro-
porcionar práticas pedagógicas que oportunizem aprendizagem colaborativas por meio
de artefatos digitais no contexto do curso de Pedagogia. Além disso, pudemos consta-
tar que a configuração do novo propiciou a redescoberta de formas de construir
conhecimento, tendo a tecnologia como ponto-chave para integrar novas possibilida-
des, certamente a formação dos professores é o caminho para a construção de um novo
saber-fazer, para a mudança paradigmática.
Como um espaço aberto à inovação, deve-se proporcionar aos alunos em forma-
ção momentos de troca de informações, de saberes e oportunizar a promoção de
mudanças e transformações. Todo projeto parte de uma intenção e segue etapas clara-
mente definidas, que levam à concepção de seus propósitos. Assim, estamos
vivenciando um espaço democrático, que fomenta o respeito entre as pessoas e a auto-
crítica.
A prática didática que enfatizou a colaboração mobilizou o pensamento em rela-
ção ao desencadeamento de ações. É necessário que se criem, por um lado,
oportunidades para que atuem de forma autônoma e, por outro, que possam lançar um
novo olhar sobre a construção dos conhecimentos e das relações que estabelecem, a fim
de integrá-lo ao processo de aprender a aprender.
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Este artigo está licenciado com a licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
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Ensino de leitura em prol do desenvolvimento humano: o
lugar da BNCC
Reading teaching for human development: the place of BNCC
Enseñanza de la lectura a favor de desarrollo humano: el lugar de la
BNCC
Carina Andrade de Freitas
*
Angela Cristina di Palma Back
**
Resumo
O presente artigo apresenta resultados de pesquisa documental, em que se priorizaram reunir, anali-
sar e discutir conteúdos relacionados ao ensino de leitura nas séries iniciais e finais no documento da
BNCC Base Nacional Comum Curricular, homologado em dezembro de 2018. Defende-se, neste
trabalho, que o estudo sobre e da leitura seja uma atividade de construção do sentido, que, de acordo
com Kleiman (2009), pressupõe um leitor que seja um sujeito ativo, deixando de ser apenas um mero
receptor de informações para passar a ser um recriador de significado, tendo como consequência o
conhecimento. A metodologia caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa, assentada na perspectiva
interativa da leitura, no processo de ensino/aprendizagem de língua portuguesa por meio de desen-
volvimento de competências mencionadas na BNCC. A pesquisa investigou o conceito de leitura a
fim de perceber se o desenvolvimento da competência leitora, posto no documento, contribuirá para
o ensino, com vistas a emancipar o leitor, perfazendo, assim, o pensamento crítico, reflexivo tor-
nando-o um leitor proficiente. Assim, mapearam-se, no documento, a percepção de competência
leitora e as habilidades em leitura que se apresentavam. Nesse caso, toda vez que aparecem pistas
explícitas associadas à noção de competência leitora, bem como habilidades de leitura postas na
BNCC, realizaram-se as análises. Como resultado, estabeleceu-se um conceito de competência que
promove o conhecimento na perspectiva de desenvolvimento humano frente ao aprendizado. Com
isso, durante a análise do documento, percebeu-se que leitura se enquadra no campo da prática social,
trazendo modestamente discussões acerca das especificidades da leitura, esta envolvendo a dimensão
cognitiva do desenvolvimento, que precisam ser sistematicamente ensinadas, sobressaindo no docu-
mento conceitos polissêmicos de competência.
Palavras-chave: Leitura; Ensino; Competência; Habilidade; BNCC.
Recebido em: 13.04.2020 Aprovado em: 10.10.2022
https://doi.org/10.5335/rep.v29i2.10852
ISSN on-line: 2238-0302
*
Mestra em Educação na linha de Pesquisa Educação, Linguagem e Memória, PPG em Educação/UNESC. Orcid:
https://orcid.org/0000-0001-7621-2702. E-mail: carinaandrade.freitas@gmail.com.
**
Doutora em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora do Mestrado em Educação
(PPGE) e do Curso de Letras da UNESC. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4060-340X. E-mail: acb@unesc.net.
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Abstract
This article presents results of documental research, which prioritizes to collect, to analyze and to
discuss related content related to reading teaching in the Middle School in the BNCC - Common
National Curriculum Base, approved in December 2018. The study of reading is defended as an
activity of construction of meaning, which, according to Kleiman (2009), presupposes a reader who
is an active subject who ceases to be only the receiver of knowledge and becomes a (re) creator of
meaning, resulting in knowledge. The characteristic of the methodology is as a qualitative research
on the Interactive Perspective of Reading in the teaching/learning process of the Portuguese language
through the development of competences mentioned in the documental. The research investigated
the concept of reading to understand if the development of reading competence, put in the docu-
ment will contribute to teaching, with the purpose of emancipating the reader; thus finding critical,
reflective thinking critical, reflective thinking developing a proficient reader. Thus, we mapped in
the document, the perception of reading competence and the reading skills that the document pre-
sented. In this case, whenever explicit clues appear associated with the notion of reading competence
as well as reading skills placed in the BNCC, the analyzes were performed. We established as a result
the concept of competence that promotes knowledge in the perspective of human development based
on learning. With that during the analysis of the document it was noticed that reading falls within
the field of social practice modestly bringing discussions about the specifics of reading, this involves
the cognitive dimension of development, that need to be systematically taught, standing out in the
document polysemic concepts of competence.
Keywords: Reading; Teaching; Competence; Ability; BNCC.
Resumen
El presente trabajo presenta resultados de una investigación documental en la que se buscó recopilar,
analizar y discutir contenidos relacionados con la enseñanza de la lectura en los grados inicial y final
en el documento BNCC - Base Curricular Común Nacional, aprobado en diciembre de 2018. Se
argumenta, en este trabajo, que el estudio de y de la lectura es una actividad de construcción de
sentido, lo que, según Kleiman (2009), presupone un lector que es un sujeto activo, ya no un mero
receptor de información. convertirse en un recreador de sentido, resultando en conocimiento. La
metodología se caracteriza como una investigación cualitativa sobre la Perspectiva Interactiva de la
Lectura en el proceso de enseñanza/aprendizaje de la lengua portuguesa a través del desarrollo de las
competencias mencionadas en el documento. La investigación investigó el concepto de lectura con
el fin de comprender si el desarrollo de la competencia lectora, puesta en el documento, contribuirá
a la enseñanza, con miras a emancipar al lector, formando así un pensamiento crítico y reflexivo,
convirtiéndolo en un lector competente. Así, en el documento se mapeó la percepción de la compe-
tencia lectora y las habilidades lectoras que se presentaron. En este caso, siempre que aparecen
indicios explícitos asociados a la noción de competencia lectora así como habilidades lectoras ubica-
das en la BNCC, se procedió a realizar los análisis. Como resultado, se estableció un concepto de
competencia que promueve el conocimiento desde la perspectiva del desarrollo humano basado en
el aprendizaje. Así, durante el análisis del documento, se percibió que la lectura se inserta en el campo
de la práctica social, trayendo modestamente discusiones sobre las especificidades de la lectura, esta
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involucrando la dimensión cognitiva del desarrollo, que necesita ser enseñada sistemáticamente, des-
tacando conceptos polisémicos. en el documento de competencia..
Palabras clave: Lectura; Enseñanza; Competencia; Habilidades; BNCC.
Introdução
Escrever sobre leitura requer cuidados sobre o que se pretende defender acerca
do ato de ler. Nesse caminho complexo, há diversas teorias que explicam a leitura e é
nesse contexto, por vezes controverso, que se inseriu a pesquisa. Todavia, o que se pre-
tende com este trabalho de socialização da pesquisa é fazer uma discussão, a fim de
refletir de que forma o documento da Base Nacional Comum Curricular (doravante
BNCC) compreende as diretrizes da educação nacional e as atesta com o propósito de
contribuir para a formação do leitor. Associada à complexidade da leitura, há alguns
desafios no ensino da leitura: o de ler propriamente dito; porque é a partir do que se
deriva do ato de ler que podemos formar cidadãos autônomos, capazes de refletir e
dialogar, de resolver situações cotidianas, superando-as, e, para além disso, é por meio
da leitura que se constitui um dos principais caminhos que levarão à apropriação de
conhecimentos novos.
Para esta pesquisa, defendeu-se o estudo sobre a leitura como uma atividade de
construção do sentido, que, de acordo com Kleiman (2009), proporciona que o leitor
seja um sujeito ativo, colocando-se em uma posição de recriador de significado, cujo
processo cognitivo de construção de sentido para um texto faz com que o leitor utilize
diversas estratégias cognitivas, baseadas em conhecimentos prévios e em interações das
mais diversas, daí a concepção interativa de leitura.
A escolha por investigar o ensino de leitura junto à BNCC deveu-se à necessidade
de se entender essas concepções do documento, dada a sua natureza de recentidade
normativa, tendo por objetivo estabelecer o conteúdo mínimo que deve ser lecionado
em cada etapa do ensino. A análise teve o foco na Educação Básica, mais especifica-
mente no Ensino Fundamental, anos iniciais e anos finais.
Junto ao documento, observam-se os fundamentos pedagógicos pautados no de-
senvolvimento de competências. Nele, há uma seção específica enfocando o
desenvolvimento de competências e habilidades, em que será mobilizado o conceito de
competência, sobretudo no que se refere à competência leitora, e se a competência aí
compreendida, se desenvolve ou se ensina.
Percebe-se, na análise do documento, que as competências devem ser desenvol-
vidas ao longo de toda a Educação Básica, mais especificamente em cada etapa da
escolaridade, levando em consideração os direitos de aprendizagem e desenvolvimento
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de todos os estudantes. Diante das análises feitas, o conceito de competência, em que
o documento se apoia, aponta para uma concepção de capacidade, e equivale à expec-
tativa de aprendizagem e ao que os alunos devem aprender. Em linhas gerais, o conceito
de competência adotado pela BNCC parece ser aquele que indica o que os alunos de-
vem saber fazer ao término do ano letivo. Nesse sentido, consideram-se os
conhecimentos, as habilidades e as atitudes em detrimento do saber (conhecimento),
com vistas a colocar em evidência o saber fazer (resolução de problemas). A competên-
cia é, nesse caso, definida no documento como a “mobilização desses conhecimentos,
habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do
pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (BRASIL, 2018, p. 13).
À medida que se aprofundam os estudos na BNCC, fica evidente a competência
leitora que se ensina e este ensino não polariza com o desenvolvimento. Isso se certifica
a partir do esboço junto às seções em que se trata de competência e habilidade na
BNCC. Depreende-se daí que as habilidades têm sua centralidade no ensino para o
desenvolvimento da competência. Ensinam-se habilidades para que a competência se
desenvolva.
Logo, competência desenvolve-se e ensina-se por meio das habilidades. A partir
dessa premissa, portanto, o ensino de leitura envolve um processo constante de produ-
ção e verificação de inferências, entre as quais estão as diferentes estratégias que levam
à construção da compreensão; e, ao compreender, o leitor autônomo é capaz de posi-
cionar-se no diálogo com o outro. Nesse sentido, ler nem sempre será prazeroso e não
é um processo fácil, uma vez que envolve várias ações cognitivas.
Por ser uma atividade complexa, a leitura precisa ser ensinada, assim como são
ensinadas outras atividades de conteúdo no cotidiano da escola, por meio das práticas
pedagógicas. A leitura constitui-se como base para muitas aprendizagens escolares e,
subsequentemente tornando-se um elemento essencial para o sucesso no mundo aca-
dêmico, profissional e social (MORAIS, 1997; FONSECA, 1999). Se a formação
leitora de nossos alunos for frágil, repercutirá as dificuldades para o ensino subsequente.
Desta forma, o insucesso na leitura ocasiona, muitas vezes, o insucesso escolar; logo,
poderá acarretar consequências marcantes em nível da autoestima, do desenvolvimento
social e das oportunidades para ascender a níveis superiores de ensino ou emprego
(CRUZ, 2004). Isso posto, o leitor precisa ser protagonista no processo de leitura, para
que, no processo, desenvolva ações cognitivas apropriadas em um dado momento à
ação de ler, que vai para além da decodificação de palavras, a fim de construir signifi-
cado na leitura. Esse significado é a junção do que se sabe com o que se aprende de
novo (SOLÉ, 1998; KATO, 2007; KLEIMAN, 2001a).
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Neste sentido, a ação do professor precisa fazer com que o aluno seja agente na
construção do seu conhecimento. Depreende-se daí que as práticas pedagógicas do pro-
fessor necessitam promovê-las, não tendo espaço para comportamentos repetitivos e
mecanizados, ou seja, ações com reflexões, como o pensar sobre, para que ocorra a
apropriação do conhecimento. Nesse contexto, trabalhar a leitura em sala de aula tor-
nou-se um grande desafio aos professores, haja vista que a leitura que circula, quando
efetivamente se lê, nem sempre é a que forma leitores críticos. Assim, as práticas peda-
gógicas acerca da leitura podem ocasionar uma atitude reducionista frente à leitura,
limitando-se à codificação, ou ficando apenas na superfície textual.
Importa, portanto, ponderar como se dá o ensino da leitura na fase inicial (está-
gio de alfabetização). É nesse período que a criança começa a se interessar pelas palavras
e esse primeiro contato a levará à leitura. Segundo Dehaene (2012, p. 16), aprendiza-
gem da leitura não se efetua suavemente, seja qual for a língua, encontram dificuldades
no momento de aprender a ler. Daí que ensinar a ler se torna ainda mais relevante, pois
se constitui de um processo que requer cuidados por parte do professor, envolvendo
fatores, entre outros, de natureza cognitiva tais como: visão, memória, percepção, aten-
ção, dentre outras.
Vale ressaltar o lugar teórico de leitura neste trabalho: aquela que envolve o có-
digo. Segundo Brito (2012), nem tudo pode ser considerado leitura, haja vista que
leitura é um processo complexo que envolve uma série de conexões acerca do reconhe-
cimento da palavra e seu significado. Em face disso, defende-se que a leitura se ensina
por meio do desenvolvimento de habilidades, que irão contribuir para o desenvolvi-
mento da competência leitora e, logo, para um leitor proficiente que seja autônomo e
que se aproprie do conhecimento.
Diante do exposto neste intróito, o trabalho emerge de uma pesquisa qualitativa,
reunindo, analisando e discutindo informações, e por que não conhecimentos, publi-
cados no documento: BNCC, homologada em dezembro de 2018. No documento,
mapeou-se o conceito de leitura a fim de verificar de que forma seu ensino poderá ser
ministrado, por meio do desenvolvimento das habilidades, nas aulas de Língua Portu-
guesa na Educação Básica, no Ensino Fundamental anos iniciais e finais, em prol do
desenvolvimento humano. Para tanto, foram feitos recortes do documento, acerca de
competência leitora e as habilidades em leitura. Nesse caso, toda vez em que apareceram
pistas explícitas associadas à noção de competência leitora, bem como de habilidades
em leitura postas na BNCC, realizaram-se as análises.
Esta introdução, portanto, pretendeu colocar as bases do trabalho em tela, a se-
guir têm-se as seguintes seções: i) leitura: da concepção ao ensino; ii) competência na
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BNCC: conceito, sentidos construídos e implicações para uma prática da leitura; iii) a
proposta metodológica, e iv) as considerações finais.
2 Leitura: da concepção ao ensino
2.1 Da concepção
A abordagem interativa procura desvendar os processos cognitivos subjacentes à
capacidade de ler, em que a leitura se constitui como um processo de representação, o
qual envolve, entre outras características, o sentido da visão; assim, conforme Leffa
(1996, p. 10), ler é olhar para uma coisa e ver outra.
Ainda, segundo o autor, “a leitura não se dá pelo acesso direto à realidade, mas
por intermediação de outros elementos da realidade”. Nesse sentido, as ações envolvi-
das no processo encontram-se em, pelo menos, dois modelos de leitura controversos:
“ler para ‘extrair’ significado do texto, bem como ler a fim de ‘atribuir’ significado ao
texto” (LEFFA, 1996, p. 11). Contrapondo os dois conceitos ‘extrair’ e ‘atribuir’, têm-
se compreensões distintas para a leitura: junto a ‘extrair’, a ênfase está no texto, e a
‘atribuir’, a ênfase estará no leitor.
Na perspectiva de extração de informação do texto, também conhecida como
leitura ascendente (‘bottom-up’), o processamento privilegia as palavras e as expressões
do texto, que, conforme Souza e Garcia (2012), é baseado em uma concepção estrutu-
ralista da linguagem. Já, na perspectiva de atribuição de significado, modelo
descendente de leitura ('top-down'), o processo ocorre por hipóteses, considerando o
conhecimento prévio do leitor, centrado na psicolinguística (SOUZA; GARCIA,
2012).
Parece-nos que ambas as compreensões, de extração e de atribuição de sentidos,
possuem elementos que podem contribuir à formação leitora; posto isso, a presente
pesquisa apoia-se na perspectiva de leitura defendida por Leffa (1996, p.17) em que a
leitura é entendida como um processo de interação entre o leitor e o texto, envolvendo
simultaneamente, mas não só, extração e atribuição de sentidos, resultando na intera-
ção. Logo a interação “não permite que se fixe em apenas um dos seus polos, com
exclusão do outro”. Desse modo, a leitura significativa acontece quando há a interação
dos processos ascendentes e descendentes, os quais se dão simultaneamente ou alterna-
damente. Assim, considera-se que os processamentos centrados no texto (ascendentes)
e os centrados no leitor (descendentes) devem interagir quando se lê: tendo em vista
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que ambos são necessários por um lado para a construção dos conhecimentos envolvi-
dos e, por outro, à formação do leitor autônomo que passa a se apropriar dos processos
cognitivos avançando para compreendê-lo em nível da consciência.
Para Leffa (1996), nesse processo complexo há o envolvimento das características
do texto, assim como há de se considerar as características do leitor. O encontro entre
leitor e texto, segundo o autor, deve levar em consideração, no mínimo, três aspectos
essenciais: o texto, o leitor e as circunstâncias em que se dá o encontro.
Tendo em tela a perspectiva cognitiva que aqui se delineou, a leitura não pode
ser reduzida a um processo funcional, mecanizado no sentido de resolver questões ime-
diatas (como encontrar nome do autor, data de uma obra, sujeito sintático entre tantos
outros exercícios). De acordo com Kleiman (2001b), não pode haver uma única leitura:
correta, autorizada; de modo que o envolvimento cognitivo é gradualmente controlado,
ou seja, é aquele em que o leitor, durante o processo, vai mobilizando um conjunto de
saberes que o levará a um resultado proveitoso e, sobretudo, significativo.
Segundo Kleiman (2001a), o processo de leitura aciona ações cognitivas como:
‘percepção, atenção e memória’. São essas ações que propiciam soluções para proble-
mas, uma vez que trazem à mente uma gama de informações, as quais temos de
selecionar as necessárias e descartar as que não servirão, naquele momento, para a reso-
lução de nosso problema. Nessa perspectiva, ao aplicar algum conhecimento a uma
situação nova, o engajamento de muitos fatores é essencial se queremos construir sen-
tido a partir do que se lê. Por isso, a leitura, além de processo, precisa ser entendida no
âmbito do resultado de sentido. Para Kleiman (2001a, p. 10),
Leitura é um ato social, entre dois sujeitos leitor e autor que interagem entre si, obedecendo
a objetivos e necessidades socialmente determinados. Essa dimensão interacional, que para nós
é a mais importante do ato de ler, é explicitada toda vez que a base textual sobre a qual o leitor
se apoia precisa ser elaborada, pois essa base textual é entendida como a materialização de signi-
ficados e intenção de um dos interagentes à distância via texto escrito.
Ainda segundo Kleiman (2009), ao considerarmos a leitura como uma ação de
interação, teremos uma distância entre leitor e autor por meio do texto. “A ação do
leitor já foi caracterizada: o leitor constrói, e não apenas recebe, um significado global
para o texto; ele procura pistas formais, antecipa essas pistas, formula e reformula hi-
póteses, aceita ou rejeita conclusões” (KLEIMAN, 2009, p. 65).
Para Kleiman (2009), a leitura deve ser entendida como um processo em que se
conceba o texto como inacabado, de forma que o leitor leia preenchendo as lacunas
com o seu conhecimento prévio ou mesmo com o seu conhecimento compartilhado de
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mundo ou, ainda, por intermédio da mediação de ‘outrem’, para que se possa, a partir
do conhecimento que emerge, interagir com a informação presente no texto a fim de
chegar a uma compreensão.
Uma leitura significativa demanda compreensão, esta, por sua vez, está atrelada
ao conhecimento prévio do leitor. Há vários níveis de conhecimento que são acionados
durante a leitura; portanto, o entendimento que se tem em uma leitura se dá em um
processo interativo. Segundo Kleiman (2001a), o conhecimento linguístico é um deles,
que vai desde o vocabulário, regras da língua até seu uso. Nesse processo interativo, a
memória torna-se um componente fundamental, haja vista que a memória e a apren-
dizagem caminham juntas, há uma forte inter-relação nesse processo que é fundamental
para o processamento de informações.
Segundo Souza e Garcia (2012), junto à memória está o armazenamento, de
onde se é possível a evocação de informação adquirida a partir de experiências; a aqui-
sição de memórias denomina-se aprendizado. Em face disso, memória e aprendizagem
estão na base da construção do conhecimento: a primeira responsável pela aquisição de
novos conhecimentos, e a segunda, pela retenção dos conhecimentos aprendidos
(PIPER, 2015).
Se a memória é responsável pelo processo de aquisição de novos conhecimentos,
logo as lembranças e os esquecimentos fazem parte desse processo. Para Souza e Garcia
(2012, p. 27), “a memória pode ser compreendida como processos de lembranças e
esquecimentos, que envolvem recepção, percepção, codificação, armazenamento, con-
solidação, acesso e a recuperação de informações”.
Assim, ao evocar a memória, podemos recuperar os registros já aprendidos e de-
vidamente armazenados. No acervo de nossas memórias, estão nossas experiências,
individuais e coletivas, que fazem parte de nossa existência e que nos constitui como
“seres únicos e irreplicáveis” (SOUZA; GARCIA, 2012, p. 28).
A memória individual é fundamental para a atividade de leitura, uma vez que
exige a exploração e o exercício constante. De acordo com Souza e Garcia (2012) a
leitura é uma atividade nervosa que exige muito, em tão pouco tempo, do cérebro, em
particular da memória. O funcionamento da memória é feito por meio de células ner-
vosas; segundo o autor, essas células, os neurônios, são evocadas pelas redes de
armazenamento ou por outras redes dependendo do que estimula a ativação. É impor-
tante levar em consideração que as questões emocionais e a consciência são fatores que
as regulam. Por isso, é comum quando estamos dispostos, envolvidos e/ou em alerta,
aprender ou recuperar algo com mais facilidade; já se estivermos preocupados, cansados
e desmotivados a dificuldade em aprender aumenta (SOUZA; GARCIA, 2012).
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Dessa forma, refletir sobre a complexidade dos processos envolvidos na leitura
requer compreender os aspectos que estão correlacionados; é importante destacar que
o leitor está engajado antecipando o material até a formulação de uma imagem. Diante
disso, pode-se dizer que a leitura é considerada um processo interativo, no sentido de
que os diversos conhecimentos do leitor interagem a todo o momento em busca da
compreensão (KLEIMAN, 2001a).
Por fim, compreender um texto lido requer relacionar fatores relevantes do
mundo que nos cerca, todavia mensurar se a compreensão obteve êxito é algo complexo
para o professor. “A ênfase não está no processo da compreensão, na construção de
significados, mas no produto dessa compreensão” (LEFFA, 1996, p.13). A esse pro-
duto espera-se um conhecimento novo que leve o leitor a uma reflexão crítica, bem
como à leitura proficiente para que se tenha sucesso nas diversas áreas do saber.
Na próxima seção, será abordado o ensino de leitura, sobretudo como as práticas
em leitura podem contribuir para o desenvolvimento da competência leitora.
2.2 Do ensino
Ler permite conhecer e perceber as forças e as relações existentes no mundo da
natureza e no mundo dos homens, pensando, é claro, em uma sociedade em que o
código linguístico se apresenta nas mais variadas situações da produção humana, com
profundo enraizamento cultural. Segundo Silva (1985, p. 22) “o processo de leitura
apresenta-se como uma atividade que possibilita a participação do homem na vida em
sociedade, em termos de compreensão do presente e passado e em termos de possibili-
dades de transformação cultural”. Nessas sociedades, portanto, a prática da leitura se
faz presente na vida das pessoas desde o momento em que passam a compreender o
mundo a sua volta, o que, por vezes, mascara a complexidade aí envolvida, naturali-
zando o processo.
Assim, conforme Silva (2011), é papel do professor refletir, coletivamente, sobre
a bagagem cultural, cruzando novos horizontes e acionando o mecanismo de aprendi-
zagem, a fim de integrar interdisciplinaridade e planejamento com harmonia e
coerência. Para tanto, Silva (1985, p. 62) afirma que o ato de ler deve ser visto como
“um instrumento de conscientização e libertação, necessário à emancipação do homem
na busca incessante de sua plenitude”.
Essa busca incessante pela plenitude/emancipação pode estar no ato de ler. Para
Britto (2012), se considerarmos o âmbito do alfabetismo básico, ensinamos a ler para
que o indivíduo desenvolva o domínio do código escrito, a fim de realizar as tarefas
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cotidianas. Já, na dimensão do envolvimento do indivíduo com a cultura, ensinar a ler
“promoverá a formação de pessoas, por meio da experiência e da vivência intensa, me-
tódica e consistente com o conhecimento em suas diversas formas de expressão”
(BRITTO, 2012, p. 43). Ao lado de todo esse aspecto de emancipação que toma o ato
de ler, ensinar a leitura contribui para a construção de conhecimento relativos ao
mundo e a si mesmo. Conforme já posto na seção anterior, para Kleiman (2009), a
leitura é um processo interativo no sentido de que os diversos conhecimentos do leitor
interagem com o que vem da página para chegar à compreensão. É preciso, portanto,
que junto ao ensino se traga para o nível da consciência todas essas dimensões para
promovê-lo de modo a ser superador. Assim, a leitura deve ser vista como um conjunto
de comportamentos que se regem por processos cognitivos armazenados na memória
do indivíduo, os quais são acionados durante o contexto da atividade leitora.
O ensino de leitura, enquanto ligada ao código, tem como base o reconheci-
mento de que os símbolos (letras/grafemas) representam unidades, que, por sua vez,
formam palavras no sistema de escrita. Logo, essa representação de símbolos é um pro-
cesso complexo que envolve vários aspectos cognitivos. É percorrendo diferentes etapas
ou fases da leitura que se chega a ser leitores hábeis, capazes de usufruir da leitura como
prática.
De acordo com Kleiman (2009, p.151), “ensinar a ler é criar uma atitude de
expectativa prévia com relação ao conteúdo referencial do texto”. Em face disso, torna-
se imprescindível que se ensine como lidar com essas expectativas na busca pela com-
preensão do texto. É nesse momento que as estratégias de leitura podem contribuir
para uma leitura significativa. Isso significa que o aprendiz precisa avaliar constante-
mente seu processo de leitura, a fim de atender suas expectativas, e entender que pode
se perder nesse caminho do entendimento. Em outras palavras, utiliza-se um conjunto
de estratégias para criar uma atitude que faz da leitura a busca pela coerência em prol
de um novo conhecimento.
Diante do exposto, o professor exerce um papel de grande importância ao pro-
piciar não somente a aprendizagem em leitura, mas também ao propor modelos e
procedimentos que coloquem o aluno em atividade de leitura e, por sua vez, proporci-
onem a compreensão em leitura. O processo de ensinar seria uma forma de possibilitar
ao estudante desenvolver estruturas conceituais e procedimentais que implementem
seu desempenho. Logo, o papel do professor é ensinar o aluno a ler, a desvendar, a
desvendar o implícito, a fazer questionamentos sobre o texto, a interagir com o autor.
Desse modo, as estratégias de leitura fazem com que o aluno seja agente do seu processo
de leitura (KLEIMAN, 2009).
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3 Competência na BNCC: conceito, sentidos construídos e im-
plicações para uma prática da leitura
A premissa de que temos tratado de leitura como uma competência a ser ensi-
nada, faz-se necessário ponderar sobre o que estamos chamando de ‘competência’ e
como a temos interpretado junto à BNCC. Para tanto, voltamos no tempo e chegamos
à noção de competência, introduzida, na linguística, por Chomsky, em suas obras por
volta de 1965, a qual é entendida como uma capacidade de compreender inúmeras
sentenças bem como identificar aquelas que são desviantes (agramatical) e conseguir
atribuir uma interpretação sobre elas (CIZESCKI, 2013, p.47). Chomsky (1978) teo-
riza que todo indivíduo é competente para falar, justamente por partir de uma
concepção inatista, afirmando, portanto, que o que diferencia esses indivíduos são: o
desempenho e as questões biológicas envolvidas.
A partir da concepção de competência estabelecida por Chomsky, outras noções
foram estabelecidas e incorporadas ao conceito de competência. O que chama atenção
é o fato de que nos anos 70 a palavra competência aparece, demasiadamente, nos dis-
cursos da educação profissional, conscientemente, fora o período também em que
Chomsky abordara a competência linguística (ROPÉ, 1997).
A reflexão que se pretende ter acerca da competência leitora é de que essa com-
petência seja a capacidade de refletir sobre o que se lê, mobilizando os saberes
necessários a fim de levar à apropriação do conhecimento. Para isso, há de se fazer uso
de inúmeras técnicas de leitura, porém, é preciso ir além. O que se apresenta hoje acerca
da noção de competência, principalmente para o senso comum, é que a competência
se tornou um ‘saber fazer’ em busca de uma resolução de problemas, tendo, portanto,
um deslocamento de sentido e aproximando-se assim, do que Chomsky chamaria de
performance (desempenho) de modo a sobrepor-se ao conhecimento e importando
mais que o aluno saiba utilizar a ‘competência’, mas o pensar sobre o que se faz fica em
segundo plano.
De acordo com Pires (2002), o conceito de competência tornou-se polissêmico.
Para a autora, o conceito de competência levando em consideração o senso comum, é
uma construção social, coberta de significados cultural e socialmente construídos. Em-
bora, não se tenha um consenso que determine o que é de fato a competência, esse
conceito vem ganhando espaço em diferentes áreas: na psicologia, no âmbito empresa-
rial e nas ciências da educação. Segundo Pires (2002), e como já dissemos, o conceito
de competência surgiu no campo da psicolinguística, a partir do trabalho desenvolvido
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por Chomsky, na década de sessenta. Desde então, essas diferentes áreas vêm se apro-
priando. E, consequentemente, construindo novos sentidos.
Ropé e Tanguy (1997) apresentam estudos de casos realizados na França, nos
anos 70, identificando a polissemia do conceito de competência, que não tem o mesmo
sentido da noção de competência chomskianas. Segundo as autoras, o conceito de com-
petência compreendia uma diversidade de significados, ora como sinônimo de
qualificação, ora como sinônimo de capacidades. Ropé e Tanguy (1997, p.22) chamam
a atenção para a noção de competência, pois “no limite do senso comum e do científico,
a noção de competência apresenta o risco de enfeitar qualquer proposição que lhe
uma aparência de cientificidade”. Em face disso, inevitavelmente, algumas questões
emergem, como de que conceito de competência está se tratando quando falamos de
leitura (competência leitora), sobretudo no documento da BNCC para o qual nossa
atenção está voltada. Há um grande receio de que o documento da BNCC não cor-
responda à noção de competência científica, e sim, de que se trabalhe com uma noção
de senso comum, e, nesse caso, há riscos de não contribuir para a formação de um leitor
proficiente/autônomo. Por isso, advoga-se uma noção de competência na óptica da
promoção do desenvolvimento humano, e de que essa promoção contribua para uma
leitura que liberta.
No final do século XX e início do século XXI, o sociólogo suíço Philippe Perre-
noud publicou várias obras em que defende um ensino por competências, tornando-se
um autor de referência, também, aqui no Brasil. Perrenoud (1999, p.30) aborda, na
linha das ciências cognitivas, que competência é a faculdade de mobilizar um conjunto
de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações, etc.) para solucionar com
pertinência e eficácia uma série de situações. Vale ressaltar que, essa noção de compe-
tência é a que está posta no documento da BNCC, porém, no que diz respeito à
competência leitora advoga-se para uma concepção de competência que supere a reso-
lução de problemas e que propicie à apropriação do conhecimento, é o saber sobreposto
ao saber-fazer.
Para Perrenoud (1999), a competência é a possibilidade, de cada indivíduo, mo-
bilizar, de maneira interiorizada, um conjunto integrado de recursos com vistas a
resolver várias situações-problema. Nesse conjunto integrado de recursos, estão os co-
nhecimentos que foram construídos ao longo do tempo por meio da experiência e da
formação. Com essa noção, reafirma-se, portanto, que se corre o risco de usar o conhe-
cimento reduzindo-o à resolução de problemas, sem que se tenha a capacidade de
pensar sobre o que se está resolvendo, dando uma concretude de visibilidade a esse
problema.
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A questão da visibilidade da competência estabelecida por Perrenoud também é
outro aspecto que se distancia da concepção de competência de Chomsky, haja vista
que o autor considera competência como conhecimento, então não há visibilidade do
ponto de vista de sua concretude, o que pode ser visível é a performance do indivíduo,
ou seja, é o desempenho, o saber-fazer, que se pode ser visto. Acerca disso, assumimos,
nesta pesquisa, o posicionamento de que as habilidades são desenvolvidas para que a
competência seja de fato alcançada. Então, a habilidade é visível e a competência, que
é o conhecimento, não pode ser visível e nem mensurada. O que determina que somos
competentes são as ações feitas por meio das habilidades. Nesse caso, as habilidades são
as práticas, o indivíduo é hábil porque consegue executar uma habilidade que desen-
volve em prol de uma competência.
Diante do exposto sobre a concepção de competência, advoga-se para o seguinte
conceito: competência é o conhecimento que possuímos, é a capacidade de acionar
tais conhecimentos para criar e/ou recriar novos conhecimentos. Assim, um leitor com-
petente é aquele que, por meio da capacidade de programar e reprogramar (plasticidade
cerebral) as informações, estabelece relações entre o desenvolvimento e a aprendizagem
em prol da apropriação de novos conhecimentos.
Junto à próxima seção, portanto, trataremos da habilidade leitora, pois é por
meio do desenvolvimento das habilidades em leitura que se desenvolve a competência
leitora.
3.1 Habilidade leitora
A habilidade leitora advogada nesta pesquisa é aquela que possibilita a relação
entre o desenvolvimento e a aprendizagem a fim de alcançar a apropriação do conhe-
cimento. Para tal defesa, aborda-se o argumento de Vygotsky, Luria e Leontiev (2001)
sobre a aprendizagem: aprender desperta uma série de processos de desenvolvimento
interno que só começa quando a criança interage com as pessoas em seu ambiente e
com seus pares.
Assim, argumenta-se que o desenvolvimento da habilidade leitora precisa estar
atrelado à apropriação do conhecimento. Segundo Vygotsky (2001) é no processo de
apropriação que os sujeitos fazem uma rede de relações e significados, que constitui a
matriz do pensamento categórico e discursivo, introduzindo a coisa nomeada em um
sistema de complexos enlaces, constituindo um meio para analisar os objetos, abstrair
e generalizar suas características. Desse modo, é no trato de suas habilidades práticas e
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funções psicológicas, que a criança não só aprende por imitação das ações dos outros,
como também se apropria de sua linguagem.
Nessa perspectiva, a luz de Vygotsky (2005) aprendiz deve ser capaz de identifi-
car o conhecimento, habilidades e valores que foram interiorizados inicialmente, e
assim o aprendiz habilitado inicia um novo ciclo de aprendizagem a um nível cognitivo
mais elevado (VYGOTSKY, 2005). Deriva-se que, em um primeiro momento, faz-se
a interiorização para depois ocorrer a apropriação do conhecimento, e isso se dá por
meio do desenvolvimento das habilidades que contribuirão para a eficácia da compe-
tência leitora. Vale ressaltar que a competência leitora sobre a qual se faz a defesa é o
conhecimento, que se desenvolve durante a aprendizagem por meio das habilidades.
A noção de habilidade que se depreende junto à BNCC, no entanto, não corres-
ponde, exatamente, ao que se defende neste estudo acerca de leitura, não se pode
conceber habilidade como sinônimo de competência e de capacidade. Certamente,
competência e habilidade estão associadas ao ponto em que o desenvolvimento das
habilidades é determinante para a eficácia de uma competência; reitera-se, porém, que
esses conceitos não são sinônimos. Para acionar e mobilizar as competências, é neces-
sário o uso das habilidades.
Para Anderson (1995), adquirimos muitas habilidades ao longo da vida, e vamos
variando os degraus de proficiência. Aprendemos habilidades para subir nesses degraus
de proficiência. Segundo o autor, essas habilidades incluem falar nossa língua nativa,
ler, ter conhecimentos básicos de matemática interagir com outras pessoas, dentre ou-
tras
No que se refere a uma habilidade leitora, compreende-se tratar de automatização
que propicia uma leitura autônoma, em outras palavras, o leitor proficiente é aquele
que automatizou várias habilidades leitoras em prol da apropriação do conhecimento.
Como por exemplo, uma das habilidades de um leitor proficiente é ser ativo na cons-
trução de sentidos.
Assim, as habilidades são desenvolvidas por meio das relações entre o conheci-
mento, o pensar sobre o conhecimento e o que fazer com esse conhecimento. Seguindo
na visão de Vygotsky, Luria e Leontiev (2001), o desenvolvimento e a aprendizagem
são diferentes, porém, articulados entre si, numa relação dialética. Nesse caso, a apren-
dizagem influencia o desenvolvimento, assim como o desenvolvimento influencia a
aprendizagem, para Vygotsky, Luria e Leontiev (2001, p. 115),
[...] a aprendizagem não é, em si mesma, desenvolvimento, mas uma correta organização da
aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de processos
de desenvolvimento, e esta ativação não poderia produzir-se sem a aprendizagem. Por isso, a
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aprendizagem é um momento intrinsecamente necessário e universal para que se desenvolvam na
criança essas características humanas não-naturais, mas formadas historicamente.
Em suma, no desenvolvimento das habilidades, faz-se necessário a organização
sobre o que sabemos, ou seja, torna-se fundamental organizar o conhecimento a fim de
desenvolver habilidades. Vygotsky, Luria e Leontiev (2001) não abordam o conceito
de habilidade, o que se faz aqui é uma analogia entre habilidade e o desenvolvimento,
porque defende-se que habilidade se desenvolve, e, consequentemente, proporciona
que a competência também se desenvolva. Ao tratarmos de habilidade leitora estamos
nos referindo a uma ação de leitura que poderá contribuir para a competência leitora.
Ora, para um leitor ser competente é necessário que ele desenvolva várias habilidades
em torno do ato de ler, esse desenvolvimento de habilidades colaborará para que se
tenha um leitor proficiente, autônomo. Isto ocorre não apenas em um espaço reservado
e único, mas na vivência social. Por isso, a ação pedagógica na prática de leitura precisa
garantir o desenvolvimento de habilidades, que em certa medida será individual, mas
ancorada pelas contribuições do social.
4 Leitura em análise: das evidências de uma habilidade para
uma prática o estabelecimento da competência
Em princípio, a análise foi iniciada com o olhar atento a todas as entradas do
termo competência, postas na BNCC, a fim de investigar de que forma a leitura seria
abordada por meio das competências, bem como com qual concepção de leitura se
declarava junto ao documento, mesmo que implicitamente. Nesse sentido, percebeu-
se que as competências estão organizadas no documento, de forma mais geral até a mais
específica, em: i) Competência Gerais da Educação Básica, ii) Competência Específicas
de Áreas e iii) Competências Específicas dos Componentes (disciplinas). Com a apro-
priação das noções teóricas e a aproximação do corpus coletado, a leitura afinco do
documento, e com os experimentos (tentativas pedagógicas de pôr em prática o que se
tem no documento), percebeu-se que a leitura era abordada de forma implícita nas
competências, e, de forma explícita nas habilidades do eixo leitura.
O desenvolvimento das dez competências básicas (por meio das habilidades)
ocorre ao longo de toda a Educação Básica, isso significa dizer que elas perpassam todos
os anos, podendo ser mobilizadas sempre que necessário. Para o desenvolvimento delas
não há, de acordo com o documento, a responsabilidade de uma única disciplina, tão
pouco o documento descreve quais são, exatamente, as habilidades que desenvolverão
as dez competências.
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Educação Básica, [...], inter-relacionam-se e desdobram-se no tratamento didático proposto para
as três etapas da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio),
articulando-se na construção de conhecimentos, no desenvolvimento de habilidades e na forma-
ção de atitudes e valores, nos termos da LDB (BRASIL, 2018, p. 08 e 09).
Com isso, compreende-se que os arranjos de todas as habilidades, em diferentes
disciplinas, serão responsáveis na formação, ao longo da educação básica, de um aluno
com as capacidades citadas nas competências gerais.
O documento escrito proporciona ao professor um trabalho interligado entre a
competência geral, específica por áreas e específica por disciplina. As seis competências
específicas da área das linguagens para o ensino fundamental anos iniciais e finais dizem
respeito às disciplinas de Arte, Educação Física, Língua Inglesa e Língua Portuguesa.
Na figura 01, há o recorte da competência específica de linguagens que, segundo a
orientação do documento, “[...] em articulação com as competências gerais da Educa-
ção Básica, a área de Linguagens deve garantir o desenvolvimento de competências
específicas” (BRASIL, 2018, p. 64).
Figura 1 - Competências específicas de linguagens para o ensino fundamental.
Fonte: Brasil, 2018, p. 65.
Assim, ao desenvolver a competência específica 3, consequentemente, desenvol-
ver-se-á a competência geral 4, conforme a figura 2 apresenta.
Figura 2 - Competência geral para o ensino fundamental.
Fonte: Brasil, 2018, p. 65.
A competência em destaque, junto à figura 1, tem relação com a competência
geral 04 que reitera o uso das diferentes linguagens para que o aluno possa se expressar
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e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e
produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo. Há, na competência geral, a
menção da área da matemática, linguagens artísticas e tecnológica, que, consequente-
mente, também serão utilizadas pelas áreas afins. E, nesse sentido, percebe-se o
imbricamento dessas competências com vistas aos seus desenvolvimentos, haja vista
que as disciplinas que envolvem a área da linguagem trabalham a fim de desenvolver as
seis competências por meio das habilidades específicas, o que, se supõe, conduzirá ao
desenvolvimento das competências gerais.
No que diz respeito à leitura, percebe-se, subjetivamente, que as dez competên-
cias caminham em direção à formação de um leitor que saiba utilizar a leitura em seu
cotidiano, a fim de resolver situações problemas, ou seja, a leitura vista em uma pers-
pectiva. A leitura como função é importante na formação do leitor, no entanto, não
deve se limitar a ela, há de se considerar a complexidade cognitiva, instalada no processo
de leitura, para que se desenvolva o leitor proficiente, autônomo e que se aproprie do
conhecimento.
A primeira competência em Língua Portuguesa está diretamente ligada à com-
preensão e não à leitura; porém, não se descarta o desenvolvimento dessa competência
por meio da leitura. De acordo com Giraldello e Finger-Kratochvil (2018, p. 3),
A leitura é o processo interativo de (re)construção da significação textual que tem amparo na
utilização do conhecimento prévio os (extra)linguísticos, (meta)cognitivos e (inter)textuais. O
processo de leitura inicia-se com a decodificação grafêmico-fonológica, envolve diversas habili-
dades (meta)cognitivas e culmina com a compreensão leitora.
A competência 1, como mostra a figura a seguir, menciona a compreensão da
língua, desconectando-a da leitura; porém poderia ser desenvolvida essa competência
por meio de habilidades de leitura que levem à compreensão. Isso quer dizer que, ao
ler textos sobre a “língua como fenômeno cultural”, o aluno poderá desenvolver a com-
petência leitora, pois, serão acionados diversos fatores cognitivos relacionados à leitura,
assim como as diversas habilidades, o que depreenderá da leitura a compreensão da
língua.
Figura 03 Primeira Competências Específica da Língua Portuguesa.
Fonte: Brasil, 2018.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Nessa primeira competência, para o desenvolvimento da compreensão da língua
como fenômeno cultural, o professor poderia abordar esse fenômeno por meio de tex-
tos, que, nesse caso, desenvolver-se-ia como uma prática possível à competência leitora.
Para tanto, tem-se, como sugestão, a primeira habilidade,
Figura 04 Primeira Habilidade Ensino Fundamental 1º ano ao 5º ano de Língua
Portuguesa do Eixo Leitura.
Fonte: Brasil, 2018.
A primeira habilidade do eixo leitura remete a uma leitura de identificação, tendo
em vista os anos iniciais do ensino fundamental. Para tal, no processo de identificação
há de se considerar os aspectos que envolvem ações como: percepção, atenção e memó-
ria. As questões relacionadas à memória são muito relevantes para o desenvolvimento
da habilidade citada na figura 4, haja vista que o aluno acionará suas lembranças para
acesso e recuperação de informações a fim de identificar a função social do texto. Le-
vando em consideração que a leitura, nessa etapa escolar, está no processo inicial de
decodificação e codificação das letras e palavras, visando ao desenvolvimento da habi-
lidade supracitada, entende-se o engajamento de leitura (nas dimensões cognitiva,
funcional, com implicações pedagógicas) para o desenvolvimento pleno da primeira
habilidade, desse nível inicial (anos iniciais).
As habilidades dispostas no documento operam de forma articulada, a progres-
são, o desenvolvimento não se dá em curto espaço de tempo. Segundo a BNCC
(BRASIL, 2018), as habilidades são desenvolvidas de forma contextualizada, por meio
de leitura de diferentes gêneros textuais.
Dado o desenvolvimento de uma autonomia de leitura em termos de fluência e progressão, é
difícil discretizar um grau ou mesmo uma habilidade, não existindo muitos pré-requisitos (a não
ser em termos de conhecimentos prévios), pois os caminhos para a construção dos sentidos são
diversos (BRASIL, 2018, p. 76).
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Diante do exposto, as ações pedagógicas precisam estar relacionadas aos fatores
importantes, como já mencionados: memória, percepção, atenção, decodificação e co-
dificação, ou seja, no trato da leitura. Se a ação pedagógica desconsiderar algum desses
fatores, podemos correr o risco de não termos um leitor autônomo, pois ficaremos
apenas na identificação, que é importante para o início do processo da aprendizagem
em leitura, porém para o leitor autônomo é preciso ir para além da identificação.
A título de exemplo, apresenta-se, conforme a figura 5, uma das inúmeras possi-
bilidades pedagógicas que podem ser trabalhadas com algumas habilidades selecionadas
a fim de formar um leitor proficiente.
Figura 5 Habilidades Eixo Leitura Ensino.
(EF03LP11) ler e compreender
com autonomia, textos injuntivos
instrucionais (receitas, instruções
de montagem etc.) com a estru-
tura própria desses textos
(verbos imperativos, indicação de
passos a serem seguidos) e
mesclando palavras, imagens e
recursos gráfico-visuais conside-
rando a situação comunicativa e
o tema/assunto do texto.
(EF04PL09) ler e compreen-
der com autonomia, boletos,
faturas e carnês dentre outros
gêneros do campo da vida co-
tidiana, de acordo com as
convenções do gênero (cam-
pos, itens elencados, medidas
de consumo, código de bar-
ras) e considerando a situação
comunicativa e a finalidade do
texto.
(EF05LP09 ler e compre-
ender com autonomia,
textos instrucionais de re-
gras de jogo, dentre
outros gêneros do campo
da vida cotidiana, de
acordo com as conven-
ções do gênero e
considerando a situação
comunicativa e a finali-
dade do texto si
Fonte: Brasil, 2018. BNCC, p. 119.
Discute-se, então, uma dessas possibilidades, apresentadas como alternativas pe-
dagógicas: a habilidade EF04LP09, junto à coluna do meio, sugere que o professor
trabalhe com gêneros textuais da vida cotidiano, nesse caso, a leitura de boletos, faturas,
carnês e outros. A leitura desses textos aponta para uma leitura funcional instalada nas
condições sociais imediatas, ou seja, o aluno precisará entender qual a função dessa
leitura desses textos, bem como precisa aprender a ler para resolver as situações-pro-
blema emanadas desse contexto, do dia a dia, que fazem parte da participação do
homem em sociedade.
Levando em consideração que a habilidade analisada recomenda compreender a
situação comunicativa e a finalidade do texto, pode-se dizer então que a leitura como
função está presente nessa habilidade. A mesma habilidade requer a dimensão cogni-
tiva, tendo em vista a abordagem de ‘Ler e compreender, com autonomia’, faz-se
necessário acionar mecanismos de decodificação, codificação, memória, conhecimentos
prévios entre outros a fim de ler esses gêneros. Para que se desenvolva a habilidade
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EF04LP09, portanto, há de se considerar as implicações pedagógicas, em que necessa-
riamente pesam aspectos cognitivos da leitura, como por exemplo, as estratégias de
leitura, par e par, com os propósitos funcionais socialmente instalados.
Realizou-se também um levantamento de todas as habilidades do eixo leitura no
documento. Após a organização da quantidade definiu-se a categorização. Assim, de
acordo com o referencial teórico as categorias foram: Categoria 1: Foco na Perspectiva
Cognitiva, Categoria 2: Foco na Perspectiva Social e Categoria 3: Foco na Perspectiva
Pedagógica. O propósito da categorização é verificar qual a concepção de leitura pre-
domina no documento, a materialidade linguística textual significativa será tomada
como dado de análise. Nesse processo de coleta de dados, notou-se a importância de
uma categorização para melhor entender de que forma a leitura estava sendo abordada
e qual a concepção de leitura estava posta.
Figura 6 Planilha das habilidades Eixo Leitura.
Fonte: a autora.
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Figura 7 – Planilha das habilidades Campo da vida cotidiana e artístico-literário.
Fonte: a autora.
Figura 7 – Planilha das habilidades Campo da vida cotidiana Anos Iniciais.
Fonte: a autora.
Figura 7 Planilha das habilidades Resultado Final Anos Iniciais.
Fonte: a autora.
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Nessa organização em planilhas, os dados analisados com todas as habilidades de
leitura para o Ensino Fundamental apontam 50 habilidades de leitura para o Ensino
Fundamental Anos Iniciais e 58 habilidades de leitura para o Ensino Fundamental
Anos Finais. A análise feita é um exemplo pedagógico das inúmeras possibilidades que
se tem para se desenvolver as habilidades postas na BNCC.
Isso significa dizer que, uma habilidade categorizada com enfoque na leitura po-
derá ser trabalhada pelo professor, apenas no aspecto social (muitas vezes, apenas
funcional), acarretando prejuízos sobre o saber pensar, acionando mecanismos cogni-
tivos substantivos. Para tanto, o desenvolvimento das habilidades requer práticas
pedagógicas, que, em muitos casos, não foram abordadas na formação do professor.
Além do que, para muitos, a leitura nos anos finais não é ensinada e, sim, “cobrada”! E
essa cobrança está diretamente ligada às questões sociais do imediato instalado no co-
tidiano escolar.
Enfim, a leitura passa da dimensão da habilidade para a de competência quando
automatizada. É isso que a análise tentou demonstrar, de modo que ler alcança a prática
quanto não a reduzimos a um saber-fazer (PERRENOUD, 1999), mas a tomamos,
sobretudo, como um saber-saber.
Por fim, com a análise do documento em relação à leitura, percebe-se que a lei-
tura fica no campo da prática social, o que se sobressai é o conceito de competência e
habilidades. Assim, o que se destaca no documento, especialmente, em relação à com-
petência leitora é o saber fazer que se resume a um produto final, e este produto se
sobrepõe ao conhecimento, ou melhor, ao processo de leitura sob a guarda do processo
de conhecer.
5 Considerações finais
As análises demonstraram que há várias possibilidades pedagógicas de se desen-
volver as habilidades de leitura e, consequentemente, a competência leitora. Espera-se
que os resultados apresentados suscitem a discussão no ambiente acadêmico e escolar,
sobre a necessidade de ressignificar as práticas do ensino de leitura, não reduzindo-as
ao saber fazer, a partir de leituras lacunadas da BNCC. Sobretudo, a reflexão de que a
leitura precisa ser uma atividade de construção de sentido, em que o aluno (re)construa
significados para a apropriação do conhecimento.
Almeja-se que a pesquisa desperte no leitor, principalmente, no professor a cons-
ciência de que leitura se ensina e se ensina sempre. E que, quando disseminado pelo
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senso comum de que leitura é difícil ou é sinônimo de prazer, que se tenha o entendi-
mento de que leitura é um processo cognitivo complexo que envolve vários fatores.
Esse processo, nem sempre será fácil ou prazeroso, por isso é fundamental que se ensine
leitura, mobilizando estratégias diversas que desenvolverão habilidades no leitor, a fim
de tornar o processo um pouco mais leve. E a partir daí caminhe para uma leitura
significativa e quiçá prazerosa!
A escolha em estudar a BNCC, em princípio, foi para investigar a concepção de
leitura que o documento abordava. Todavia, no percurso, descobriu-se que o conceito
de leitura não estava explicitado. O que se destacou no documento foram as compe-
tências e as habilidades a serem desenvolvidas para um leitor proficiente. Nesse
contexto, aprofundou-se o estudo sobre competência leitora, apreende-se que a com-
petência se desenvolve por meio das habilidades. O entendimento que se tem acerca de
competência leitora é de que essa competência seja a capacidade de refletir sobre o que
se lê, mobilizando os saberes necessários a fim de levar à apropriação do conhecimento.
Depreende-se, então, que caberá ao professor planejar suas aulas de modo que
faça o arranjo das habilidades (levando em consideração a que conteúdos as quais se
relacionam). Ao desenvolver as habilidades propostas em seu planejamento, diante de
diagnósticos, o professor contribuirá também para o desenvolvimento das competên-
cias gerais. Nesse contexto, o desenvolvimento das competências gerais está
direcionado à Educação Básica, desde a Educação Infantil ao Ensino Médio.
O Eixo Leitura no documento aborda uma concepção de leitura em que há a
interação entre o leitor e o texto, por outro lado, considera a leitura em um outro sen-
tido mais amplo “dizendo respeito não somente ao texto escrito, mas também a
imagens estáticas ou em movimento e ao som, que acompanha e ressignifica em muitos
gêneros digitais” (BRASIL, 2018, p. 72). Eis aí, uma problemática instalada, pois, nessa
dissertação defende-se a leitura como aquela que trata da especificidade do código lin-
guístico. Como citado por Britto (2012, p. 33) “se tudo for leitura, ler não será nada”.
Compreende-se, então, a importância da leitura numa perspectiva cognitiva, em que a
interação se dá num nível de conhecimento. Entretanto, não se descarta as demais com-
preensões que envolvem as linguagens para a apropriação do conhecimento. Defende-
se, portanto, que compreender os gêneros orais e digitais não é leitura, é compreensão.
Está-se, já se deparando com dois sentidos de leitura, associados a lugares teóricos dis-
tintos.
Em contrapartida, ao mesmo tempo que a BNCC enfatiza a leitura como sendo
algo mais amplo, considerando a leitura de imagens, há também a preocupação com a
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leitura que envolve a dimensão cognitiva no desenvolvimento das habilidades. “A de-
manda cognitiva das atividades de leitura deve aumentar progressivamente desde os
anos iniciais do Ensino Fundamental até o Ensino Médio” (BRASIL, 2018, p. 75). Isso
significa dizer que os aspectos cognitivos da leitura estão sendo considerados, e que as
habilidades serão desenvolvidas de forma progressiva e articulada no caminho da leitura
significativa.
Em suma, a pesquisa realizada investigou a manifestação, junto à BNCC, do
conceito de ensino de leitura nas séries iniciais e finais com o propósito de promover o
desenvolvimento humano. Ao investigar em que medida a competência se sobrepõe à
leitura, constatou-se que, nas competências, não estava explícito o ensino de leitura.
Esse ensino ficou em destaque nas habilidades.
Assim, o lugar da BNCC na contribuição do ensino de leitura em prol do desen-
volvimento humano, está nas ações pedagógicas que precisam levar em conta os fatores
importantes no ensino da leitura, como já mencionados: memória, percepção, atenção,
decodificação e codificação, ou seja, considerar a leitura cognitiva, social e pedagógica.
Se a ação pedagógica desconsiderar algum desses fatores, corre-se o risco de não
se ter um leitor autônomo, uma vez que se tem apenas a identificação, que é importante
para o início do processo de leitura, porém para o leitor autônomo é preciso ir além da
identificação.
Ainda sobre o lugar da BNCC, percebe-se que a leitura, subjetivamente, nas dez
competências abordadas no documento, caminha em direção à formação de um leitor
que saiba utilizar a leitura em seu cotidiano, a fim de resolver situações problemas, ou
seja, a leitura como premissa social. A leitura como função é importante na formação
do leitor, no entanto, não deve se limitar a ela, há de se considerar a complexidade
cognitiva, instalada no processo de leitura, para que se desenvolva um leitor proficiente,
autônomo e que se aproprie do conhecimento. Conhecimento esse que pode libertar.
Procurou-se no estudo da BNCC entender de que conceito de leitura o docu-
mento está tratando, bem como se, por meio do desenvolvimento da competência
leitora e das habilidades, apresentadas para a leitura, têm-se indivíduos capazes de lerem
de forma autônoma, sem se perderem na reprodução das vozes de outros leitores, fi-
cando apenas na reprodução mecânica do que se lê.
Um trabalho de pesquisa como este, busca contribuir para a reflexão acerca das
práticas docentes do ensino de leitura, de modo a pensar de que forma a BNCC poderá
contribuir na formação de leitores competentes. Espera-se que esse estudo desperte in-
teresse para futuras pesquisas, para que se tenha mais contribuições na formação de
leitores proficientes. Para os dados aos quais não se conseguiu dar visibilidade nesse
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trabalho, devido à constituição de escolhas que as categorias impuseram, acredita-se
que terão lugar em pesquisas e desdobramentos futuros.
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Gamificação em foco: uma experiência com a plataforma
Symbaloo Learning Paths na pós-graduação
Gamification in focus: an experience with the Symbaloo Learning Paths
platform in postgraduate
La gamificación en el punto de mira: una experiencia con la plataforma
Symbaloo Learning Paths a nivel de postgrado
José Ricardo Lopes Ferreira
*
Fernando Silvio Cavalcante Pimentel
**
Resumo
Este estudo apresenta uma experiência como uso da gamificação a partir da plataforma ‘Symbaloo
Learning Paths’ com estudantes de mestrado e doutorado em Educação de uma instituição pública
de ensino superior (IPES) na disciplina de Recursos Digitais Educacionais. Para desenvolver essa
experiência, utilizou-se como suporte o recurso da Realidade Aumentada, por meio de códigos QR,
a partir da gamificação do conteúdo ‘Introdução à Cibercultura’. Como metodologia de pesquisa
adotou-se uma abordagem qualitativa do tipo relato de experiência. Os dados foram coletados a
partir da observação participante e com o uso de um diário de campo e registros audiovisuais, em
seguida foram analisados a partir da técnica da Análise de Conteúdo. Foi possível concluir que a
plataforma ‘Symbaloo Learning Paths’ ofereceu um suporte eficaz para o desenvolvimento da gami-
ficação do conteúdo proposto. No contexto da intervenção, os elementos do design dos games
proporcionaram aumento da motivação e do engajamento dos estudantes, o que resultou em um
ambiente favorável para a construção do conhecimento crítico e colaborativo.
Palavras-chave: Pós-graduação; Gamificação; Metodologia
Recebido em: 16.07.2019 Aprovado em: 10.10.2022
https://doi.org/10.5335/rep.v29i2.9641
ISSN on-line: 2238-0302
*
Mestre em Educação (PPGE/UFAL) com ênfase em Tecnologias da Informação e Comunicação. Docente do Curso de
Licenciatura em Pedagogia pelo Centro Universitário Maurício de Nassau, Unidade Maceió. Orcid: http://orcid.org/0000-
0001-7921-8413. E-mail: r2ferreira.edf@gmail.com.
**
Doutor em Educação (UFAL); Mestre em Educação pela Universidade Federal de Alagoas (2010). Integrante do banco de
avaliadores institucionais do INEP, atualmente é professor adjunto da Universidade Federal de Alagoas, Coordenador do
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) e líder do Grupo de Pesquisas Comunidades Virtuais - Ufal. Orcid:
https://orcid.org/0000-0002-9180-8691. E-mail: prof.fernandoscp@gmail.com.
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Abstract
This study presents an experience as a use of gamification from the 'Symbaloo Learning Paths' plat-
form with Masters and Doctoral students in Education from a public higher education institution
(IPES) in the discipline of Educational Digital Resources. To develop this experience, the Aug-
mented Reality feature was used as a support, using QR codes, from the gamification of the content
‘Introduction to Cyberculture’. As a research methodology, a qualitative approach of the experience
report type was adopted. The data were collected from the participant observation and the use of a
field diary and audiovisual records, then analyzed using the Content Analysis technique. It was pos-
sible to conclude that the ‘Symbaloo Learning Paths’ platform offered effective support for the
development of gamification of the proposed content. In the context of the intervention, the ele-
ments of game design provided increased motivation and student engagement, which resulted in a
favorable environment for building critical and collaborative knowledge.
Keywords: Postgraduate studies; Gamification; Methodology.
Resumen
Este estudio presenta una experiencia como el uso de la gamificación desde la plataforma ‘Symbaloo
Learning Paths’ con estudiantes de maestría y doctorado en Educación de una institución pública de
educación superior (IPES) en la disciplina de Recursos Digitales Educativos. Para desarrollar esta
experiencia, se utilizó como soporte el recurso de la Realidad Aumentada, a través de códigos QR, a
partir de la gamificación del contenido "Introducción a la Cibercultura". Como metodología de
investigación se adoptó un enfoque cualitativo del tipo informe de experiencia. Los datos fueron
recogidos a partir de la observación participante y con el uso de un diario de campo y registros
audiovisuales, luego fueron analizados a partir de la técnica de Análisis de Contenido. Se pudo con-
cluir que la plataforma ‘Symbaloo Learning Paths’ ofreció un soporte eficaz para el desarrollo de la
gamificación del contenido propuesto. En el contexto de la intervención, los elementos del diseño
de los juegos proporcionaron un aumento de la motivación y el compromiso de los estudiantes, lo
que dio lugar a un entorno favorable para la construcción del conocimiento crítico y colaborativo.
Palabras clave: Postgraduación; Gamificación; Metodología.
Introdução
No contexto educacional atual é possível evidenciar uma preocupação que en-
volve a ruptura de um processo de ensino baseado na transmissão/recepção dos
conteúdos por parte dos professores e dos estudantes. Diante dessa problemática, surge
a necessidade de desenvolver estratégias que promovam o seu protagonismo, para que
além de aprender conceitos básicos, o estudante possa desenvolver um conjunto de
habilidades e competências que possam ser utilizadas em diversas situações em seu co-
tidiano (MORÁN, 2015).
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As metodologias ativas se apresentam como uma alternativa para superar tais de-
safios, uma vez que se tratam de um conjunto de estratégias metodológicas baseadas na
resolução de tarefas e problemas do cotidiano do estudante ou relacionados a sua futura
profissão, objetivando desenvolver habilidades como autonomia, trabalho colaborativo
e tomada de decisão (MORÁN, 2015; MATTAR, 2017).
Em meio as metodologias ativas, encontramos como uma estratégia emergente a
Gamificação que se configura como a utilização dos elementos e das mecânicas dos
games desenvolvidos em um ambiente ou em um contexto que não é um game, com o
intuito de motivar e engajar os envolvidos no processo em busca de potencializar os
resultados (KAPP, 2012). No âmbito da educação busca-se motivar a imersão do es-
tudante em situações que possam favorecer o processo de ensino e aprendizagem a
partir da interação na busca da solução dos desafios propostos (PIMENTEL et al.,
2018).
Na busca de compreender a gamificação na educação a partir de uma visão em-
pírica, este artigo possui como pergunta motriz: quais as implicações da incorporação
da plataforma ‘Symbaloo Learning Paths’ para o desenvolvimento de uma experiência
gamificada com estudantes do curso de pós-graduação em educação em uma Institui-
ção Pública de Ensino Superior?
Como hipóteses, esperamos que a experiência com gamificação na pós-graduação
resulte na aprendizagem significativa, dentro de um contexto híbrido e multimodal,
promovendo os estudantes como protagonistas, proporcionando a imersão dos sujeitos
e a colaboração, alinhando conhecimentos prévios a novos conhecimentos
(MARTINS, 2018).
Este estudo objetivou apresentar uma experiência em torno da utilização da ga-
mificação em um contexto educacional a partir da utilização do software ‘Symbaloo
Learning Paths’, em um curso de pós-graduação em educação de uma IPES. A experi-
ência apresentada consistiu-se na gamificação do conteúdo “Introdução à
Cibercultura” tendo como suporte a utilização a referida plataforma.
A realização desta intervenção fez parte das atividades desenvolvidas na disciplina
Recursos Educacionais Digitais, pertencente à linha de pesquisa de Tecnologia de In-
formação e Comunicação (TIC), com carga horária de 60 horas. Participaram da
disciplina 15 estudantes, sendo: seis (06) estudantes regulares do curso de mestrado,
quatro (05) estudantes de doutorado e quatro (04) estudantes na modalidade de aluno
especial.
A disciplina teve como objetivos: (i) analisar as transformações que estão sendo
produzidas nos diferentes espaços sociais, mais especificamente nos educativos, e nos
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processos de ensino e aprendizagem com os Recursos Digitais Educacionais e seus efei-
tos; (ii) aprofundar o conceito de tecnologia, Tecnologias de Informação e
Comunicação (TIC) e Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC),
observando sua interface com a educação; (iii) explorar o uso pedagógico de diferentes
recursos digitais educacionais; (iii) investigar as possibilidades e limites do uso das
TDIC, especificamente dos recursos digitais educacionais; (iv) elaborar possibilidades
pedagógicas utilizando recursos digitais educacionais.
Para o desenvolvimento da disciplina optou-se pela utilização da metodologia
ativa ‘Problem Based Learning’ (PBL) a partir de pequenos grupos, visando a promoção
dos estudantes como protagonistas do processo a partir de uma abordagem teórica me-
todológica. A PBL foi desenvolvida por meio de sessões coordenadas presenciais, com
o desenvolvimento de planejamento e desenvolvimento do uso de Recursos Digitais
Educacionais (RDE).
Cada sessão possuiu como referência textos previamente selecionados e reparados
pelos integrantes dos grupos, com a formulação de resenhas, planejamentos, experi-
mentos e questões para discussão em sala de aula. No contexto da disciplina, foram
realizadas atividades de pesquisa na internet envolvendo a análise de experiências e es-
tudos que tratem da temática dos recursos digitais educacionais (PIMENTEL, 2018).
Para que fosse atendido o objetivo desse estudo, foi adotada uma metodologia
qualitativa descritiva do tipo relato de experiência. Para a coleta de dados, foi utilizada
a observação participante, e como instrumentos para coleta foi utilizado o registro fo-
tográfico e foi adotado um diário de campo, ao qual foram registradas as observações
do planejamento e a conclusão da estratégia comunicada. Os dados coletados foram
analisados a partir da técnica da Análise de Conteúdo.
Dos games à gamificação
O jogo é um fenômeno cultural que possui presença consolidada desde os pri-
mórdios da humanidade, afirma Huizinga (1990). O autor ainda ressalta que antes dos
homens, os animais já estabeleciam brincadeiras que representavam um instante de
diversão e que possuíam regras para evitar que os que se ferissem pela utilização de força
demasiada.
A partir de então, o jogo alicerçou várias atividades humanas, como os da criação
da linguagem a partir de um jogo de palavras, o mito que promove a imersão homem
primitivo em um mundo exterior para poder explicar fenômenos, atribuindo-os às di-
vindades. Outro elemento que o fenômeno do jogo está presente na sociedade são os
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cultos. Desde as sociedades primitivas até os dias de hoje, alguns grupos sociais cele-
bram seus ritos religiosos, celebrações e sacrifícios dentro do círculo mágico do jogo
(HUIZINGA, 1990).
Autores como Huizinga (1990) e Caillois (1990), concordam que o jogo possui
algumas características específicas responsáveis pela imersão do indivíduo no círculo
mágico. De acordo com os autores, o jogo deve ser uma atividade: (i) livre; (ii) não
séria; (iii) sem lucros; (iv) com limites de espaço e tempo; (v) com certa ordem; e (vi)
regras.
Em uma perspectiva contemporânea, Kapp (2012), considera o jogo como um
“sistema em que os jogadores se engajam em um desafio abstrato, definido por regras,
interatividade e feedback, que resulta em uma saída quantificável e frequentemente pro-
voca uma reação emocional”. Não obstante, para Fava (2018), o jogo é um fenômeno
social complexo, não somente voltado para o entretenimento ou lazer, mas com vistas
à promoção da mudança e engajamento social. Nesse sentido, o autor acredita ser pos-
sível verificar a presença da lógica do jogo em diversos contextos, sendo percebida em
ao menos três aspectos:
a) nos jogos propriamente ditos, são notórios os investimentos na pesquisa que
utilizam principalmente os games comerciais ou os serious games no contexto educacio-
nal. De acordo com Gee (2009), os bons games são capazes de proporcionar
experiências de aprendizagem favoráveis aos estudantes;
b) nos simuladores: é possível encontrar simuladores em diversas situações da
educação. Em linhas gerais, os simuladores são adotados para abordagens com situação
que podem colocar a vida do estudante em risco, ou que demandem um alto custo para
a instituição; e
c) no designer inspirado em jogos, ou seja, situações inspiradas na lógica dos
games, em busca de proporcionar diversão e envolvimento para os participantes. De
acordo com Fava (2018), essas experiências não se caracterizam como jogos propria-
mente ditos.
Inspirada no design dos Jogos, surgiu a gamificação, que se trata utilização das
diferentes mecânicas encontradas nos jogos em diferentes contextos como, por exem-
plo, serviços e produtos, com o intuito de engajar e motivar os envolvidos, melhorando
o desempenho (BUSSARELO, 2018). É válido enfatizar que apesar da gamificação
estar intimamente ligada com os games, não é necessária a criação de um game para
que ela aconteça (BARROS, 2018).
Também indicando como ponto significativo sobre a gamificação, Kapp (2012),
adverte que ela não se resume à incorporação de um sistema de recompensas como
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medalhas ou insígnias para que a tarefa se torne menos entediante. Para o autor, os
games não são apenas um sistema de recompensa.
Considerando todos os elementos que compõem um game, Kapp (2012) define
a gamificação como o uso de mecânicas, estéticas e pensamentos dos games para engajar
pessoas, motivar a ação, promover a aprendizagem e resolver problemas, uma estrutura
game desenvolvida em um contexto não game. Portanto, podemos observar que os
elementos dos games apresentam-se como principal fator para a imersão dos envolvidos
na esfera do jogo que a gamificação é capaz de proporcionar.
Para uma melhor compreensão dos elementos dos games, Werbach e Hunter
(2012), os sistematizam em uma pirâmide a partir de uma subdivisão em dinâmicas,
mecânicas e componentes. Os elementos da gamificação foram organizados em uma
ordem decrescente de abstração (figura 1).
Figura 1 Elementos da gamificação
Fonte: os autores, adaptado de Werbach e Hunter (2012).
Como é possível observar na figura 1, as dinâmicas representam o topo da pirâ-
mide dos elementos do jogo proposta por Werbach e Hunter (2012), deste modo, são
consideradas como elementos mais abstratos da gamificação. É a partir das dinâmicas
que ocorrem as interações entre o jogador e as mecânicas do jogo. O mapa conceitual
na figura 2 sistematiza as dinâmicas da gamificação e suas características baseadas em
Fardo (2013).
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Figura 2 Dinâmicas da gamificação.
Fonte: os autores, baseado em Fardo (2013).
O segundo elemento da pirâmide são as mecânicas do jogo (Figura 3). Elas são
responsáveis por nortear as ações do jogador, ou seja, qual caminho deve-se seguir para
que haja progressão no contexto do jogo. É por meio das mecânicas que o jogador irá
alcançar as dinâmicas. De acordo com Barros (2018), uma atividade gamificada não
necessita da presença de todos elementos, no entanto, são essenciais para o engajamento
e envolvimento dos participantes.
A base da pirâmide do jogo é composta pelos componentes da gamificação (Fi-
gura 3). Aqui encontramos o nível mais concreto do jogo, conforme Barros (2018), é
a partir desses elementos que os participantes podem perceber a gamificação a partir de
um design de game. Costa e Marchiori (2015), destacam que vários desses componen-
tes podem fazer parte de uma mesma dinâmica
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Figura 3 Mecânicas da Gamificação
Fonte: os autores, adaptado de Fardo (2013).
Nesse sentido, Costa e Machiori (2015) atentam que combinar os elementos da ga-
mificação (Figura 3) de forma efetiva apresenta-se como a tarefa central de um projeto de
gamificação independente de sua finalidade. Isso significa dizer que a escolha dos elementos
ocorre a partir dos objetivos que norteiam a gamificação considerando em que ambiente e
qual o contexto em que será desenvolvida.
Figura 4 Componentes da Gamificação
Fonte: os autores, baseado em Fardo (2013).
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Além disso, Barros (2018) ressalta que essa variedade de combinações entre os
elementos dos games, permite que se criem ambientes customizados embasados nas
características e habilidades pessoais dos envolvidos, o que resulta em uma proposta
que atendam as demandas individuais e coletivas. A personalização da gamificação per-
mite construir uma experiência significativa capaz de motivar intrinsecamente os
envolvidos.
Diante do exposto, Fardo (2013) enfatiza que a gamificação apresenta-se como
um fenômeno que possui uma gama diversificada para sua aplicação ou desenvolvi-
mento. Para o autor, essa estratégia se apresenta eficaz à medida em que a linguagem e
metodologia de games apresentam uma presença consolidada na sociedade, sobretudo
nas gerações que cresceram interagindo com os games como meio de entretenimento.
Gamificação na educação
A gamificação, de acordo com Fardo (2013), encontra na educação formal um
ambiente favorável para seu desenvolvimento, uma vez que os estudantes trazem em
seus conhecimentos prévios aprendizagens originadas a partir das interações com os
games. Nesse contexto, Pimentel (2018), destaca um aumento considerável em estudos
que envolvem o desenvolvimento da gamificação em um contexto educacional.
Para Bussarelo (2018), elementos presentes nos games como: o desafio, a fantasia
e a curiosidade, são responsáveis por promover a quebra na rotina dos estudantes se
tornando um elemento motivacional para o processo de aprendizagem. No entanto,
Pimentel (2018) adverte que a gamificação na educação deve ir além do engajamento,
motivação e da diversão considerando o processo de construção do conhecimento a
partir criação de um ambiente favorável para a interação entre os envolvidos. Dessa
forma, o autor propõe um aprofundamento no conceito de gamificação na educação,
definindo-a como um
processo de utilização da mecânica, estilo e o pensamento de games, em contexto não game,
como meio para engajar e motivar pessoas, objetivando a aprendizagem por meio da interação
entre pessoas, com as tecnologias e com o meio (PIMENTEL, 2018, p. 78).
Nesse contexto, a construção do conhecimento ocorre com base nas trocas esta-
belecidas no decorrer do processo da gamificação. Essa relação permite que o estudante
desenvolva aprendizagem a partir da interação com seus pares, ou com o professor no
processo de mediação.
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Bussarello (2018, p. 120) alerta que gamificação na educação deve ser vista com
cautela, pois “se por um lado pode motivar um aluno desmotivado para tal tarefa, por
outro lado pode prejudicar os níveis motivacionais para o aluno que esteja motivado
para a atividade”. Para que a gamificação ocorra de forma efetiva é necessário que exista
uma combinação de motivação intrínseca e extrínseca no sujeito, pois resulta no au-
mento do nível de motivação e engajamento para a realização das atividades.
Hsin, Huang e Soman (2013), apresentam a gamificação desenvolvida para fins
educacionais, em um processo de cinco etapas (Figura 5):
Figura 5 Etapas da gamificação na educação
Fonte: Hsin, Huang e Soman (2013, tradução nossa).
Para Hsin, Huang e Soman (2013), a primeira etapa para a elaboração de uma
estratégia gamificada no contexto educacional é compreender o público alvo e o con-
texto em que a ação irá acontecer. Conhecer a faixa etária dos estudantes, suas
habilidades de aprendizagens e seus conhecimentos prévios, contribuem para que seja
possível definir os grupos, a sequência de atividades, o tempo de relação e a estrutura
das tarefas.
Nessa fase, Hsin, Huang e Soman (2013) destacam que é possível identificar os
‘Pain Points’, que são os pontos sensíveis que impedem que o estudante possa avançar
no percurso das atividades. Os ‘Pain Points’ mais comuns na educação são foco, moti-
vação, habilidades e fatores físicos, mentais e emocionais. Para os autores, compreender
essas relações de causa e efeito contribui para a escolha de determinados elementos da
gamificação.
A segunda etapa da gamificação na educação, se refere a definir os objetivos de
aprendizagem. Antes de mais nada, devemos considerar que “gamificação não deve ser
o objetivo, mas um meio adequado para o objetivo expresso” (DOMINGUES, 2018,
p. 16). Nesse sentido, o ponto crítico do planejamento são os objetivos de aprendiza-
gem.
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Para Hsin, Huang e Soman (2013), na estruturação de um programa gamificado,
o professor considera os objetivos a serem alcançados, que podem ser: (i) objetivos ge-
rais: como completar programas, tarefas e testes; (ii) objetivos específicos como a
compreensão de conceitos e a autonomia para realização de tarefas; (iii) objetivos com-
portamentais como concentração em sala de aula, agilidade na realização das tarefas ou
minimizar a distração em sala de aula.
A terceira etapa é a estruturação da experiência, para isso, Hsin, Huang e Soman
(2013), indicam a estruturação do planejamento em etapas. Cada etapa deve possuir
um nível de dificuldade diferente. Nas primeiras etapas da gamificação concentre-se as
tarefas mais fáceis, em seguida, com os avanços dos estudantes, as etapas tornam-se
mais complexas.
Hsin, Huang e Soman (2016) apontam que dividir o programa em etapas para
que o professor identifique de forma mais consolidada os objetivos de aprendizagens
dos estudantes, assim, é possível que seja fornecido um feedback constante para eles.
Nesse sentido, é possível que a gamificação seja preparada para atender os fins educa-
cionais.
A quarta etapa é a identificação dos recursos a serem utilizados. Para Hsin, Hu-
ang e Soman (2016), os recursos são responsáveis por oferecer um suporte para que o
professor possa acompanhar os passos dos estudantes no decorrer do processo, como é
possível visualizar no quadro 1.
Quadro 1 Recursos para a Gamificação.
Recurso Definição
Mecanismo de
Rastreamento
Se refere a uma ferramenta para acompanhar os progressos do estudante du-
rante uma etapa ou no processo gamificado.
Moeda
É a unidade de medida, que poderia ser, pontos, tempo, dinheiro. Ex: No caso
do cumprimento de tarefas em um determinado prazo, a moeda do mecanismo
de rastreamento é o tempo.
Nível
É a quantidade moeda que é gasta para que o estudante cumpra determinado
objetivo. Ex. Caso um estudante tenha concluído a tarefa no tempo determi-
nado, ele se torna apto a passar para o próximo nível.
Regras
São os limites do que o estudante pode ou não fazem no decorrer da tarefa
gamificada, garantindo um ambiente de aprendizagem justo para todos. Ex. A
regra para completar o primeiro nível não é apenas terminá-lo dentro do prazo,
mas também responder todas as questões corretamente.
Feedback
É o mecanismo que o professor e o estudante utilizam para reconhecer o pro-
gresso que está sendo feito no decorrer do processo. Ex. O feedback contínuo
fornece ao estudante uma compreensão dos erros e podem consertar lacunas
na compreensão.
Fonte: Hsin, Huang e Soman (2016, tradução nossa).
ESPAÇO PEDAGÓGICO
José Ricardo Lopes Ferreira, Fernando Silvio Cavalcante Pimentel
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Considerando que a gamificação é a incorporação de elementos dos games em
um contexto não game, o quinto passo para o planejamento consiste no desenvolvi-
mento dos elementos da gamificação. Para Hsin, Huang e Soman (2016), os elementos
da gamificação são responsáveis por desencadear diferentes reações nos estudantes,
como motivação, diversão e engajamento ou em contrapartida, evasão e desmotivação.
Nesse sentido Pimentel (2018) alerta que a escolha dos elementos chaves dependem
dos objetos ao qual a gamificação é desenvolvida.
Em síntese as etapas apresentadas por Hsin, Huang e Soman (2016), a partir de
uma perspectiva de personalização do planejamento da estratégia gamificada permitem
que a mecânica do jogo seja desenvolvida com mais precisão, isso de acordo com os
autores, permite que aumente a probabilidade de resultados positivos. Para além disso,
Pimentel (2018), aponta que a implementação metodológica da gamificação promove
o engajamento necessário para que os estudos dos conteúdos e vivências das práticas
experimentais ocorram de modo motivador, reflexivo, crítico.
Percurso metodológico
Este artigo dedica-se a apresentar uma experiência em torno da utilização da ga-
mificação em um contexto educacional a partir da utilização do software ‘Symbaloo
Learning Paths’', em um curso de pós-graduação em educação de uma IPES. Assim
sendo, foi adotado um enfoque de pesquisa qualitativo descritivo do tipo relato de ex-
periência.
O grupo participante desta experiência foi composto por quinze (15) estudantes,
de ambos os gêneros, devidamente matriculados na disciplina ‘Recursos Educacionais
Digitais’ do Programa de Pós-Graduação em Educação de uma IPES da cidade de Ma-
ceió/AL. Dos participantes desse estudo, seis (06) eram estudantes regulares de
doutorado, cinco (05) estudantes regulares de mestrado, e quatro (04) cursavam a dis-
ciplina na modalidade de alunos especiais. Além disso, os estudantes possuíam
formação em diversas áreas como Pedagogia, Educação Física, Matemática, Comuni-
cação Social, Sistemas de Informação e Letras.
Para a coleta de dados, foi utilizada a observação investigativa, nesse cenário, o
pesquisador faz a observação a partir da participação completa no contexto da pesquisa.
Desta forma, ele se comporta como um participante ativo das atividades normais, tão
próximo quanto um membro do grupo estudado (SAMPIERE et al., 2013).
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Como instrumentos para coleta dos dados foram utilizados: (i) registro fotográ-
fico: devidamente autorizados pelos participantes; e (ii) diário de campo, ao qual foram
registradas as observações do planejamento e a conclusão da estratégia comunicada.
Os dados coletados foram sistematizados a partir da técnica da Análise de Con-
teúdo (BARDIN, 2010) e confrontados com a literatura especializada sobre
gamificação na educação. Após coletados, os registros foram organizados na sequência
de acontecimentos dos fatos e confrontados com a literatura especializada sobre gami-
ficação.
Discussão dos resultados
Para uma melhor compreensão da experiência apresentada ela será dividida em
três etapas. Primeiramente a disciplina será apresentada com ênfase em seus objetivos
e a metodologia desenvolvida. Em seguida como se desenvolveu a etapa sobre gamifi-
cação, que se trata de um recorte da disciplina que representa esse artigo. E por fim, de
que forma se desenvolveu a experiência da incorporação gamificação do conteúdo ‘In-
trodução a Cibercultura’ tendo como suporte a plataforma ‘Symbaloo Learning Paths’.
Sobre a disciplina
A disciplina teve a duração de dezoito semanas, e foi desenvolvida a partir de
uma técnica de seminários baseada na metodologia ativa ‘Problem Based Learning’
(PBL).
1
Cada sessão possuía como referência textos previamente selecionados e prepa-
rados pelos integrantes dos grupos, com a formulação de resenhas, planejamentos,
experimentos e questões para discussão em sala de aula. No contexto da disciplina,
foram realizadas atividades de pesquisa na Internet envolvendo a análise de experiências
e estudos que tratam da temática dos recursos digitais educacionais.
A disciplina foi dividida em duas etapas, a primeira contou com a mediação do
professor e abordou os conceitos básicos que envolviam os RDE, como tecnologia,
recursos digitais de aprendizagem, pensamento educacional e educação ‘maker’. Além
disso, o docente responsável pela disciplina abordou as técnicas de elaboração dos se-
minários no formato de PBL, preparando os estudantes para a etapa seguinte.
Na segunda etapa os estudantes foram divididos de maneira sistemalizada em
pequenos grupos para que houvesse uma equivalência em relação aos conhecimentos
prévios e habilidades. Cada grupo ficou responsável por desenvolver um seminário com
base na PBL, envolvendo o estudo dos RDE presentes no cronograma da disciplina no
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Quadro 2. Nessa etapa, o professor exerceu a função de mediação, dando suporte aos
grupos, auxiliando na elaboração dos seminários e na curadoria das leituras que com-
pusessem o referencial teórico.
Quadro 2 Cronograma da Disciplina RDE
Data
Tema
Grupos
1° Semana
Realidade Aumentada e Realidade Virtual
I
2° Semana
Aprendizagem Baseada em Jogos Digitais
II
3° Semana
Interatividade e Convergência de Mídias
III
4° Semana
Robótica
IV
5° Semana
Ensino Híbrido e Sala de Aula Invertida
V
6° Semana
Mobilidade e ubiquidade
VI
7° Semana
Laboratórios Virtuais aplicados a educação
VII
8° Semana
Gamificação
VIII
9° Semana
Espaços híbridos, multimodais, persuasivos e ubíquos
IX
10° Semana
Aplicativos para dispositivos móveis na educação
X
11° Semana
Objetos de Aprendizagem (Repositórios, REA, OVA)
XI
12° Semana
Docência com RDE
Professor
Fonte: Plano da disciplina (PIMENTEL, 2018)
Os seminários iniciavam-se na referida semana, com a apresentação de um pro-
blema fictício elaborado pela equipe responsável. Para analisar o problema, a turma era
dividida em grupos que elegiam um líder para organizar a discussão, e um secretário
responsável por registar os momentos importantes. A partir da reflexão do problema os
grupos deveriam destacar cinco perguntas geradas pela discussão, que em seguida eram
apresentadas para toda a turma.
Após a apresentação das questões produzidas por todos os grupos, eram eleitas
entre quatro e cinco perguntas para nortear os estudos individuais no decorrer da se-
mana. Para orientar o estudo, a equipe responsável pelo seminário PBL deveria indicar
uma fundamentação para que as perguntas fossem respondidas à luz da teoria. Para
tanto, o referencial deveria ser composto com a utilização de quatro a cinco obras, di-
vididas em bibliografia básica de duas a três referências, com ao menos um referencial
estrangeiro, e bibliografia complementar, composta por duas a três obras.
Durante a semana eram desenvolvidas discussões relacionadas ao tema do estudo
a partir das leituras, em um grupo de um aplicativo de mensagens instantâneas, ao qual
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os estudantes interagiam para aprofundar nas leituras. No geral, esse momento era me-
diado pelo grupo responsável por organizar o seminário, muitas vezes com o auxílio do
docente responsável pela disciplina a partir de “perguntas provocativas” no intuito mo-
tivar a leitura por parte dos estudantes.
Na semana seguinte, no primeiro momento da aula era retomada a discussão do
tema iniciado no final da aula anterior, desta vez, com o embasamento teórico explo-
rado no decorrer da semana, produzindo uma discussão com uma fundamentação
consolidada para uma compreensão acerca do RDE da referida semana em busca de
responder as perguntas identificadas pelos estudantes na leitura e discussão do pro-
blema norteador.
A etapa final do seminário consistia no desenvolvimento de uma aula de quarenta
minutos com a utilização do RDE abordado pelo grupo responsável, reforçando o ca-
ráter teórico-prático da disciplina. Para a elaboração dessa aula cada uma das equipes
possuía uma temática a ser explorada com o uso do RDE.
Por fim, cada estudante registrava suas experiências em um portfólio digital em
formato de blog, criado exclusivamente para a disciplina. Os registros do blog produ-
ziam subsídios para que o docente responsável pela disciplina pudesse desenvolver uma
avaliação formativa, acompanhando os estudantes em tempo real e oferecendo um feed-
back contínuo.
O PBL Gamificação
O seminário PBL sobre gamificação foi elaborado por um grupo composto por
três estudantes do curso de mestrado em educação e foi organizado e sistematizado em
quatro etapas como podemos visualizar no mapa conceitual (Figura 7). A primeira
etapa se refere a apresentação e discussão de um problema fictício, a segunda se carac-
terizou em um estudo dirigido no decorrer da semana, a terceira etapa foi uma
discussão teórica e por fim o desenvolvimento de aula prática com a duração de qua-
renta minutos.
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Figura 7 Sistematização do PBL - Gamificação
Fonte: os autores Dados da pesquisa (2018).
O seminário teve início na semana anterior, com a apresentação e discussão de
um problema fictício pelos estudantes, que resultou em quatro perguntas que nortea-
ram os estudos dirigidos sobre gamificação no decorrer da semana. Na semana seguinte,
foi realizada uma discussão teórica sobre os conceitos que norteiam a gamificação e seu
desenvolvimento para fins educacionais, e por fim, foi desenvolvida uma aula prática
de quarenta minutos com a utilização de uma estratégia gamificada.
O problema
A primeira etapa consistiu-se na reflexão de um problema fictício que envolvia
uma professora do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e a imple-
mentação da gamificação em suas aulas. A partir de um mapeamento diagnóstico, a
professora identificou que oito estudantes recém-ingressantes na instituição de educa-
ção não formal adotavam os games em seus momentos de entretenimento. A
profissional buscou implementar a gamificação a partir de um projeto baseado em sis-
temas de recompensas, fez a intervenção, e o resultado foi desastroso, pois os alunos
que não conseguiram atingir a pontuação desejada ficaram desmotivados evadindo da
instituição.
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Após a leitura do problema, os estudantes foram divididos em duas equipes de
sete estudantes, que por sua vez elegeram um líder e um secretário para que fosse inici-
ada a discussão que durou cerca de quarenta minutos. A função do líder era de mediar
as discussões mantendo o grupo no foco principal e motivando a participação de todos.
O secretário era responsável por anotar todas as principais ideias da discussão, para a
elaboração das questões norteadoras.
Após as discussões cada grupo apresentava as questões elaboradas, então os dos
grupos elegiam de quatro a cinco questões para nortear as os estudos no decorrer da
semana. As reflexões dos estudantes geraram quatro questões:
1. O que é Gamificação e qual a sua relação com a Digital Game Basead Learning?
2
2. Quais os mecanismos e elementos básicos dos jogos que devem ser usados no pro-
cesso de Gamificação?
3. Como a Gamificação pode contribuir para potencializar a ação educativa e pro-
mover aprendizagem?
4. A Gamificação precisa estar associada às TDIC para ser implementada num con-
texto educativo?
A princípio, evidenciamos que os estudantes apresentaram a necessidade de iden-
tificar os principais conceitos que envolvem a Gamificação, sobretudo a sua relação
com a DGBL, seus elementos e mecanismos, em relação ao contexto escolar e ao uso
das TDIC. Em busca de responder às questões levantadas pela turma, o grupo respon-
sável pelo PBL sugeriu algumas leituras especializadas na área da gamificação composta
por quatro bibliografias, sendo uma básica e três complementares (Quadro 3).
Quadro 3 Bibliografia indicada
Bibliografia Básica
SANTAELLA, L., NESTERIUK, S.; FAVA, F. (Orgs.). Gamificação em Debate. São Paulo: Blu-
cher, 2018.
Bibliografia Complementar
HSIN, W., HUANG, Y., SOMAN, D. A Practitioner’s Guide to Gamification of Education. To-
ronto: Rotman School of Management, University of Toronto, 2013, 29 p.
KIRYAKOVA, G.; ANGELOVA, N.; YORDANOVA, L. Gamification in Education. Proceedings of
9th International Balkan Education and Science Conference, 2014
PIMENTEL, F. S. C.; RODRIGUES, E. C.; VIANA, M. A. P. Mapeamento Sistemático das Estra-
tégias de Gamificação Aplicadas a Educação: Primeiros Apontamentos. Trabalho apresentado
no Ticeduca, Lisboa, 2018.
Fonte: os estudantes (2018).
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No decorrer da semana aconteceram pequenas discussões acerca das leituras sobre os
estudos da gamificação no grupo do aplicativo de mensagens instantâneas por parte dos
estudantes. Destacamos as investidas do professor responsável pela disciplina na mediação
online, a partir de questionamentos como ‘Porque gostamos de jogar?’; ‘O que nos motiva
a ficar horas jogando?’.
A aula seguinte, após uma semana de leituras, teve início com uma discussão de
trinta minutos sobre o tema em questão, a gamificação. Um dos componentes do grupo
responsável orientou essa etapa com base nas questões que nortearam os estudos.
Nesse debate foi possível notar que a partir das leituras, os estudantes conseguiram
se apropriar dos conceitos básicos que envolvem a gamificação, bem como sua estrutura,
suas dinâmicas e mecanismos e os componentes. A compreensão desses conceitos serviu
como suporte para que os estudantes pudessem entender o processo de incorporação da
gamificação em um contexto educacional.
Trilha de Aprendizagem Gamification
O segundo momento consistiu no desenvolvimento de uma atividade gamificada
em formato de uma aula de quarenta minutos, em que o tema principal foi a ‘Introdução
a Cibercultura’. Como suporte para a gamificação, a equipe responsável pelo seminário
adotou a plataforma grátis ‘Symbaloo Learning Paths’.
O ‘Symbaloo Learning Paths’ (Figura 6) é um recurso digital educacional para de-
senvolvimento de aulas online que são baseadas em trilhas de aprendizagem. Esse aplicativo
encontra-se disponível para dispositivos móveis através das plataformas Android
3
e IOS
4
para download gratuito em suas lojas digitais, e para a plataforma Windows a partir do
navegador de internet.
7
Figura 8 Symbaloo Learning Paths (Gamification)’
Fonte: Captura de tela Symbaloo Learning Paths para plataforma Windows (2018).
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Nesse espaço é possível criar perguntas, adicionar documentos, vídeos, links e
jogos, que possam orientar os estudantes até o final da trilha. Cada etapa da trilha pode
ser atribuída uma pontuação, que ao final é ranqueada. A plataforma permite que o
professor acompanhe as atividades em tempo real, possibilitando um feedback contí-
nuo para os estudantes. Além disso, é possível o redirecionamento das trilhas para
atender a evolução dos estudantes (SYMBALOO, 2018).
Para fundamentar a aula sobre ‘Introdução à cibercultura’, vinculada ao seminá-
rio PBL sobre gamificação, foi adotado o livro ‘Cibercultura’ (LÉVY, 1999),
abordando os principais conceitos como cibercultura, ciberespaço e inteligência cole-
tiva. Para isso, foram elaboradas dez questões, cada questão representa um bloco de
conhecimento como observa-se na figura 9.
Para contemplar os princípios de mobilidade e ubiquidade (SANTAELLA,
2010) foram espalhados dez códigos QR nas dependências do prédio da instituição.
Nesses marcadores encontrava-se vinculado às páginas de um blog, em que os estudan-
tes encontrariam as perguntas. Ou seja, ao ativar o marcador, os estudantes eram
direcionados para o link da pergunta respectiva do bloco (Figura 9).
Figura 9 Blocos das ‘Learning Paths
Fonte: Captura de tela (2018).
Nos blocos da trilha de aprendizagem encontrava-se uma charada que indicava a
localização dos códigos QR (Etapa 1 Figura 3). Em seguida, ao encontrar a pergunta
a partir da ativação do Código QR (Etapa 2 Figura 3), o trio deveria responder se as
assertivas apresentadas eram verdadeiras ou falsas na plataforma ‘Symbaloo Learning
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Paths’ (Etapa 3 - Figura 3). O grupo só poderia ir para o bloco seguinte caso respon-
desse o bloco em questão, ou seja, não era possível pular os blocos. Cada resposta certa
agregava cinco pontos ao ranking da equipe.
Desbravando as Trilhas
Inicialmente a turma foi dividida em trios, cada um dos grupos deveria possuir
ao menos dois dispositivos móveis, um com o aplicativo ‘Symbaloo Learning Paths’,
outro com um leitor de códigos QR, para que fosse possível participar da atividade
gamificada. A escolha da divisão em grupos ocorreu na busca da promoção da apren-
dizagem colaborativa, para isso foram considerados os conhecimentos prévios e
habilidades dos estudantes, desta forma os grupos apresentassem habilidades equiva-
lentes.
A divisão justa colabora para que seja mantida a motivação dos envolvidos, caso
as equipes apresentem uma diferença discrepante na desenvoltura da atividade, as de-
mais equipes tendem a apresentar um baixo nível de motivação e engajamento.
Portanto, uma disputa com equipes que possuam níveis de habilidades equiparadas
resulta na manutenção da motivação até o final da atividade, por conta da imprevisibi-
lidade dos resultados (CAILLOIS, 1990).
Primeiramente as principais regras foram explicadas para que embasasse o pro-
cesso gamificado dessa aula, como por exemplo, de que maneira aconteceria a
pontuação e de que modo encontrariam as perguntas e de modo a operar a plataforma
‘Symbaloo Learning Paths’ e o tempo total da atividade de vinte minutos. Nesse caso,
Hsin et al. (2013), advertem que as regras são importantes para estabelecer os limites
da atividade, assim é possível promover um ambiente de aprendizagem justo para todos
os envolvidos.
Considerando a estrutura de Hsin et al. (2013), a equipe responsável pela ativi-
dade gamificada apresentou os objetivos de aprendizagem que a atividade pretendeu
desenvolver. Nesse sentido, encontramos um ponto de convergência entre autores
como Pimentel (2018), Bussarelo (2018) e Kapp (2012), quando afirmam que em um
planejamento de um processo gamificado para fins educacionais o ponto crítico se con-
centra nos objetivos de aprendizagem, ou seja, as recompensas, a competição ou a
diversão não devem sobressair em detrimento da construção de conhecimento.
Para fundamentar a atividade no primeiro bloco os estudantes encontravam um ví-
deo explicativo de cinco minutos que abordava de modo sintetizado os principais conceitos
que seriam explorados no decorrer da trilha de aprendizagem. Pelos estudantes possuírem
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um conhecimento prévio acerca do tema Cibercultura, todos os grupos decidiram não as-
sistir pelo vídeo. Ao invés disso, foi possível notar um movimento coletivo em busca de
decifrar os enigmas para se encontrar os códigos QR espalhados pelo prédio da universi-
dade.
Na estrutura da atividade foi possível identificar alguns dos elementos da gamifica-
ção (WERBACH; HUNTER, 2012). No que se diz respeito às dinâmicas da gamificação,
elemento mais abstrato, foi possível evidenciar nos registros do diário de campo a emoção,
a progressão, as restrições e o engajamento.
Entretanto, ficou evidente a ausência de uma narrativa que norteasse o processo ga-
mificado. Bussarelo (2018), afirma que a gamificação compreende uma estratégia de
resolução de problemas a partir da elevação e manutenção do engajamento e motivação
dos indivíduos envolvidos. Para que isso ocorra, o autor afirma ser imprescindível o uso de
uma narrativa que proporcione ao estudante a imersão em um ambiente de fantasia, em
que é encorajado a superar desafios.
Em relação às mecânicas da gamificação, notamos a presença de elementos como
desafio, sorte, recompensa, feedback, cooperação e do estado de vitória. Referente aos com-
ponentes, ou seja, o nível mais concreto dos elementos da gamificação, foi possível
evidenciar as conquistas, insígnias, desbloqueio de conteúdos, os times, e os grafos sociais.
Para Pimentel (2018, p. 87), o engajamento e a motivação que se resulta da imple-
mentação metodológica da gamificação colabora para que seja possível “agregar, refletir e
criar outro conhecimento oportunizando a aprendizagem colaborativa e significativa”. Os
registros feitos no decorrer da atividade permitem-nos afirmar que foi concretizado o en-
gajamento e a motivação dos estudantes.
Figura 10 Engajamento dos grupos
Fonte: Dados da pesquisa (2018).
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É possível observar na figura 10 o alto nível de concentração durante a interação
dos estudantes na busca da resolução dos enigmas propostos. Além dos aspectos do
engajamento e da motivação apresentados pelos grupos, destacamos que a estrutura
gamificada proporcionou um ambiente favorável para a interação entre os estudantes,
que foi um fator relevante para a realização da atividade com sucesso. Em relação a
interação, Pimentel (2018), destaca ser um elemento chave da gamificação no contexto
da educação, uma vez que a construção do conhecimento se dá a partir das trocas esta-
belecidas durante a resolução dos desafios propostos na atividade.
É válido observar que no decorrer da atividade os grupos não apresentaram um
sentimento de disputa entre si, ao invés disso, notou-se uma troca constante de infor-
mação entre os componentes de diferentes grupos. Apesar de haver um ranqueamento
responsável por definir a equipe vencedora, evidenciamos uma mobilização colabora-
tiva entre os grupos para superar os desafios propostos (Figura 11).
Figura 11 Engajamento entre os grupos envolvidos
Fonte: Dados da pesquisa (2018).
Para Bussarelo (2018, p. 120), nesse contexto, a competição deve promover ex-
periências divertidas capazes de elevar “a relação interpessoal positiva dos
participantes”. Por outro lado, a concorrência de forma exacerbada pode prejudicar a
atividade proposta, resultando em desmotivação e até desistência por parte de estudan-
tes que sejam menos competitivos. Isso irá implicar na possibilidade de não
cumprimento dos objetivos educacionais estabelecidos.
Ainda nesse contexto, os dados observados corroboram com a percepção de
McGonigal (2012), que afirma que o design dos games tem a capacidade de promover
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uma conectividade social mais forte. Nesse caso, observamos que o movimento coletivo
em busca da solução dos problemas foi capaz de promover a aproximação dos estudan-
tes superando a perspectiva de disputa ou recompensa entre os grupos.
Em relação ao uso da plataforma ‘Symbaloo Learning Paths’ para a estruturação
da atividade gamificada, notamos que as ferramentas presentes permitem atribuir ele-
mentos da gamificação como pontuação, ranqueamento, introduzir uma narrativa, e
sobretudo, personalizar as trilhas de aprendizagem, fornecendo aos estudantes um feed-
back em tempo real sobre as atividades realizadas. Nesse sentido, podemos afirmar que
a plataforma fornece um suporte efetivo para o uso da gamificação no contexto da
educação.
Considerações finais
Esse artigo objetivou apresentar uma experiência com a utilização de uma abor-
dagem metodológica gamificada em uma disciplina dos cursos de mestrado e
doutorado em educação de uma IPES. Para estruturar a atividade proposta foi adotado
o uso da plataforma disponível para dispositivos móveis ‘Symbaloo Learning Paths’,
que se caracteriza por estruturar trilhas de aprendizagem.
No que diz respeito ao objetivo que norteou esse estudo, as evidências encontra-
das na intervenção permitem-nos afirmar que o atingimos, uma vez que, foi possível
apresentar uma experiência em torno da utilização da gamificação em um contexto
educacional a partir da utilização do software ‘Symbaloo Learning Paths’, em um curso
de pós-graduação em educação de uma IPES. Portanto, é possível também afirmar que
a pergunta que norteou este estudo foi respondida com êxito.
Desta forma, a reflexão acerca da experiência resultou em algumas considerações
em relação a estrutura da gamificação do conteúdo ‘Introdução à Cibercultura’, a uti-
lização da plataforma ‘Symbaloo Learning Paths’, aos elementos da gamificação e ao
processo de motivação e engajamento dos estudantes.
A plataforma adotada permitiu a incorporação dos elementos dos games, respon-
sáveis por promover a estrutura de uma atividade gamificada. Com isso, observamos
que a estrutura gamificada foi capaz de promover a motivação e o envolvimento entre
os estudantes durante toda a atividade, elementos evidenciados nos registros fotográfi-
cos e no diário de campo.
É válido destacar que ao invés de promover um ambiente de disputa entre os
grupos envolvidos, a atividade promoveu um trabalho colaborativo que superou a di-
visão das equipes. Nesse sentido, foi evidenciada nos registros fotográficos e no diário
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de campo, uma intensa troca de informações entre os membros de diferentes equipes,
na busca de solucionar o desafio proposto em cada uma das fases da atividade. Nesse
âmbito as interações entre os estudantes promoveram a construção colaborativa do co-
nhecimento.
Portanto, o alto nível de engajamento e de motivação dos estudantes resultou em
um processo intensificado de trocas de informação no decorrer da atividade, tanto com
membros do grupo, quanto com membros de outros grupos. De acordo com os estudos
reunidos na fundamentação teórica, esses elementos permitem que o professor crie um
ambiente favorável para a construção dos conhecimentos uma vez que as interações são
potencializadas a partir dos elementos dos jogos.
Em relação a utilização da plataforma ‘Symbaloo Learning Paths’, foi possível
observar que ela possui todos os elementos necessários para dar suporte a estruturação
de uma atividade gamificada, uma vez que permite ao professor a personalização da
trilha de aprendizagem do estudante, divisão em níveis, atribuir recompensas para as
atividades desenvolvidas, fornecer o feedback em tempo real, e a criação de narrativas
e enredos.
No contexto da proposta de intervenção, foi possível observar a ausência de uma
narrativa para nortear o processo gamificado, que é responsável pela criação da esfera
do jogo, promovendo imersão dos usuários. Atribuímos isso ao pouco tempo destinado
para a aula experimental para o recurso, uma vez que o grupo responsável apresentou
receio em não concluir a atividade no tempo definido. No entanto, o grupo expôs a
possibilidade da estruturação de uma narrativa e mostrou como a plataforma do Sym-
baloo Learning Pathsoferece suporte para isso.
Ademais, foi possível observar que as mecânicas dos jogos oferecem aos estudan-
tes um nível de motivação em engajamentos favoráveis para os processos de ensino e
aprendizagem. A estrutura metodológica gamificada, quando desenvolvida com cau-
tela, considerando o perfil do estudante e os objetivos de aprendizagem, permite que
se desenvolva um processo de construção do conhecimento de forma crítica, colabora-
tiva e significativa.
Notas
1
Aprendizagem Baseada em Problemas – ABP.
2
Aprendizagem Baseada em Jogos Digitais (PRENSKY, 2012).
3
Disponível em: https://play.google.com/store/apps/details?id=com.lessonplanviewerapp&hl=pt.
Acesso em: 7 nov. 2022.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Gamificação em foco: uma experiência com a plataforma Symbaloo Learning Paths na pós-graduação
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v. 29, n. 2, Passo Fundo, p. 701-726, maio/ago. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
4
Disponível em: https://apps.apple.com/in/app/symbaloo-learning-paths/id1246240867. Acesso em: 7
nov. 2022.
5
Disponível em: https://learningpaths.symbaloo.com. Acesso em: 7 nov. 2022.
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ESPAÇO
PEDAGÓGICO
Diálogo com Educadores
Este artigo está licenciado com a licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Diálogo com educadores Dr. Marco Antonio Moreira
Marco Antonio Moreira
*
Cleci Teresinha Werner da Rosa
**
Na seção Diálogo com educadores desta edição da Revista Espaço Pedagógico
(REP), contamos com a participação do professor e pesquisador do Instituto de Física
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Dr. Marco Antonio Mo-
reira, que gentilmente acolheu nosso convite, concedendo uma entrevista a partir dos
trabalhos desenvolvidos com a Teoria da Aprendizagem Significativa. O Professor
Marco Antonio Moreira é considerado um dos precursores nos estudos dessa teoria no
Brasil e concedeu uma fala sobre a perspectiva de como essa teoria chegou ao Brasil e
como ela vem se consolidando como um dos referenciais mais utilizados e expressivos
para o campo do Ensino, em particular para o Ensino de Física. Na conversa com o
professor, pontuamos aspectos como a contribuição dessa teoria para a qualificação dos
processos de aprendizagem e sobre como os estudos avançaram em direção à instituição
de uma nova abordagem teórica envolvendo a perspectiva crítica (Teoria da Aprendi-
zagem Significativa Crítica). Por fim, o diálogo caminhou em direção a salientar que,
independentemente da estratégia utilizada e do enfoque, o necessário é que o professor
promova uma aprendizagem com significado e crítica. O que leva à defesa da institui-
ção da Aprendizagem Significativa como um paradigma.
1
Recebido em: 17/11/2022 Aprovado em: 18/11/2022
https://doi.org/10.5335/rep.v29i2.14081
ISSN on-line: 2238-0302
*
Licenciado em Física e Mestre em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Doutor em Ensino de Ciências
pela Cornell University, USA. Professor do Instituto de Física da UFRGS de 1967 a 2012, quando aposentou-se como
P
rofessor Titular.
**
Licenciada em Matemática com habilitação em Física. Mestre em educação pela Universidade de Passo Fundo. Doutora
pela Universidade Federal de Santa Catarina. Pós-doutorado pela Universidad de Burgos, España. Professora do curso de
Física e dos programas de pós-graduação em Educação e em Ensino de Ciências e Matemática na Universidade de Pass
o
F
undo, RS.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Marco Antonio Moreira, Cleci Teresinha Werner da Rosa
729
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REP Entre suas pesquisas assumem relevância os estudos associados à Teoria da
Aprendizagem Significativa (TAS), conte-nos um pouco sobre como se aproximou
dela e de que forma ela passou a ser incorporada em suas pesquisas e orientões de
mestrado e doutorado.
É um bom exemplo daquela história do efeito do acaso na vida da gente, tem até
um livro sobre isso que é o “Andar do bêbado”. Comecei a dar aulas em 1964, fui
professor de Física e Matemática na escola pública, na escola privada, depois fui convi-
dado para dar aula na universidade contratado pela CLT, mais tarde fiz concurso. Fiz
meu mestrado em Física com ênfase no ensino da Física, mas nessa época eu era muito
comportamentalista, muito behaviorista, seguia aquela história de definir claramente
os objetivos e ver se o aluno os atingiu, inclusive, dei aula em alguns países latino-
americanos sobre Análise Experimental da Conduta. Mas em 1971, ganhei uma bolsa
para fazer um “pós-mestrado” no exterior e era para fazer na Inglaterra, na Universidade
de Brighton, mas naquele ano os bolsistas não saíram. No ano seguinte, eu estava ainda
com a bolsa e não tinha para onde ir. Perguntando para um dos meus “gurus”, ele
respondeu: eu estive nos Estados Unidos em uma universidade que era muito boa e
tinha algumas coisas de ensino, você está interessado? Respondi que estava e ele disse
que me daria uma carta de recomendação.
Bem, a universidade era a de Cornell, nos Estados Unidos, que na época era uma
das dez melhores do mundo, e então passei a ser um “visiting fellow” do Departamento
de Física de Cornell, onde tinha dois ou três prêmios Nobel circulando por lá. E um
dia passando em um mural da universidade, vi um cartaz que dizia assim: conferência
hoje à tarde “meaningful learning” e me perguntei o que seria e pensei “vou assistir”.
Em resumo, era uma conferência do professor Joseph Novak sobre a Aprendizagem
Significativa. Aquilo mexeu comigo porque perguntei a mim mesmo, “mas escuta o
que você está fazendo se você não sabe se os teus alunos estão aprendendo com signifi-
cado ou não, tu não estás dando atenção para o significado”, daí mudou minha vida.
Quando voltei dos Estados Unidos, comecei a ir mudando, pouco a pouco, mi-
nhas estratégias de ensino. Depois, em 1975, voltei para os Estados Unidos para o
doutorado com o professor Novak que se dispôs a me orientar. Minha tese versou sobre
uma abordagem cognitivista ao ensino da Física. Então, foi assim que começou, pois a
partir daquela conferência e daquele pensamento autocritico, achei que deveria mudar
minhas práticas e mudei muito, mas continuei um professor muito bem-conceituado
pelos alunos, com muito boa relação com eles e fui mudando, até que comecei a fazer
trabalhos e pesquisas na Aprendizagem Significativa e a defendê-la.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Diálogo com educadores
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Só mais uma “coisinha”, trouxe para o Brasil o método Keller, um método to-
talmente behaviorista e nós o usamos inclusive no Instituto de Física, onde coordenei
o uso desse método, mas progressivamente fui mudando para a Aprendizagem Signifi-
cativa, na qual até hoje acredito muito e a vejo como um paradigma na atualidade. Não
me importa se a gente vai usar tecnologias ou se a gente ainda vai continuar com o
ensino um pouco tradicional, ou se vamos usar os games e outras estratégias, o que me
importa é que os alunos estejam aprendendo Física e Matemática, com significado.
Acho que com isso respondi à pergunta: eu mudei do comportamentalismo total, pro-
gressivamente, para uma Aprendizagem Significativa que praticamente abandona o
behaviorismo.
REP Ainda sobre essa teoria e considerando que o senhor é um dos pioneiros nas
pesquisas brasileiras vinculada a essa perspectiva teórica, gostaríamos que comentasse
um pouco sobre o caminho trilhado desde sua chegada, nas pesquisas educacionais,
até o momento atual em que pode ser considerada como um dos principais referen-
ciais, quando se discute a aprendizagem em Física.
Acredito que grande parte do meu sucesso é que sempre atuei como professor,
sempre estive na sala de aula, nunca deixei de ser professor, até que me aposentei. En-
tão, claro, tive muitas publicações, muitas palestras, orientações sempre dentro daquilo
que eu acreditava que era uma aprendizagem com significado, uma aprendizagem com
compreensão dos conteúdos trabalhados, e, assim, consegui muita credibilidade: é um
professor que está falando de uma teoria de sala de aula e destaca variáveis importantes,
como é o caso do interesse e de levar em conta onde está o aluno, o seu conhecimento
prévio.
Mais tarde também fiz pontes com outros autores sobre a questão da intencio-
nalidade, de partir sempre de onde o aluno está, mas comecei e sempre continuei
enfatizando essa questão da Aprendizagem Significativa, tenho muitas publicações, “n”
livros, quase 300 artigos, mas eu nunca fiz propaganda, eu queria falar sobre uma ideia,
sobre uma coisa de sala de aula, porque essa preparação dos alunos para as provas me
irrita, isso não é ensino, isso distorce a educação.
Acho que muitos professores talvez tenham feito o mesmo questionamento que
eu. Sou professor e, claro, quero que meus alunos aprendam. Foi uma teoria que teve
muita aceitação da comunidade no Brasil e ainda hoje é impressionante como recebo
mensagens do tipo: “sou aluno da licenciatura e li muito seus artigos e queria isso e
aquilo”.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Marco Antonio Moreira, Cleci Teresinha Werner da Rosa
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REP No seu entendimento e frente as imeras pesquisas já desenvolvidas, quais
seriam as principais contribuições dessa teoria à aprendizagem em Física?
Penso que a principal contribuição é que essa teoria evidencia a importância de
duas coisas: o interesse dos alunos, a intencionalidade, o querer aprender e o conheci-
mento que esse aluno já tem. Esses aspectos são fundamentais! Você não vai conseguir
ensinar nada se os seus alunos não tiverem interesse e intencionalidade. Isso aparece em
Freire também e em outros como Dewey. A Aprendizagem Significativa toma isso
como um dos pilares, e o outro pilar é levar em conta o conhecimento prévio dos alu-
nos, não são os tais pré-requisitos, é o que tem na “cabeça” do aluno.
A grande importância de todos esses trabalhos e todas essas teses que fizemos por
aí é mostrar a importância do interesse e do conhecimento prévio. Os nossos alunos na
Física, muitas vezes, são desinteressados, tem baixa autoeficácia e mencionam: “não
vou dar conta disso, eu vou decorar essas coisas”. Em um enfoque de Aprendizagem
Significativa é preciso levar em conta essas variáveis, o interesse do aluno, a baixa au-
toeficácia, tratando de levantá-la, a autorregulação do aluno, tudo isso tem que ser
levado em conta.
Isso também são coisas que quando comecei na Aprendizagem Significativa não
pensava nisso, mas hoje vejo que, por exemplo, o Dewey já em 1916 falava na impor-
tância do interesse, na importância da experiência. Eu também não conhecia Freire,
fiquei freireano depois. Freire dizia que o aluno tem que se assumir, tem que ter uma
intencionalidade e tem que partir de onde ele está e essas condições são coerentes com
a Aprendizagem Significativa. Ausubel, o autor original, tinha essa pergunta: “mas o
que faço para os meus alunos aprenderem com significado?”. Com isso ele chegou a
dois fundamentos: eu tenho que despertar o interesse e tenho que levar em conta o
conhecimento deles.
REP Como um avanço em relação ao proposto por David Ausubel e Joseph Novak
em relação a TAS, o senhor propôs a Teoria da Aprendizagem Significativa Crítica.
Poderia falar um pouco como surgiu essa perspectiva teórica e no que ela se propõe
a avançar em relação a TAS?
Eu vou de novo na autocrítica, eu comecei a ler Freire, li Postman “O ensino
como atividade subversiva” e pensei assim comigo mesmo, “ok, eu acho importante
que aprendam com significado e com compreensão, mas será que eles têm que aceitar
passivamente isso? Será que não tem outros significados, será que não tem outras ma-
neiras de interpretar tais efeitos? Essas leis são definitivas?”. E me fiz essa autocrítica, e
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Diálogo com educadores
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disse não. Não, eu tenho que mudar o ensino, não posso fazer um ensino que, embora
busque a Aprendizagem Significativa, seja muito determinista, em que o aluno tenha
que entender passivamente, entender e aceitar.
Não é que queira formar um sujeito crítico que não aceita nada, quero formar
uma pessoa que entenda que o que está estudando hoje de Física pode mudar, mas isso
não significa que o que está estudando hoje não seja o melhor que temos agora. Veja
bem, sobre o universo nós conhecemos da ordem de 5%, e então, também, não gosto
da ideia que deve ser a mesma metodologia, “porque isso é uma receita e isso tem que
ensinar assim”, não... vamos ensinar de maneiras diferentes, vamos fazer um mix do
clássico com as tecnologias digitais, é nesse sentido que eu cheguei em uma Aprendiza-
gem Significativa, porém crítica. Crítica no sentido de não aceitar tudo passivamente.
Entender, mas entender com crítica, por exemplo, quando falo na incerteza do conhe-
cimento, os alunos perguntariam por que se esse conhecimento é incerto, respondo
vamos devagar, os conhecimentos são incertos, mas isso não quer dizer que tal conhe-
cimento não seja bom, que ele não possa mudar ou que possa haver outras
explicações/alternativas. Foi basicamente a partir das minhas leituras de Neil Postman
li quase todas suas obras, e também por ter começado a ler as obras do nosso querido
Freire.
Sem dúvidas, podemos dizer que a TASC é um avanço da TAS, uma outra pers-
pectiva, sem rejeitar as condições da anterior, mas buscando alternativas de estratégias
e de significados.
REP A TAS e TASC se tornam referenciais importantes ao ensino de Física e a
Educação Científica em linhas gerais. Nesse sentido, gostaríamos de saber como as
pesquisas brasileiras se situam no cenário mundial em se tratando da aprendizagem
a partir desse viés cognitivista.
Essa pergunta é muito difícil, porém tenho bastante vivência no exterior e não
percebi teorias mundiais. O que mais percebo é que, mais ou menos, cada país tem as
suas teorias, então acho que o Brasil tem bastante teorias, bastante publicações nesse
sentido e, principalmente, apresentações em congressos, mas não sei se, mundialmente,
tem algum impacto, o que eu vi quando andei por aí, na Inglaterra, França, Estados
Unidos e Alemanha, é que muita coisa é mais local mesmo.
REP Na atualidade e do seu ponto de vista, quais seriam os maiores desafios das
pesquisas no campo da aprendizagem? E que perspectivas temos em relação ao fu-
turo?
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Marco Antonio Moreira, Cleci Teresinha Werner da Rosa
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Essa é uma pergunta muito importante e o maior desafio que temos é acabar com
esse ensino para a testagem. Isso distorce e não é educação! Os alunos são treinados
para as provas e fazem duas ou três provas por semana pelo menos, mas o importante
é fazer prova, dar a resposta correta, depois o importante é passar no ENEM, por exem-
plo. Então um país inteiro, do nosso tamanho, com tanta diversidade, acaba por ser
submisso de uma prova nacional, o que não concordo. Isso é também socialmente in-
justo, pois os que passam são os das melhores escolas, que melhor treinam para as
provas, e os professores são obrigados a seguir esse modelo. Por mais que os professores
acreditem sobre a importância da participação dos alunos, da empatia, da Aprendiza-
gem Significativa, são cobrados para preparar os alunos para as provas, o que,
mundialmente, é conhecido pelo termo “teaching for testing”. Isso está distorcendo a
educação! Eu não concordo com nada disso e os professores são desvalorizados, sendo
obrigados a seguir esta lei, essa regra de preparar os alunos para as provas, particular-
mente para a prova do ENEM, do Pisa, outras provas nacionais e internacionais.
REP Para finalizar, gostaríamos que o senhor falasse um pouco sobre a importân-
cia da formação continuada dos professores e como isso pode se tornar uma realidade
frente a um modelo que concilia a formação e a atuação profissional, como é o caso
dos programas profissionais.
Eu acho que a formação continuada é fundamental e ela tem que ser pratica-
mente permanente, porque é impossível um professor aprender tudo em um curso de
4 anos de curso. Algumas vezes esses cursos são frágeis, então temos alunos que saem
de algum curso de Física sem saber Física ou mesmo achando que as estratégias de
ensino são aulas teóricas e resolução de problemas. Esse professor quando vai para es-
cola e ouve falar sobre Aprendizagem Significativa, uso das TICs, pode se questionar e
querer aprender mais, fazer um mestrado, por exemplo. Então, ele pode se questionar:
“que mestrado vou fazer?”. Agora chegamos nessa possiblidade de oferecer um mes-
trado profissional, voltado para a profissão, para a sala de aula e um mestrado que
respeita o professor, pois é focado nele. Claro que acho os mestrados e doutorados
acadêmicos importantes, mas são focados na pesquisa básica, e ela é importante. Então
ao invés de ficar brigando, devíamos colaborar e ver como podemos transferir essa pes-
quisa básica para a sala de aula, porque nós temos 50 ou 60 anos de pesquisa e o impacto
na sala de aula é quase nenhum, e isso é mundial, não é só no Brasil.
Então vejo um grande potencial nos mestrados profissionais, mas é claro que têm
que dar atenção aos conteúdos também. Não tenho vergonha de dizer que sou “con-
teudista”, pois ensinar sem saber conteúdo é uma farsa. Nossos mestrados e doutorados
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Diálogo com educadores
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profissionais têm uma ênfase em conteúdo, mas também em teorias de aprendizagem
e estratégias de ensino e em produzir algum produto para a sala de aula. Aí, voltamos
ao problema anterior e os professores têm permissão das escolas para fazer uma experi-
ência de algumas semanas, alguns meses, introduzindo novas metodologias e novos
produtos, mas, quando essa etapa termina, têm que continuar igual, têm que continuar
preparando para as provas. É comum que se diga: “Não, professor. Essa metodologia é
muito interessante, mas o importante agora é preparar o aluno para a prova”.
Nós não temos que ser quixotescos, mas temos que tentar fazer um mix com isso,
as avaliações não podem ser só baseadas em provas. Essas provas só medem, essas provas
de múltipla escolha só medem quantas respostas certas foram dadas e não dizem se o
aluno as entendeu ou não. Mas também não posso dizer: “vamos acabar com as provas,
nunca mais vamos fazer”. Não, vamos tentar fazer um mix entre provas e avaliações de
natureza mais qualitativa de modo que o aluno participe mais.
REP Tem mais alguma questão que seria importante de colocar?
Uma coisa que tenho defendido é a Aprendizagem Significativa como um para-
digma. Acho que não precisamos, simplesmente, criticar o ensino tradicional que não
serve para nada, mas se tenho um ensino tradicional e se quero a Aprendizagem Signi-
ficativa, posso aproveitar minhas aulas para isso, para discutir com os alunos, apresentar
de outra maneira, etc. Se estou defendendo o uso das tecnologias digitais totalmente,
ok, mas preciso, também, ter um paradigma de que meus alunos têm que aprender
com compreensão e com significado. Eles precisam ser capazes de explicar as coisas,
descrevê-las. Não adianta só chegar na resposta certa, só acertar sem entender o que
aconteceu, então eu tenho defendido a Aprendizagem Significativa como um para-
digma, que tem lugar para diferentes estratégias, mas com o objetivo sempre de gerar
uma aprendizagem com significado, e mais recentemente, com significado e ainda crí-
tica. Crítica, no sentido de não aceitar como verdades absolutas o que está sendo
ensinado, mas sim as verdades que temos agora.
Além da criticidade, da Aprendizagem Significativa, acho que a Ciência, a Física,
tem que ser ensinadas para a cidadania. Isso é muito importante, mais do que aprender,
decorar respostas corretas, entender que nós vivemos em um mundo de Física, Química
e Biologia e que a nossa cidadania depende de tudo isso. É só ver as bobagens que
aconteceram na pandemia, porque não entendem que o ensino de Física, o ensino de
Ciências também é um ensino para a cidadania, um ensino para a formação do cidadão,
da cidadã.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Marco Antonio Moreira, Cleci Teresinha Werner da Rosa
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Tenho defendido muito a questão do interesse. Tenho alertado nas minhas pa-
lestras que, sem despertar o interesse dos alunos, nós estamos perdidos. Despertar e
aumentar esse interesse, que pode ser nulo no começo, mas a gente tem que pensar em
despertar o interesse e ir vendo que esse interesse vai aumentando. Temos que acabar
com o sentimento de baixa autoeficácia em Física e Matemática, que os alunos dizem
“eu vou desistir porque eu não entendo nada, vou desistir, isso não é para mim”. É para
todos, apesar de termos escolhas. Despertar o interesse, para que os alunos percebam a
relevância do ensino científico para a cidadania.
E na formação continuada, tenho defendido muito os mestrados profissionais e,
agora, estou feliz com os doutorados profissionais. Gostaria de ter contribuições dos
acadêmicos e não disputas. É o que acontece na educação, mas também na ciência em
um modo geral: a pesquisa produz conhecimento científico, mas e a tecnologia? Não
adianta só produzir conhecimento e não gerar tecnologia, que é o que acontece no
nosso país.
Nós somos grandes publicadores no mundo, mas não somos quase nada em ter-
mos de gerar novas tecnologias. Assim, pesquisa e desenvolvimento devem estar
associados e sem achar que a tecnologia é menos, como muitas vezes acontece no Brasil.
O impacto é muito maior quando se publica um artigo do que quando se publica
um produto educacional, enquanto o efeito na sala de aula é o contrário. Mas os dois
são importantes e um não é melhor do que o outro.
Nota
1
Neste diálogo os termos professor e aluno serão usados sem nenhuma alusão a gênero.
ESPAÇO
PEDAGÓGICO
Resenha
Este artigo está licenciado com a licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
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v. 29, n. 2, Passo Fundo, p. 737-740, maio/ago. 2022 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Metacognição no ensino desica: da concepção à aplicação
Camila Boszko
*
Se aventurar com a leitura deste livro de Cleci deveria ser tarefa obrigatória a
todos aqueles interessados em pesquisar ou mesmo desenvolver o pensamento meta-
cognitivo efetivamente. O livro foi publicado em 2014, pela Editora da Universidade
de Passo Fundo, e tem como cerne a pesquisa construída pela autora em seu processo
de doutoramento em Ensino Científico e Tecnológico pela Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC). Objetivando construir subsídios teóricos na área de ensino de
Física, ainda que o produto final se expanda à ciência em geral e também possa ser
adaptada à todas as áreas do conhecimento, esta obra constrói uma discussão e defende
a metacognição como favorecedora da aprendizagem. Organizado em sete capítulos
compostos por 175 páginas, o livro apresenta desde a raiz teórica do termo até possibi-
lidades de aplicabilidade em contexto real de sala de aula.
A apresentação da obra é feita pelo professor doutor José Otero, da Universidade
de Alcalá, Espanha. O professor é um pesquisador reconhecido no que tange à meta-
cognição e, em suas palavras, reforça a importância e o potencial do livro construído
por Cleci. O autor inicia contextualizando o papel da metacognição nas concepções
educacionais e o costura com o potencial da referida obra, dando destaque para aim-
portancia que tiene la metacognición para la comprensión y la mejora de los procesos de
aprendizaje escolar” (p. 8).
O primeiro capítulo discute a origem, a definição e a polissemia da metacogni-
ção. Quanto à origem destaca que, ainda que tenha sido um processo lento e gradual e
que haja diversas fontes teóricas e históricas, o termo foi cunhado por John Flavell e
teve sua primeira aparição em textos científicos oficialmente em 1976 (mesmo que o
autor já tenha sinalizado sua existência em textos anteriores). A autora reconstrói com
cuidado os objetivos dos estudos e os autores envolvidos diretamente na definição feita
por Flavell. Além disso, a autora também discute que as primeiras definições foram
mais limitadas e gradualmente a metacognição foi se expandindo e atingindo horizon-
tes maiores de percepção.
Recebido em: 26/10/2022 Aprovado em: 26/10/2022
https://doi.org/10.5335/rep.v29i2.13922
ISSN on-line: 2238-0302
*
Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus de Cerro Largo - RS
(2016). Mestra (2019) e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade de Passo Fundo
(UPF). Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4257-622X. E-mail: camila.boszko@gmail.com.
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Para definir metacognição, Cleci se utiliza da versão clássica proposta por Flavell
e interpreta as componentes do conceito utilizando-se de outros estudos e referenciais.
A saber, Cleci adota a concepção de metacognição como um processo de “tomada de
consciência do sujeito sobre seus conhecimentos, sobre seu modo de pensar” (p. 17) o
que “favorece a regulação de ações, possibilitando maior êxito nesse processo” (p. 17).
Essa grande concepção é mobilizada a partir de duas grandes componentes, as quais são
mediadas, cada uma delas, por três elementos. A primeira componente é a Conheci-
mento do conhecimento, a qual é composta pelos elementos: pessoa, tarefa e estratégia.
Para além do texto clássico de Flavell, nesta componente Cleci também se apoia em
um estudo de Flavell e Wellman para caracterizar cada elemento. A componente Con-
trole executivo e autorregulador é constituída pelos elementos: planificação, monitoração
e avaliação. Cleci discute que nos estudos de Flavell não há muita ênfase nesta parte da
metacognição, logo se utiliza os trabalhos de Brown para caracterizá-la.
Para fechar o primeiro capítulo, a autora destaca que essa concepção de metacog-
nição não é a única, mas sim a que ela, no momento, julga ser a mais pertinente para
o seu contexto de aplicabilidade. Porém, discute ainda que com a expansão e popula-
rização do termo, a metacognição vem atingindo outros horizontes e sendo incorporada
em pesquisas de outras áreas do conhecimento. Claro que este é um processo positivo,
devido à importância do pensamento de ordem metacognitiva, todavia, essa expansão
desenfreada acabou gerando uma polissemia do termo e, por vezes, uma nebulosidade
teórica. Ainda, destaca que, apesar deste processo polissêmico, na acadêmica em geral
existe um consenso quanto ao núcleo do termo ser um processo de controle cognitivo,
o que a leva ao próximo capítulo.
No capítulo 2 a discussão centra-se nas influências e fundamentos da psicologia
cognitiva. A autora inicia caracterizando e defendendo a importância das pesquisas na
área e fazendo relação direta com a aprendizagem, tendo em vista que ambas se centram
no processo de apuração da informação - cada qual com suas especificidades. A partir
desta relação, introduz-se a metacognição como meio de consciência e controle da in-
formação e ainda como potencial de aprendizagem. Dois teóricos da área da psicologia
cognitiva e que construíram grande reconhecimento e influência na educação são Pi-
aget e Vygotsky. Estes autores trouxeram possibilidades para o desenvolvimento da
cognição humana e, consequentemente, influenciam os processos de aprendizagem,
por isso Cleci destina a maior parte deste capítulo para mostrar que a metacognição
está presente em suas teorias, ainda que sem o uso direto do termo. Discutindo as duas
perspectivas teóricas e baseando-se na metacognição, a autora aponta um caminho em
comum: associação à concepção construtivista, a qual relata no próximo capítulo.
ESPAÇO PEDAGÓGICO
Camila Boszko
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Seguindo o fio da meada apontado anteriormente, o terceiro capítulo centra a
discussão na aproximação construtivista com a metacognição. Cleci discute o que ca-
racteriza a abordagem construtivista e defende que a metacognição, justamente por sua
aproximação com o construtivismo, envolve o processo de mudança conceitual decor-
rente de um conflito cognitivo. Seguindo essa discussão, a autora destaca que a
metacognição é necessariamente um processo individual, mas que é mediada constan-
temente por processos e entornos sociais e culturais. Logo, essa mediação externa
também é guiada por aspectos para além do cognitivo, ou seja, envolve questões afeti-
vas. Essas questões são dissertadas na última parte do capítulo, ficando cristalino que a
afetividade tem influência na construção, mobilização e operacionalização do pensa-
mento metacognitivo.
O capítulo quatro começa a direcionar a discussão para a sala de aula. Na opor-
tunidade, a autora defende que para estimular a metacognição faz-se necessário que se
mobilizem estratégias de aprendizagem específicas. Para tanto, a autora inicia caracte-
rizando o que são estratégias de aprendizagem para que, em seguida, as situe em
situações envolvendo a metacognição. O capítulo encerra com a defesa da necessidade
de construção de um novo modelo de contrato didático. Esse novo modelo deve ser
explícito, com funções claras e objetivas de forma que o professor seja o sujeito que vai
mediar o conhecimento e o aluno o sujeito promotor de mecanismos favoráveis para a
sua aprendizagem. Pressupõe-se uma quebra de paradigmas, a responsabilidade recai
sobre o aluno, isto, pois, a metacognição é um processo do sujeito sobre a sua cognição
(ora, como poderia outro sujeito se não ele próprio mediar a construção de seu saber?).
Porém, como já apontado, o processo também envolve influências externas e, para que
o professor consiga mediar a construção do conhecimento, seguindo uma abordagem
metacognitiva, é necessário guiar sua ação com ferramentas didáticas que abranjam seu
objetivo de ensino.
Sendo assim, o quinto capítulo discute justamente as ferramentas didáticas me-
tacognitivas. Para tal intuito, a autora apresenta algumas ferramentas já utilizadas,
embasando-se em pesquisas da área de Ciências que tiveram sucesso na ativação da
metacognição. Destaca-se que as estratégias de aprendizagem são mobilizadas a partir
das ferramentas didáticas, por isso torna-se importante e necessário aplicar diferentes
estratégias sob diferentes objetivos, possibilitando que o aluno se mobilize diante de
tais movimentos e regule seus processos (atuais e futuros) diante da respectiva situação.
Seguindo a discussão, constrói-se no capítulo 6 um diálogo sobre as ações didá-
ticas associadas ao ensino de Física e suas respectivas relações com a metacognição.
Nesse espaço, dá-se ênfase à importância de guiar as ações docentes de acordo com os
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objetivos de ensino e aprendizagem tornando-as situações organizadas pelos professores
para favorecer a construção de determinado conhecimento. Essas situações podem ser
mobilizadas a partir das ferramentas discutidas no capítulo anterior. Apresenta-se,
como forma de relato de experiência, algumas pesquisas envolvendo ações didáticas
pautadas no pensamento metacognitivo.
O sétimo e último capítulo é o pote de ouro no fim do arco-íris. Como encerra-
mento da obra, Cleci propõe uma estruturação para atividades experimentais
metacognitivas. De maneira mais direta, a autora sugere uma aplicação didático-meto-
dológica da metacognição como instrumento de aprendizagem (e também ensino) em
um contexto real de sala de aula. Assim, reiterando que é possível estimular a promoção
do pensamento metacognitivo nas escolas, sem necessitar de ferramentas ou recursos
que já não possuamos à disposição. Ou seja, a promoção da metacognição pode ser
estimulada a partir de ações didáticas, guiadas por ferramentas específicas, que não ne-
cessitam mais do que um professor disposto e um aluno motivado. Todavia, faz-se
necessário conhecer a metacognição para tomar consciência de como promovê-la.
Como a metacognição é uma temática relativamente nova, o livro de Cleci é um
oásis em meio ao mar de teorias desconhecidas. Isto, pois, apresenta objetivamente as
teorias que embasam a metacognição, fazendo também o movimento de apontar para
outras possibilidades. E, além disso, discute como essa teoria se desenvolve na prática,
de forma efetiva. Sendo assim, esse é um livro importante para iniciantes no estudo da
temática, por apontar os referenciais clássicos e como foram sendo interpretados; mas
também para aqueles que adotam a profissão docente a partir de uma perspectiva de
formação e aperfeiçoamento constante. As propostas e relatos de experiência são cen-
tradas no ensino de Física, porém todo aluno e todo professor pode transpor as
discussões para os seus processos formativos. A discussão feita por Cleci nesta obra, nos
convida a refletir sobre os processos de ensino e aprendizagem, e mais do que isso, nos
estimula metacognitivamente - uma vez que nos põe a questionar nossas mobilizações
cognitivas a partir dos relatos e teorias discutidos. Poderíamos afirmar que o próprio
livro se converteu em uma ferramenta didática metacognitiva? O livro cumpre seu ob-
jetivo: justifica a metacognição como favorecedora da aprendizagem. E mais que isso,
nos mostra que ser metacognitivo faz-se humanamente cada vez mais essencial.
Referência
ROSA, Cleci Teresinha Werner da. METACOGNIÇÃO NO ENSINO DA FÍSICA: da
concepção à aplicação. Passo Fundo: Editora Universidade de Passo Fundo, 2014. 175 p.