ESPAÇO
PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO
Bernadete Maria Dalmolin
Reitora
Edison Alencar Casagranda
Vice-Reitor de Graduação
Antônio Thomé
Vice-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação
Rogerio da Silva
Vice-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários
Cristiano Roberto Cervi
Vice-Reitor Administrativo
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
Adriana Dickel
Diretora
ISSN on-line 2238-0302
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Revista Espaço Pedagógico [online] / Universidade de Passo
Fundo, Faculdade de Educação. – Vol. 16, n. 2 (2009)- . –
Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2009-
Anual: 1994-1998. Semestral: 1999-2016. Quadrimestral:
2017-.
eISSN 2238-0302.
Modo de acesso: <http://seer.upf.br/index.php/rep>
1. Ciências humanas – Periódico. 2. Educação – Periódico.
I. Universidade de Passo Fundo. Facu
ldade de Educação.
CDU: 37
Bibliotecária responsável Jucelei Rodrigues Domingues - CRB 10/1569
Indexação: Latindex
IRESIE
Ulrich’s
Edubase
Diadorim
Sumarios.org.
LiVre
Portal Revistas no SEER/IBICT
Portal de Periódicos CAPES
Catalogação: CCN - Catálogo Coletivo Nacional de Publicações
Seriadas - www.ibict.br
ESPAÇO
PEDAGÓGICO
Editora-Chefe
Dra. Flávia Eloisa Caimi
Editores associados
Dr. Altair Alberto Fávero
Dr. Ângelo Vitório Cenci
Dr. Cleci Werner da Rosa
Dr. Telmo Marcon
Apoio Técnico
Wagner Bertoncello Callegari
Regiano Bregalda
Projeto gráco e produção da capa
Agecom
Membros internacionais
Dra. Rosa Maria Torres - Instituto Fronesis Quito - Buenos Aires/AR
Dr. Hans-Georg Flikinger - Universidade de Kassel/DE
Dr. Bernard Charlot - Universidade de Paris/FR
Dr. Heinz Eidam - Universidade Kassel/DE
Dra. Patricia B. Lerch - University of North Carolina/US
Dr. Aristeo Santos López - Universidad Autónoma del Estado de
México/MX
Dra. Isabel Sanches - Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias/PT
Dra. Nadja Maria Acioly - Régnier - IUFM/Université Claude Bernard
Lyon1/FR
Dra. Margarita Sgró - UNCPBA/AR
Dra. Norma González González - Universidad Autónoma del Estado
de México/MX
Dr. Cristian Perez Centeno - Universidad Nacional de Tres de
Febrero/AR
Membros nacionais
Dr. Dermeval Saviani - Unicamp
Dr. Fernando Gonzalez Rey - Puccampinas/Uniceub/Iesb
Dr. Gaudêncio Frigotto - UFF
Dr. João Wanderley Geraldi - Unicamp
Dr. José Carlos Libâneo - Universidade Católica de Goiás
Dr. Lucídio Bianchetti - UFSC
Dr. Nicanor Palhares Sá - UFMT
Dr. Osvaldo Giacoia Junior - Unicamp
Dr. Antônio Joaquim Severino - USP/Uninove
Dr. Nelson Pretto - UFBA
Dr. Pedro Ângelo Pagni - Unesp/Marília
Dr. Ângelo R. de Souza - UFPR
Dr. Bruno Pucci - Unimep/Piracicaba
EDITORA
editora@up f.br
www.upf.br/editora
EDITORES
Glauco Ludwig Araujo
Ivan Penteado Dourado
REVISÃO
Ana Paula Pertile
Cristina Azevedo da Silva
Daniela Cardoso
PROGRAMAÇÃO VISUAL
Rubia Bedin Rizzi
Sirlete Regina da Silva
SUPORTE TÉCNICO
Carlos Gabriel Scheleder
ESPAÇO
PEDAGÓGICO
SUMÁRIO
Editorial .............................................................................................................................................................318
Pensamiento computacional: una nueva exigencia para la educación del siglo XXI ............................................323
Computational thinking: a new demand for education of the 21st century
Edith Soria Valencia, Carol Rivero Panaqué
Media literacy, coding e cittadinanza digitale: apprendere e costruire con le tecnologie....................................338
Alfabetização midiática, codicação e cidadania digital: aprender e construir com as tecnologias
Mario Pireddu
Ensinar programação em ambientes e-learning: preocupações e propostas no âmbito do modelo pedagógico
virtual da Universidade Aberta de Portugal .......................................................................................................352
Teaching programming in e-learning environments: concerns and proposals within the scope of the virtual pedagogical
model of the Open University of Portugal
Marcos Luiz Mucheroni, Elizabeth Simão Carvalho, Adérito Fernandes Marcos
A programação de jogos como um instrumento motivador da aprendizagem ...................................................370
Game programming as a motivating instrument of learning
Sergio Crespo Coelho da Silva Pinto, Marcelo Simas Mattos
Programação de computadores como uma alternativa ao modelo metodológico padrão da apropriação
da informática em processos educativos ............................................................................................................395
Computer programming as an alternative to the standard methodological model of appropriation of information
technology in educational processes
Marco Antonio Sandini Trentin, Ricardo Shitsuka, Adriano Canabarro Teixeira
Novos desaos da educação a distância: programação e uso de Chatbots ..........................................................410
New challenges in distance learning: programming and use of Chatbots
Daniela Melaré Vieira Barros, Aníbal Martins Guerreiro
Aprendizagem baseada em projetos num curso de técnico superior prossional de desenvolvimento
de software ........................................................................................................................................................432
Project-based learning in a higher professional technical course in software development
Paulo Alves, Carlos Morais, Luísa Miranda
Ensino de programação em robótica com Arduino para alunos do ensino fundamental: relato de experiência .......456
Teaching Arduino robotics programming for elementary school students: experience report
Luciano Frontino de Medeiros, Luana Priscila Wünsch
A formação de professores no Pibid: novas práticas, novos desaos ...................................................................481
The formation of the teachers at Pibid: new practices, new challenges
Liliane Silva de Antiqueira, Celiane Costa Machado, Elaine Corrêa Pereira
Educação não formal no contexto brasileiro e internacional: tensões que perpassam a formulação conceitual ....... 498
Non-formal education in the Brazilian and international scenario: tensions that permeate its conceptual formulation
Renata Sieiro Fernandes, Valéria Aroeira Garcia
Ambientalização curricular: estudo de caso do curso de tecnologia em logística ............................................... 518
Curricular environmental: case study of the logistics technology course
Mario Sergio Cunha Alencastro, Jorge Wilson Michalowski
Concepções dos alunos sobre os tensionamentos étnico-raciais na escola e na sociedade..................................533
Students’ conceptions of ethnic-racial tensions in school and society
Fernanda Wanderer, Mônica Nunes
Proposta de avaliação de pessoas com deciência na escola: reexões acerca das múltiplas linguagens ...........555
Proposal for evaluation of people with disabilities at school: reections on multiple languages
José Anchieta de Oliveira Bentes, Rita de Nazareth Souza Bentes, Huber Kline Guedes Lobato
Reexões sobre a relação de crianças surdas com um recurso digital para a apropriação de língua
portuguesa escrita em ambiente escolar ............................................................................................................ 577
Reections on the relationship of deaf children with a digital resource for the appropriation of Portuguese written in
a school environment
Heloísa Andreia de Matos Lins, Janaina Cabello
Diálogo com educadores ....................................................................................................................................597
André Luís Alice Raabe
Resenha
Revolução digital e educação: e agora? ..............................................................................................................605
Maria Augusta D’Arienzo
Individualismo, autorreconhecimento e convívio ...............................................................................................612
Claudionei Vicente Cassol
318
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 318-322, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
ESPAÇO
PEDAGÓGICO
EDITORIAL
Na sociedade contemporânea, programar não é importante somente para
profissionais da área de Tecnologia da Informação, mas para qualquer pessoa em
qualquer idade. Desenvolver habilidades de programação já no ensino fundamen-
tal cria situações que podem contribuir decisivamente para alavancar o potencial
das crianças no processo de construir conhecimento quando, onde e se precisarem.
Programar computadores está centrado no desenvolvimento de habilidades
cognitivas e não na memorização de conteúdos. Tal direcionamento é fundamental
em uma sociedade em que ter acesso a conteúdos não é mais prerrogativa do am-
biente escolar. Em pesquisa realizada por Martin Hilbert,
1
identificou-se que 97%
da informação da Terra está disponível em formato digital, dos quais 80% estão
disponíveis na internet.
O filósofo italiano Umberto Eco aponta que a sociedade do futuro será compos-
ta por três castas: a primeira, mais numerosa e na base da pirâmide, será formada
pelas pessoas que percebem o mundo pelos meios de comunicação de massa; a
segunda, intermediária na forma piramidal, será composta pelas pessoas que utili-
zam computadores, ou seja, utilizam e-mail, possuem contas em redes sociais, etc.;
e a terceira, a elite intelectual da sociedade do futuro, será composta por pessoas
que saibam programar computadores. Além disso, caso não aumentemos drasti-
camente o número de pessoas capazes de programar computadores, teremos um
colapso global em pouco tempo, uma vez que, com o advento da internet das coisas,
tudo será programável!
Entretanto, mais do que dar uma resposta às demandas do mundo contempo-
râneo, cada vez mais informatizado e programável, existe um número significativo
de desdobramentos desta prática para o desenvolvimento humano que a educação
não deve ignorar. Dentre eles, podemos destacar os seguintes.
319
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 318-322, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
A programação desenvolve nas crianças uma cultura de produção de tecnolo-
gia e não somente de consumo. O desenvolvimento de uma postura de protagonis-
mo na criação de soluções para problemas que vão desde movimentar um gatinho
na tela – no caso do ambiente de programação Scratch, criado pelo Instituto de
Tecnologia de Massachusetts – até programar um braço robótico para levar uma
bolinha de isopor do ponto A ao ponto B.
A programação cria um espaço aberto para que as crianças expressem livre-
mente suas ideias, de forma multimídia, e testem suas hipóteses de melhor solução
para o que querem. Portanto, é pertinente afirmar que a programação de computa-
dores possibilita expressões criativas por parte das crianças.
Uma das grandes questões da educação é a nossa inabilidade em tratar o
erro. Não raramente, ele é visto como um atestado de incompetência, quando, na
verdade, é uma oportunidade rica de aprendizagem. Assim, aterrorizados pelo erro
e sua característica tinta vermelha, desenvolvemos em nossos estudantes a falsa
sensação de que não devemos experimentar, tentar novas soluções, sair da “trilha
de ouro” do livro didático, das lâminas do professor ou do que foi escrito no quadro.
Tudo para que não tenhamos que nos deparar com o erro. Ter medo de errar mata
gradativamente qualquer centelha de criatividade! Na programação, o erro acon-
tece, é detectado em tempo real e pode ser tratado imediatamente pela criança com
a ajuda dos colegas. Aprender a trabalhar com o erro é uma das grandes contribui-
ções da programação de computadores.
Programar computadores auxilia no desenvolvimento de competências de ma-
nipulação e seleção de informação, fundamentais em um mundo no qual a inter-
net nos dá acesso a uma quantidade de informação inimaginável 10 anos atrás.
Aprendendo a selecionar, criar e gerir múltiplas formas de mídia, incluindo textos,
imagens, animações e áudios, as crianças se tornam mais perspicazes e críticas na
análise dos recursos disponíveis.
Programar nos ajuda a desenvolver competências de comunicação. Uma co-
municação eficaz requer mais do que a capacidade de ler e escrever textos. Nessa
perspectiva, programar computadores envolve as crianças na escolha, manipula-
ção e integração de uma grande variedade de mídias, para se expressarem, indivi-
dualmente, de forma criativa e persuasiva.
Programar computadores auxilia no desenvolvimento do raciocínio crítico e do
pensamento sistêmico. Para construir seus projetos, as crianças necessitam coor-
denar o tempo e a interação entre múltiplos objetos móveis programáveis. Para
320
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 318-322, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
programar, é preciso definir de antemão os passos necessários, todos os procedi-
mentos e sua ordem, a fim de que se possa resolver o problema apresentado.
A programação apoia a formulação de hipóteses de resolução de problemas.
Criar um programa requer que a criança, considerando um problema, divida-o em
partes menores, defina passos para solucioná-lo, formule hipóteses de resolução e
teste-as.
Programar aprimora competências interpessoais e de colaboração. Por ser,
geralmente, construído com blocos gráficos, o código de programação é mais com-
preensível e compartilhável, facilitando a colaboração entre as crianças e potencia-
lizando a partilha de blocos de código.
A disciplina e a iniciativa são duas competências desenvolvidas no ato de pro-
gramar. Ter uma ideia e descobrir como transformá-la em um programa de com-
putador requer persistência e prática. Quando os jovens trabalham em projetos
baseados em ideias que consideram pessoalmente importantes e significativas,
estas geram motivação para ultrapassar os desafios e as frustrações encontrados
no processo de concepção e de resolução de problemas.
A programação de uma solução para um problema real requer que se tenha em
mente a efetiva demanda das pessoas para as quais a criança está desenvolvendo o
programa e o modo como responderão ao programa feito. Geralmente, tal processo
ocasiona alterações no programa original. Essa dinâmica auxilia no desenvolvi-
mento de competências de empatia e plasticidade mental.
Mediante esse contexto, a Revista Espaço Pedagógico pauta o volume 26, nº 2, de
2019, em torno do tema “Pensamento computacional, programação e educação”, so
-
cializando estudos e experiências que advogam por processos educativos instigantes
do pensamento criativo e estratégico, tomando os fundamentos da computação para
a resolução de problemas e para o desenvolvimento de saberes/competências alinha
-
dos com as demandas do nosso tempo.
Os primeiros oito artigos que compõem essa temática central são subscritos
por pesquisadores de diferentes nacionalidades, Brasil, Peru, Itália e Portugal,
oportunizando que as discussões e práticas desses países sejam debatidas, coteja-
das, aprofundadas. Nesta primeira parte da Revista Espaço Pedagógico, temos as
contribuições dos seguintes trabalhos: Pensamiento computacional: una nueva exi-
gencia para la educación del siglo XXI, dos autores peruanos Edith Soria Valencia
e Carol Rivero Panaqué; Media literacy, coding e cittadinanza digitale: apprendere
e costruire con le tecnologie, do pesquisador italiano Mario Pireddu; Ensinar pro-
gramação em ambientes e-learning: preocupações e propostas no âmbito do modelo
321
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 318-322, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
pedagógico virtual da Universidade Aberta de Portugal, que resulta da parceria
entre pesquisadores brasileiros e portugueses, Marcos Luiz Mucheroni, Elizabeth
Simão Carvalho e Adérito Fernandes Marcos; A programação de jogos como um
instrumento motivador da aprendizagem, subscrito por Sergio Crespo Coelho da
Silva Pinto e Marcelo Simas Mattos; Programação de computadores como uma
alternativa ao modelo metodológico padrão da apropriação da informática em pro-
cessos educativos, cuja autoria é de Marco Antonio Sandini Trentin, Ricardo Shit-
suka e Adriano Canabarro Teixeira; Novos desafios da EaD: programação e uso de
chatbots intitula o artigo dos portugueses Daniela Melaré Vieira Barros e Aníbal
Martins Guerreiro; Aprendizagem baseada em projetos num curso de técnico su-
perior profissional de desenvolvimento de software relata e teoriza a experiência
vivenciada por Paulo Alves, Carlos Morais e Luísa Miranda; finalizando o dossiê,
o artigo Ensino de programação em robótica com Arduino para alunos do ensino
fundamental: relato de experiência socializa o trabalho capitaneado por Luciano
Frontino de Medeiros e Luana Priscila Wünsch.
Na segunda parte da edição, contamos com uma variedade de temas que com-
põem os artigos de demanda contínua. São seis artigos que apresentam os estudos
de pesquisadores brasileiros, das mais diversas instituições de ensino superior e
da educação básica: A formação de professores no Pibid: novas práticas, novos de-
safios, subscrito por Liliane Silva de Antiqueira, Celiane Costa Machado e Elaine
Corrêa Pereira; Educação não formal nos contextos brasileiro e internacional: ten-
sões que perpassam a formulação conceitual, de Renata Sieiro Fernandes e Valéria
Aroeira Garcia; Ambientalização curricular: estudo de caso do Curso de Tecnologia
em Logística, cuja autoria é de Mario Sergio Cunha Alencastro e Jorge Wilson
Michalowski; Concepções dos alunos sobre os tensionamentos étnico-raciais na es-
cola e na sociedade, assinado por Fernanda Wanderer e Mônica Nunes; Proposta
de avaliação de pessoas com deficiência na escola: reflexões acerca das múltiplas
linguagens, dos pesquisadores José Anchieta de Oliveira Bentes, Rita de Nazareth
Souza Bentes e Huber Kline Guedes Lobato; e, fechando essa segunda parte, o ar-
tigo intitulado Reflexões sobre a relação de crianças surdas com um recurso digital
para a apropriação de língua portuguesa escrita em ambiente escolar, de Heloísa
Andreia de Matos Lins e Janaina Cabello.
A seção Diálogo com educadores apresenta uma instigante entrevista com o
renomado pesquisador André Luís Alice Raabe, que compartilha com os leitores da
Revista Espaço Pedagógico sua vasta experiência no tema do pensamento compu-
tacional e suas interfaces com a educação. Por fim, contamos com duas resenhas
322
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 318-322, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
de obras relevantes e atuais no cenário acadêmico. Maria Augusta D’Arienzo dá
a conhecer a obra intitulada Trabalho, educação e inteligência artificial: a era do
indivíduo versátil, de Rui Fava, publicada pela Editora Penso, em 2018. Claudionei
Vicente Cassol apresenta a resenha da obra francesa do autor François de Singly,
intitulada Les uns avec les autres. A resenha se dá sobre a versão portuguesa,
publicada em 2006 pelo Instituto Piaget, sob o título Uns com os Outros: quando o
individualismo cria laços.
Almejamos, ao abordar estudos em tais temáticas, manter a tradição de publi-
cação de artigos de relevância acadêmica, que possam contribuir para a qualifica-
ção das pesquisas e para o aprofundamento das discussões no campo educacional.
Boa leitura!
Adriano Canabarro Teixeira (Organizador)
Daniela Melaré Vieira Barros (Organizadora)
Flávia Eloisa Caimi (Editora-Chefe)
Nota
1
Disponível em: <http://bit.do/science2011>. Acesso em: 25 fev. 2019.
Pensamiento computacional: una nueva exigencia para la educación del siglo XXI
323
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 323-337, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Pensamiento computacional: una nueva exigencia para la educación del siglo XXI
Computational thinking: a new demand for education of the 21st century
Edith Soria Valencia
*
Carol Rivero Panaqué
**
Resumen
En el actual siglo XXI, se requiere de ciudadanos preparados para enfrentar profundos cambios y retos,
especialmente, en la vida y el trabajo. De esta manera, para una adecuada toma de decisiones en el mundo de
hoy, complejo y cambiante, se necesitan desarrollar diferentes habilidades en las personas que les permitan
desenvolverse adecuadamente. Por ello, la educación debe ser un pilar fundamental en la construcción de
esta sociedad mediante la promoción de habilidades, como por ejemplo aquellas relacionadas al pensamiento
computacional, considerando el pensamiento crítico y en donde se pueda descomponer un problema, procesar
datos, crear procedimientos y generalizarlos. Por lo tanto, a través de este estudio, se reexionará sobre la
importancia del pensamiento computacional y se analizará sus aproximaciones conceptuales. Así también, se
considerarán los elementos que lo componen y nalmente, se revisarán algunas experiencias de interés sobre la
enseñanza del lenguaje de programación y pensamiento computacional.
Palabras clave: Pensamiento computacional. Educación. Resolución de problemas. Habilidades computacionales.
Aprendizaje.
Abstract
In the current 21st century, citizens are required to face deep changes and challenges, especially in life and work.
In this way, for an adequate decision making in today’s world, the complex and the changing, skills must be
developed for the people that allow them to develop properly. Thus, education must be a fundamental element
in the construction of this society through the promotion of skills, for example, those related to computational
thinking, critical thinking and the context in which a problem can be decomposed, data processing, create
procedures and generalize them. Therefore, through this study, we will reect on the importance of computational
thinking and analyze it conceptually. Also, the elements that compose it will be considered and nally, some
interesting experiences on the teaching of programming language and computational thinking were reviewed.
Keywords: Computational thinking. Education. Problem solving. Computer skills. Learning.
*
Doctora en Educación y Magíster en Educación. Coordinadora de Investigación de la Maestría en Integración e Inno-
vación Educativa de las TIC na Pontifícia Universidad Católica del Perú, Perú. E-mail: edith.soria@pucp.pe
**
Doctoranda en Ciencias de la Educación. Magister en Ingeniería de Medios para la Educación por el Consorcio Euro-
mime - Unión Europea. Profesora Asociada del Departamento de Educación de la Ponticia Universidad Católica del
Perú. Directora de la Maestría en Integración e Innovación Educativa de las TIC - Pontifícia Universidad Católica del
Perú, Perú. E-mail: crivero@pucp.pe
Recebido em 01/10/2018 – Aprovado em 24/01/2019
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v26i2.8702
Edith Soria Valencia, Carol Rivero Panaqué
324
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 323-337, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Introducción
En la actual sociedad digital, los niños, jóvenes y adultos necesitan aprender
y practicar nuevas habilidades, para lograr un mejor desenvolvimiento. Estos
aprendizajes van relacionados al desarrollo de un pensamiento computacional
orientados de forma creativa a generar nuevas posibilidades de respuesta ante los
diversos problemas que surgen en un entorno que cambia constantemente debido
a la incursión tecnológica.
De acuerdo con Balladares, Avilés y Pérez (2016), la tecnología está presente
en diferentes contextos y en una amplia variedad de formas que se aproximan a
los estudiantes en las diversas etapas del ciclo educativo. Entonces, pensar en un
currículo adecuado a estas etapas educativas, lleva a reflexionar sobre los dominios
conceptuales que demandará en cada una de ellas. Ello, también, permite considerar
la capacitación de profesores y plantear un nuevo paradigma de enseñanza –
aprendizaje cuantitativo, intuitivo y de ensayo y error (RINCÓN; ÁVILA, 2016).
En este marco, se debería abordar de manera inteligente, los diversos problemas
que se presentan en esta sociedad, utilizando técnicas y estructuras que se usan
en las ciencias de la computación (BASOGAIN; OLABE; OLABE, 2015). Así, se
partiría de la abstracción hacia el pragmatismo, transitando de las ideas hacia
un mundo real. Por ello, el pensamiento computacional como nueva competencia
del siglo XXI, debería ser incluida en la formación de todos las personas en las
diferentes etapas educativas (educación básica y educación superior).
De todas maneras, pensar en la visibilización del pensamiento computacional
en el sistema educativo demanda la inclusión de cambios normativos. De ahí
que surgen ciertas limitaciones en su promoción, pues ello responde a decisiones
políticas de las autoridades. Sin embargo, se hace necesario considerarlo, puesto
que el pensamiento computacional ayuda a la toma decisiones de una manera
ordenada, secuenciada, lógica, sin ambigüedades y permite la posibilidad de
manipular objetos, transformarlos y crearlos, y convertir una idea en una acción,
oportunidades potentes para facilitar la adquisición de habilidades.
Referencia histórica sobre el pensamiento computacional
Plantear el pensamiento computacional, como una estrategia de aprendizaje
en pleno siglo XXI, nos remonta a la década de los ochenta (siglo XX), donde el
desarrollo del aprendizaje de la geometría, fue la experiencia más próxima al tema,
Pensamiento computacional: una nueva exigencia para la educación del siglo XXI
325
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 323-337, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
a partir de un lenguaje de programación denominado “Logo”. En este esquema
de los años 80, confluían las ideas de Dewey, Piaget y Vygotsky, las cuales fueron
materializadas por Seymour Papert (VALVERDE; FERNÁNDEZ; GARRIDO,
2015) y generó una propuesta disruptiva en dicha década.
Revisando la literatura, “Logo” fue el primer lenguaje de programación basado
en un enfoque pedagógico que permitió el aprendizaje de matemáticas, cibernética
y ciencias de una forma innovadora. A partir de esta primera experiencia, surge
años más tarde “Scratch”, como un entorno de programación con gran potencialidad
educativa (VALVERDE; FERNÁNDEZ; GARRIDO, 2015; PÉREZ; ROIG-VILA,
2015). En este punto es importante destacar que un objetivo clave del diseño de
Scratch fue apoyar el aprendizaje autodidacta a través de la práctica personal y la
colaboración con otros (BASOGAIN; OLABE; OLABE, 2015).
Este escenario inicial, tal como señala Zapata (2015), da cuenta de un proceso
de alfabetización digital, donde se desarrolló un esfuerzo de adaptación a los
nuevos medios de comunicación, representación y proceso de la información entre
humanos. Sin embargo, es importante destacar que en la década de 1990, el término
“alfabetización digital” tuvo un mayor tratamiento por diversos autores. Lo común
fue plantear que la alfabetización digital significó esencialmente la capacidad
de leer y comprender elementos de información en los formatos de hipertexto o
multimedia. El desarrollo del hardware y el software durante este tiempo no brindó
mayor variedad de aplicaciones y el usuario tenía que realizar diferentes tareas, lo
cual complicaba su uso (ZAPATA, 2015). Por ello, no era un entorno favorable a la
enseñanza y aprendizaje. Sin embargo, al paso del tiempo, el uso de los diversas
aplicaciones y entornos se hizo más sencillo (VALVERDE; FERNÁNDEZ; GARRIDO,
2015) y este análisis evolutivo sobre la alfabetización digital, fue la antesala para el
surgimiento de una nueva corriente, llamada “pensamiento computacional”.
Pensamiento computacional: una aproximación conceptual
Las Tecnologías de la Información y la Comunicación, desde su aparición, han
generado una serie de transformaciones vertiginosas en la sociedad. Las entidades
educativas no son ajenas a este cambio, pues la dinámica pedagógica ha permitido
generar un mayor protagonismo del alumno y el uso de estrategias metodológicas
alternativas que desarrollan la creatividad de los estudiantes.
En dicho marco, diversos autores como Zapata (2015) y Rincón y Ávila (2016)
han señalado la necesidad de promover una alfabetización digital orientada al
Edith Soria Valencia, Carol Rivero Panaqué
326
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 323-337, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
aprendizaje de la programación y a la capacidad de utilizar las fuentes digitales
de forma eficaz. Lo planteado, perfila la necesidad de incluir en la formación de los
estudiantes, el desarrollo de una nueva competencia que debería ser lograda en la
formación escolar de todos los estudiantes (ESPINO; GONZÁLEZ, 2015; ZAPATA,
2015). Ahora bien, la alfabetización digital no es exclusiva de los espacios formales,
es evidente que también se aprende en ámbitos informales. Sin embargo, no basta
solo con conocer o usar las tecnologías, sino que el estudiante debe incorporarlas
a sus procesos de creación, innovación y gestión del conocimiento a través del
pensamiento computacional (BALLADARES; AVILÉS; PÉREZ, 2016).
Una primera y errónea idea que se tiene del pensamiento computacional es
suponer que es exclusivo de los ámbitos de la ingeniería informática y computación.
En realidad, hay una relación directa con la educación pues existe mucho esfuerzo
en incorporarlo en los proyectos, juegos, entornos de programación, etc., en el
currículum de escuelas y universidades (BASOGAIN; OLABE; OLABE, 2015).
Lamentablemente, la conceptualización siempre ha estado restringida al dominio
de la tecnología o pulsaciones del teclado; y, en realidad, tiene que ver con el dominio
de las ideas (ZAPATA, 2015). Por ello, la labor pedagógica para el desarrollo del
pensamiento computacional, no puede ni debe estar orientado solo al desarrollo de
habilidades técnicas; sino, al desarrollo de capacidades que permitan un pensamiento
reflexivo y resolutivo de problemas que atienda las necesidades sociales de diferente
tipo con ayuda de herramientas informáticas, que son tan comunes en nuestro
medio (BALLADARES; AVILÉS; PÉREZ, 2016). En otras palabras, “el poder del
pensamiento computacional no está en aprender a programar, está en entender cómo
podemos expresar una idea utilizando una computadora o cualquier herramienta
que permita insertar instrucciones” (RICO; BOSAGAIN, 2018, p. 30).
La International Society for Technology in Education (ISTE) y la Computer
Science Teachers Association (CSTA), afirman que el pensamiento computacional
es un enfoque para resolver un determinado problema que empodera la integración
de las tecnologías digitales con ideas humanas (SÁEZ; CÓZAR, 2017; RINCÓN;
ÁVILA, 2016; SEGREDO; MIRANDA; LEÓN, 2017) y tiene diversas características
que corresponden al pensamiento científico (ESPINO; GONZÁLEZ, 2015). Por
otro lado, Rojas y García (2018), afirman que el pensamiento computacional es un
proceso cognitivo cuyo propósito es generar soluciones a los diversos problemas que
se presentan, apoyados en el uso de la abstracción, la descomposición, el diseño
algorítmico y, permite el desarrollo de habilidades como; el pensamiento crítico, la
creatividad y la innovación (LLORENS et al., 2017). Esta forma de pensamiento
Pensamiento computacional: una nueva exigencia para la educación del siglo XXI
327
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 323-337, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
se manifiesta en las múltiples actividades diarias que parten de tareas sencillas,
como leer, realizar algún cálculo matemático y hasta dar solución a un problema
(RICO; BASOGAIN, 2018; PALENCIA, 2017).
Como se aprecia, en los diversos aportes de los autores revisados sobre
pensamiento computacional hay una constante que se mantiene presente en estas
aproximaciones conceptuales, y se refiere a la necesidad de resolver problemas
utilizando para ello diversos elementos como las matemáticas, el pensamiento crítico,
la creatividad, la integración de las tecnologías digitales, la innovación y el trabajo
colaborativo.
Partiendo de esta premisa, se puede diseñar un programa curricular basado
en el pensamiento computacional; donde se enseñe a los niños, múltiples niveles
de abstracción, se promuevan las habilidades no memorísticas o mecánicas,
y se fortalezca la promoción de ideas creativas, que considere una interacción
interdisciplinar. En otras palabras, se puede desarrollar en los estudiantes, el
pensamiento crítico en alianza con los conceptos insertos en la computación, tales
como abstracción, algoritmos, lenguajes de programación, simulación, modelos de
estructura de datos e inteligencia artificial, entre otros (ZAPOTECATL, 2014).
Habilidades del pensamiento computacional
El pensamiento computacional es hoy en día un tema de mucha discusión
(COMPAÑ et al., 2015), y cuyo mayor logro es potenciar habilidades relacionadas
con la resolución creativa de problemas (PALENCIA, 2017). Estas habilidades,
según Vilanova (2018) se apoyan en una serie de actitudes que son dimensiones
esenciales del pensamiento computacional. Estas actitudes incluyen:
a)
Confianza en uno mismo para el manejo de la complejidad;
b) Perseverancia al enfrentar problemas difíciles;
c) Tolerancia frente a situaciones ambiguas;
d) Habilidad para combatir problemas no estructurados.
Por lo tanto, las habilidades de un estudiante con pensamiento computacional
supera la capacidad de la apropiación técnica y le incorpora habilidades para afrontar,
entender y resolver problemas con mayor eficacia, lo cual le permita solucionar
problemas en los diversos ámbitos de la vida (PALENCIA, 2017). De esta manera, es
indispensable entender los conceptos técnicos respectivos de forma progresiva y contar
con las actitudes necesarias para lograrlo. Estos dos elementos deben fortalecerse
Edith Soria Valencia, Carol Rivero Panaqué
328
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 323-337, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
desde los primeros años de formación y, probablemente mucho antes que el niño(a)
ingrese a la escuela, y luego, debe continuar en los diferentes niveles de la educación.
Vivimos una nueva etapa donde las competencias relacionadas con la programación
se consideran habilidades básicas; así como, la lecto-escritura y las matemáticas. Ello
exige que el sistema educativo realice ajustes inmediatos ante este nuevo panorama
(ESPINO; GONZÁLES, 2015). Bajo esta premisa, las entidades educativas tienen el
gran reto de incluir un aprendizaje adicional; como es el desarrollo del pensamiento
computacional, que les permita a los alumnos poder definir con facilidad criterios que
los conduzcan de forma pertinente a la toma de decisiones (RINCÓN; ÁVILA, 2016).
Es por tanto, una competencia compleja de alto nivel (VALVERDE; FERNÁNDEZ;
GARRIDO, 2015), la cual se debería evidenciar en la actitud y las habilidades que
todas las personas deberían tener y que no solo tendría que ser exclusividad de los
profesionales informáticos (WING, 2008). Es claro, que la programación no es solo
una competencia cognitiva, sino también, una competencia social y cultural que se
usa para participar en grupos (VILANOVA, 2018).
De esta manera, el pensamiento computacional desarrolla diversas habilidades
y procesos, como los que podemos ver a continuación desde los aportes de algunos
autores:
Tabla 1 – Pensamiento computacional y fortalecimiento de habilidades
Balladares, Avilés y Pérez (2016) Rincón y Ávila (2016) Sáez y Cózar (2017)
Analizar los efectos de la computación y definir
los alcances, ventajas así como limitaciones
que pueden presentar el uso de herramientas
informáticas para la solución de un problema.
Producir artefactos computacionales que per-
mitan producir las propias tecnologías.
Usar abstracción y modelos y a partir de ellos
construir modelos que permitan analizar o mo-
dificar sus condiciones.
Analizar problemas y artefactos, que permitan
resolver problemas.
Reconocer y generalizar patrones para clasi-
ficados.
Algoritmización, es decir organizar procesos
secuenciales lógicos de forma que resuelvan
problemas.
Comunicar procesos y resultados, que permi-
tan que la información sea puesta al servicio
de la sociedad.
Trabajar de forma efectiva en equipo compar-
tiendo experiencias e ideas.
Formular problemas de tal ma-
nera que sea posible utilizar
computadoras y otras herra-
mientas para solucionarlos.
Organizar datos de manera ló-
gica y analizarlos.
Representar datos con el re-
curso de las abstracciones,
como modelos y simulaciones.
Automatizar soluciones me-
diante el pensamiento algorít-
mico.
Identificar, analizar e imple-
mentar posibles soluciones
para encontrar la combinación
más eficiente y efectiva de pa-
sos y recursos.
Generalizar y transferir el pro-
ceso de solución de problemas
a una gran diversidad de es-
tos.
Pensar recursivamente.
Procesar en paralelo.
Generalizar el análisis di-
mensional.
Juzgar un programa por
simplicidad de diseño.
Utilizar abstracción y des-
composición en un pro-
blema complejo o diseño
de sistemas complejos.
Elegir una correcta repre-
sentación o modelo para
hacer tratable el proble-
ma.
Utilizar el razonamiento
heurístico para encontrar
la solución.
Nota: elaboración propia. Tomado de Balladares, Avilés y Pérez (2016); Rincón y Ávila (2016); Sáez y Cózar (2017).
Pensamiento computacional: una nueva exigencia para la educación del siglo XXI
329
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 323-337, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
A la luz de estos aportes, se puede inferir que el desarrollo del pensamiento
computacional permite promover múltiples habilidades y procesos, que no se
reducen al dominio técnico de la programación; sino que, incorporan habilidades
sociales. Además, el fortalecimiento del pensamiento computacional promueve
un desarrollo cognitivo superior, donde la abstracción, iteración, aprendizaje
colaborativo y meta cognición, terminan siendo sus componentes indispensables.
En relación al primer componente, la abstracción es la habilidad que se
desarrolla a partir del pensamiento computacional, que permite crear y hacer uso
de diferentes niveles de abstracción, para entender y resolver óptimamente los
problemas (PÉREZ; ROIG-VILA, 2015). En tal sentido, “las abstracciones para la
computación son ‘las herramientas mentales’ y las computadoras las herramientas
‘metálicas’ que automatizan estas abstracciones” (ZAPOTECATL, 2014, p. 9).
Esto ocurre, pues las abstracciones son simbólicas y, por ello, tienden a ser más
complejas que las de ciencias matemáticas y físicas (WING, 2008).
La iteración es un componente del pensamiento computacional y muchas
veces, se asocia a procedimientos repetitivos. Sin embargo, es importante
considerar que el diseño de un proyecto no es un proceso secuencial, es adaptativo.
Por tanto, hay aprendizajes básicos, en las primeras etapas de desarrollo, donde
se pone en marcha un sistema de pensamiento de este tipo (ZAPATA, 2015). El
fortalecimiento del pensamiento computacional, se enriquece al paso de los años,
llegando así a constituirse en un proceso cognitivo superior.
En cuanto al aprendizaje colaborativo, parece extraño pensar en la
incursión de este término dentro del pensamiento computacional; sin embargo, la
complejidad del desarrollo y arquitectura en el mundo computacional hace necesario
pensar en la promoción de actividades colaborativas y distanciarse de la idea de
un trabajo aislado. Generar nuevas ideas a partir del aprendizaje computacional,
exige promover fuertes olas de trabajo y comunicación que permitan hacer posibles
proyectos comunes. A partir de la premisa, se puede considerar que la formación
en valores constituye un elemento indispensable en el desarrollo del pensamiento
computacional (ZAPATA, 2015).
Otro proceso importante es la metacognición que permite a la persona
plantear acciones para afrontar un problema y tomar decisiones para resolverlo.
En el desarrollo del pensamiento computacional, este componente es clave,
pues se considera como una estrategia que lo lleva a analizar y procesar toda la
información relacionada en torno a un problema y con ello, a buscar soluciones. Por
tanto, se requiere de una planificación de habilidades y destrezas que se aplican
Edith Soria Valencia, Carol Rivero Panaqué
330
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 323-337, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
en función de las tareas a desarrollar. La metacognición exige que el estudiante
tenga plena conciencia de la situación - problema sobre la cual va a aplicar algún
nivel de respuesta. Asimismo, es necesario que el estudiante reconozca los recursos
cognitivos con los que cuenta para hacer frente a dicha situación – problema.
Pensamiento computacional en educación básica y educación superior
¿desarrollo cognitivo o perspectiva socioconstructivista en la educación?
El aprendizaje es un proceso social y, la presencia de las tecnologías de la
información y la comunicación perfilan una nueva ecología de aprendizaje, donde la
motivación, la participación y la colaboración son indispensables pues la interacción
de los estudiantes con la tecnología se genera en un contexto social (VALVERDE;
FERNÁNDEZ; GARRIDO, 2015). Por ello, de acuerdo con Vega y Espinel (2010) es
conveniente que el estudiante desde su formación inicial en la escuela conozca la
importancia y significatividad de esta área del conocimiento como un medio para
la resolución de problemas (PÉREZ; ROIG-VILA, 2015).
El pensamiento computacional no está dirigido solo al desarrollo de
competencias cognitivas, como equivocadamente a veces se piensa; sino, que está
orientado a generar una nueva ecología para el aprendizaje dentro de un contexto
social. Por ello, el pensamiento computacional es una competencia social y cultural
que invita al trabajo colaborativo.
Desde esta perspectiva, enseñar programación no consiste en enumerar
una serie de estructuras de programación indicando para que sirve cada una de
ellas. Se trata de que el estudiante aprenda a pensar, a analizar una situación y
a diseñar el método de resolución más adecuado, dejando al margen el lenguaje
de programación. Se trata de un objetivo muy complejo que requiere un esfuerzo
importante de abstracción; aún más, si tiene que expresarla en forma de un
algoritmo (COMPAÑ et al., 2015).
Por otra parte, Pérez y Roig-Vila (2015) señalan que promover el pensamiento
computacional en estudiantes universitarios es una labor difícil debido a que
la metodología de trabajo instruccional y los recursos tecnológicos educativos
aplicados no permiten desarrollar apropiadamente muchas de sus habilidades
como la abstracción y creatividad.
La programación en educación superior no se trata solo de escribir códigos,
se busca analizar determinadas situaciones, identificar sus componentes, modelar
Pensamiento computacional: una nueva exigencia para la educación del siglo XXI
331
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 323-337, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
los datos y procesos, y crear un programa. Es una tarea compleja que exige la
participación de equipos de profesionales.
En educación, la programación se puede usar como herramienta de modelado
para crear conocimiento y resolver problemas. Por ello, la programación debe
considerarse como una estrategia pedagógica que orienta al estudiante a un proceso
de co-creación de conocimiento creativo (ROMERO; LEPAGE; LILLE, 2017).
Como se muestra en la siguiente figura, existen cinco niveles de participación
creativa en la programación: (1) exposición pasiva a explicaciones centradas
en el profesor; (2) procedimientos paso a paso, con apoyo de tutoriales sobre
programación; (3) creación de contenido original a través de la programación
individual; (4) programación en equipo y finalmente; (5) co-creación participativa
del conocimiento a través de la programación (ROMERO; LEPAGE; LILLE, 2017).
Ver figura 1.
Figura 1 – Los cinco niveles de participación creativa en actividades de programación educativa
Fuente: tomado de Romero, Lepage y Lille (2017, p. 3).
Como podemos observar, la programación creativa requiere una participación
activa del estudiante y sus pares, que los involucre en el proceso de diseño y
desarrollo de co-construcción de conocimiento.
Edith Soria Valencia, Carol Rivero Panaqué
332
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 323-337, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
A continuación, analizaremos algunas experiencias que pueden ser interesantes
sobre la enseñanza de lenguaje de programación.
Experiencias de interés sobre la enseñanza de lenguaje de programación
Hoy en día se puede señalar que existen esfuerzos diversos por incorporar el
pensamiento computacional en los sistemas educativos. Por ello, hay experiencias
muy interesantes que se deben compartir para motivar nuevas iniciativas.
A nivel internacional, hay múltiples iniciativas que promueven la enseñanza
de la programación en la escuela secundaria. Una experiencia interesante es la
que brinda Estados Unidos, pues en el sistema educativo formal, ha integrado la
asignatura de Programación a la cultura educativa. Por ello, para los estudiantes
es habitual utilizar un lenguaje de programación como soporte a las Matemáticas,
Física, Química o incluso áreas que no son exclusivas de Ciencias. Hay un gran
esfuerzo en las escuelas por trabajar con herramientas que ayuden a una mejor
didáctica de la Programación. De esta manera, se valora el uso de entornos gráficos
que permitan el uso de estructuras lógicas y ayuden a desarrollar aplicaciones
gráficas vistosas, motivando a los estudiantes con las exigencias de sus respectivas
asignaturas y generando un progreso gradual en el aprendizaje (CARRALERO,
2011).
De la misma manera, ha surgido en este país, la iniciativa code.org
1
que
ha incorporado diversas herramientas didácticas cómo medio para enseñar
programación. Esta iniciativa se desarrolló en Estados Unidos, y su propósito
desde su creación ha estado orientado a promover la enseñanza de programación
motivando a los estudiantes por el estudio de carreras a nivel superior relacionadas
con el tema (BALLADARES; AVILÉS; PÉREZ, 2016).
En Estonia, la fundación “Tiger Leap Foundation” impulsa desde septiembre
de 2012 un programa denominado “ProgeTiger”, que estimula el aprendizaje de
programación de computadoras y creación de aplicaciones web y móviles en la
etapa de educación inicial. Esta iniciativa plantea diversos propósitos, como:
a) desarrollar entre los jóvenes el pensamiento computacional, la creatividad y las
habilidades matemáticas; b) demostrar que la programación puede ser interesante y
que cualquier persona puede aprender a programar; c) enseñar los fundamentos de
la programación a través de la actividad práctica; y d) enseñar a los alumnos a utilizar
diferentes lenguajes de programación adecuados a la edad (DÍAZ et al., 2014, p. 4).
Pensamiento computacional: una nueva exigencia para la educación del siglo XXI
333
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 323-337, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Otros países que se han sumado a estos programas son, Israel, Nueva Zelanda,
Japón, Finlandia y Reino Unido, quienes tienen experiencias interesantes en torno
al desarrollo del pensamiento computacional.
Inglaterra, por ejemplo, desde el 2014 ha incluido formalmente en el currículo
educativo de la educación primaria y secundaria, el estudio del pensamiento
computacional y programación de ordenadores (BASOGAIN; OLABE; OLABE,
2015). El propósito desde sus inicios, ha sido fortalecer en los estudiantes,
habilidades para desarrollar programas utilizando su creatividad y apoyados en
asignaturas como: las matemáticas, las ciencias y el diseño (RICO; BASOGAIN,
2018). Asimismo, se considera que los estudiantes están en capacidad de crear
contenidos multimedia y; a la vez, desarrollar su competencia digital, en un mundo
que exige que cada estudiantes pueda ser capaz de usar y desarrollar sus ideas a
través de las diversas tecnologías (VILANOVA, 2018).
Además, es importante destacar que la gran experiencia de Inglaterra de incluir
el pensamiento computacional como parte de la estructura formal del currículo, ha
sido también considerada por Finlandia y Francia, quienes en estos dos últimos
años han incorporado a sus planes de estudio, el pensamiento algorítmico y la
programación desde los primeros grados escolares (RICO; BASOGAIN, 2018).
En el caso de América Latina, hay diversas iniciativas que están haciendo eco
sobre la necesidad de incorporar el pensamiento computacional a la formación de
los estudiantes en la educación básica y educación superior.
En los países de la región, la preocupación por el tema nace a la luz del
protagonismo de las TIC, hacia mediados de los años noventa, cuando el fenómeno
de la globalización generó que los gobiernos tomarán mayor interés por la presencia
de un nuevo escenario. Por ello, los países comenzaron a diseñar políticas públicas
acorde con la llamada “Sociedad de la información”. Sumado a ello, la inclusión de
las TIC dentro de los Objetivos de Desarrollo del Milenio de las Naciones Unidas
(ODM), impulsó el protagonismo de las TIC en los diversos países (PEÑAHERRERA,
2012). Lamentablemente, este avance ha sido gradual y con dinámicas diferentes
en los diferentes países, donde algunos están iniciando la fase de brindar soporte
tecnológico a los sistemas educativos y otros países están iniciando la experiencia
de promover el pensamiento computacional como competencia de aprendizaje de
sus estudiantes.
Entre estas experiencias, Rico y Bosagain (2018) mencionan la iniciativa
destacable a nivel latinoamericano desarrollada en Colombia, a través del proyecto
“Introducción del pensamiento computacional en las escuelas de Bogotá y Colombia”
Edith Soria Valencia, Carol Rivero Panaqué
334
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 323-337, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
(RENATA/EHU), donde se ha implementado a diversos colegios, utilizando una
metodología blended o mixta basada en un ambiente virtual en la plataforma
Moodle, y la participación del profesor presencial en el aula. La intención a futuro
es poder integrarlo como un curso más al plan de estudios.
Otra iniciativa que se está desarrollando en Colombia, es el proyecto Coderise
cuya intención es posibilitar, además de la adquisición de las habilidades del
pensamiento computacional, la posibilidad de optimizar las condiciones económicas
de los jóvenes a través de la promoción de emprendimientos relacionado al tema
(BALLADARES; AVILÉS; PÉREZ, 2016). La iniciativa promueve
[…] el uso de Scratch en los Tecno-parques, como parte de la formación en programación y
creatividad de los jóvenes. La Fundación Compartir en los Computer Clubhouse de Bogotá
y la Fundación Telefónica, mediante el portal Educared, divulga y facilita talleres de
formación virtual sobre Scratch (PÉREZ; ROIG-VILA, 2015, p. 7).
Este lenguaje posibilita elaborar algoritmos para crear historias interactivas,
juegos y animaciones, los cuales facilitan la interacción con un conjunto de conceptos
computacionales comunes a muchos lenguajes de programación (BALLADARES;
AVILÉS; PÉREZ, 2016).
De acuerdo con Peñaherrera (2012) Ecuador es otro país donde se planteó la
necesidad de vincular la educación con las tecnologías. La primera iniciativa oficial
comenzó en el 2002, con la entrega de una PC a los maestros y la implementación de
un programa de capacitación sobre el uso del ordenador. En el 2006, formalmente se
afianzó la gestión de tecnologías a través de la constitución de un marco de políticas
TIC. Sin embargo, pese a estos esfuerzos por dotar de infraestructura tecnológica
a las escuelas y fortalecer las habilidades informacionales de los docentes, son
escasos los proyectos desarrollados basados en herramientas tecnológicas del
tipo Scratch. Únicamente se ha llevado a cabo un proyecto implementado por la
Escuela Politécnica del Litoral (ESPOL) a nivel de educación básica y otro por la
Universidad Yachay con niños de 8 a 12 años (PÉREZ; ROIG-VILA, 2015).
En Argentina, desde hace varios años, se promueven diversas políticas que
estimulan el estudio de carreras de Ingeniería e Informática. Para ello, se han
diseñado programas de becas que permiten estimular a los jóvenes a seguir estas
profesiones. Sin embargo, el Estado argentino ha visto por necesario comenzar a
trabajar con los jóvenes desde una edad más temprana en su formación. Por ello,
el currículo de las escuelas secundarias está en constante cambio y las TIC se
han incorporado en la escuela. Producto de ello, ha surgido el Programa Nacional
“Conectar Igualdad” y los Programas de Mejoras de la escuela secundaria técnica,
Pensamiento computacional: una nueva exigencia para la educación del siglo XXI
335
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 323-337, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
los cuales han permitido equipar a las entidades educativas con laboratorios de
computadoras e infraestructura de conectividad; además, de haber permitido
contar con el modelo uno a uno, que brinda una computadora por alumno (DÍAZ et
al., 2014).
Con todo lo mencionado anteriormente, es evidente que hay una preocupación
por el tema de las TIC, pero todavía hay una escasa atención al desarrollo del
pensamiento computacional.
Consideraciones nales
La integración del pensamiento computacional a los sistemas educativos se
constituye en el gran desafío para el siglo XXI. Por ello, es evidente que deben
sumarse esfuerzos en la sociedad para incluirlo en los currículos educativos
nacionales como una competencia indispensable en la formación de los estudiantes,
la cual no debe terminar en la educación básica; sino que, debe continuar en la
formación universitaria.
El pensamiento computacional no debe limitarse a la implementación de
una determinada asignatura dentro del currículo, debe visualizarse como un eje
transversal en el currículo que contribuya a la construcción de una ciudadanía en
equidad que elimine las brechas digitales y permita la resolución de problemas a
partir de la comprensión y el razonamiento.
Este nuevo escenario, exige que los docentes conozcan las diversas herramientas
y lenguajes que permitan el desarrollo del pensamiento computacional. Es un gran
desafío que invita a pensar en nuevas formas de dirigir los procesos de enseñanza-
aprendizaje y para lograrlo se requiere el compromiso y disposición de los docentes
con la finalidad de diseñar mejores prácticas educativas.
Nota
1
Organización sin fines de lucro, que tiene como objetivo incentivar a los estudiantes de colegios a aprender
sobre las Ciencias Computacionales.
Edith Soria Valencia, Carol Rivero Panaqué
336
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 323-337, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Referencias
BALLADARES, J.; AVILÉS, M.; PÉREZ, H. Del pensamiento complejo al pensamiento
computacional: retos para la educación contemporánea. Sophia, Colección de Filosofía de la
Educación, Cuenca, v. 21, p. 143-159, 2016.
BASOGAIN, X.; OLABE, M.; OLABE, J. Pensamiento Computacional a través de la Programación:
Paradigma de Aprendizaje. Revista de Educación a Distancia, Murcia, v. 46, p. 1-33, 2015.
Disponible en: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=54741184006>. Acceso en: 15 ago. 2018.
CARRALERO, N. Entornos para enseñar programación en secundaria. Nuevos
Enfoques. QUADERNS digitales.NET, n. 70, 2011. Disponible en: <https://goo.gl/BztMsm>.
Acceso en: 20 jul. 2018.
COMPAÑ, P. et al. Enseñando a programar: un camino directo para desarrollar el pensamiento
computacional. Revista de Educación a Distancia, Murcia, v. 46, p. 1-15, 2015. Disponible en:
<http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=54741184011>. Acceso en: 20 ago. 2018.
DÍAZ, J. et al. Experiencias de la Facultad de informática en la enseñanza de programación en
escuelas con software libre. En: DÍAZ, J. et al. Experiencias de la Facultad de informática en la
enseñanza de programación en escuelas con software libre. En: CONGRESO IBEROAMERICANO
DE CIENCIA, TECNOLOGÍA, INNOVACIÓN Y EDUCACIÓN, 1. Anales... Buenos Aires, 2014.
p. 1-19. Disponible en: <https://www.oei.es/historico/congreso2014/01memorias2014.php>.
Acceso en: 20 ago. 2018.
ESPINO, E.; GONZÁLEZ, C. Estudio sobre diferencias de género en las competencias y las
estrategias educativas para el desarrollo del pensamiento computacional. Revista de Educación
a Distancia, Murcia, v. 46, p. 1-20, 2015. Disponible en: <http://www.redalyc.org/articulo.
oa?id=54741184012>. Acceso en: 17 ago. 2018.
LLORENS, F. et al. La enseñanza de la informática, la programación y el pensamiento
computacional en los estudios preuniversitario. Education in the Knowledge Society, Salamanca,
v. 18, n. 2, p. 7-17, 2017. Disponible en: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=535554766001>.
Acceso en: 23 ago. 2018.
PEÑAHERRERA, M. Uso de TIC en escuelas públicas de Ecuador: Análisis, reflexiones y
valoraciones. Edutec – Revista Electrónica de Tecnología Educativa, Islas Baleares, n. 40, 2012.
Disponible en: <http://www.edutec.es/revista/index.php/edutec-e/article/view/364/101>. Acceso
en: 21 jul. 2018.
PÉREZ, H.; ROIG-VILA, R. Entornos de programación no mediados simbólicamente para el
desarrollo del pensamiento computacional. Una experiencia en la formación de profesores de
Informática de la Universidad Central del Ecuador. Revista de Educación a Distancia, Murcia,
v. 46, p. 1-22, 2015. Disponible en: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=54741184009>. Acceso
en: 22 ago. 2018.
PALENCIA, M. El pensamiento computacional para potenciar el desarrollo de habilidades
relacionadas con la resolución creativa de problemas. 3C TIC: Cuadernos de Desarrollo Aplicados
a las TIC, Alicante, v. 6, n. 1, p. 38-63, 2017.
RICO, M.; BASOGAIN, X. Pensamiento computacional: rompiendo brechas digitales y
educativas. EDMETIC, Córdoba, v. 7, n. 1, p. 26-42, 2018.
Pensamiento computacional: una nueva exigencia para la educación del siglo XXI
337
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 323-337, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
RINCÓN, A. I.; ÁVILA, W. D. Una aproximación desde la lógica de la educación al pensamiento
computacional. Sophia: Colección de Filosofía de la Educación, Cuenca, v. 21, n. 1, p. 161-176,
2016.
ROJAS, A.; GARCÍA, F. J. Learning Scenarios for the Subject Methodology of Programming
from Evaluating the Computational Thinking of New Students. Revista Iberoamericana de
Tecnologías del Aprendizaje, Vigo, v. 13, n. 1, p. 30-36, 2018.
ROMERO, M.; LEPAGE, A.; LILLE, B. Computational thinking development through creative
programming in higher education. International Journal of Educational Technology in Higher
Education, Nueva York, v. 14, n. 1, p. 42, 2017.
SÁEZ, J.; CÓZAR, R. Pensamiento computacional y programación visual por bloques en el aula
de Primaria. Educar, Barcelona, v. 53, n. 1, p. 129-146, 2017.
SEGREDO, E.; MIRANDA, G.; LEÓN, C. Hacia la educación del futuro: El pensamiento
computacional como mecanismo de aprendizaje generativo. Education in the Knowledge Society,
Salamanca, v. 18, n. 2, p. 33-58, 2017.
VALVERDE, J.; FERNÁNDEZ, M.; GARRIDO, M. El pensamiento computacional y las nuevas
ecologías del aprendizaje. Revista de Educación a Distancia, Murcia, v. 46, p. 1-18, 2015. Disponible
en: <http://uaemex.redalyc.org/articulo.oa?id=54741184003>. Acceso en: 23 ago. 2018.
VILANOVA, G. E. Tecnología educativa para el desarrollo del pensamiento computacional.
Revista Iberoamericana de Sistemas, Cibernética e Informática, Florida, v. 15, n. 3, p. 25-32,
2018. Disponible en: <http://www.iiisci.org/journal/risci/FullText.asp?var=&id=CA074QW17>.
Acceso en: 12 ago. 2018.
WING, J. M. Computational thinking and thinking about computing. Philosophical Transactions of
the Royal Society of London A: Mathematical, Physical and Engineering Sciences, London, v. 366,
n. 1881, p. 3717-3725, 2008.
ZAPATA, M. Pensamiento computacional: una nueva alfabetización digital. Revista de Educación
a Distancia, Murcia, v. 46, p. 1-47, 2015.
ZAPOTECATL, J. L. Pensamiento Computacional. Instituto Nacional de Astrofísica, Óptica y
Electrónica, Puebla, p. 1-27, 2014. Disponible en: <http://www.pensamientocomputacional.org/
Files/pensamientocomputacional.pdf>. Acceso en: 10 jul. 2018.
Mario Pireddu
338
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 338-351, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Media literacy, coding e cittadinanza digitale:
apprendere e costruire con le tecnologie
Alfabetização midiática, codicação e cidadania digital: aprender e construir com as tecnologias
Mario Pireddu
*
Sommario
Il complesso rapporto tra educazione e tecnologia digitale può essere compreso se è chiaro il ruolo delle
tecnologie nell’ecosistema di rete che abitiamo. Le tecnologie non sono strumenti o aiuti esterni al corpo umano,
ma agenti di trasformazione delle nostre strutture mentali e corporee. Il concetto di uidità computazionale
aiuta a superare i limiti delle teorie relative al pensiero computazionale: il coding può essere visto a tutti gli
eetti come una forma di espressione e di padronanza di un linguaggio, secondo un approccio incentrato sulla
progettazione, il pensiero critico e la creatività. Lo scopo delle attività di coding non è imparare abilità e concetti
base dell’informatica, ma l’espressione di se stessi attraverso ambienti di sviluppo creativo. Padroneggiare il
coding aiuta a sviluppare il proprio pensiero, a sviluppare la propria espressività e a sviluppare la propria identità.
La uidità computazionale ha a che fare non solo con la comprensione dei concetti computazionali e delle
strategie di risoluzione dei problemi, ma anche con la capacità di saper creare e sapere come esprimersi con le
tecnologie digitali per contribuire attivamente alla società verso una piena cittadinanza digitale.
Parole chiave: Educazione. Tecnologia. Coding. Costruzionismo. Pensiero.
Resumo
A complexa relação entre educação e tecnologia digital pode ser entendida se o papel das tecnologias no
ecossistema da rede que habitamos for claro. As tecnologias não são ferramentas ou auxílios externos ao
corpo humano, mas agentes de transformação de nossas estruturas mentais e corporais. O conceito de uidez
computacional ajuda a superar as limitações das teorias relacionadas ao pensamento computacional: a
codicação pode ser vista em todos os aspectos como uma forma de expressão e domínio de uma linguagem,
de acordo com uma abordagem focada em design, pensamento crítico e criatividade. O objetivo da codicação
de atividades não é aprender habilidades e conceitos básicos de computação, mas, sim, expressar-se por
intermédio de ambientes de desenvolvimento criativo. Dominar a codicação ajuda a desenvolver o próprio
pensamento, a própria expressividade e a própria identidade. A uidez computacional tem a ver não só com
a compreensão de conceitos computacionais e estratégias de resolução de problemas, mas também com a
capacidade de criar e saber se expressar com tecnologias digitais, para contribuir ativamente para a sociedade
em direção à plena cidadania digital.
Palavras-chave: Educação. Tecnologia. Codicação. Construcionismo. Pensamento.
*
Ricercatore del Dipartimento di Scienze dell’educazione, Università di Roma tre, Italia. Posta elettronica: mario.pire-
ddu@unitus.it
Recebido em 30/09/2018 – Aprovado em 27/02/2019
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v26i2.8704
Media literacy, coding e cittadinanza digitale: apprendere e costruire con le tecnologie
339
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 338-351, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Per riflettere sul complesso rapporto tra educazione e tecnologia digitale può
essere utile partire da una considerazione relativa ai processi di alfabetizzazione.
Per migliaia di anni la maggior parte delle persone sul pianeta non ha potuto
sviluppare competenze alfabetiche e scrittorie, restando esclusa dalle specifiche
pratiche di addestramento previste per l’interiorizzazione delle stesse logiche
alfabetiche. Oggi a questo proposito, dopo decenni di politiche pubbliche e di
industria culturale, la ricerca in campo neurocognitivo sottolinea il ruolo della
plasticità sinaptica del cervello, la capacità di adattarsi agli strumenti che di
volta in volta utilizziamo. Se per la vista e il linguaggio sappiamo che esistono
geni specifici, così non è per la lettura: diventiamo abili lettori e scrittori grazie
alla capacità delle sinapsi di modificare la struttura e la funzionalità del sistema
nervoso in base all’esperienza (WOLF, 2012, 2018).
Walter J. Ong (1986), nel suo celebre studio sul rapporto tra oralità e
scrittura, scrisse che la scrittura fu l’evento di maggiore importanza nella storia
delle invenzioni tecnologiche dell’uomo. Tutt’altro che una semplice appendice del
discorso orale, la scrittura ha consentito l’apertura verso una nuova dimensione
del sensorio, trasformando allo stesso tempo discorso e pensiero attraverso la
vista (ONG, 1986, p. 126-127). In quel testo lo studioso gesuita ricordava come la
tecnologia della scrittura abbia richiesto nel tempo l’uso di una serie di strumenti
quali penne, pennelli, superfici predisposte, tavolette, pelli, inchiostro colori e
diverse altre cose. Ong opponeva la scrittura al linguaggio “naturale” dell’oralità,
ricordando che non vi è modo di scrivere naturalmente.
In quest’ottica tutte le tecnologie possono essere viste come intrinsecamente
artificiali, ma – paradossalmente – la dimensione dell’artificialità emergerebbe
come naturale per gli esseri umani. Tecnologie non come aiuti esterni, dunque, ma
agenti di trasformazione delle nostre strutture mentali e corporee (MORIGGI, 2014;
MARAGLIANO; PIREDDU, 2012). È questa la lezione dell’antropologia filosofica,
della cibernetica, delle riflessioni novecentesche sui media, da Walter Benjamin
a Marshall McLuhan, e delle elaborazioni pedagogiche di Seymour Papert e del
costruzionismo. A questo proposito è bene sgombrare il campo dal “nuovismo”
di cui è intriso il dibattito attuale sulle tecnologie digitali per l’educazione.
Secondo McLuhan una tecnologia può essere definita “nuova” unicamente quando
rimette in discussione le gerarchie tra i sensi, ora privilegiandone alcuni, ora
“narcotizzandone” altri (cfr. MCLUHAN, 1997). Sappiamo che non si possono
considerare i singoli sensi - vista, udito, tatto, olfatto, gusto – come perfettamente
isolati l’uno dall’altro: ciò che accade nell’organismo alla comparsa di un medium
Mario Pireddu
340
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 338-351, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
nuovo, dunque, sarebbe una redistribuzione del peso che alcune zone del corpo
hanno nell’insieme di quello che in altri ambiti di riflessione viene definito “schema
corporeo” di un individuo. Qui il riferimento è agli studi di fenomenologia della
percezione di Maurice Merleau-Ponty (1965, p. 174): lo studioso francese parlava
di “esperienza integrale” del soggetto, ricordando che non possono esistere
un’esperienza tattile o un’esperienza visiva scisse dall’insieme delle dimensioni
percettive. Ogni tecnologia, ogni medium entra in diretto contatto con il corpo, con
la stessa esperienza del corpo nel mondo (il fenomenologico être au mond). Se per il
filosofo francese è il corpo a “comprendere”, per McLuhan, come è noto, le tecnologie
e i media sono estensioni dell’organismo umano, “risorse naturali”, protesi. Per
Seymour Papert, allievo di Jean Piaget che ha contribuito alla elaborazione della
teoria costruzionista dell’apprendimento, i computer – software e tecnologie digitali
– consentono di incrementare nei bambini e negli adulti il potere di sperimentare,
esplorare ed esprimersi. Le persone sono in grado di costruire conoscenze in modo
più efficace se attivamente coinvolte nel costruire veri e propri artefatti cognitivi, e
le tecnologie digitali possono essere d’aiuto nel pensare al proprio modo di pensare,
dunque nell’imparare di più sul proprio modo di imparare.
Tornando quindi alla scrittura dal punto di vista della ricerca in campo
neurocognitivo, negli ultimi anni gli studi hanno mostrato ancora una volta
l’adattabilità del cervello umano nel rispondere al nuovo ecosistema comunicativo
digitale. Le connessioni neuronali costruite per la lettura su carta vengono alterate
per svilupparne altre più adatte a fronteggiare la continua e spesso vorticosa offerta
di contenuti in ambienti digitali. Secondo Maryanne Wolf (2018), che studia da
anni le connessioni tra cervello e informazione digitale, l’adattabilità del cervello
ci consente di gestire oggi un accesso quasi universale al sapere e una più efficace
gestione delle relazioni sociali, con tuttavia il rischio di una contemporanea perdita
di qualità umane fondamentali come il pensiero critico, l’introspezione, l’empatia e
l’immaginazione creativa.
Se da un lato va riconosciuto che queste ultime qualità non sembrano essere
state al centro delle società che hanno preceduto quella attuale, dall’altro è
sicuramente vero che in ogni epoca chi si è occupato e si occupa di educazione e
formazione ha lavorato e deve lavorare per il loro potenziamento. È quanto cerca
di fare, sulla scia del lavoro iniziato da Papert, il gruppo di lavoro del Lifelong
Kindergarten presso il Media Lab del MIT diretto da Mitchel Resnick (2018). Il
riferimento alla scrittura e alle implicazioni dell’alfabetizzazione viene utilizzato
dallo stesso Resnick per spiegare il senso delle attività legate alla programmazione
Media literacy, coding e cittadinanza digitale: apprendere e costruire con le tecnologie
341
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 338-351, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
e alla creatività attraverso il software Scratch, erede del Logo creato da Papert negli
anni Sessanta del secolo scorso. Opponendo il concetto di fluidità computazionale
a quello più abusato di pensiero computazionale, Resnick immagina il coding
come una forma di espressione e di padronanza di un linguaggio. Come nel caso
della scrittura – per cui quando si impara a scrivere non è sufficiente imparare
grammatica, punteggiatura e ortografia –, quando si lavora sul coding non ci
si può limitare ai puzzle o all’apprendimento del funzionamento di base del
linguaggio di programmazione. Se per saper concretamente scrivere bene è
imprescindibile imparare a raccontare storie e a comunicare le proprie idee, per la
fluidità computazionale è necessario un approccio incentrato sulla progettazione.
Incoraggiati a creare storie interattive, giochi e animazioni di vario tipo, i ragazzi
trasformano le proprie idee in progetti che possono condividere con altre persone.
Non si è davanti alla mera creazione di un programma allo scopo di raggiungere
obiettivi prefissati, con cui imparare abilità e concetti base dell’informatica. Si
è invece più vicini all’espressione di sé stessi attraverso ambienti di sviluppo
creativo: secondo il gruppo di ricerca di Resnick padroneggiare la scrittura e il
coding aiuta a sviluppare il proprio pensiero, a sviluppare la propria espressività
e a sviluppare la propria identità. Proprio come risolvere le parole crociate non
porta a saper raccontare storie e ad esprimere le proprie idee con padronanza,
la mera competenza tecnica delle basi del coding non garantisce lo sviluppo di
pensiero critico e creativo. Da questo punto di vista, la fluidità computazionale
ha a che fare non solo con la comprensione dei concetti computazionali e delle
strategie di risoluzione dei problemi, ma anche con la capacità di saper creare e
sapere come esprimersi con le tecnologie digitali. Se con i processi di scrittura si
impara a organizzare, raffinare, e riflettere sulle proprie idee – e dunque si diventa
migliori pensatori –, quando si impara a programmare si impara a individuare
problemi e risolverli, si impara come suddividere e scomporre problemi complessi
in parti più semplici, e si diventa capaci di migliorare i propri progetti nel tempo. In
buona sostanza, anche quando si impara a programmare si può diventare migliori
pensatori.
Resnick sviluppa il paragone con l’alfabetizzazione fino a sostenere che il
coding sia una vera e propria estensione della scrittura, in grado di consentire di
scrivere storie interattive, animazioni, giochi e simulazioni.
É chiaro come anche la tecnologia digitale, al pari di quelle che la hanno
preceduta, continui a consentire l’apertura verso nuove dimensioni del sensorio,
trasformando allo stesso tempo discorso e pensiero attraverso il coinvolgimento
Mario Pireddu
342
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 338-351, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
attivo di tutto il corpo. I sistemi educativi non si sono ancora aperti alle opportunità
offerte da percorsi di apprendimento costruzionisti, e la versione povera del coding
a cui fa riferimento Resnick è quella che si è diffusa maggiormente tra le pratiche
scolastiche. Seymour Papert (1994) agli inizi degli anni Novanta del secolo scorso
lamentava la “tendenza connaturata” della scuola a rendere infantili i bambini,
messi in condizione di dover seguire le condizioni altrui e di svolgere compiti dettati
da altri spesso privi di alcun valore intrinseco. Per il matematico e pedagogista
sudafricano le criticità dell’introduzione dei computer nelle scuole furono evidenti
sin dall’inizio: aver relegato i computer in sale dedicate all’informatica da utilizzare
in orari definiti ha comportato la trasformazione di pratiche interattive e di scoperta
in materia o disciplina tra le altre, regolata da specifici programmi ministeriali. La
conseguenza – se non l’obiettivo – di tale integrazione è stata la neutralizzazione
della forza destabilizzante delle tecnologie digitali per la formazione. Le critiche
mosse da Papert non riguardavano le aule di informatica e il loro utilizzo, ma il
fatto che quelle stanze isolate non venivano usate come punto di incontro di idee
che prima venivano tenute separate.
Il pensiero di Papert prende corpo nell’intersezione tra tre aree disciplinari:
quella matematica, quella informatica e quella pedagogica. Quest’ultima in modo
particolare è determinante, perché permette da un lato di costruire percorsi
di riflessione e interventi pratici eterogenei e dall’altro di lavorare sul tema
dell’apprendimento da un punto di vista inedito.
L’esperienza di Papert a Ginevra con Jean Piaget, tra la fine degli anni
Cinquanta e i primi anni Sessanta del secolo scorso, è essenziale per la costruzione
di un pensiero e di una proposta teorica autonomi. Per Piaget era essenziale
considerare gli individui, in particolare durante l’infanzia, portatori di un bagaglio
di conoscenze ed elementi noti, in grado di essere attivati e di modificarsi nel
tempo. La capacità cognitiva quindi non ha a che fare con la semplice trasmissione
di informazioni o con la replicazione di comportamenti altrui. Nell’apprendimento
sono in gioco dunque costanti processi di appropriazione, confronto con la propria
esperienza ed eventuali integrazioni nel proprio schema mentale di nuovi elementi
e nuovi comportamenti. L’atto di apprendere ha a che fare dunque con processi
cognitivi e corporei, nei bambini come negli adulti, per i quali non si abbandona una
propria teoria in base alla semplice trasmissione di una teoria migliore e più efficace.
L’evoluzione delle capacità cognitive per Piaget avviene mediante continue azioni
di confronto e analisi con il proprio sapere e con le proprie esperienze. Dal punto
di vista didattico, ciò significa consentire a chi apprende di poter sperimentare,
Media literacy, coding e cittadinanza digitale: apprendere e costruire con le tecnologie
343
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 338-351, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
di essere soggetto attivo e partecipe delle diverse esperienze di apprendimento.
Per farlo occorre ripensare sia l’azione didattica che il contesto entro il quale
tale azione viene svolta: la dimensione laboratoriale offre la possibilità di poter
dare corpo a pratiche finalizzate alla costruzione di una conoscenza fondata sulla
sperimentazione, sul cimentarsi attivamente con la comprensione di un concetto,
di un evento o di un problema. Conoscere non può dunque coincidere con la
mera trasmissione di informazioni: si tratta di una dimensione che si costruisce
invece potendo compiere esperienza mediante l’interazione concreta con il mondo,
le persone e gli oggetti. La posizione costruttivista di Piaget tiene conto anche
delle possibili resistenze all’apprendimento, solitamente messe in atto da chi
dovrebbe apprendere, e della necessità per chi si occupa di didattica di prendere in
considerazione tali resistenze per non sacrificare i propri obiettivi didattici. Papert
muove da queste premesse e porta avanti il proprio percorso di ricerca verso un’idea
di costruzionismo capace di tenere insieme i differenti ambiti disciplinari di cui si
è detto in precedenza (matematica, informatica, pedagogia). Da qui lo sviluppo e
la definizione di una struttura teorica dedicata all’apprendimento, e l’utilizzo delle
macchine come strumenti dedicati alla costruzione di percorsi di apprendimento
efficaci e in grado di favorire la riflessione cognitiva e metacognitiva sulle esperienze
in corso, la comprensione dei perché e dei come delle proprie azioni. Nel riflettere
sulle situazioni e sui problemi, gli studenti integrano le nuove esperienze e le nuove
informazioni con la loro precedente conoscenza del mondo, nel costante lavoro per
dare un senso a ciò che osservano. Costruiscono i propri modelli mentali attraverso
cui spiegano ciò che analizzano, e li rendono sempre più complessi con l’esperienza
e l’ulteriore riflessione dando vita a rappresentazioni mentali più articolate.
L’interesse è qui per le modalità attraverso le quali prende forma e si trasforma
il sapere in contesti specifici, per i mutamenti nei processi mentali che vengono messi
in gioco per imparare e come questi possano variare attraverso l’interazione con
differenti media. Nelle attività didattiche ideate da Papert l’oggetto o il dispositivo
tecnologico come facilitatori dell’apprendimento sono infatti elementi centrali.
L’analisi, la manipolazione, la costruzione di oggetti rappresentano processi cognitivi
fondamentali per la maturazione di un apprendimento. Dietro l’idea di artefatto
cognitivo vi è il riferimento alla mente che per apprendere – a qualunque età – ha
bisogno di costruire oggetti e dispositivi, e dunque di maneggiare materiali reali.
Nell’ottica costruzionista diventa centrale il procedere per prove ed errori, mediante
serie di tentativi di rappresentazione del mondo che ci circonda. L’apprendimento
deve quindi avere a che fare con il confronto, l’analisi, la discussione, l’esposizione,
Mario Pireddu
344
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 338-351, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
la costruzione, lo smontaggio e la ricostruzione degli artefatti cognitivi e con la
metacognizione. Costruire un oggetto e interagire con un dispositivo diventano
processi utili per sviluppare idee e per imparare: si affinano abilità, si definiscono
percorsi mentali per la risoluzione di un problema o per il raggiungimento di un
obiettivo. Costruire, smontare, utilizzare, manipolare e analizzare oggetti comporta
anche, come si è detto, l’esposizione, il confronto e la discussione con gli altri: qui la
relazione assume una valore centrale nel processo di apprendimento. Attraverso gli
artefatti cogniti prende corpo una matrice relazionale sulla quale costruire saperi e
competenze: interazione, scambio e analisi degli errori riscontrati; formulazione di
ipotesi da testare e mettere in pratica; individuazione di errori e condivisione delle
osservazioni e delle riflessioni. Anche se qualsiasi oggetto, dispositivo o materiale
può assumere il ruolo di artefatto cognitivo se opportunamente collocato in una
dimensione di apprendimento, è vero che Papert si è concentrato tra i primi sulle
opportunità offerte dalle tecnologie digitali per la costruzione di percorsi didattici
efficaci e innovativi. Le sue riflessioni sul rapporto tra computer e scuola sono
per certi versi ancora attuali: l’ostilità verso la concezione dell’informatica come
“disciplina” tra le altre e al confinamento del computer in appositi laboratori da
utilizzare soltanto in orari specifici mostrava la convinzione della necessità di
adottare i computer e i linguaggi digitali in modo trasversale. Solo in questo modo
per Papert la scuola avrebbe potuto sfruttare appieno le opportunità offerte dalla
flessibilità delle tecnologie digitali, senza neutralizzarne la portata: l’obiettivo
era ripensare interamente la visione meramente tecnica delle macchine, verso
una didattica digitalmente aumentata in grado di lavorare sulla scoperta e sulla
creatività.
Oggi, più di venticinque anni dopo i rilievi di Papert, in molti paesi i sistemi
educativi sono reduci dall’attraversamento di diverse riforme, con alcuni passaggi
chiave come il superamento dei vecchi programmi ministeriali e l’elaborazione di
percorsi costruiti per lavorare sull’integrazione di competenze e conoscenze. Sul
tema specifico della digitalizzazione della scuola e dei sistemi educativi sono stati
fatti alcuni passi avanti ma è mutato radicalmente anche l’ecosistema comunicativo
di riferimento e le stesse infrastrutture della conoscenza non sono più le stesse.
Oggi il sapere risiede sempre meno all’interno delle tradizionali strutture che per
secoli sono state incaricate della sua produzione e conservazione, e sempre più
abita le reti sotto forma di dati, metadati, big data e relazioni (RONCAGLIA,
2018; FLORIDI, 2017; PIREDDU, 2017b; WEINBERGER, 2012; MANOVICH,
2010). Neanche tanto paradossalmente il discorso di Papert, ripreso dal gruppo
Media literacy, coding e cittadinanza digitale: apprendere e costruire con le tecnologie
345
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 338-351, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
di ricerca del Media Lab al MIT, si mostra quindi ancora più attuale. Sembrano
riconoscerlo i gruppi di lavoro della Commissione Europea, che negli ultimi anni
hanno prodotto e pubblicato due framework dedicati alle competenze digitali
necessarie da un lato ai cittadini e dall’altro agli educatori del XXI secolo. Si tratta
del framework europeo DigComp (CARRETERO GOMEZ; VUORIKARI; PUNIE,
2017), aggiornato periodicamente e dedicato all’individuazione delle competenze
chiave da promuovere, consolidare, validare e certificare per i cittadini, e del
framework DigCompEdu (JOINT RESEARCH CENTRE, 2017), proposto come
riferimento europeo per l’implementazione di linee guida nazionali dei paesi
membri e per la progettazione di percorsi formativi all’altezza dei mutamenti
sociali, antropologici, economici e culturali degli ultimi anni. Il DigCompEdu
nasce dalla presa d’atto dell’ubiquità e della pervasività dei dispositivi digitali,
e del relativo dovere per gli educatori di essere competenti in ambito digitale per
poter aiutare gli studenti a diventarlo a loro volta.
Le competenze elencate nel framework DigCompEdu sono più di venti,
raggruppate in sei aree: Professional engagement, Digital Resources, Digital
Pedagogy, Digital Assessment, Empowering Learners, Facilitating Learners’
Digital Competence. Tra le competenze indicate vi è il saper riflettere sull’uso delle
tecnologie nelle proprie pratiche didattiche; sapere come ricercare, selezionare e
valutare risorse digitali più utili per la didattica; saper organizzare, condividere
e pubblicare risorse digitali aperte; saper creare e editare contenuti digitali
pensati per la didattica; saper progettare e supportare attività collaborative tra gli
studenti; gestire la propria auto-formazione, conoscere le metodologie della ricerca
didattica per la raccolta e l’analisi di dati utili a valutare l’efficacia dei percorsi
proposti; saper utilizzare gli ambienti per gestire i feedback per gli studenti, al fine
di ricalibrare e individualizzare l’insegnamento; saper gestire le problematiche
relative all’accessibilità e saper utilizzare spazi, ambienti e risorse più utili allo
scopo. Naturalmente uno degli obiettivi cardine, come si è detto, è promuovere lo
sviluppo della media literacy, della competenza digitale degli studenti: aiutare a
sviluppare capacità di comunicazione e collaborazione anche attraverso ambienti
digitali e di rete, favorire la creazione di contenuti e la risoluzione di problemi di
vario tipo. In Italia alcuni dei questi punti chiave sono stati recepiti con il Piano
Nazionale Scuola Digitale contenuto nella legge 107/2015 (PIREDDU, 2017a), e
con il sillabo di Generazioni Connesse dedicato all’educazione civica digitale.
Come sottolinea Sonia Livingstone (2016), studiosa della London School of
Economics a capo di diversi progetti di ricerca mondiali ed europei dedicati al
Mario Pireddu
346
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 338-351, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
rapporto tra bambini, ragazzi e dimensioni della socialità online, è imprescindibile
comprendere i tipi di interazione sociale che i ragazzi prediligono e desiderano,
così le modalità attraverso cui i media digitali consentono loro di gestire queste
interazioni e le distanze tra percezione e realtà. Se, al di là delle sterili opposizioni
che a volte ancora caratterizzano il dibattito su questi temi, le relazioni e le
conversazioni face-to-face dei più giovani vengono riconfigurate e non sostituite
attraverso gli ambienti digitali, ecco allora che per chi si occupa della loro formazione
è necessaria una comprensione profonda di tali ambienti e delle loro logiche di
fondo (GEE JAMES, 2013; LANKSHEAR; KNOBEL, 2008). In questo senso la
proposta del Lifelong Kindergarten per un approccio critico e creativo al digitale
appare ancora una volta come la più accorta: dall’imparare a programmare (learn
to code) al programmare per imparare (code to learn). Questa seconda impostazione
oltrepassa la strumentalità della prima, e con essa delle versioni povere del coding
che predomina anche nelle scuole italiane. Seguendo l’impostazione data da
Papert, ci si allontana dai modelli in cui è il computer a programmare i bambini,
per abbracciare prassi concrete in cui è il bambino a programmare il computer.
L’obiettivo è far acquisire ai bambini le competenze necessarie per utilizzare le
tecnologie digitali, e stabilire allo stesso tempo una reale comprensione di concetti
profondi legati alla scienza, alla matematica e all’arte della costruzione di modelli
intellettuali. Tra le conclusioni più interessanti del costruzionismo di Papert e
allievi, si è detto, vi è la ridefinizione del processo di apprendimento: attraverso
la programmazione i bambini possono giungere spontaneamente a scoprire – o a
riscoprire – autonomamente e a fare proprie diverse leggi matematiche complesse.
Possono riuscire a interiorizzare idee chiave come la scomposizione di problemi
grandi in parti più piccole, o ancora trovare soluzioni tramite tentativi, errori
e debugging (individuazione e correzione di errori). I principi pedagogici del
costruzionismo sommano a quelli del più classico costruttivismo l’elaborazione di
artefatti cognitivi e la produzione di oggetti tangibili che trovano concretizzazione
nelle pratiche di costruzione di oggetti, personaggi, mondi e storie da parte dei
bambini.
L’apprendimento è costruito come un processo di esplorazione, creazione
e costruzione, e lo sviluppo di conoscenza prende corpo attraverso l’interazione
con il mondo circostante e con le altre persone. L’apprendimento è dunque realtà
resa possibile dal confronto, dalla discussione, dall’esposizione, dall’osservazione,
dall’analisi, dalla costruzione, dallo smontaggio e dalla ricostruzione degli
artefatti cognitivi. Papert parlava esplicitamente della necessità di concentrarsi
Media literacy, coding e cittadinanza digitale: apprendere e costruire con le tecnologie
347
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 338-351, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
sull’apprendimento più che sull’insegnamento (teaching vs learning), perché
insegnare è importante ma apprendere lo è molto di più. Il portato concettuale
è una visione dell’apprendimento come costruzione e ricostruzione continua più
che come trasmissione di conoscenze. Un apprendimento che, al di là di ogni
idealizzazione o eccessiva astrazione, è inevitabilmente un processo “sporco” (dirty
learning) attraverso cui costruire saperi e conoscenze condivise. Da matematico,
Papert si accorse che uno dei problemi più grandi per l’apprendimento della
matematica a scuola era la differenza con quella che definiva “la matematica del
mondo reale”. Nel mondo reale, la matematica viene regolarmente utilizzata per
la costruzione di ponti o macchine di vario tipo, per produrre teorie e spiegazioni
sul funzionamento degli atomi e sull’origine degli astri e dell’universo, o anche solo
per la gestione dell’economia domestica o aziendale. A scuola, invece, i bambini non
sempre imparano a fare molte cose con la matematica, presi in attività che non li
coinvolgono più di tanto. Tra gli obiettivi principali del lavoro di Papert e del suo
gruppo di lavoro, e oggi del Lifelong Kindergarten del MIT, vi è quello di cercare
modi per rendere possibile per i bambini fare qualcosa di interessante e sentire
il proprio rapporto con la matematica più simile a quello degli scienziati, degli
ingegneri e di tutte le persone che “utilizzano la matematica costruttivamente per
costruire qualcosa”.
Allo stesso modo, immergersi oggi in ambito scolastico negli ambienti digitali e
in modo attivo è utile per la formazione di cittadini pienamente consapevoli, capaci
di sviluppare pensiero critico e possibilmente creativi nella risoluzione di problemi
e nell’avanzamento di proposte operative. La maggior parte delle persone non
diventerà un esperto di informatica o un programmatore, ma indipendentemente
dal lavoro che farà potrà sfruttare l’abilità di pensare in modo creativo, di pensare
schematicamente laddove necessario e di lavorare sapendo collaborare con altri.
Con le parole di Resnick (2018, p. 40): “quando i bambini imparano a usare le
tecnologie digitali per esprimersi e condividono le loro idee attraverso il coding,
iniziano a vedere se stessi in modo nuovo. Cominciano a vedere la possibilità
di contribuire attivamente alla società. Cominciano a vedersi parte del futuro”.
Una piena cittadinanza digitale sarà raggiunta unicamente se i futuri cittadini
impareranno non soltanto a leggere e decifrare le nuove tecnologie, ma anche a
crearle e governarle. Ciò che deve essere al centro di percorsi didattici costruiti
con questo obiettivo, come fu a suo tempo per la tipografia scolastica (FREINET,
1969), non è la tecnologia ma la comprensione profonda e la concettualizzazione
di quel che si consuma e si produce attraverso le infrastrutture del sapere.
Mario Pireddu
348
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 338-351, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Questa comprensione è difficile da raggiungere in assenza di una pratica attiva
di decostruzione e creazione, di percorsi concreti di apertura, sperimentazione e
condivisione. Per la scuola e per l’università questo comporta l’avere a che fare con
le tecnologie digitali e di rete in modo non passivo, significa accogliere le sfide poste
da un ecosistema del sapere estremamente più complesso di quelli che lo hanno
preceduto (WEINBERGER, 2012), significa lavorare per consentire agli studenti
e ai futuri cittadini di avere un rapporto più maturo e consapevole con i media
(GREENHOW; SONNEVEND; AGUR, 2016), le reti e la conoscenza che lì abita
(NUSSBAUM-BEACH; HAL, 2011).
Oggi la conoscenza e il sapere si reggono sempre più sulle infrastrutture
tecnologiche e sui sistemi che danno loro forma, ed è quindi fondamentale avere
esperienza dei fenomeni legati alle reti e riuscire a concettualizzarli in modo non
banale. Sta diventando imprescindibile riuscire a comprendere il funzionamento
degli algoritmi che reggono le nostre interazioni sociali, i nostri consumi culturali,
i nostri acquisti e il nostro rapporto con il sapere, la politica, l’advertising; è
essenziale comprenderne le logiche e le ideologie di chi li sviluppa, per essere meno
indifesi e più capaci di risposte in grado di incidere sulla realtà (PIREDDU, 2017b).
Occorre studiare le logiche culturali dei database e il funzionamento dei metadati,
sempre più indispensabili per l’archiviazione, la gestione e la condivisione di risorse
e contenuti di ogni tipo. Non si tratta di mere questioni tecniche, ma di dimensioni
culturali strategiche e su cui si stanno edificando il presente e il futuro prossimo.
Gli algoritmi e i database più diffusi rispondono infatti a chi li crea, nascono con
scopi e obiettivi precisi, e in funzione di quelli vengono utilizzati. Non di rado
incorporano pregiudizi e bias di chi li ha costruiti e persino degli utilizzatori, e il
discorso pubblico su questi temi, così come quello scolastico e troppo spesso anche
quello accademico, è ancora caratterizzato da imprecisione quando non da scarsa
conoscenza dell’argomento.
Da più parti viene rilevata la diffusione di software in grado di imparare
autonomamente, ed è lecito chiedersi quanti educatori e insegnanti possiedono
strumenti che consentono loro di comprendere e concettualizzare adeguatamente
le sfide poste dal machine learning. O ancora, quanti riescono a riflettere sulle
implicazioni profonde di queste innovazioni per la società, l’economia, la cultura o
la giustizia sociale. Se la gestione accorta del cambiamento e il governo responsabile
delle trasformazioni possono esistere unicamente in presenza di cittadini e classi
dirigenti informate, occorre riconoscere che la scuola e l’università non possono
permettersi tempi troppo lunghi per un cambiamento efficace e in grado di dare
Media literacy, coding e cittadinanza digitale: apprendere e costruire con le tecnologie
349
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 338-351, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
risposte alle sfide del presente e del prossimo futuro. Se i sistemi educativi non
saranno in grado di lavorare sugli strumenti per la comprensione e la gestione
della complessità attuale – non quella del passato – non si potrà sperare di riuscire
a governare il cambiamento in senso positivo per la maggior parte dei cittadini.
Un cambiamento di questa portata è gestibile unicamente con più studio, più
formazione, maggiore consapevolezza e maggiore dimestichezza con le odierne
infrastrutture della conoscenza e con le loro logiche di fondo. È possibile chiedere
tutele specifiche e norme più efficaci solo se si ha una comprensione almeno di
base dei temi in oggetto: cittadini disinformati non potranno che esprimere classi
dirigenti poco preparate e scarsamente competenti.
Non si tratta, come sostengono alcuni, di apprendere di più o di meno rispetto
a una volta, ma di come e cosa apprendere. Se si continua a pensare che la
comprensione di un qualsiasi fenomeno possa essere ancora legata al solo studio
di testi, il rischio è quello di far vivere gli studenti in due mondi separati, quello
tipografico della scuola e quello reticolare delle tecnologie di rete, limitando ogni
dialogo. È opportuno invece lavorare sul tenere insieme la pluralità di dimensioni
che caratterizza la complessità delle attuali infrastrutture della conoscenza: leggere
e collegare, andare in profondità e comprendere, saper immergersi e dialogare,
vedere e interagire, ascoltare e operare, fruire e creare, riflettere e condividere.
Molta parte dell’apprendimento, come si è detto, è legata alla produzione e
non unicamente alla fruizione, all’essere soggetti attivi e non soltanto ripetitori
di informazioni. Le dimensioni dell’astratto e del concreto, la didattica operativa
e la didattica riflessiva hanno bisogno di convivere: porre al centro dei percorsi
educativi gli artefatti cognitivi di ogni tipo rende l’apprendimento un processo che
avviene concretamente attraverso il ruolo attivo di chi impara. Unicamente in
questo modo è possibile per i soggetti coinvolti esplorare il proprio modo di pensare,
e comprendere che riflettere sul come si pensa può essere fondamentale per la
propria formazione umana e professionale. Le infrastrutture della conoscenza e la
fluidità nel loro utilizzo possono aiutare verso questa produzione di domande, di
ricerca e riconoscimento di credenze implicite e tendenze nascoste, verso percorsi
più consapevoli di riappropriazione dei mezzi di produzione di sapere.
Mario Pireddu
350
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 338-351, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Riferimenti
CARRETERO GOMEZ, Stephanie; VUORIKARI, Riina; PUNIE, Yves. DigComp 2.1: The
Digital Competence Framework for Citizens with eight proficiency levels and examples of use.
Publications Office of the European Union, 2017. Indirizzo Internet: <http://bit.ly/2q9W3gr>.
Accesso: 15.09.2017.
FLORIDI, Luciano. La quarta rivoluzione. Come l’infosfera sta trasformando il mondo. Milano:
Raffaello Cortina Editore, 2017.
FREINET, C. Le mie tecniche (1967). Firenze: La Nuova Italia, 1969.
GEE JAMES, Paul. The Anti-Education Era. Creating Smarter Students Through Digital
Learning. New York: Palgrave Macmillan, 2013.
GREENHOW, Christine; SONNEVEND, Julia; AGUR, Colin. Education and social media:
toward a digital future. Cambridge, MA: The MIT Press, 2016.
JOINT RESEARCH CENTRE. European Commission. Digital Competence Framework for
Educators (DigCompEdu). 2017. Indirizzo Internet: <http://bit.ly/2micSlG>. Accesso: 15.09.2017.
LANKSHEAR, Colin; KNOBEL, Michele. A cura di, Digital Literacies. New Literacies and
Digital Epistemologies. New York: Peter Lang Publishing, 2008.
LIVINGSTONE, Sonia. The Class: Living and Learning in the Digital Age. New York: NYU
Press, 2016.
MANOVICH, Lev. Software Culture. Milano: Olivares, 2010.
MARAGLIANO, Roberto; PIREDDU, Mario. Storia e pedagogia nei media. Roma: #graffi, 2012.
MCLUHAN, Marshall. Gli strumenti del comunicare. Milano: Il Saggiatore, 1997.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia della percezione. Milano: Il Saggiatore, 1965.
MORIGGI, Stefano. Connessi. Beati quelli che sapranno pensare con le machine. Milano: San
Paolo Edizioni, 2014.
NUSSBAUM-BEACH, Sheryl; HAL, Lani Ritter. The Connected Educator: Learning and Leading
in a Digital Age. Bloomington, IN: Solution Tree, 2011.
ONG, Walter Jackson. Oralità e scrittura. Bologna: il Mulino, 1986.
PAPERT, Seymour. I bambini e il computer. Milano: Rizzoli, 1994.
PIREDDU, Mario. Scuola digitale o scuola viva? La logica culturale del Piano Nazionale Scuola
Digitale tra mediologia e media education. Media Education. Studi, ricerche, buone pratiche,
v. 8, n. 2, p. 160-174, 2017a.
______. Algoritmi. Il software culturale che regge le nostre vite. Milano: Luca Sossella Editore,
2017b.
RESNICK, Mitchel. Come i bambini. Immagina, crea, gioca e condividi. Coltivare la creatività
con il Lifelong Kindergarten del MIT. Trento: Erickson, 2018.
Media literacy, coding e cittadinanza digitale: apprendere e costruire con le tecnologie
351
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 338-351, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
RONCAGLIA, Gino. L’età della frammentazione. Cultura del libro e scuola digitale. Roma-Bari:
Laterza, 2018.
WEINBERGER, David. La stanza intelligente. La conoscenza come proprietà della rete. Torino:
Codice Edizioni, 2012.
WOLF, Maryanne. Lettore, vieni a casa. Il cervello che legge in un mondo digitale. Milano: Vita
e Pensiero, 2018.
______. Proust e il calamaro. Storia e scienza del cervello che legge. Milano: Vita e Pensiero, 2012.
Marcos Luiz Mucheroni, Elizabeth Simão Carvalho, Adérito Fernandes Marcos
352
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 352-369, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Ensinar programação em ambientes e-learning: preocupações e propostas no
âmbito do modelo pedagógico virtual da Universidade Aberta de Portugal
Teaching programming in e-learning environments: concerns and proposals within the scope
of the virtual pedagogical model of the Open University of Portugal
Marcos Luiz Mucheroni
*
Elizabeth Simão Carvalho
**
Adérito Fernandes Marcos
***
Resumo
O ensino e aprendizagem da programação de computadores em ambiente e-learning constitui uma área que
tem vindo a atrair um interesse crescente tanto por parte das universidades de ensino em rede como pelos
investigadores do e-learning. Aprender a programar computadores requer o desenvolvimento de raciocínio ló-
gico da parte do estudante, enquanto aprende a dominar as potencialidades de uma determinada linguagem
de programação, a construir estruturas de dados e a desenvolver uma estratégia de resolução de problemas
pela sua divisão e modularização em problemas mais simples de mais fácil conquista. Adicionalmente importa
que o estudante desenvolva competências de trabalho em grupo, de estudo individual com elevados níveis de
concentração para realizar trabalho de revisão e depuração de código fonte. O ensino on-line de programação
de computadores é constituído por estes aspetos, exigindo um elevado grau de interação entre estudantes e
destes com o professor. Neste artigo, apresentamos um conjunto de reexões e propostas concretas de estra-
tégias de implementação do ensino e aprendizagem da programação de computadores, de nível universitário,
explorando o método de design de instruções como uma abordagem do diálogo, uma adaptação da taxono-
mia de Bloom, com base na experiência e no modelo pedagógico virtual da Universidade Aberta de Portugal.
Palavras-chave: E-learning. Ensino e aprendizagem da programação. Ensino-aprendizagem on-line. Classe virtual.
Modelo pedagógico virtual.
*
Doutor em Engenharia Elétrica pela Universidade de São Paulo. Pós-doutor pela Universidade Aberta de Lisboa, Por-
tugal. Integrante do Centro de Investigação em Arte e Comunicação, Universidade Aberta, Lisboa, Portugal. E-mail:
mucheroni.marcosl@gmail.com
**
Doutora em Tecnologia e Sistemas de Informação pela Universidade do Minho. Integrante do Centro de Investigação
em Arte e Comunicação, Universidade Aberta, Lisboa, Portugal. E-mail: elizabeth.carvalho@uab.pt
***
Doutor em Engenharia pela Darmstadt University of Technology e em Informática pela Universidade do Minho. É
professor catedrático de nomeação denitiva da Universidade Aberta, no Departamento de Ciências e Tecnologia,
Lisboa, Portugal. E-mail: aderito.marcos@gmail.com
Recebido em 30/09/2018 – Aprovado em 12/02/2019
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v26i2.8703
Ensinar programação em ambientes e-learning: preocupações e propostas no âmbito do modelo pedagógico virtual da Universidade...
353
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 352-369, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Abstract
The teaching and learning of computer programming in e-learning environment is an area that has attracted
increasing interest from both the universities in network and the e-learning researchers. Learning to code in
computers requires the development of logical reasoning on the part of the student, while learning to master
the potentialities of a particular programming language, building data structures and developing a strategy of
problem solving by its division and modularization into simpler problems of easier conquest. In addition, it is
important that the student develops group working skills, besides individual studies maintaining high levels of
concentration to perform review and debugging work of the source code. The online teaching of computer pro-
gramming consists of these aspects, demanding a high degree of interaction between students and these with
the teacher. In this article we present a set of concrete reections and proposals of strategies for the implemen-
tation of teaching and learning of computer programming at university level, exploring the method of design
of instructions as an approach to dialogue, an adaptation of Blooms taxonomy, based on the experience and
virtual pedagogical model of the Open University of Portugal.
Keywords: E-learning. Teaching and learning in programming. Teach-learning online. Virtual class. Virtual peda-
gogic model.
Introdução
As primeiras linguagens de computação em Assembler e Fortran tinham a
preocupação de tornar os problemas matemáticos ou numéricos em código de com-
putador, partindo de dois princípios fundamentais: era preciso traduzir rotinas de
tratamento matemático e numérico em código, e, em segundo lugar deveriam ser
aplicadas a diversas entradas possíveis de modo que o código fosse escrito apenas
uma vez. A evolução para linguagens comerciais como o Cobol, na década de 1960,
impuseram um ritmo novo, onde era necessário rapidamente formar programa-
dores para que a crescente indústria de computadores mainframes dispusesse de
profissionais, essencialmente operadores e programadores, capazes de atender às
crescentes demandas do comércio, empresas estatais e industriais. No sentido de
dar resposta a essa demanda, surgiu o BASIC (Beginner’s All-purpose Symbolic
Instruction Code), uma linguagem simples e rápida de programar, com código in-
terpretado, quer dizer, feito linha a linha. Importa recordar aqui que esta foi tam-
bém a época dos grandes algoritmos e que a ideia de otimização deu origem a pro-
gramas de busca e ordenação (Shell and Sorting), os famosos algoritmos de Donald
Knuth (1997) e Edsger Dijkstra (1997), ambos em terceira edição, mas datados na
primeira edição nos anos 60 e 70, respectivamente.
Após um período em que as linguagens voltaram a se tornarem complexas
muito focalizadas em instruções de baixo nível, ao nível da máquina, surgiram as
linguagens Pascal, Prolog e Smalltalk, entre outras, orientadas para os ambientes
caseiros e traziam conceitos de Inteligência Artificial, tendo-se popularizado a lin-
Marcos Luiz Mucheroni, Elizabeth Simão Carvalho, Adérito Fernandes Marcos
354
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 352-369, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
guagem C, inicialmente feita para Sistemas Operativos, levando a que uma nova
etapa de simplificação tenha visto o seu advento.
Hoje são populares linguagens como o PHP, Python e agora a emergente Julia
1.0 (2018), nos ambientes de programação para telemóveis e desenvolvimentos ca-
seiros, como o Arduíno que promete crescer na IoT (Internet das Coisas), Realidade
Aumentada e Virtual, sendo que esta linguagem contempla este novo cenário da
programação. Neste meio tempo a rede World Wide Web ou simplesmente Web, fez
evoluir a programação Java, posteriormente comprada pela empresa de bancos
de dados Oracle, que após uma guerra com desenvolvedores, permaneceu livre e
presente entre programadores de código aberto (Open Source).
Existem outras linguagens e factos históricos relevantes, como o surgimento
do Linux feito em crowdsourcing por programadores em todo mundo, o surgimento
do Wikipedia e o DBPedia, a Web Semântica e a linguagem de marcação XML, as
ontologias, etc.
O importante aqui é enfatizar dois pontos em constante tensão: a lógica de
programação e o desenvolvimento de algoritmos que independentemente da lin-
guagem requerem treinamento e a programação, depuração e versionamento em
ambientes de programação que requerem um esforço de trabalho relativamente
elevado, uma disciplina férrea necessária à depuração de código e, muitas vezes,
um esforço de trabalho em equipe, competências que nem sempre são ensinadas e
treinadas nos cursos de programação de computadores, sejam estes presenciais em
sala, ou cursos on-line em regime de e-learning.
O esforço extra verificado nos cursos on-line em regime de e-learning é o de
procurar estabelecer uma disciplina de evolução no tratamento do código, indo do
algoritmo ao programa final e suas versões, sem que o estudante perca a noção
de conceitos importantes que evoluem dentro desta lógica. Se há algo em que o
sucesso do ensino e aprendizagem on-line pode ser significativo é justamente a rea-
lização de cursos de programação, admitindo-se que estes não padecem das enfer-
midades graves da programação, i.e., os algoritmos feitos na força bruta sem serem
pensados e amadurecidos, os ambientes de aprendizagem acelerada que queimem
etapas, e por último, o esforço de versionamento e de detecção de bugs.
Com um ensino revolucionário desde a mudança curricular em seu ensino bá-
sico até ao ensino especializado de programação on-line, a Finlândia oferece uma
rica experiência para o ensino de programação.
Belle Selene Xia (2017), do Departamento de Informação e Ciência da Compu-
tação da Universidade de Aalto da Finlândia, realizou um importante estudo para
Ensinar programação em ambientes e-learning: preocupações e propostas no âmbito do modelo pedagógico virtual da Universidade...
355
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 352-369, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
entender como manter a motivação, entender os estilos de aprendizado, colaboran-
do com a qualidade de ensino em ambientes on-line.
O objetivo de seu trabalho consistiu em analisar como diferentes teorias edu-
cacionais podiam colaborar com o estudo e a aprendizagem, assim como em supe-
rar problemas como as taxas de retenção e o problema da evasão.
O artigo começa apontando o problema que tocamos na introdução, citando
Lister e Leaney (2003), onde explica que o ponto de vista do professor deve ter como
objetivo desenvolver nos estudantes a capacidade de implementar programas, me-
nos que expressar os problemas de computação expressos apenas em termos de
programação, sem esquecer a motivação dos estudantes que é objetivo principal da
aprendizagem, alguns experimentos (XIA, 2013; XIA; LIITIÄINEN, 2013) foram
feitos pela autora.
Definindo de forma ampla o que é o ensino e a experiência pessoal em determi-
nado fenômeno, Bruse et al. (2004) propõem que o aprimoramento de um estudante
em um fenômeno dado significa a compreensão adequada das dimensões críticas
de sua experiência para este fenômeno. Esta autora também definiu as principais
dificuldades que incrementam as taxas de retenção / insucesso nos cursos de pro-
gramação:
a) dificuldades na leitura e escrita de códigos de programa: Para poder escre-
ver corretamente códigos de programa, os estudantes precisam primeiro ler
códigos de programa, que é um dos principais desafios da programação da
educação, especialmente para aqueles sem ciência da computação anterior
fundo (BUCK; STUCKI, 2000);
b) dificuldades na criação de declarações de programa: os alunos de programa-
ção não aprendem a escrever e programas de design como habilidades de
programação, são cognitivamente habilidades complexas que exigem uma
profunda compreensão de conteúdo estruturalmente complexo (DEHNADI;
BORNAT, 2006);
c) dificuldades em rastrear os códigos do programa: os resultados da pesquisa
mostraram que um grande grupo de estudantes não puderam rastrear os
programas de maneira sistemática mediante solicitação. Este fenômeno é
especialmente evidente entre os programadores iniciantes (LISTER; LEA-
NEY, 2003).
O ensino-aprendizagem da programação, se em ambiente on-line de e-learning,
acrescenta dificuldades específicas ao nível da necessidade de retorno (feedback),
Marcos Luiz Mucheroni, Elizabeth Simão Carvalho, Adérito Fernandes Marcos
356
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 352-369, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
as revisões e os exames de proficiência ao nível do domínio da linguagem, as etapas
em que este acompanhamento deve ser feito para cursos onde o ensino é contínuo e
assíncrono, onde etapas intermediárias podem ser realizadas a qualquer momento
pelo estudante, e ainda o complexo relacionamento com os monitores e professores
que devem entender a etapa e a sequência que os estudantes realizam ainda que
em sequência assíncrona e a distância.
É necessário portanto um ambiente de “design” de instruções contextualiza-
do porém com uma adequada concepção metodológica (FILATRO, 2004) que lhe
forneça significação, com princípios teóricos que se relacionem à prática educativa
e possibilite um processo de ensino-aprendizagem de qualidade e que atenda às
demandas do mundo do trabalho e de uma realidade onde estão cada vez mais
presentes os artefatos digitais.
Para fazer emergir a criatividade, a arte e uma forma de sabedoria prática,
que os gregos chamavam de phronesis, como um acréscimo à práxis e a techné,
onde o ensino atual requer maior aproximação afetiva e cognitiva para o desenvol-
vimento, para isto uma metodologia mais aderente ao desenvolvimento criativo e
único de algoritmos, e cada colaboração traz algo de único, o que é pensado numa
metodologia fenomenográfica, e a criação consequente.
A taxonomia de Bloom, estudos fenomenográcos e design de instruções
Recorrer ao simples processo de cópia e colagem (copy and paste) de infor-
mação conforme está disponível na Web para conhecimento de um determinado
assunto tem vindo a assumir-se como uma prática corrente no mundo do ensino,
também de nível universitário, somente contrariado com a imposição de maiores
níveis de exigência, assim como o incentivo da criatividade e do desenvolvimento
cognitivo, afetivos e psicomotores, como propõe Bloom (KRATHWOHL, 2002), e
pode fazer emergir a necessária criatividade e arte, que é necessária e aplicável
ao desenvolvimento de algoritmos. A classificação proposta por Bloom dividiu as
possibilidades de aprendizagem em três grandes domínios:
a) o cognitivo, abrangendo a aprendizagem intelectual;
b) o afetivo, abrangendo os aspectos de sensibilização e gradação de valores;
c) o psicomotor, abrangendo as habilidades de execução de tarefas que envol-
vem o aparelho motor.
Ensinar programação em ambientes e-learning: preocupações e propostas no âmbito do modelo pedagógico virtual da Universidade...
357
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 352-369, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
A taxonomia de Bloom é adequada e adaptável à programação, porque, em sua
visão, para a solução de problemas que exigem capacidades intelectuais específi-
cas, o estudante deve organizar e reorganizar um problema, reconhecer o material
necessário e usá-lo no contexto do problema, isto quando o problema é novo e não
familiar ao estudante, i.e., esta é a capacidade de elaborar algoritmos.
A partir da Taxonomia de Bloom pode-se explorar o método da fenomenogra-
fia, que nasceu de uma pergunta de “porque uma pessoa aprende melhor que a
outra” (MARTON, 1994, p. 4424) e se afasta do mito que afirma que algumas pes-
soas serão “mais aptas” que outras, existindo diferenças, porém não se deve aplicar
isto genericamente, aplica-se ao ensino-aprendizagem on-line, pois é uma forma de
inclusão, abarcando as diferenças dos estudantes.
Utiliza-se o exemplo da linguagem Julia 1.0 apresentada em setembro de
2018, com aval do MIT (Massachusetts Institute of Technology), mas com grande
possibilidade de tornar-se emergente, para exemplificar o uso de Taxonomia de
Bloom em ensino de programação on-line (Figura 1).
Figura 1 – Etapas de aprendizagem na linguagem Julia 1.0 recém-lançada
Fonte: dos autores.
A fenomenografia pretende ser, a partir da ciência empírica da aprendizagem,
uma réplica da análise fenomenológica, procurando destacar-se, ao mesmo tempo,
tanto da filosofia como da psicologia, ou seja, visa relevar os aspectos cognitivo,
Marcos Luiz Mucheroni, Elizabeth Simão Carvalho, Adérito Fernandes Marcos
358
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 352-369, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
psicomotor e afetivo de Bloom. Algumas propostas do grupo de Gotemburgo são
sintetizadas sobre a investigação do mundo da experiência, na medida em que
se refere à aprendizagem colaborativa de alunos e de professores, remodelando
portanto o modelo da sala de aula, uma abordagem com forte aplicação no ensino-
-aprendizagem online.
Deve-se colocar em parênteses a própria experiência e olhar o outro, tratando-se
de descrever qualitativamente os outros no diálogo, numa entrevista ou numa aula
presencial ou não. Os componentes desta abordagem são também pioneiros na con-
sideração de diferentes estilos de aprendizagem, não se tratando, portanto, de aban-
donar este método, mas de ampliá-lo para cenários de ensino-aprendizagem on-line.
Por último, é necessário apresentar o método fenomenológico de categorização dos
dados, um exemplo de como um grupo de professores que conceba a aprendizagem
de seus estudantes, como uma proposta de prática para fazer em aula e também
chegar a conclusões. Aqui o design instrucional, geralmente mais ligado à estética
do que a um método de diálogo, tem conforme Filatro (2004, p. 6) a intenção de diri-
gir-se à: “[...] ação intencional e sistemática de ensino, que envolve o planeamento,
o desenvolvimento e a utilização de métodos, técnicas, atividades, materiais, even-
tos e produtos educacionais em situações didáticas específicas, a fim de facilitar a
aprendizagem humana a partir dos princípios de aprendizagem e instrução conhe-
cidos”, ou seja, uma desfiliação a métodos rígidos e automáticos.
O autor citado não está nem na origem nem entre os citados do design instru-
cional, tem duas vantagens que devem ser ressaltadas, desfiliação das pedagogias
“presenciais” tais como: o construtivismo, skinerismo e outras, e uma forte adesão
à tecnologia com contextualização.
Deve-se, então, pensar em um conjunto de tarefas, e onde se pretende apli-
cá-las na construção de algoritmos; utilizando a fundamentação dos objetivos de
aprendizagem, uma tarefa, no caso algoritmos para programação devem ser:
a) informar os objetivos da aprendizagem;
b) ser formativo – mobilizando habilidades e competências;
c) ser processual – graduando a complexidade das atividades;
d) provocar reflexão sobre a prática da elaboração antes da programação;
e) levar a mudança de comportamentos, valores e atitudes na elaboração.
É um fato aceito, mesmo no mundo acadêmico, que etapas muito demoradas
na construção de algoritmos podem afastar bons estudantes do universo de progra-
mação, então os aspectos cognitivo e afetivos da taxonomia de Bloom não podem
Ensinar programação em ambientes e-learning: preocupações e propostas no âmbito do modelo pedagógico virtual da Universidade...
359
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 352-369, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
ser negligenciados, isto pode ser pensado em algoritmos criativos, a computação
tem um número grande de exemplos desde algoritmos de Classificação e Orde-
nação, Torre de Hanói, o algoritmo de Dijkstra do caminho num grafo, com um
número grande de aplicações atuais, e muitos outros.
O aspecto afetivo já foi ressaltada a questão colaborativa, fundamental no
desenvolvimento de programação atual, mas também deve-se acrescentar a inser-
ção em fóruns e o incentivo à discussão entre os alunos de fatores relevantes de
desenvolvimento dos algoritmos propostos, onde um fórum vazio pode indicar que
a questão afetiva foi negligenciada.
Por último, o aspecto psicomotor, em que ambientes e plataformas de e-lear-
ning evidenciam muitas vezes ter dificuldades intrínsecas pelo que se devem agi-
lizar estas explicações, retomando sempre que preciso as formas e ambientes de
programação com suas bibliotecas de programas prontos, indicar sítios Web de
buscas, comunidades online e outras, mas principalmente retornar às explicações
sobre o bom uso de plataformas sempre que for necessário, pois muitas vezes o
aluno mais tímido evita fazer questões que podem parecer óbvias, mas que nem
sempre o são, e, portanto, a plataforma deve ser dominada em um processo que é
progressivo: depuração, compilação e bibliotecas de linguagens.
Um quadro de reexão sobre aprendizagem de programação
Os autores propõem um conjunto de reflexões que afetam diretamente a
aprendizagem, em especial no ensino de programação, fazendo uma adaptação de
seu quadro conceitual ao de Bellen Selen Xia (2017), pode-se definir alguns pontos
neste enfoque: definição de metas de aprendizagem é usada para que os resultados
sejam motivantes e empáticos, assim elas devem ser monitoradas e controladas de
acordo com as demandas do curso e os contextos de aprendizagem.
Conforme o experimento feito (XIA, 2017), foi verificado que em alguns casos
as metas de aprendizagem podem ser usadas de forma intercambiável com as me-
tas de desempenho e resultados de aprendizado, o que é perfeitamente aplicável ao
ensino on-line estabelecendo etapas de aprendizado. Outros fatores considerados
são a experiência prévia do aluno, a idade e a atitude em relação à aprendizagem,
Marcos Luiz Mucheroni, Elizabeth Simão Carvalho, Adérito Fernandes Marcos
360
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 352-369, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
preferências de formato de curso e o período médio do estudo são os principais fa-
tores explicativos por trás dos diferentes resultados, o que foi verificado em outros
trabalhos (XIA, 2013; XIA; LIITIÄINEN, 2013), conforme Figura 2.
Figura 2 – Quadro de fatores que afetam as metas educacionais
Fonte: adaptado de Xia (2017).
A análise ampliada de fatores que afetam as metas educacionais incluem as
metas de aprendizagem do ponto de vista do aluno: em seus parâmetros dependen-
tes de contexto que incluem as metas académicas intrínseca, específica e ativa, com
materiais de aprendizagem (e-fólios e trabalhos, por exemplo); do ponto de vista do
professor: os objetivos gerais acadêmicos, as definições amplas e as dependentes
de contexto.
O aspecto contextual para uma universidade que tenha um conjunto de usuá-
rios espalhados por diferentes realidades também deve ser levado em conta, em-
bora os objetivos acadêmicos devam ter definições amplas, do ponto de vista do
estudante, é preciso entender o contexto pessoal, econômico e cultural para que o
aluno possa ter um desenvolvimento efetivo.
Estas metas devem ser pensadas, do ponto de vista do Estudante e do Profes-
sor, após a consolidação das matrículas, analisando o conjunto dos alunos e obser-
vando aspectos específicos quando forem necessários.
Ensinar programação em ambientes e-learning: preocupações e propostas no âmbito do modelo pedagógico virtual da Universidade...
361
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 352-369, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
O ensino-aprendizagem a distância on-line
A internet tornou-se uma das formas vitais para disponibilizar recursos para
pesquisa e aprendizagem para professores e para estudantes compartilhar e ad-
quirir informações (RICHARD; HAYA, 2009). O ensino-aprendizagem a distância
(EAD) on-line é baseado em tecnologia que engloba a utilização da internet e de ou-
tras tecnologias importantes para produzir materiais para o aprendizado, ensinar
alunos e também regular cursos em uma organização (FRY, 2001).
Existem diversas formas de classificar os tipos de ensino a distância. De acor-
do com Algahtani (2011), houve algumas classificações baseadas na extensão de
seu envolvimento no processo de educação. Algumas classificações são baseadas
também no sincronismo da interação. Algahtani (2011) dividiu o ensino a distância
em dois tipos básicos, consistindo no ensino a distância baseado no computador e
na internet.
O EAD é descrito por Nichols (2003) como “a educação que ocorre somente
através da Web”, isto é, ele não consiste de quaisquer materiais de aprendizagem
físicos enviados para alunos ou contato presencial. A aprendizagem puramente
on-line é, essencialmente, o uso de ferramentas de e-learning em uma modalidade
de educação a distância, utilizando a Web como o único meio para toda a apren-
dizagem do aluno e contato. Alguns estudos dão vantagem ao ensino a distância
em função da sua capacidade de se concentrar nas necessidades que os estudantes
apresentam no ambiente virtual de aula. Por exemplo, Marc (2000), em sua rese-
nha sobre estratégias de aprendizagem para a distribuição do conhecimento na
era digital observou que uma das vantagens de do ensino a distância é exatamente
esse foco diferenciado, pois no ensino tradicional, a ênfase é normalmente dada às
necessidades dos professores ou ainda, das próprias instituições de ensino.
Existem muitas vantagens na adoção de um ensino a distância, embora como
evidente, também existam alguns senões. A lista a seguir identifica algumas das
melhores potencialidades que este tipo de ensino pode introduzir:
a) é extremamente flexível em relação ao tempo ou a localização em que o
ensino/aprendizagem decorrem (SMEDLEY, 2010);
b) a quantidade de informação que é possível aceder é maior, pois com o auxílio
de recursos eletrónicos (vídeos, hiperligações, demos, etc.), o espaço da sala
de aula virtual é enriquecido, permitindo um aumento dos conhecimentos e
qualificações;
Marcos Luiz Mucheroni, Elizabeth Simão Carvalho, Adérito Fernandes Marcos
362
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 352-369, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
c) existe a possibilidade de conversação assíncrona entre os alunos e alunos-
-professor (normalmente com fóruns de discussão), mas também é possível
esta decorrer pontualmente de forma síncrona (videoconferência);
d) as barreiras que podem existir pela timidez ou outros fatores limitantes em
nível de participação são minoradas, pois a base de funcionamento do ensi-
no é a elevada interação entre os participantes (normalmente com fóruns);
e) é uma solução de baixo-custo, pois não exige deslocamentos de alunos ou
ainda encargos aumentados pela presença de alunos no espaço, por parte da
instituição de ensino;
f) a aprendizagem sempre leva em consideração as diferenças de aprendiza-
gem dos alunos. Alguns alunos, por exemplo, preferem se concentrar em
determinadas partes do curso, enquanto outros estão dispostos a rever todo
ele;
g) o ensino a distância reduz a necessidade de professores, técnicos de labo-
ratório entre outros elementos humanos que normalmente tem que existir
num ensino presencial;
h) a utilização do ensino a distância permite a autoestimulação. Por exemplo
o modo assíncrono permite que cada aluno possa estudar no seu próprio
ritmo e velocidade, lenta ou rápida. Concluindo-se, aumenta a satisfação e
diminui o stress (CODONE, 2001; AMER, 2007; URDAN; WEGGEN, 2000;
ALGAHTANI, 2011; MARC, 2002; KLEIN; WARE, 2003).
Os objetos e artefactos de ensino e de aprendizagem são de natureza infor-
macional e comunicacional; eles são construídos propositadamente para facilitar
e implementar o processo de aprendizagem. Sua criação visa reforçar estados de
espírito, para induzir a curiosidade e construções cognitivas. Os objetos de aprendi-
zagem são partes basilares de todos os ambientes de ensino e aprendizagem. Estes
podem ser definidos como parte de um meio contínuo de ensino e aprendizagem
que inclui ambientes muito físicos e presenciais até espaços virtuais distribuídos
on-line (Figura 3).
Ensinar programação em ambientes e-learning: preocupações e propostas no âmbito do modelo pedagógico virtual da Universidade...
363
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 352-369, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Figura 3 – O Continuum Medium de ensino-aprendizagem a distância
Fonte: Carvalho e Marcos (2016).
O EAD é muito frequentemente baseado nos princípios da aprendizagem cen-
trada no aluno; flexibilidade (espacial e temporal) de aprendizagem; e interação
on-line, em particular, a interação assíncrona, o que desfoca as barreiras tempo-
rais impostas pelo sincronismo comunicacional e é consistente com o princípio da
flexibilidade. A interação é absolutamente fundamental para o processo de ensino-
-aprendizagem para que os alunos possam efetivamente adquirir os conhecimentos
e competências correspondentes. Ela ocorre quando os estudantes estão a parti-
cipar ativamente em atividades que impliquem uma comunicação entre pares e
com o professor, seja contribuindo para uma discussão, resolvendo um exercício,
analisando resultados, simplesmente trocando pontos de vista com os seus colegas,
ou esclarecendo dúvidas com o professor (CARVALHO; MARCOS, 2016).
Além disso, o EAD ou simplesmente o e-learning, é necessariamente baseado
em um ambiente tecnológico de formação e, como tal, deve estar enraizado em
estruturas epistemológicas para poder proporcionar um processo eficaz de ensino-
Marcos Luiz Mucheroni, Elizabeth Simão Carvalho, Adérito Fernandes Marcos
364
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 352-369, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
-aprendizagem (DABBAGH, 2005). O EAD refere-se a novas formas de interação e
aprendizagem que incluem as facilidades oferecidas pelas tecnologias da informa-
ção e comunicação, como a participação conjunta de especialistas de todo o mundo e
estudantes nas mesmas sessões on-line, ou o acesso imediato aos recursos globais,
a oportunidade de se comunicar com um público diversificado, ou a capacidade de
compartilhar informações e processos em execução ou em co-construção de conhe-
cimento, entre outros. Estas atividades acentuam o EAD em função das interações
com os outros e com as ferramentas comuns da comunidade de ensino-aprendiza-
gem, incitando, assim, a necessidade de construções pedagógicas e modelos como
o desenvolvido e aplicado na Universidade Aberta (PEREIRA et al., 2007). Tais
modelos visam à modelação da aprendizagem distribuída, o ensino aberto / flexível,
redes de aprendizagem assíncronos, comunidades de construção de conhecimento
e comunidades de prática, como também a definição do ensino a distância como
sendo uma organização metódica e coordenada de formas distribuídas de interação
e atividades de aprendizagem para alcançar um objetivo comum.
O Ensino e aprendizagem on-line da programação de computadores no Modelo
Pedagógico Virtual da Universidade Aberta
O Modelo Pedagógico Virtual (MPV) definido por (PEREIRA et al., 2007),
foi adotado na Universidade Aberta (UAb) e descreve em grande detalhe como
projetar e implementar contextos de ensino-aprendizagem em ensino a distância
(EAD) para os cursos de terceiro 1º, 2º e 3º ciclos. O MPV visa modelar os proces-
sos EAD distribuídos ao criar as bases para redes assíncronas de aprendizagem e
construção do conhecimento e comunidades de prática entre os estudantes, tutores
e professores da UAb. O MPV promove políticas de interação entre alunos, através
da aprendizagem colaborativa e é focado na avaliação contínua. Ele baseia-se em
quatro grandes pilares. A Figura 4 fornece uma visão geral do MPV.
Ensinar programação em ambientes e-learning: preocupações e propostas no âmbito do modelo pedagógico virtual da Universidade...
365
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 352-369, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Figura 4 – Visão geral do Modelo Pedagógico da Universidade Aberta
Fonte: Carvalho e Marcos (2016).
O ensino da programação de computadores exige que o aluno desenvolva um
raciocínio lógico, capaz de traduzir a solução de um problema, num algoritmo pas-
sível de codificação numa determinada linguagem de programação. O grande de-
safio é o aluno conseguir raciocinar de uma forma organizada e lógica, da forma
como a implementação numa determinada linguagem deve ocorrer. Nem todas as
linguagens possuem a mesma sintaxe ou ainda, paradigma (p. ex. o procedimental
versus o orientado por objetos).
No ensino tradicional, esse tipo de aprendizagem é feita com o auxílio de aula
prática e em laboratórios em que o aluno dispõe de computadores e instrutores
para o auxiliar. No ensino a distância, o desafio é bem maior, pois não existe o ins-
trutor ao lado, ou ainda um ambiente computacional configurado e pronto para a
sua utilização. O aluno deve ser capaz de realizar de forma autômata a instalação
e configuração de seu ambiente de trabalho. Pela sua natureza eminentemente
prática, o ensino da programação a distância on-line é um dos maiores desafios
neste tipo de ambiente de aprendizagem.
Marcos Luiz Mucheroni, Elizabeth Simão Carvalho, Adérito Fernandes Marcos
366
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 352-369, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Na Universidade Aberta, especialmente no ensino de unidades curriculares
de programação, muitas soluções têm sido implementadas e melhoradas ao longo
dos anos. Presentemente, a licenciatura de Engenharia Informática, conta com
unidades curriculares laboratoriais, onde o aluno pode aceder remotamente La-
boratórios de Aprendizagem da CISCO, plataforma de codificação Hackerrank,
computadores em cluster entre outras coisas. Dentro das unidades curriculares, os
alunos dispõem de testes para autoavaliação, pequenos vídeos explicativos, exem-
plos de código, entre outros elementos digitais para suporte ao aprendizado. Além
disso, a interação assíncrona é fortemente utilizada. Em algumas das unidades
curriculares, ocorrem algumas sessões síncronas entre os professores e os alunos.
No MPV, a nível de 1º ciclos, o aluno pode escolher entre duas formas de ava-
liação: a contínua ou a final. Na avaliação contínua, o aluno realiza dois e-fólios
ao longo do semestre letivo, que no caso de unidades curriculares de programação,
sempre implicam na codificação de um programa em solução a um problema enun-
ciado no e-fólio. O e-fólio é realizado num determinado prazo máximo (normalmen-
te de 10 dias, incluindo dois finais de semana). Após esse prazo, o aluno efetua
o carregamento de seu trabalho (normalmente algum código fonte) e é avaliado
numa escala de 0 a 4 para cada um dos e-fólios realizados. O aluno ainda realiza
uma prova escrita, designada de p-fólio (que pode se realizar no prazo normal ou
em época especial), que tem um valor máximo de 12 pontos. Na avaliação final, o
aluno realiza apenas uma prova escrita que vale 20 pontos no máximo. Ambas as
provas escritas, igualmente como os e-fólios, incidem sobre questões práticas de
codificação.
Para ensinar como desenvolver e implementar (CARVALHO; MARCOS, 2016)
o código de um programa de computador em um ambiente baseado completamente
em ensino a distância comporta ainda uma série de desafios e limitações. Da nossa
experiência em EAD de programação de computadores, detectamos que as maiores
dificuldades enfrentadas prendem-se com a promoção da participação dos alunos
no processo de ensino-aprendizagem e o seu envolvimento em atividades que exi-
gem o trabalho em grupo através da partilha de problemas ou a criação de uma
solução em conjunto.
Ensinar programação em ambientes e-learning: preocupações e propostas no âmbito do modelo pedagógico virtual da Universidade...
367
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 352-369, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Considerações nais
O artigo analisa, à luz da reflexão de Belle Selene Xia (2017), as dificuldades e
metas que devem ser pensadas a partir de estilos de aprendizagem que colaborem
com a qualidade de ensino de programação on-line, e teve por objeto a plataforma
de ensino da Universidade Aberta de Lisboa.
Para análise, trouxe o método de “design” de introduções como um método de
diálogo, conforme Filatro (2004) que teve o objetivo de dirigir-se a ação intencional
e sistemática de ensino, que envolve o planejamento, o desenvolvimento, técnicas,
atividades, materiais, eventos e produtos educacionais em ambiente on-line.
Traz ainda a reflexão que para o ensino de algoritmos que envolve criatividade
e pensamento é necessária, utilizando a Taxonomia de Bloom, que envolve os do-
mínios cognitivo, afetivo e psicomotor, e sua relação com o ensino de programação
on-line.
Os métodos implementados devem observar os pontos de vista do estudante
e do professor, contemplando uma análise ampliada de fatores que interferem nas
metas educacionais e seus parâmetros são dependentes de contexto que incluem
as metas académicas: intrínseca, específica e ativa, assim como os materiais de
aprendizagem (e-fólios e trabalhos, no caso da Universidade Aberta).
A nível da Universidade Aberta, apesar de todos os esforços que têm sido em-
preendidos no sentido de ultrapassar as dificuldades no aprendizado da progra-
mação de computadores, ainda existe um longo caminho a percorrer. O Modelo
Pedagógico Virtual precisa de ser revisto e adaptado às novas exigências tecnoló-
gicas, nomeadamente o aprendizado da codificação de linguagens ou ainda a con-
figuração de redes e sistemas remotamente. Essa adaptação é necessária, pois, só
assim, conseguiremos atender adequadamente a essas demandas e necessidades
específicas no sentido de um aprendizado apropriado da programação de compu-
tadores. O aperfeiçoamento dos laboratórios virtuais, incluindo tecnologia de rea-
lidade virtual ou/e aumentada para suporte a interação e simulação, a inclusão de
workshops síncronas para exercício de programação, a possibilidade da realização
remota de exames de codificação de computadores com computadores ou ainda a
inclusão de tutores virtuais on-line são algumas das possibilidades a serem explo-
radas e implementadas. Um melhor controle e, portanto, o conhecimento de como
os alunos utilizam os recursos e se inter-relacionam, entre si e com o professor
constitui um contributo adicional para desenvolver soluções mais adequadas ao
EAD da programação de computadores.
Marcos Luiz Mucheroni, Elizabeth Simão Carvalho, Adérito Fernandes Marcos
368
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 352-369, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Referências
AMER, T. E-learning and Education. Cairo: Dar Alshehab publication, 2007.
ALGAHTANI, A. F. Evaluating the Effectiveness of the E-Learning experience in Some Universi-
ties in Saudi Arabia from male Students’ Perceptions. Durham: Durham University, 2011.
BRUSE, C. et al. Ways of experiencing the act of learning to program: a phenomenographic
study of introductory programming students at university. Journal of Information Technology
Education, n. 3, p. 143-157, 2004.
BUCK, D.; STUCKI, D. J. Design early considered harmful: graduated exposure to complexity
and structure based on levels of cognitive development. SIGCSE Bulletin, v. 32, n. 1, p. 75-79,
2000.
CARVALHO, E.; MARCOS, A. F. O ensino-aprendizagem da programação de computadores
no ensino a distância online: uma proposta de instanciação do modelo pedagógico virtual
da Universidade aberta: para uma universidade do futuro. Modelo Pedagógico Virtual da
Universidade Aberta, p. 1-112, 2016.
CODONE, S. Ane-Learning Primer, Raytheon Interactive. 2001. Disponível em: <http://faculty.
mercer.edu/codone_s/learningprimer.PDF>. Acesso em: 28 set. 2018.
DABBAGH, N. Pedagogical models for E-Learning: a theory-based design framework.
International Journal of Technology in Teaching and Learning, v. 1, n. 1, p. 25-44, 2005.
DEHNADI, S.; BORNAT, R. The camel has two humps (working title). 2006. Disponível em:
<http://www.eis.mdx.ac.uk/research/PhDArea/saeed/paper1.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2018.
DIJKSTRA, E. A discipline of Programming. 3. ed. [S. l.]: Prentice Hall, 1997.
FRY, K. E-learning markets and providers: some issues and prospects. Education Training,
p. 233-239, 2001.
JULIA 1.0 Blog. Disponível em: <https://julialang.org/blog/2018/08/one-point-zero>. Acesso em:
28 ago. 2018.
KNUTH, D. E. The art of computer programming: fundamental algorithms. 3. ed. Stanford:
Addison Wesley Longman, 1997.
KRATHWOHL, D. R. A revision of Bloom´s taxonomy: an overview. Theory into Practice, v. 41,
n. 4, p. 212-218, 2002.
FILATRO, A. Design instrucional contextualizado: educação e tecnologia. São Paulo: Senac, 2004.
LISTER, R.; LEANEY, J. Introductory programming, criterion referencing, and Bloom. SIGCSE
Bulletin, v. 35, n. 1, p. 143-147, 2003.
MARTON, F. Phenomenography. In: HUSÉN, Torsten; POSTLEWAITE, Neville (Ed.). The
International Encyclopedia of Education. Oxford: Pergamon Press, 1994. p. 4424-4429.
PINTOR, M, Fenomenología y fenomenografía: Punto de encuentro entre la filosofía y la ciencia
en el mundo del aprendizaje. Paideia: Revista de filosofía y didáctica filosófica, v. 23, n. 59, 2002.
Ensinar programação em ambientes e-learning: preocupações e propostas no âmbito do modelo pedagógico virtual da Universidade...
369
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 352-369, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
PEREIRA, A. et al. Modelo pedagógico virtual da Universidade Aberta. Práticas e Cenários de
Inovação em Educação, p. 190-0, 2016.
NICHOLS, M. A Theory for E-Learning. Journal of Educational Technology and Society, n. 6,
p. 1-10, 2003.
SMEELEY, J. K. Modelling the impact of knowledge management using technology. OR Insight,
v. 23, p. 233-250, 2010.
KLEIN, D.; WARE, M. E-learning new opportunities in continuing professional development.
Learned Publishing, v. 16, n. 1, p. 34-46, 2003.
URDAN, T. A.; WEGGEN, C. C. Corporate E-learning Exploring a New Frontier. San Francisco,
CA: WR Hambrecht and Co., 2000. Disponível em: <http://papers.cumincad.org/data/works/
att/2c7d.content.pdf>. Acesso em: 28 set. 2018.
MARC, J. R. Book review: e-learning strategies for delivering knowledge in the digital age.
Internet and Higher Education, n. 5, p. 185-188, 2002.
RICHARD, H.; HAYA, A. examining student decision to adopt Web 2.0 technologies: theory and
empirical tests. Journal of Computing in Higher Education, v. 21, n. 3, p. 183-198, 2009.
XIA, B. S. Learning outcomes and knowledge sharing using web-based technologies in the
Finnish forest education from an educational point of view. E-Learning and Digital Media, v. 10,
n. 1, p. 95-106, 2013.
______. Na in-depth Analysis of Learning Goals in Higher Education: Evidence from the
Programming Education. Journal of Learning Design, v. 10, n. 2, 2017.
XIA, B. S.; LIITIÄINEN, E. Economics of education and work life demand in terms of earnings
and skills. Citizenship, Social and Economics Education, v. 13, n. 1, p. 67-77, 2013.
Sergio Crespo Coelho da Silva Pinto, Marcelo Simas Mattos
370
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
A programação de jogos como um instrumento motivador da aprendizagem
Game programming as a motivating instrument of learning
Sergio Crespo Coelho da Silva Pinto
*
Marcelo Simas Mattos
**
Resumo
Este artigo descreve um modelo de aprendizagem que usa programação de jogos para telefones celulares como
uma alternativa no processo de ensino-aprendizagem em disciplinas escolares. A aplicação do modelo tem em
vista contribuir para a motivação, o engajamento e a aprendizagem dos estudantes por meio do desenvolvi-
mento do pensamento computacional. Durante a pesquisa, foi desenvolvida uma arquitetura pedagógica deste
modelo, nela se propõe que os estudantes realizem melhorias sucessivas em um jogo a partir de uma versão
inicial. Aplicou-se a arquitetura por intermédio de experimentos com alunos do ensino médio, nos quais eles de-
senvolviam jogos digitais que envolviam conceitos de matemática. Este trabalho foi realizado de forma interdis-
ciplinar, envolvendo docentes de Informática e Matemática. Para a programação, escolheu-se uma linguagem
de programação visual baseada em blocos do ambiente MIT App Inventor 2, de modo a abstrair a complexidade
das linguagens de programação tradicionais, como as linguagens C, C++, Pascal, Java e JavaScript. Para concre-
tizar as melhorias, os estudantes foram incentivados a realizarem a programação em atendimento ao que foi
especicado pelos docentes. Os resultados obtidos com a aplicação do modelo e a sua investigação indicam o
seu uso como recurso didático contextualizado com o cotidiano dos estudantes do ensino médio.
Palavras-chave: Pensamento computacional. Programação. Programação em jogos.
Abstract
This paper describes a learning model that uses game programming for mobile phones as an alternative in the
teaching-learning process in school subjects. The application of the model aims to contribute to the motivation,
engagement and learning of students through the development of computational thinking. During the resear-
ch, a pedagogical architecture of this model was developed, in which it is proposed that the students make suc-
cessive improvements in a game from an initial version. The architecture was applied through experiments with
Brazilian High School students in which they developed digital games that involved concepts of Mathematics.
This work was carried out in an interdisciplinary way involving teachers of Computer Science and Mathematics.
For programming, we chose a block-based visual programming language from the MIT App Inventor 2 environ-
ment to abstract the complexity of traditional programming languages such as C, C ++, Pascal, Java, and JavaS-
cript. To make improvements, the students were encouraged to carry out the programming in compliance with
what was specied by the teachers. The results obtained with the application of the model and its investigation
indicate its use with a didactic resource contextualized with the daily life of Brazilian high school students.
Keywords: Computational thinking. Programming. Programming in games.
*
Doutor em Informática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Professor convidado no Programa de
Mestrado em TICs na Universidade Tecnológica do Panamá. Professor da Universidade Federal Fluminense, Rio de
Janeiro, Brasil. E-mail: screspo@id.u.br
**
Mestre em Engenharia de Produção e Sistemas Computacionais pela Universidade Federal Fluminense. Professor do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, Campus Arraial do Cabo, Brasil. E-mail: marcelo.
mattos@ifrj.edu.br
Recebido em 28/09/2018 – Aprovado em 12/12/2018
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v26i2.8692
A programação de jogos como um instrumento motivador da aprendizagem
371
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Contextualização
Alguns dados sobre a educação escolar no Brasil indicam a necessidade de es-
forços continuados por todos aqueles envolvidos com a educação no país, incluindo
governos, universidades e profissionais da educação. Para ilustrar a situação, os
dados extraídos do Programme for International Student Assessment (Pisa) – Pro-
grama Internacional de Avaliação de Estudantes –, avaliação aplicada em vários
países a estudantes na faixa dos 15 anos, desenvolvida e coordenada pela Organi-
zação para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apresentaram, em
2015, em um ranking com 70 países/economias participantes, os seguintes resulta-
dos para o Brasil: em matemática, 65º lugar, com 377 pontos; em leitura, 59º lugar,
com 407 pontos; e em ciências, 63º lugar, com 401 pontos (PISA, 2015).
Em relação ao ensino médio no Brasil (nível de ensino foco desta pesquisa),
as taxas de reprovação apresentam índices considerados altos, se comparados aos
de outros países. Dados de 2014, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep), autarquia federal vinculada ao Ministério da
Educação (MEC), apontaram uma taxa de reprovação total de 12,1% no ensino
médio. A rede de ensino pública apresentou uma taxa de 13,1% e a rede particular
5,5%; comparando as redes municipal, estadual e federal, as taxas foram, respec-
tivamente, 11,3%, 13,1% e 13,1%. Desses resultados, pode-se depreender que as
taxas de reprovação na rede pública foram significativamente superiores às da
rede particular, e comparando as redes municipal, estadual e federal, os valores
das taxas foram próximos (INEP, 2014).
Para provocar melhorias dos indicadores da educação básica no país, algu-
mas propostas vêm sendo estudadas e aplicadas, inclusive com uso de ferramentas
tecnológicas, com vistas a auxiliar o processo de ensino-aprendizagem. Entre as
iniciativas, no nível governamental, podem-se citar o Programa Nacional de Infor-
mática na Educação (Proinfo), o Programa um Computador por Aluno (Prouca) e
o Programa Banda Larga nas Escolas (PBLE) (FUNDO NACIONAL DE DESEN-
VOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO, 2016).
De um modo geral, observa-se que na educação básica esses recursos tecnoló-
gicos são trabalhados focando no ensino da utilização da tecnologia da informação
(TI). Segundo Wangenheim, Nunes e Santos (2014, p. 116), essa forma de ensino
não é mais suficiente, é necessário ensinar a proficiência digital (IT fluency), “[...]
acrescentando a capacidade de aprender e aplicar as novas tecnologias de forma
produtiva ao longo da vida profissional/pessoal”. Nesse sentido, uma forma de pro-
Sergio Crespo Coelho da Silva Pinto, Marcelo Simas Mattos
372
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
mover fluência digital pode se dar por meio do aprendizado de programação, esti-
mulando-se a aprendizagem por meio do pensamento computacional.
Este artigo apresenta um estudo de caso em uma instituição de ensino públi-
ca, seguindo a linha de programar jogos para estimular o aprendizado. É proposto
um modelo que faz uso de recursos tecnológicos como uma alternativa para apoiar
o ensino de disciplinas escolares por meio de atividades de programação em dispo-
sitivos móveis, no caso, em celulares.
Introdução
O ensino de programação nas escolas de ensino fundamental e ensino médio se
apresenta como uma alternativa para motivar e engajar o aluno no processo de en-
sino-aprendizagem, tornando-o mais criativo e estimulante (SCAICO et al., 2013;
SILVA et al., 2015). No entanto, em um sentido mais amplo, há que se considerar
o que Wing (2006) descreve como pensamento computacional. Segundo o autor,
esse tipo de pensamento é necessário para a aprendizagem de programação e pode
se oferecer como uma alternativa para desenvolver habilidades de leitura, escrita
e aritmética em jovens. Ele ainda descreve, em linhas gerais, que o pensamen-
to computacional envolve resolver problemas, conceber sistemas e compreender
o comportamento humano, que se desenham como conceitos fundamentais para a
Ciência da Computação.
Os conceitos de Ciência da Computação vêm influenciando outras áreas, como
por exemplo: aprendizagem de máquina na Estatística; conceitos de Ciência da
Computação na Biologia; nanocomputing
1
na Química; e computação quântica na
Física (WING, 2006). Entretanto, a computação, geralmente, não é integrada aos
currículos formais escolares (RODRIGUEZ et al., 2015; HINTERHOLZ; CRUZ,
2015).
A área da educação escolar também vem sofrendo mudanças significativas,
ocasionadas pela influência da Ciência da Computação. Trabalhos recentes em âm-
bito nacional vêm propondo a introdução de conceitos e práticas próprios da Ciência
da Computação em disciplinas escolares regulares da educação básica (FERREIRA
et al., 2015; FRANÇA; AMARAL, 2013; HINTERHOLZ; CRUZ, 2015), incentivan-
do os alunos a desenvolverem o pensamento computacional. Desses estudos, em
se tratando especificamente do ensino de programação na educação escolar, há
indicação de níveis mais altos de motivação e empenho dos estudantes com essas
experiências em suas aprendizagens. Contudo, a revisão sistemática realizada por
A programação de jogos como um instrumento motivador da aprendizagem
373
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Silva et al. (2015) alerta que, para que se tenha uma aplicação efetiva e em escala
no ensino básico, ainda são necessárias mais pesquisas, assim como o desenvolvi-
mento de novas abordagens.
Uma abordagem que vem sendo usada, nestes ambientes, é a programação de
jogos. Entre os motivos desse enfoque estão o interesse dos jovens nos videogames
(AL-BOW et al., 2009; MURATET et al., 2009) e o fato de a criação de jogos en-
volver muitos aspectos de computação, incluindo computação gráfica, inteligência
artificial, interação homem-máquina, segurança, programação distribuída, simu-
lação e engenharia de software (OVERMARS, 2004).
O uso de dispositivos móveis, presente na investigação do modelo proposto,
justifica-se pelo fato de que o público-alvo desta pesquisa são alunos do ensino mé-
dio, portanto se buscou utilizar algum equipamento tecnológico que estivesse pre-
sente no dia a dia desses estudantes. Dados estatísticos, desde 2011, comprovam
essa presença, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tem-se também que, desde
2013, os dados mostram que o consumo de eletrônicos, basicamente computador
e telefone celular, teve crescimento em todas as faixas de idades e em todas as
regiões do país. Ainda, 41,9% das crianças e jovens entre 10 e 14 anos tinham celu-
lar, o que totalizava 10,9 milhões, com crescimento a uma taxa de 43%. Os jovens
adultos, entre 25 e 29 anos, eram os maiores consumidores de celulares (83,1%)
(SCHWARTZ, 2013). Atualmente, dados da Anatel, segundo Teleco (2018), indicam
que o Brasil terminou julho de 2018 com 234,7 milhões de celulares e densidade de
112,21 cel/100 hab (celulares por 100 habitantes).
Revisão da literatura
A revisão de literatura realizada em fontes nacionais teve como principal ob-
jetivo descobrir o que vem sendo pesquisado, no país, sobre o uso de programação
como apoio ao aprendizado. Além disso, os resultados da pesquisa auxiliaram na
proposição do modelo pedagógico.
Foram pesquisadas fontes nacionais ligadas à área de informática na educa-
ção, para tanto, foram aplicados filtros de pesquisa de modo a buscar publicações
recentes que abordavam o assunto: uso de programação como apoio ao aprendiza-
do. Dessa forma, buscaram-se publicações dos últimos seis anos (2011 a 2017), na
Revista Brasileira de Informática na Educação (RBIE) e na Revista Novas Tecno-
Sergio Crespo Coelho da Silva Pinto, Marcelo Simas Mattos
374
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
logias na Educação (Renote), assim como nos três últimos anos no Workshop de
Informática na Escola (WIE).
No levantamento bibliográfico, foram selecionados estudos que propunham
ensinar programação como recurso para o aprendizado de conceitos de discipli-
nas escolares ou para o aprendizado de programação no ensino superior. Com
esse levantamento, esperava-se conhecer as iniciativas nacionais que vêm sendo
adotadas como alternativas às formas tradicionalmente usadas para o ensino de
programação.
Nas fontes Renote e RBIE, foram usados os mesmos termos de busca: (edu-
cação OR ensino) AND (“programação de computadores” OR “linguagem de pro-
gramação” OR programação). Para escopo de busca, escolheu-se “todos”, configu-
rando-se para buscar artigos do período de 2011 a 2017. A ferramenta de busca da
Renote retornou 21 artigos e a da RBIE, 16 artigos. Fazendo a leitura do título e do
resumo, nos resultados destas duas revistas, foram selecionados, respectivamente,
18 e 14 artigos. Seguiu-se para a fase de inclusão ou exclusão pelo critério já rela-
tado, de modo que foram excluídos: um artigo da Renote e dois artigos da RBIE.
Sendo assim, a pesquisa teve um total de 29 artigos selecionados.
Na fonte WIE, foram selecionados artigos de 2012 a 2016. Primeiramente,
realizou-se a seleção por meio da leitura dos títulos e dos resumos. Na sequência,
foi usado o mesmo critério de inclusão e exclusão adotado nas revistas. Com isso,
foram extraídos 19 artigos na fonte WIE.
Questões a serem vericadas
A extração de informações foi voltada para se descobrir quais recursos de pro-
gramação foram citados e em que se aplicaram, resultando nas seguintes pergun-
tas:
Questão 1 – Quais recursos de programação foram citados nos textos pes-
quisados?
Questão 2 – Quantos artigos investigaram a aplicação em cursos, oficinas
ou projetos para cada recurso extraído da questão 1? E quais foram os recur-
sos usados nesses trabalhos?
Questão 3 – Em quais disciplinas do currículo escolar os recursos de progra-
mação foram aplicados?
A programação de jogos como um instrumento motivador da aprendizagem
375
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Resultados da pesquisa bibliográca
Alguns recursos e iniciativas citados foram: Code.org, CodeHS, Codecademy,
CoderDojo, Girls Who Code, Black Girls Code, Computer Science on Air, PyGame,
RoboMind, Lego Mindstorms, Takkou, Scratch, Alice, GameMaker, Construct 2 e
Flash. Realizando a contagem de cada artigo em que se mencionou os recursos,
obteve-se os números ilustrados na Figura 1.
Figura 1 – Número de artigos que fazem menção a cada um dos recursos
Fonte: elaboração dos autores.
Considerando os 48 artigos analisados, verificou-se que a maioria faz refe-
rência ao Scratch, identificado em 21 (43,8%), seguido por Lego, em 14 (29,2%),
e Code.org, em 5 (10,4%). Em Lessa et al. (2015), foram encontrados resultados
semelhantes, contudo, os autores pesquisaram apenas na fonte WIE e buscaram
quais ferramentas estavam sendo usadas em “programação de computadores” e em
“robótica educativa” na escola.
Respondendo à Questão 2, a maioria dos artigos que investigaram a aplicação
dos recursos de programação fizeram uso do Scratch, foram 15 artigos (31,3%),
seguido do Lego Mindstorms e do GameMaker, com 2 artigos cada (4,2%). Pode-se
identificar, na Figura 2, que, entre ambientes de programação ligados à robótica
educacional, os números estão diluídos entre a ferramenta comercial Lego Minds-
torms e as não comerciais: Mblock, Squeak Etoys e DuinoBlocks (ALVES; SAM-
PAIO; ELIA, 2014).
Sergio Crespo Coelho da Silva Pinto, Marcelo Simas Mattos
376
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Figura 2 – Artigos que investigaram a aplicação dos recursos de programação
Fonte: elaboração dos autores.
As informações sobre os artigos em que os autores definiram claramente a
disciplina escolar em que estava inserido o recurso estão ilustradas na Figura 3.
Pode-se constatar que a maioria foi aplicada em Matemática (6 artigos), seguida de
Artes e Língua Portuguesa e Literatura Brasileira (2 artigos cada), e Inglês, Bio-
logia, Química, Física e Educação Física (1 artigo cada). As disciplinas Sociologia,
Geografia, Filosofia e História não foram identificadas nos artigos.
Figura 3 – Aplicação de recursos em disciplinas escolares
Fonte: elaboração dos autores.
O resultado da Figura 3 indica que houve pesquisas em várias disciplinas es-
colares nos últimos anos, porém, em pequena quantidade em algumas áreas ou ine-
xistente em outras. Esses resultados reforçam a necessidade de que mais pesquisas
A programação de jogos como um instrumento motivador da aprendizagem
377
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
sejam realizadas nessa área. Os resultados confirmam, também, que as iniciativas
de uso de recursos de computação para apoio ao aprendizado são escassas no país,
o que indica a relevância do presente estudo como contribuição para a difusão de
conhecimentos sobre o ensino de programação na educação básica no Brasil.
Pelos estudos realizados, optou-se pela escolha do recurso de programação
MIT App Inventor 2, sobretudo, porque o ambiente usa a mesma metáfora de lin-
guagem gráfica baseada em blocos do Scratch (recurso mais citado na presente
revisão de literatura). Contudo, poder-se-ia pensar em utilizar o próprio Scratch,
mas esse ambiente não é voltado à criação de aplicativos ou jogos para dispositivos
móveis, ao contrário do MIT App Inventor 2, que é inteiramente voltado para a
criação de aplicativos para esses dispositivos.
Durante a pesquisa, na busca de trabalhos que se utilizavam de novos recur-
sos de ensino de programação voltados especificamente para dispositivos móveis,
chegou-se ao MIT App Inventor 2. É importante destacar que, na época em que a
revisão de literatura foi realizada, não foram encontrados artigos que citavam este
ambiente utilizando-se os termos de busca da revisão de literatura. Entretanto,
em pesquisa posterior, especificando-se o termo “App Inventor”, nas três revistas
pesquisadas e para o mesmo período, chegou-se ao artigo publicado por Finizola
et al. (2014), que relata uma experiência com um curso de ensino de programação
utilizando a plataforma MIT App Inventor com alunos do ensino médio.
As leituras dos artigos selecionados nesta revisão de literatura e das publi-
cações obtidas por buscas diretas em fontes nacionais e internacionais, realizadas
durante os estudos dos referenciais teóricos, ajudaram na proposição do modelo de
aprendizagem (Figura 4), o qual se baseia na fundamentação teórica sobre apren-
dizagem apresentada na próxima seção.
Fundamentação teórica sobre aprendizagem
As teorias e metodologias previstas para esta pesquisa são: teoria de aprendi-
zagem socioconstrutivista, problem-based learning (PBL) – aprendizagem baseada
em problemas – e programação de jogos (ou programação com temática de games).
A união delas serviu para instigar, engajar e motivar os alunos, além de contribuir
para suas aprendizagens. Sem a intenção de explorar de modo aprofundado estas
teorias e metodologias, seguem, nos próximos parágrafos, algumas definições im-
portantes para a pesquisa.
Sergio Crespo Coelho da Silva Pinto, Marcelo Simas Mattos
378
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
O socioconstrutivismo é derivado de duas teorias, o Construtivismo, de Jean
Piaget, e a Teoria de Aprendizagem, de Lev Vygotski. Para Piaget, o indivíduo
constrói ativamente o conhecimento, pela interação com o meio. Ele defende que
as crianças devem ter a oportunidade de descobrir e inventar as coisas por conta
própria, para, então, entendê-las. Enquanto Vygotski propõe que, além da intera-
ção com o meio, a interação com os semelhantes também é essencial para a apren-
dizagem. Em sala de aula, o socioconstrutivismo se configura como uma teoria
que considera o potencial do indivíduo na construção de seu próprio conhecimento,
valorizando a sua interação com o ambiente e também com outros indivíduos, no
caso, professores e colegas (BISSOLOTTI; NOGUEIRA; PEREIRA, 2014).
As ideias de Piaget chegaram ao Brasil na década de 1920, vinculadas ao con-
texto do Movimento da Escola Nova (NIEMANN; BRANDOLI, 2012; SANCHIS;
MAHFOUD, 2010). Sanchis e Mahfoud (2010) descrevem que, ao longo das déca-
das, houve várias etapas quanto ao tipo de apropriação das ideias de Piaget, em
vários lugares do país, até chegar à década de 1990, quando despontou maior inte-
resse pelo estudo de natureza epistemológica, destacando-se pesquisas com temas
como: desenvolvimento moral, cognição e informática, afetividade e inteligência,
linguagem e pensamento, cultura e cognição. Os autores destacam que as trans-
formações da teoria do construtivismo de Piaget para o campo da pedagogia são
muitos e variados, e que isso se deve, em parte, à escolha de partes ou conceitos da
teoria, como: os estágios de desenvolvimento, a capacidade de estruturação opera-
tória, as provas operatórias ou o princípio da atividade autoestruturante.
Entre os estudos que investigam a programação em cursos introdutórios, exis-
tem abordagens que se utilizam da criação de games. Esses estudos têm indicado
que essa investida tem se mostrado promissora em relação ao forte engajamento
dos alunos e ao aumento do interesse em campos de estudos relacionados à compu-
tação. Essas investigações, de uma forma geral, relatam experiências teórico-em-
píricas, nas quais os estudantes criam programas que implementam as caracte-
rísticas dos jogos digitais (AL-BOW et al., 2009; LEUTENEGGER; EDGINGTON,
2007; KELLEHER; PAUSH, 2007; MURATET et al., 2009). Com essa abordagem, o
aluno passa a ser um sujeito ativo na construção de seu conhecimento. Essa carac-
terística alude ao uso de ideias e aspectos pedagógicos construtivistas na utilização
da programação de jogos.
No processo de programação para a construção dos jogos, os estudantes ne-
cessitam desempenhar algumas tarefas associadas à Ciência da Computação, para
realizar suas funcionalidades, por exemplo: identificar e decompor o problema; de-
A programação de jogos como um instrumento motivador da aprendizagem
379
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
finir padrões para tarefas repetitivas, na criação de uma solução algorítmica que
atenda a todos os níveis do jogo, que pode se dar pela criação de funções para tare-
fas repetitivas; praticar o mode-debug, para verificar e detectar eventuais erros de
lógica no jogo; praticar o modo run-time, para verificar movimentos durante o modo
de execução; brainstorming, na atividade de examinar a estratégia de pensamento
de outros jogadores, comparando a sua solução com a de outros, e isso pode se dar
por meio de debates sobre o funcionamento dos jogos (KAZIMOGLU et al., 2012).
Estudos recentes sobre o ensino de programação se utilizam dos conceitos do
socioconstrutivismo. Entre eles estão os que seguem a abordagem da aprendiza-
gem baseada em problemas. Na definição de PBL, Burguillo (2010) descreve que
essa abordagem é uma estratégia instrucional centrada no estudante, na qual há
trabalho colaborativo para resolução de problemas, o que se reflete em suas expe-
riências. A aprendizagem é dirigida por fornecimento de problemas abertos, em
que os alunos trabalham em pequenos grupos colaborativos e são encorajados a
serem responsáveis por organizar o seu grupo, gerenciando o processo de aprendi-
zagem com suporte de um tutor ou instrutor que desempenha o papel de mediador
da aprendizagem (BURGUILLO, 2010).
Em relação ao método da PBL, Mohorovičić e Strčić (2011) trazem que ele se
centra no próprio envolvimento dos alunos na resolução de problemas. Os autores
descrevem que a abordagem gira em torno de problemas que os profissionais en-
contram em suas áreas diariamente e, ainda, pontuam que o desenvolvimento de
pensamento de ordem superior, o conhecimento disciplinar e as habilidades prá-
ticas que os alunos enfrentam com a situação problema atribuem a eles um papel
ativo de solucionador destes. Os autores indicam que eles variam de uma aborda-
gem simples baseada em problemas, em que, normalmente, palestras são apresen-
tadas, e os problemas são introduzidos para motivar os alunos e para demonstrar
uma teoria, até modelos completos de PBL, em que os problemas orientam todo o
processo de aprendizagem.
Arquitetura pedagógica desenvolvida
Neste trabalho, aplica-se um modelo alicerçado em teorias pedagógicas e de
aprendizagem descritas na seção 4, o que se pesquisou na revisão de literatura da
seção 3, e explicitamente o uso de programação de jogos como apoio ao aprendizado
de estudantes do ensino médio. Dessa forma, nesta seção, cada parte do modelo da
arquitetura pedagógica é apresentada com as devidas justificativas. É explicada a
Sergio Crespo Coelho da Silva Pinto, Marcelo Simas Mattos
380
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
ideia do modelo, de modo a servir de referencial para a sua aplicação e, também,
para servir como ponto de apoio enquanto proposta pedagógica.
As duas teorias de aprendizagens que alicerçam o modelo são: o sociocons-
trutivismo e a PBL. Seguindo essas linhas de pensamento e as ideias do presente
modelo, ajuizou-se que, como ponto inicial para a aplicação do modelo, o professor
deve solicitar que os alunos se dividam em grupos. A finalidade é que eles se or-
ganizem para decidirem sobre a programação dos jogos e sobre a codificação dos
programas. Com isso, cria-se um ambiente propício à invenção e à construção do
conhecimento a respeito de conceitos de programação e de disciplinas escolares.
Trabalhou-se a construção de jogos por meio de codificação de versões, partin-
do de programações simples nas versões iniciais até versões com mais complexida-
des, sempre se trabalhando no mesmo jogo.
Na programação, para a solução das versões, os alunos precisam interagir
entre si nos respectivos grupos, a fim de chegarem à melhor solução, dentro de
um tempo pré-estabelecido pelo docente. Neste ponto, também a ação do docente
é primordial, pois, além das explicações e do acompanhamento dos trabalhos, ele
pode fazer o papel de mediador dos grupos.
Especificamente, em relação às versões para a criação dos jogos, a ideia é par-
tir de um problema inicial (PI) simples, e, a cada nova versão, novos requisitos são
apresentados aos alunos, aumentando assim as funcionalidades do jogo. Sugere-se
que o professor pense em como abranger a disciplina escolar alvo desta abordagem
no momento de criar o PI e os requisitos.
Mas, para se pensar tanto na versão inicial do jogo quanto nas posteriores, há
que se pesar que, além de abranger a disciplina, ele deve possuir características
e elementos peculiares aos jogos, que estão diretamente relacionadas a desejos
humanos – por exemplo, pontos, níveis, desafios, placares (rankings) e presentes.
Pontos seriam recompensas cumulativas recebidas por atividades desempenhadas
que poderiam servir como moeda de troca para receber premiações; níveis corres-
ponderiam ao progresso do usuário, em geral, em atividades com grau de dificulda-
de crescente; desafios seriam instruções ao usuário sobre realizações estipuladas
dentro de um sistema; placares teriam o propósito de comparar o progresso dos
usuários envolvidos e estabelecer classificações para promover competição; pre-
sentes corresponderiam a recompensas por realizações ou conquistas do usuário
(KLOCK et al., 2014). Sendo assim, é imperioso a este modelo que o jogo concebido
para aplicar aos alunos tenha todos esses elementos ou parte deles. Como suges-
tão, ainda pensando em comportamento humano e jogos, o professor pode pedir,
A programação de jogos como um instrumento motivador da aprendizagem
381
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
nos requisitos, além do atendimento a estes elementos, a alteração da aparência do
jogo, de modo que o estudante possa personalizá-lo.
Ainda em se tratando das versões, há que se destacar que se utilizou a ideia
da PBL, porém, como diferencial, o problema é acompanhado de uma solução ini-
cial fornecida pelo professor. Para tanto, indica-se que o docente deve fazer uma
apresentação e uma explicação deste jogo inicial, o qual é denominado de Versão
0 (V0). Então, para a aplicação deste modelo, o docente deve criar a programação
da versão inicial (V0), e aconselha-se a elaboração da descrição do problema. Su-
gere-se, ainda, que V0 tenha itens em aberto, como descrito em Burguillo (2010).
Esses itens em aberto dizem respeito a apresentar a programação do jogo inicial
sem alguns elementos essenciais, como, por exemplo, placares e vidas. Sendo as-
sim, na versão V0, devem constar apenas algumas programações de características
relativas aos jogos, como pontuações, por exemplo, deixando o jogo incompleto, sem
algumas outras características, como vidas do jogador, por exemplo. As caracterís-
ticas faltantes (como no exemplo, as vidas do jogador), devem ser aperfeiçoadas e
incrementadas pelos estudantes nas versões sucessivas, denominadas na apresen-
tação deste modelo de V1, V2, Vn.
Os itens em aberto dão subsídios para a definição de requisitos que são aqui
nomeados como R1, R2, Rn, estes devem ser solucionados pelos alunos em cada
nova versão pretendida.
Como forma de acompanhar e avaliar os estudantes, idealizou-se que, a cada
subproblema representado pelos requisitos R1, R2, Rn, para chegar a uma solução
V1, V2, Vn, os estudantes devem trabalhar colaborativamente para fazer a progra-
mação e, uma vez atendido o requisito, submeter ao professor. Se uma solução não
for satisfatória dentro do tempo estimado, o professor deve intervir para melhorar
o entendimento dos alunos sobre o requisito, a fim de que eles melhorem o trabalho
e submetam nova versão para avaliação. Agindo desta forma, o professor, além de
exercer o papel de avaliador, também exerce a mediação durante os trabalhos dos
alunos, esclarecendo dúvidas e propondo alternativas.
Em relação à aprendizagem, quando o grupo resolve todos os subproblemas,
eles têm concluído o seu produto final e, assim, realizado uma série de processos
mentais com conteúdos de programação de computadores e de disciplinas escola-
res. Isso foi constatado durante o desenvolvimento das versões.
A Figura 4 representa graficamente – em um diagrama de atividades da UML
(Unified Modeling Language) – todos os pensamentos descritos nos parágrafos an-
teriores. Essa representação se apresenta como o esquema do modelo pedagógico
Sergio Crespo Coelho da Silva Pinto, Marcelo Simas Mattos
382
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
investigado. Na Figura 4, do lado esquerdo, têm-se as atividades que devem ser
realizadas pelo professor/professores (raia de natação Professor/professores); e, do
lado direito, as atividades que cabem aos alunos (raia de natação Alunos).
Nesse diagrama, as atividades se iniciam no círculo presente na raia Profes-
sor/professores, que possui uma seta apontada para a atividade “Propõe problema
inicial (PI) do jogo”. A ordem de leitura da sucessão de atividades é realizada de
acordo com a orientação das setas. As duas barras verticais na raia Professor/pro-
fessores são, da esquerda para a direita, os símbolos de bifurcação e união, respec-
tivamente. A bifurcação representa que um único fluxo foi dividido em atividades
simultâneas, no caso da Figura 4: “Elabora a solução V0”; “Disponibiliza e explica
o PI e a solução V0”; e “Gera novos requisitos a partir de V0”.
A união junta atividades simultâneas e as reintroduz em um único fluxo de
atividade. Na raia Alunos, o símbolo que está entre a atividade “Elaboram solução
V” e “Submetem V para avaliação” representa o prazo que o professor deve estimar
para que os alunos submetam uma solução para cada versão que estejam elabo-
rando. Ainda na raia Aluno, os losangos são nós de decisão, os quais representam
uma escolha entre dois ou mais fluxos. No caso do nó de decisão que recebeu o fluxo
de “Submetem V para avaliação”, é decidido se os alunos devem refazer a versão
que submeteram à avaliação, no caso do não cumprimento dos requisitos, ou se
seguem para o próximo nó de decisão, para o caso de terem cumprido os requisitos.
No outro nó de decisão, o que recebeu o fluxo “Atende a versão V”, é avaliado se a
versão V é a última versão (Vn), se for, os alunos cumpriram todos os requisitos e
o fluxo segue para o símbolo que representa o fim das atividades (símbolo com dois
círculos concêntricos), caso contrário, os alunos devem elaborar a próxima versão,
que no diagrama é a atividade que recebeu o fluxo “Não alcançou a versão Vn”.
Por fim, nesta apresentação do modelo pedagógico, indica-se que ele deva ser
usado por um docente com conhecimentos de programação de computadores, ou
ainda de forma interdisciplinar, envolvendo pelo menos um docente com conheci-
mentos de programação.
A programação de jogos como um instrumento motivador da aprendizagem
383
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Figura 4 – Arquitetura pedagógica proposta
Projeto do estudo de caso
O principal público da investigação do modelo consistiu nos alunos de 1º período
do Curso Técnico em Informática Integrado ao Ensino Médio (TIIEM) do Campus Ar
-
raial do Cabo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janei-
ro (IFRJ/CAC). Especificamente, planejou-se a utilização de recursos para construção
de jogos para dispositivos móveis nas aulas de Matemática I desses estudantes.
Foi usado o método experimental para verificação do modelo. Segundo Gil
(2008, p. 16), este método “[...] consiste essencialmente em submeter objetos de
estudo à influência de certas variáveis, em condições controladas e conhecidas
pelo investigador, para observar os resultados que a variável produz no objeto”.
Especificamente entre as condições controladas para o experimento: foram reali-
zadas aulas com estudantes do ensino médio, preferencialmente com alunos não
iniciados em cursos ou disciplinas de programação; foi escolhida uma disciplina, a
Matemática; foi usado um ambiente de desenvolvimento de aplicativos para dispo-
sitivos móveis que não exige conhecimento prévio de programação; realizou-se um
trabalho interdisciplinar. De modo a sistematizar o experimento, ele foi classifica-
Sergio Crespo Coelho da Silva Pinto, Marcelo Simas Mattos
384
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
do em dois tipos. O primeiro se refere às aulas nas quais os alunos participavam
de modo voluntário. O segundo se refere à aplicação na disciplina de Matemática,
diferenciando-se do primeiro pela obrigatoriedade da participação dos alunos.
Antes de submeter o experimento às aulas regulares da disciplina de Ma-
temática I, primeiramente se realizaram estudos bibliográficos, presentes neste
documento, que instigou a cunhar o modelo, e posteriormente foi criado um projeto
interdisciplinar entre Matemática e Informática, para organizar a sua aplicação.
Este foi denominado Desenvolvimento de Aplicativos como Ferramenta para o En-
sino de Matemática (DAFEMat), projeto que envolveu dois professores da escola,
um professor de Matemática e o outro de Informática.
Limitações do experimento
Entre os fatores positivos da investigação do modelo, destaca-se que ele pôde
ser verificado em três ocasiões, dando inclusive a possibilidade de validá-lo antes
de aplicar em sala de aula e incluí-lo no processo de ensino-aprendizagem dos es-
tudantes.
O experimento teve um percurso de investigação por meio de pesquisa biblio-
gráfica e planejamento até a sua aplicação em sala de aula. Esta aplicação ocorreu
durante um semestre na disciplina escolar de duas turmas – período de 08 de abril
de 2017 até 08 de julho de 2017. Mas ela se limitou à aplicação em apenas um
semestre letivo, uma investigação mais ampla poderia acompanhar o desempenho
dos estudantes dessas turmas no seu percurso escolar, além de aplicar em outras
turmas nos semestres seguintes. Outra limitação refere-se ao fato de que o presen-
te experimento buscou identificar e aludir pontos com base nos estímulos e nas res-
postas dos estudantes pela aplicação do modelo. Contudo, as turmas investigadas
não foram comparadas com uma turma controle.
Experimentação do modelo da arquitetura pedagógica projetada
Ocina
A validação do modelo se deu por meio de oficina e minicurso. A oficina foi
um curso piloto de 15 horas, intitulado “Oficina de App Inventor 2”, que ocorreu
entre 26 de janeiro e 23 fevereiro de 2017. A participação na oficina foi aberta aos
alunos de 1º e 2º períodos, ficando definido que as aulas aconteceriam nas terças e
A programação de jogos como um instrumento motivador da aprendizagem
385
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
quintas-feiras, das 13h30 às 15h10, esse horário era o contraturno dos estudantes.
A participação não era obrigatória e para formalizar a participação o estudante
deveria fazer a inscrição.
Foi escolhido esse público-alvo na oficina por ele ser composto de alunos que
não tiveram aulas de programação na instituição, que é o caso dos alunos de 1º
período, e alunos que estavam iniciando em disciplina de programação naquele
semestre, que é o caso dos alunos de 2º período.
Minicurso
O minicurso ocorreu nos dias 3 e 4 de abril de 2017, sendo realizado de modo
concomitante à Semana Acadêmica da instituição pesquisada. Ele foi aberto à
participação de alunos e professores. Foi planejado trabalhar com aplicativos que
pudessem ser realizados no período de tempo de 5 horas, duração prevista para
o curso. Dessa forma, foi planejada a criação de dois aplicativos, o Talk to Me,
disponível no site oficial do App Inventor 2, e um jogo pensado pelos professores e
nomeado “Salve o banhista”, que tinha como propósito realizar salvamentos de um
personagem representando um banhista em apuros no mar.
Programando jogos com matemática e matematicando para jogar
Os jogos utilizados tiveram como tema conceitos de matemática do ensino mé-
dio. Para concebê-los, os professores de Informática e Matemática se reuniram, na
fase de projeto do DAFEMat, para planejar como seriam os jogos a serem criados
pelos alunos e como seriam as abordagens nas aulas. Foram três os jogos previstos
para os alunos criarem: “Salve o banhista”, “Dory e os ângulos” e “Bola matemática”.
O planejamento dos três jogos foi pensado em consonância com a ementa da
disciplina Matemática, do 1º período do curso TIIEM. O Quadro 1 apresenta a
ementa prevista para esses alunos. Em termos de organização da matriz curricular
do curso, ela é nomeada como Matemática I. Ao longo dos sete períodos previstos
na matriz curricular, os estudantes têm disciplinas de Matemática até o 6º período,
e é prevista uma disciplina de matemática a cada período do curso, até o 6º. No
Quadro 1, identifica-se que, na linha 2, identificada como “Ementa”, há separação
de “Matemática I”, em que é previsto um resgate de conteúdos de matemática do
ensino fundamental e de conteúdos de álgebra; já em “Matemática II”, há conteú-
dos de geometria.
Sergio Crespo Coelho da Silva Pinto, Marcelo Simas Mattos
386
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Quadro 1 – Ementa de Matemática I
Disciplina: Matemática I
EMENTA: Matemática I. Revisão e nivelamento. Transformação de decimal em fração. Operações com
frações. Potenciação. Produtos notáveis. Radiciação. Operações com radicais. Racionalização de denomi-
nadores. Bases Numéricas. Ênfase em bases binárias. Lógica Matemática. Proposição Sentenças. Quanti-
ficadores. Conectivos. Negação lógica. Condicional e bicondicional. Tautologia. Conjuntos Numéricos. Ma-
temática II. Lei Angular de Tales. Teorema de Tales. Teorema das Bissetrizes de um Triângulo. Semelhança
(Homotetia). Teorema de Pitágoras. Problemas envolvendo o Teorema de Pitágoras. Triângulos Notáveis.
Fonte: quadro extraído do ementário do Curso Técnico em Informática Integrado ao Ensino Médio do IFRJ/CAC.
Destaca-se que, dentre os testes, na oficina e no minicurso, atingiram-se ou-
tros públicos (alunos do 2º período e um docente), mas, na aplicação em sala de
aula, todos os estudantes eram do 1º período do curso TIIEM. As duas aplicações
iniciais (oficina e minicurso) serviram para se fazer ajustes para depois aplicar em
um ambiente real de sala de aula, por isso, desde o início, pensou-se em conteúdos
dirigidos aos alunos de 1º período.
Jogos desenvolvidos
Dentre os jogos desenvolvidos, destaca-se um deles para exemplificar os con-
ceitos. O jogo descrito a seguir foi concebido pelos professores especificamente para
ser usado no DAFEMat. Ele foi pensado para abranger alguns conteúdos de Ma-
temática I (Tabela 1), ao mesmo tempo em que visavam ao desenvolvimento do
pensamento computacional durante a programação do jogo.
A ocina do jogo “Bola matemática
As principais características do jogo “Bola matemática” podem ser verificadas
no Quadro 2, em que é mostrada a imagem inicial do jogo em sua Versão 0, a descri-
ção e os principais conteúdos trabalhados. Na descrição, há o nome do jogo, o objeti-
vo e a forma de se jogar. Na imagem da tela do jogo, as bolas identificadas como N,
Z, Q e Ir representam as bolas que podem ser arremessadas pelo jogador por meio
da ação arrastar na tela do dispositivo móvel, elas são correspondentes aos conjun-
tos numéricos dos Naturais, Inteiros, Racionais e Irracionais, respectivamente. A
bola identificada como
representa um número sorteado que aparecerá na área
reservada para ele na tela do jogo. Ainda na imagem, além do nome (Bola mate-
mática), consta a pontuação, que é incrementada em um a cada correspondência
A programação de jogos como um instrumento motivador da aprendizagem
387
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
certa entre o conjunto e o número sorteado (ela é conquistada quando há a colisão
entre esses elementos), e um botão para sortear um número com a finalidade de se
conquistar mais pontos.
Quadro 2 – Jogo “Bola matemática”
Descrição do jogo
Nome: Bola matemática
Objetivo: arremessar e
acertar bolas dos conjuntos
numéricos para colidir no
número que pertence à sua
coleção.
Como jogar: um número é
sorteado aleatoriamente e
surge na tela do jogo. O jo-
gador arremessa a bola do
conjunto para colidir com o
número. A direção é defini-
da pelo arrastar na tela. Ele
ganhará pontos se o núme-
ro estiver em sua coleção
e perde se não houver cor-
respondência. Para acertar
o número, o jogador pode
usar o recurso de “tabelar”
nas bordas.
Principais conteúdos abordados:
- noções de programação;
- noções de lógica matemática;
- noções de trigonometria;
- definição e classificação de ângulos;
- porcentagem;
- equação de 1º grau;
- conjuntos numéricos
Fonte: elaboração dos autores.
Essas características e descrições foram pensadas, discutidas e elaboradas
pelos dois professores da escola envolvidos no DAFEMat. Os conceitos estavam de
acordo com a ementa da disciplina de Matemática dos alunos de 1º período do curso
TIIEM. Podem-se identificar aspectos interdisciplinares na descrição do Quadro
2, percebe-se que não há separação do que é conteúdo de matemática e o que é de
computação. Todavia, os conteúdos de cada uma das disciplinas estão inseridos na
construção do jogo.
Na oficina, foram 17 alunos inscritos, porém houve desistências, motivadas
principalmente porque os alunos estavam em um período de provas, além disso,
foi verificado que o contraturno pode ter dificultado a participação dos alunos. No
primeiro dia, apenas 9 alunos se apresentaram (Tabela 1), e ao longo da oficina
houve certa flutuação do número de cursistas a cada dia; no final, apenas 5 alunos
Sergio Crespo Coelho da Silva Pinto, Marcelo Simas Mattos
388
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
concluíram o curso. Contudo, mesmo com essas dificuldades, a realização do piloto
serviu para validação e ajustes da proposta.
Tabela 1 – Flutuação do número de alunos na oficina de App Inventor
Data
(ano 2017)
26/01 31/01 02/02 07/02 09/02 14/02 16/02 21/02 23/02
Número de
alunos
9 11 7 6 4 6 2 5 5
Fonte: elaboração dos autores.
Os professores planejaram requisitos que deveriam ser cumpridos pelos estu-
dantes após a criação da Versão 0, eles são apresentados a seguir, separados em
versões de V1 até V6:
a) V1 – o jogo deve possuir uma contagem de tempo, determine 120 segundos
como limite para essa fase do jogo; quando uma bola estiver em movimento
e for tocada, ela deve parar (esse requisito possibilita ao jogador corrigir um
lançamento errado);
b) V2 – aumente a quantidade de exemplos de números para cada conjunto,
para isso, crie pelo menos mais 5 números por conjunto; altere a codificação
para que a imagem que contém o número apareça em posições aleatórias na
tela de pintura do App Inventor;
c) V3 – ajuste o botão sortear para que ele se torne invisível logo após ser
pressionado; essa medida é para forçar o jogador a realizar pelo menos um
arremesso para o número sorteado; quando houver pelo menos uma colisão
com o número, o botão deve se tornar visível novamente;
d) V4 – acrescentar música de fundo e áudio para as colisões entre as Sprites;
crie uma figura que represente a quantidade de vidas que o jogador possui;
o jogo começa com 4 vidas, o jogador perde uma vida a cada erro; se zerar as
vidas, deve ser exibida a mensagem “Game Over” (ou “Fim do Jogo”); intro-
duza um áudio correspondente para essa situação; se o tempo se esgotar e o
jogador atingir 25 acertos ou mais, deve ser exibida uma mensagem de que
ele venceu a fase, caso contrário, deve ser exibida a mensagem de “Game
Over” (ou “Fim de Jogo”); introduza um áudio correspondente para cada
uma das situações;
e) V5 – nesta versão, introduza mais dois números que devem surgir na tela em
posições aleatórias; garanta que as imagens desses números não apareçam
A programação de jogos como um instrumento motivador da aprendizagem
389
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
sobrepostas umas às outras; crie barreiras que devem surgir em posições
aleatórias na tela, para dificultar os acertos aos alvos (pode-se estipular que
essas barreiras surjam depois de decorridos 60 segundos do jogo);
f) V6 – crie uma tela para o nível 2 do jogo; elabore essa fase com caracterís-
ticas semelhantes ao do nível anterior, porém aumentando a dificuldade;
como sugestão, acrescente outros conceitos sobre conjuntos.
Ao longo da aplicação, foi verificado que, se atingissem os quatro requisitos,
os alunos teriam um jogo completo com funcionalidades principais, como: vidas,
pontuação, aspectos aleatórios, tempo e conquista (“Venceu a Fase”) ou derrota
(“Game Over”). Dessa forma, por questões de prazo para a criação do jogo “Bola
matemática”, foi decidido que os estudantes terminariam o jogo quando cumpris-
sem todos os requisitos até a versão 4.
As duas versões adicionais (V5 e V6) poderiam ser trabalhadas em um curso
com duração maior e serviriam para estimular, ainda mais, a criatividade dos es-
tudantes. Mas os docentes verificaram que, de acordo com a proposta, se os alunos
atingissem a versão 4, eles já teriam construído um jogo com as principais ca-
racterísticas (como as mencionadas anteriormente), abrangeriam os conteúdos de
matemática e também as noções de computação esperadas.
Próximo ao término da oficina, os cinco alunos que chegaram até o fim do
curso responderam a um questionário sobre seus hábitos em relação ao uso de
dispositivos móveis, sobre o curso e sobre o App Inventor 2.
Em relação aos dados gerais dos sujeitos pesquisados, 3 eram do sexo feminino
e 2 do sexo masculino, e tinham em média 16 anos de idade. Nenhum deles havia
concluído algum curso de programação anterior à oficina de App Inventor.
Sobre o uso de dispositivos móveis, todos responderam que possuíam tablet ou
smartphone, com sistema operacional Android, e usavam mais frequentemente o
seu dispositivo em casa. A média diária de uso dos dispositivos entre os pesquisados
foi de 6,1 horas. Todos afirmaram usar o seu dispositivo móvel para estudar, com a
seguinte frequência de uso: sempre (40%); frequentemente (40%); e eventualmente
(20%); nenhum deles marcou raramente e nunca.
Entre os pesquisados, apenas um já conhecia o App Inventor 2 antes de rea-
lizar a oficina. Quanto à satisfação com a oficina, 60% ficaram muito satisfeitos
e 40% satisfeitos (as opções não marcadas foram: pouco satisfeito, insatisfeito e
muito insatisfeito). Quando questionados sobre o que gostavam no ambiente MIT
App Inventor 2, as respostas foram: “Praticidade”; “A forma de codificar através de
blocos e a praticidade na criação do design”; “A simplicidade”; “É simples e fácil de
Sergio Crespo Coelho da Silva Pinto, Marcelo Simas Mattos
390
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
usar”; “O fato de ser prático e versátil”. Pode-se depreender, com essas respostas,
que os alunos destacaram os principais pontos fortes do App Inventor 2, sendo
essas características importantes para um ambiente de desenvolvimento ser usado
em cursos introdutórios de programação.
Quando perguntados sobre o que não gostavam no ambiente MIT App Inven-
tor 2, as respostas foram: “O fato dele não ter muitos recursos como um programa
superior”; “O emulador”; “Apesar de eu ter professores para me auxiliar, a falta
de um ‘tutorial’ ou ‘guia de uso’ é ruim”; “Eu gosto de tudo. Ainda não identifiquei
falhas”; “Nada”. Quanto à resposta que faz referência a tutorial ou guia de estudos,
pode-se identificar a importância dos materiais didáticos para esse pesquisado.
Contudo, possivelmente, o estudante sentiu falta desse material em língua portu-
guesa ou não se atentou aos materiais disponíveis no site do App Inventor 2, que
estão em língua inglesa. Todos responderam ser muito importante para a aprendi-
zagem deles o acompanhamento dos professores da escola durante o estudo no MIT
App Inventor 2 (desde “É ruim para o meu aprendizado” até “É muito importante
para o meu aprendizado”).
Quando foi solicitado para classificar os recursos de programação do App In-
ventor 2, todos classificaram como bom, numa escala na ordem do pior para o me-
lhor, na seguinte sequência: inadequado, ruim, regular, bom e excelente. Por fim,
quando perguntado se, na opinião dos alunos, a “Oficina de MIT App Inventor”, do
projeto interdisciplinar de Informática e Matemática, estaria conseguindo integrar
programação/informática com conceitos de Matemática, todos responderam que
sim.
Conclusões e trabalhos futuros
O artigo apresentou o uso de uma arquitetura com base em teorias pedagó-
gicas e de aprendizagem que foi experimentado em aplicações com estudantes de
um Curso Técnico em Informática Integrado ao Ensino Médio (TIIEM). Os testes
do experimento do modelo foram voltados à aplicação na disciplina de Matemática
desses alunos e ocorreram em cursos livres e no contexto da sala de aula. Para
tanto, dois professores da escola, um de Informática e o outro de Matemática, rea-
lizaram um trabalho interdisciplinar que, em síntese, constituiu-se em: estudos
prévios (com base no modelo), aplicação e acompanhamento dos estudantes na rea-
lização dos testes.
A programação de jogos como um instrumento motivador da aprendizagem
391
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
As aplicações nos cursos livres serviram, principalmente, para realizar a vali-
dação do modelo antes de sua inserção no contexto da sala de aula. Nas aplicações
inseridas na disciplina Matemática I, o modelo pôde ser experimentado em duas
turmas do 1º período do curso TIIEM. Essas aplicações foram inseridas dentro do
projeto Desenvolvimento de Aplicativos como Ferramenta para o Ensino de Mate-
mática (DAFEMat), concebido pelos professores envolvidos. Os docentes puderam
vincular as atividades relativas à investigação do modelo ao DAFEMat.
Todos os testes indicaram a adequação do modelo enquanto recurso didático
de ensino-aprendizagem contextualizado com o cotidiano dos estudantes de ensino
médio. Fatos constatados, principalmente, pelo nível de satisfação dos pesquisados
na Oficina de App Inventor 2, que alcançou 60% de “muito satisfeitos” e 40% de
“satisfeitos”; também, pela resposta à pergunta sobre satisfação com as ativida-
des interdisciplinares entre Informática e Matemática do DAFEMat (respostas ao
questionário ligado à aplicação em sala de aula), os alunos se sentiram: satisfeitos
(24, 70,6%), muito satisfeitos (8, 23,5%) e pouco satisfeitos (2, 5,9%). Além disso,
ainda em se tratando da adequação enquanto recurso didático, os estudantes iden-
tificaram a interdisciplinaridade entre programação/informática com conceitos de
matemática (32, 94,1%).
O modelo se apresentou como proposta pedagógica favorável para servir de
apoio ao aprendizado em disciplinas escolares. Isso porque se verificou que ele pode
ser adotado como recurso para trabalhar de maneira interdisciplinar, inserido nas
atividades de disciplinas escolares. Indícios disso estão nos resultados da aplica-
ção do DAFEMat, nos questionários e na aplicação de uma prova na disciplina de
Matemática I.
Foi verificado que a maioria dos pesquisados, no questionário aplicado aos
alunos da disciplina Matemática I, acreditava que as atividades que envolviam a
aplicação do modelo foram úteis para o aprendizado de matemática e informática.
Em resposta aos dois questionamentos que tratam desta questão, a maioria dos
pesquisados afirmou que as atividades de se melhorar o jogo a cada versão e o tra-
balho em duplas – previstos no modelo – foram úteis para o aprendizado de mate-
mática e informática. Nas respostas sobre o desenvolvimento dos jogos em duplas,
destacam-se alguns relatos negativos, em que as justificativas remetem a dificul-
dades em circunstâncias relativas à negociação e ao comprometimento no trabalho
em equipe. Portanto, uma atenção especial deve ser dada a essas circunstâncias,
para que a aplicação do modelo realmente traga benefícios aos participantes.
Sergio Crespo Coelho da Silva Pinto, Marcelo Simas Mattos
392
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
A interdisciplinaridade foi um aspecto importante na aplicação do modelo. Os
relatos das aulas, as respostas dos alunos aos questionários e a própria aplicação
de uma prova da disciplina Matemática I sugerem a possibilidade de utilização do
modelo de forma interdisciplinar, envolvendo outras disciplinas escolares.
Como trabalhos futuros, sugere-se o planejamento de jogos com temas ligados
a outras disciplinas escolares e com a adoção do modelo apresentado, para verifi-
cação de sua adequação como recurso de apoio à aprendizagem no ensino médio
para diferentes áreas do conhecimento: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias;
Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Ciências Humanas e suas Tecnologias.
Nota
1
Nanocomputing (nanocomputação) – descreve a computação que usa dispositivos extremamente pequenos
ou em nanoescala, nesta se tem que um nanômetro (nm) equivale a um bilionésimo de metro.
Referências
AL-BOW, M. et al. Using game creation for teaching computer programming to high school stu-
dents and teachers. In: ITICSE ’09; ANNUAL ACM SIGCSE CONFERENCE ON INNOVATION
AND TECHNOLOGY IN COMPUTER SCIENCE EDUCATION, 14. Proceedings… New York:
ACM, 2009. v. 41. n. 3. p. 104-108.
ALVES, R. M.; SAMPAIO, F. F.; ELIA, M. F. DuinoBlocks: desenho e implementação de um am-
biente de programação visual para robótica educacional. Revista Brasileira de Informática na
Educação, Rio de Janeiro, v. 22, n. 3, p. 126-140, 2014.
BISSOLOTTI, K.; NOGUEIRA, H.; PEREIRA, A. T. C. Potencialidades das mídias sociais e da
gamificação na educação a distância. Revista Novas Tecnologias na Educação, Joinville, v. 12,
n. 2, p. 1-11, dez. 2014.
BURGUILLO, J. Using game theory and Competition-based Learning to stimulate student mo-
tivation and performance. Computers & Education, [S. l.], v. 15, p. 566-575, 2010.
FERREIRA, A. C. et al. Experiência prática interdisciplinar do raciocínio computacional em
atividades de computação desplugada na educação básica. In: WORKSHOP DE INFORMÁTICA
NA ESCOLA, 21, 2015. Anais... Maceió: Sociedade Brasileira de Computação, 2015. p. 256-265.
FINIZOLA, A. B. et al. O ensino de programação para dispositivos móveis utilizando o MIT-App
Inventor com alunos do ensino médio. In: WORKSHOP DE INFORMÁTICA NA ESCOLA, 20.
Anais eletrônicos... Dourados: Sociedade Brasileira de Computação, 2014. p. 337-341.
FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO. Proinfo. 2016. Disponível
em: <http://www.fnde.gov.br/programas/programa-nacional-de-tecnologia-educacional-proinfo>.
Acesso em: 25 jul. 2016.
A programação de jogos como um instrumento motivador da aprendizagem
393
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
FRANÇA, R. S.; AMARAL, H. J. C. Proposta Metodológica de Ensino e Avaliação para o Desen-
volvimento do Pensamento Computacional com o Uso do Scratch. In: Workshop de Informática
na Escola, 19, 2013. Anais eletrônicos... Campinas: Sociedade Brasileira de Computação, 2013.
p. 179-188.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA.
Indicadores Educacionais: taxas de rendimento. 2014. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/
indicadores-educacionais>. Acesso em: 20 jul. 2016.
KAZIMOGLU, C. et al. Learning programming at the computational thinking level via digital
game-play. Procedia Computer Science, Omaha, Nebraska, USA, v. 9, n. 0, p. 522-531, 2012.
KELLEHER, C.; PAUSH. Using Storytrlling to motivate programming. Communication of the
ACM, New York, v. 50, n. 7, p. 58-64, 2007.
KLOCK, A.C.T. et al. Análise das técnicas de gamificação em ambientes virtuais de aprendiza-
gem. Revista Novas Tecnologias na Educação, Joinville, v. 12, n. 2, p. 1-10, dez. 2014.
HINTERHOLZ, L. T.; CRUZ, M. E. K. Desenvolvimento do pensamento computacional: um rela-
to de atividade junto ao ensino médio, através do Estágio Supervisionado em Computação III. In:
WORKSHOP DE INFORMÁTICA NA ESCOLA, 21, 2015. Anais eletrônicos... Maceió: Sociedade
Brasileira de Computação, 2015. p. 137-146.
LESSA, V. et al. Programação de computadores e robótica educativa na escola: tendências evi-
denciadas nas produções do Workshop de Informática na Escola. In: WORKSHOP DE INFOR-
MÁTICA NA ESCOLA, 21, 2015. Anais eletrônicos... Maceió: Sociedade Brasileira de Computa-
ção, 2015. p. 93-101.
LEUTENEGGER, S.; EDGINGTON, J. A Games First Approach to Teaching Introductory Pro-
gramming. ACM Inroads, Covington, KY, USA, v. 39, n. 1, p. 115-118, 2007.
MOHOROVIČIĆ, S.; STRČIĆ, V. An overview of computer programming teaching methods. In:
CENTRAL EUROPEAN CONFERENCE ON INFORMATION AND INTELLIGENT SYSTEMS,
22, 2011, Varazdin. Proceedings… Varazdin, Croatia: University of Zagreb, 2011. p. 47-52. Dis-
ponível em: <http://www.ceciis.foi.hr/app/index.php/ceciis/2011/paper/view/431>. Acesso em: 2
nov. 2015.
MURATET, M. et al. Towards a serious game to help students learn computer programming.
International Journal of Computer Games Technology, New York, NY, USA, v. 2009, n. 1, p. 1-13,
2009.
OVERMARS, M. Teaching computer science through game design. Computer, [S. l.], v. 37, n. 4,
p. 81-83, 2004.
NIEMANN, F. A.; BRANDOLI, F. Jean Piaget: um aporte teórico para o construtivismo e suas
contribuições para o processo de ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa e da Matemática.
In: SEMINÁRIO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO DA REGIÃO SUL. Anais... Caxias do Sul:
Universidade de Caxias do Sul, 2012. p. 1-14.
Sergio Crespo Coelho da Silva Pinto, Marcelo Simas Mattos
394
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 370-394, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
PROGRAMME FOR INTERNATIONAL STUDENT ASSESSMENT. Pisa 2015: Pisa results in
focus. 2015. Disponível em: <http://www.oecd.org/pisa/pisa-2015-results-in-focus.pdf>. Acesso
em: 03 nov. 2018.
RODRIGUEZ, C. et al. Pensamento computacional: transformando ideias em jogos digitais usan-
do o Scratch. In: WORKSHOP DE INFORMÁTICA NA ESCOLA, 21, 2015. Anais eletrônicos...
Maceió: Sociedade Brasileira de Computação, 2015. p. 62.
SANCHIS, I. P.; MAHFOUD, M. Construtivismo: desdobramentos teóricos e no campo da educa-
ção. Revista Eletrônica de Educação, São Carlos, v. 4, n. 1, p. 18-33, maio 2010.
SCAICO, P. D. et al. Ensino de programação no ensino médio: uma abordagem orientada ao
design com a linguagem Scratch. Revista Brasileira de Informática na Educação, [S. l.], v. 21,
n. 2, p. 92-103, 2013.
SCHWARTZ, G. Os videogames e a morte dos professores. 2013. Pesquisa sobre o uso das tecnolo-
gias de informação e comunicação nas escolas brasileiras: TIC Educação 2013 [livro eletrônico].
São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2014.
SILVA, T. R. et al. Ensino-aprendizagem de programação: uma revisão sistemática da literatura.
Revista Brasileira de Informática na Educação, [S. l.], v. 23, n. 1, p. 182-196, 2015.
TELECO. Estatísticas de Celulares no Brasil. 2018. Disponível em: <http://www.teleco.com.br/
ncel.asp>. Acesso em: 27 set. 2018.
WANGENHEIM, C. G. V.; NUNES, V. R.; SANTOS, G. D. D. Ensino de computação com Scratch
no ensino fundamental: um estudo de caso. Revista Brasileira de Informática na Educação, [S. l.],
v. 22, n. 3, p. 115, 2014.
WING, J. M. Computational thinking. Communications of the ACM, New York, v. 49. n. 3, p. 33-35,
2006.
Programação de computadores como uma alternativa ao modelo metodológico padrão da apropriação da informática em processos educativos
395
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 395-409, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Programação de computadores como uma alternativa ao modelo metodológico
padrão da apropriação da informática em processos educativos
Computer programming as an alternative to the standard methodological model of
appropriation of information technology in educational processes
Marco Antonio Sandini Trentin
*
Ricardo Shitsuka
**
Adriano Canabarro Teixeira
***
Resumo
Devido ao crescente uso dos mais diversos aparatos tecnológicos na sociedade atual e às possibilidades que
estes podem trazer para a educação, este artigo traz uma reexão acerca dos desdobramentos da informática no
contexto da educação brasileira e, mais especicamente, sobre como criar condições para que o conhecimento
possa ser construído pelas crianças por meio da programação de computadores. Esta pesquisa apresenta um
referencial teórico sobre o construcionismo, que busca possibilitar ao estudante desenvolver meios de aprendi-
zagem que valorizem a sua construção mental, libertando seu pensamento criativo apoiado em suas próprias
percepções de mundo, que, em última análise, pode servir a qualquer situação de aprendizagem futura. Por m,
apresenta alguns resultados de desdobramentos do ato de programar por alunos da educação básica.
Palavras-chave: Ensino de computação. Informática em Educação. Tecnologia educacional.
Abstract
Due to the increasing use of the most diverse technological apparatuses in the current society and the possibilities
that these can contribute to the education, this article brings a reection on the unfolding of informatics in the
context of the Brazilian education and, more specically, on how to create conditions for knowledge be built by
children through computer programming. This research made use of the theoretical framework of Construccio-
nism, which seeks to enable students to develop learning resources that enhance their mental construction, relea-
sing their creative thinking based on their own perceptions of the world that can ultimately serve any future lear-
ning situation. Finally, it presents some results of the unfolding act of programming by students of Basic Education.
Keywords: Computer education. Informatics in Education. Educational technology.
*
Doutor em Informática na Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor do Curso de Ciência
da Computação e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade de Passo
Fundo, Brasil. E-mail: trentin@upf.br
**
Doutor em Ensino de Ciências pela Universidade Cruzeiro do Sul. Professor dos cursos de Engenharia na Universida-
de Federal de Itajubá, campus Itabira, e do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências da Universidade
Federal de Itajubá, Brasil. E-mail: ricardoshitsuka@unifei.edu.br
***
Doutor em Informática na Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor do Curso de Ciência
da Computação, do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciên-
cias e Matemática da Universidade de Passo Fundo, Brasil. E-mail: teixeira@upf.br
Recebido em 24/09/2018 – Aprovado em 10/01/2010
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v26i2.9413
Marco Antonio Sandini Trentin, Ricardo Shitsuka, Adriano Canabarro Teixeira
396
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 395-409, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Introdução
É uma tarefa árdua argumentar consistente e contrariamente ao fato de que
os dispositivos tecnológicos presentes no cotidiano humano e nos mais diversos
setores em que atuamos constituem artefatos fundamentais para a dinâmica do
mundo contemporâneo. O teórico André Lemos (2002), ao tratar do tema da ciber-
cultura, deixa esta percepção bem clara ao apontar que essas tecnologias, mais do
que influenciar, determinam a forma como vivemos.
De fato, a utilização de computadores em áreas como a Medicina e a Engenha-
ria, por exemplo, proporcionou avanços fundamentais e inimagináveis nos resul-
tados de suas ações sobre o mundo. Tal contexto advém do fato de que os poderes
de processamento, armazenamento e transmissão de informações desses aparatos
possibilitam um processo analítico dos dados, baseado na manipulação de uma
grande massa de informações, na comunicação instantânea entre os profissionais e
na imediata disponibilização e divulgação dos conhecimentos gerados no processo.
Na educação, os aparatos tecnológicos, que não são poucos em variedade, a
perspectiva não foi diferente. Nos mais de 20 anos de informática educativa, apre
-
sentados neste texto a partir do advento do Programa Nacional de Informática na
Educação (Proinfo), uma das iniciativas pioneiras no contexto nacional é possível
identificar claramente três momentos. O primeiro, quando comumente os compu
-
tadores eram vistos como a solução para as mazelas de nossa educação, tinha por
objetivo informatizar as escolas públicas brasileiras por meio da disponibilização de
laboratórios de informática. Junto com esse processo, ganhou corpo um movimento
em torno da implementação de softwares educativos. Tão pouco mencionados ulti
-
mamente, tiveram seu ápice de desenvolvimento e de pesquisas por volta dos anos
2000, quando era unânime a ideia de que se precisava desenvolver aplicações edu
-
cacionais a serem utilizadas nos laboratórios. O terceiro momento, que teve seu iní-
cio por volta de 2007, coincide com o início do processo de conexão das escolas, dando
destaque à demanda de criação de ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs), ou
seja, sites na Web, em que se pudesse desenvolver – e controlar – atividades de ensi
-
no e aprendizagem. Neste período, foram desenvolvidas várias plataformas e outras
que já existiam, como é o caso do Teleduc e do Moodle, ganharam força.
É claro que não se trata de um percurso no qual estas diferentes etapas têm
fronteiras claras, e, no Brasil, existe ainda uma parcela de escolas que não possuem
sequer energia elétrica, portanto, ainda precisam passar pela primeira situação.
Contudo, a esmagadora maioria precisa avançar significativamente na qualificação
Programação de computadores como uma alternativa ao modelo metodológico padrão da apropriação da informática em processos educativos
397
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 395-409, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
da conexão existente. Portanto, ao tempo em que não se pode ignorar o fato de que se
tem avançado significativa e concorrentemente nos três sentidos, ainda se tem um
longo e urgente caminho a ser trilhado no âmbito da conexão à internet, que, desde
2011, é apontado pelo Organização das Nações Unidas como um direito do cidadão.
De qualquer modo, o objetivo deste breve resgate do histórico do movimento
de informatização da educação não consiste no aprofundamento desta análise, mas
sim na reflexão acerca dos desdobramentos dessas três etapas sobre o contexto
da educação brasileira. O fato é que, nos últimos três anos, um grande número
de escolas no Brasil vivenciou um processo em que, além do laboratório de infor-
mática do Proinfo, foram recebidos laptops educacionais, tablets e lousas digitais.
Em uma análise ingênua e míope sobre esse contexto, seria possível intuir que a
presença desses dispositivos, de alguma forma, leva inevitavelmente à qualificação
dos processos educativos, uma vez que, em sua essência, são democráticos e abrem
possibilidades de acesso a informações e bens culturais até então não disponíveis à
maioria da população, permitindo o estabelecimento de processos comunicacionais
entre indivíduos independente de barreiras espaço-temporais.
Também não é difícil argumentar em torno do fato de que tais tecnologias, da
forma como têm sido apropriadas até então, não têm trazido ganhos significativos
à educação, cujo papel é, em uma primeira análise, formar o cidadão para o mundo
de hoje. Prova disso é o desempenho brasileiro registrado nos mais diversos relató-
rios construídos por diferentes organizações acerca da qualidade da educação ou do
desempenho de alunos ao redor do mundo. Nesses estudos, o Brasil tem aparecido
recorrentemente nas últimas posições. A Organização para a Cooperação e Desen-
volvimento Econômico (OCDE), ao avaliar 36 países, coloca o Brasil na penúltima
posição (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOP-
MENT, 2014). Em um estudo ainda mais abrangente, também coordenado pela
OCDE, a situação não é diferente, quando, em 2012, foram avaliados 65 países por
meio do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa)
1
.
Não se trata de encarar a informática como a solução dos problemas e das
demandas da educação brasileira, mas sim de uma argumentação rápida acerca
da evidência de que as contribuições do potencial dessas tecnologias na educação
não chegam nem perto do que aconteceu em outras áreas. A percepção é a de que
já se teve tempo suficiente para que se pudesse avaliar o potencial das tecnologias
da forma como estão inseridas no contexto escolar, no âmbito da educação formal
e diária. Percepções positivas acerca desta simbiose advêm, invariavelmente, das
interseções existentes entre a escola do mundo real e a pesquisa do mundo acadê-
Marco Antonio Sandini Trentin, Ricardo Shitsuka, Adriano Canabarro Teixeira
398
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 395-409, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
mico, que prioriza uma visão da informática educativa como espaço interdiscipli-
nar, como uma oportunidade de desenvolver processos educativos em que os indi-
víduos então dispersos pelos mais variados lugares do mundo, do desenvolvimento
de objetos digitais de aprendizagem com os mais diferentes formatos e fins, com a
utilização de AVAs, entre tantas outras possibilidades.
Entretanto, o que se verifica no ambiente escolar é que, além de não ter tra-
zido ganhos significativos, ao menos os resultados de muitas avaliações que vão
neste sentido, as tecnologias digitais perdem força inclusive enquanto elementos
atrativos e motivadores – por vezes punitivo – para os estudantes, inclusive aque-
les que só têm acesso direto aos computadores na escola. É possível afirmar que é
cada vez mais difícil a proposta de atividades utilizando os computadores que de
fato envolvam e desafiem os estudantes, uma vez que os ambientes e os softwares
utilizados fora da escola são mais desafiadores, possuem mais possibilidades de
imersão e os colocam em uma situação de protagonismo. Essas três características
já foram apontadas por Wim Veen e Ben Vrakking (2009) como as responsáveis
pelo fascínio que os jovens apresentam por jogos de computadores em detrimento
de outras atividades, como, por exemplo, ler um livro.
A partir desse contexto, desde 2013, o Grupo de Estudo e Pesquisa em Inclusão
Digital (Gepid) e os pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade de Passo Fundo (UPF) têm desenvolvido pesquisas e experiências
em torno de uma alternativa à utilização de computadores na educação. O grupo
acredita que, dado o contexto de abundância de possibilidades que esta situação de
informatização oferece, de acesso e geração de informações, da provisoriedade do
conhecimento científico e da impossibilidade de a escola dar conta de formar um
cidadão para um mundo de futuros imprevisíveis, é fundamental explorar possibi-
lidades que trabalhem não na perspectiva de interdisciplinaridade com a utiliza-
ção de soluções tecnológicas, mas que criem um ambiente favorável ao desenvol-
vimento da criatividade, ao aumento da capacidade de resolução de problemas e
ao desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático. Tal opção leva a crer que, em
última instância, é possível identificar desdobramentos sobre o desempenho dos
estudantes nas mais diversas áreas.
Dentre essas pesquisas, destacam-se as que se desenvolvem em torno da pro-
gramação de computadores por estudantes do ensino fundamental na rede públi-
ca do município de Passo Fundo, denominada Escola de Hackers, e as atividades
propostas a grupos de alunos da educação infantil, de 5 e 6 anos de idade, no pro-
jeto Mutirão pela Inclusão Digital. Posto isso, o objetivo deste artigo é apresentar
Programação de computadores como uma alternativa ao modelo metodológico padrão da apropriação da informática em processos educativos
399
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 395-409, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
parcialmente as bases teóricas que sustentam a exploração da programação de
computadores como elemento potencialmente qualificador de processos educativos
formais.
As bases construcionistas da programação de computadores
Um dos pioneiros na história da informática na educação foi Seymour Papert,
nascido no ano de 1928 e criado em Pretória, na África do Sul, internacionalmente
reconhecido como um dos precursores e defensores da ideia de que as tecnologias
podem qualificar os processos de aprendizagem, é matemático e considerado o pai
do campo da inteligência artificial. Papert engajou-se em projetos na área da Mate-
mática e trabalhou com Piaget na Universidade de Genova, de 1958 a 1963, quan-
do sua colaboração principal foi acompanhar o uso da matemática como espaço de
compreensão do raciocínio em crianças.
Papert criou o conceito de “construcionismo”, que é uma reconstrução teórica
a partir do construtivismo piagetiano. O matemático concorda com Piaget, quando
afirma que a criança é um ser pensante e construtor de suas próprias estruturas
cognitivas, mesmo sem ser ensinado. Inquietando-se com o número reduzido de
pesquisas nessa área na época, levantou a seguinte questão: como criar condições
para que mais conhecimento possa ser construído pelas crianças? Para o autor,
a atitude construcionista implica ensinar de tal forma a produzir o máximo de
aprendizagem, com o mínimo de ensino, ou seja, potencializar o envolvimento do
estudante no que deseja aprender em contraposição ao falar/ditar do professor. O
construcionismo busca possibilitar ao estudante desenvolver meios de aprendiza-
gem fortes, que valorizem a sua construção mental, libertando seu pensamento
criativo apoiado em suas próprias percepções de mundo, que, em última análise,
pode servir a qualquer situação de aprendizagem futura.
Papert conseguiu demonstrar os princípios psicológicos e pedagógicos do
aprender fazendo e da aprendizagem significativa e reflexiva, além da integração
no contexto da afetividade e da interação. O construcionismo, ainda, foi de funda-
mental importância para direcionar ações de mediação do professor para com o
aluno, quando ambos interagem em processos que envolvem a construção do pen-
samento, demanda clara de processos envolvendo a programação de computado-
res. Sem dúvida, essa teoria está fundamentada no construtivismo piagetiano, na
teoria de inteligências múltiplas de Gardner e na pedagogia social de Paulo Freire.
Segundo Papert (2007, p. 23):
Marco Antonio Sandini Trentin, Ricardo Shitsuka, Adriano Canabarro Teixeira
400
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 395-409, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Os materiais devem favorecer ao aluno a aprender-sobre-o-pensar é a ideia de “hands-on
e “head-in”. Isto significa que o aluno aprende fazendo (colocando a mão na massa) e cons-
truindo algo que lhe seja significativo, de modo que possa envolver-se afetiva e cognitiva-
mente com aquilo que está sendo produzido.
A possibilidade de programar um computador representou para Piaget uma
poderosa forma de sistematização do pensamento, uma vez que suas linguagens
de programação exigem pensamento procedural, possibilitando ao professor e ao
estudante reconhecer os mecanismos que estão sendo utilizados para resolver de-
terminado problema. É possível apontar para o fato de que o ser humano, quando
passa a programar, criar seus próprios algoritmos, deixa de ser somente usuário do
computador e assume o papel de protagonista, desafiado a resolver, da forma mais
eficiente e criativa possível, determinados problemas e imerso em um mundo de
possibilidades diretamente proporcional ao seu desenvolvimento cognitivo.
É importante salientar que Papert, já em 1971,
2
protagonizava a programação
de computadores como uma ferramenta poderosa para a educação, e, agora, passa-
dos mais de 45 anos, o mundo começa de fato a explorar esta possibilidade. A fim
de sustentar estas ideias iniciais, torna-se prudente refletir acerca dos elementos
envolvidos no ato de programar, algumas alternativas de ambientes de programa-
ção e as habilidades e capacidades que desenvolvem.
O que está envolvido no ato de programar
A programação proporciona ao aprendiz um ambiente desafiador que o estimula
a pensar. Isso pressupõe um processo de aprendizagem ativa, em que a construção do
conhecimento se dá a partir das ações físicas ou mentais do aluno. Programar envol-
ve uma série de capacidades, dentre as quais, destacam-se: criatividade, capacidade
de resolução de problemas, trabalho em grupo e raciocínio lógico.
A criatividade pode ser compreendida como um modo de utilizar e reutilizar
a informação, mas também pode ser uma atitude. Sobre a criatividade, Vygotsky
(2007, p. 15) assim se posiciona: “Entre as questões mais importantes da psicologia
infantil e da pedagogia, encontra-se a da capacidade criadora das crianças, a da
promoção desta capacidade e a da sua importância no desenvolvimento geral e
maturação da criança”.
Nessa perspectiva, o pensamento criativo apresenta duas características prin-
cipais: a revelação da autonomia sobre o que fazer e como fazer e a orientação para
criações de novas ideias, partindo daquelas já existentes. Uma das capacidades
Programação de computadores como uma alternativa ao modelo metodológico padrão da apropriação da informática em processos educativos
401
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 395-409, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
usadas quando se está programando, fundamental para que haja a interação com
computador – objeto e pessoa –, é o uso da imaginação, ou seja, da capacidade
criadora.
Além da criatividade, a capacidade de resolução de problemas é uma compe-
tência matemática que leva a desenvolver inúmeras outras competências. Ponte
et al. (2007) consideram que a resolução de problemas pode ser uma importante
contribuição na formação integral do indivíduo. Pólya (2003) define a resolução de
problemas como uma arte que todos podem aprender, na qual o objetivo é desen-
volver a capacidade de pensar. Para o autor, a resolução de problemas inclui quatro
etapas: compreensão do problema, elaboração de um plano, execução do plano e
verificação dos resultados.
Além do desenvolvimento da criatividade e da habilidade na resolução de pro-
blemas, o trabalho em grupo também se faz importante para a aprendizagem efi-
ciente por intermédio de programação. A necessidade de pensar soluções para um
determinado problema e, posteriormente, expor a um grupo que deseja também
resolvê-lo, a fim de escolher aquela que melhor responde à natureza do desafio,
representa um poderoso contexto de aprendizagem partilhada, em que as diferen-
tes hipóteses podem ser questionadas e aprimoradas pelo grupo. Além disso, nesta
dinâmica de trocas estabelecida em torno do ato de pensar uma solução para de-
terminada situação, os alunos que apresentam mais dificuldades se beneficiam
das competências de seus colegas, que, ao ajudar o grupo, acabam por revisitar e
reformular constantemente aquilo que já sabem.
A interação entre aluno e professor também é importante e significativa. Vy-
gotsky (2007) ressalta a importância do inter-relacionamento entre os membros
de uma escola, para a ampliação das possibilidades de sucesso na aprendizagem
enquanto processo de interação. As ações educativas devem ocorrer num ambiente
de interação social, promovendo o intercâmbio entre os diferentes sujeitos escola-
res. A importância do trabalho em grupo vai além do fato de o aluno trabalhar a
sua aprendizagem ao mesmo tempo que seu colega. Passa pelo aumento do índice
de responsabilidade e de autoestima dos sujeitos, promovendo, assim, o relaciona-
mento entre alunos e as suas capacidades interpessoais.
Ainda, acredita-se que a capacidade desenvolvida no ato de programar compu-
tadores impulsiona a aprendizagem eficiente e o raciocínio lógico. O pensamento ló-
gico parte do indivíduo e da construção de relações existentes entre os objetos, sendo
elemento fundamental para que a relação sujeito e objeto tome sentido. Não se trata
de um conceito ou uma capacidade que se possa ensinar em um processo direto de
Marco Antonio Sandini Trentin, Ricardo Shitsuka, Adriano Canabarro Teixeira
402
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 395-409, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
relação educativa entre professor e aluno. O raciocínio lógico, fundamental ao pro-
cesso de aprendizagem em qualquer área do conhecimento, desenvolve-se nos mo-
mentos em que os indivíduos se deparam com situações em que precisam perceber a
demanda por estruturar o pensamento detalhadamente, para resolver determinado
problema. Também se desenvolve quando é preciso criar estratégias e testá-las,
para aferir a eficiência da solução e, posteriormente, executá-la para identificar sua
eficiência. Dessa forma, é possível intuir que o raciocínio lógico não é fruto de atos
espontâneos dos indivíduos, mas de atividades que o envolvam, desafiem-no e que
possibilitem a criação de uma gama potencialmente infinita de soluções.
Enfim, considerando as características – criatividade, capacidade de resolução
de problemas, trabalho em grupo e raciocínio lógico – desenvolvidas em processos
de programação de computadores, acredita-se fortemente, e existem diversas pes-
quisas que apontam para isto, que o ato de programar computadores, por muito
tempo associado a profissionais da área de informática, pode constituir uma alter-
nativa poderosa de qualificação da educação, subvertendo a aplicação interdiscipli-
nar dos recursos tecnológicos digitais no ensino.
Ambientes de programação
A partir da consideração de que Seymour Papert desenvolveu sua prática com
a informática educativa baseada na crença de que a criança pode ser vista como
um ser aprendiz inato e construtor de suas estruturas de pensamento a partir da
exploração do ambiente em que vive, é possível afirmar que Papert procurou um
meio que permitisse à criança uma especial realização de descobertas de novos
processos de pensar. Com essas ideias, portanto, desenvolveu, com o uso do com-
putador, um meio pelo qual a criança pudesse estabelecer contato com este instru-
mento versátil, fácil de operar e rico em possibilidades. Com o objetivo de ilustrar
esses elementos, serão apresentados alguns softwares específicos de programação,
os quais fazem uso da criatividade, são baseados na resolução de problemas e, prin-
cipalmente, demandam o desenvolvimento de raciocínio lógico: o Logo e o Scratch.
O Logo foi desenvolvido no Massachusetts Institute of Technology (MIT), por
Seymour Papert, na década de 1960. Segundo Gonçalves ([2002]), a linguagem de
programação Logo apresenta as seguintes características, do ponto de vista com-
putacional: exploração de atividades espaciais, fácil terminologia e capacidade de
criar novos termos ou procedimentos. Além disso, uma das características impor-
tantes do Logo é a de não possuir objetivo delimitado, isto é, pode ser utilizado
Programação de computadores como uma alternativa ao modelo metodológico padrão da apropriação da informática em processos educativos
403
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 395-409, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
em ampla gama de atividades. Neste ambiente, o cursor é representado por uma
tartaruga, que é dinâmica, possui uma posição e, o que é muito importante, possui
uma orientação. A partir desta organização, a “tartaruga” aceita ordens ou coman-
dos que são fornecidos pelas crianças, deixando um rastro na tela por onde passa.
A linguagem utilizada no Logo é uma linguagem procedural e os comandos
básicos são termos do cotidiano da criança. A linguagem Logo foi uma das formas
de usar o computador que Seymour Papert criou a partir do princípio de que a
máquina seria apenas uma máquina e que quem a controlaria, a partir daquele
momento, seriam as pessoas. Com a linguagem Logo, o aluno pode indicar o que
o computador deve fazer, controlando, assim, a máquina, indicando a ela a tarefa
a realizar. Nesse processo, o aluno tem possibilidade de refletir sobre o que faz,
buscando possíveis soluções para resolver os problemas, sendo, em sua maioria,
problemas matemáticos. A partir desses comandos primitivos, a criança pode criar
outros comandos, que são denominados de procedimentos, os quais, uma vez na
memória do programa, podem ser executados como os comandos originais.
A abordagem desenvolvida por Vygotsky (2007) encontra respaldo na edu-
cação escolarizada, ou seja, permite que se desenvolvam reflexões, procurando o
aprimoramento intelectual dos aprendizes, sejam eles crianças, jovens ou adultos.
A metodologia que Papert propõe é carregada de significado lúdico, uma vez que
proporciona à criança uma situação de brinquedo. O diálogo que se estabelece com
a máquina (tartaruga) é, naturalmente, uma atividade de brincadeira, em que a
criança aos poucos é levada a aprender as noções básicas do sistema Logo. Ao brin-
car com a tartaruga, a criança, e até mesmo o adulto, projeta-se nas ações baseadas
na própria experiência de deslocamento no espaço, as quais são similares às da
tartaruga da tela. Papert, sem dúvida, preocupado com a relação entre o homem, a
tecnologia e a natureza da aprendizagem, desenvolveu a linguagem de programa-
ção Logo, para ser utilizada por educadores no processo de ensino e aprendizagem.
Embora o Logo seja o precursor dos ambientes de programação em processos
educativos, atualmente é pouco utilizado. Entretanto, deu origem a outros pro-
gramas que tem ganhado destaque no mundo contemporâneo, como é o caso do
Scratch, cujo slogan é “imagina, programa, compartilha”. O Scratch é uma nova
roupagem para a linguagem de programação Logo. Ele foi divulgado publicamente
em maio de 2007 e foi criado como resposta ao problema do crescente distancia-
mento entre a evolução tecnológica no mundo e a fluência tecnológica dos cidadãos.
Foi pensado, igualmente, para promover um contexto construcionista propício ao
desenvolvimento da fluência tecnológica nos jovens. Os autores entendem, ainda,
Marco Antonio Sandini Trentin, Ricardo Shitsuka, Adriano Canabarro Teixeira
404
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 395-409, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
que sua utilização permitirá avançar na compreensão da eficácia e inovação do
uso das tecnologias nas aprendizagens em diferentes domínios e contextos, tornar
os jovens criadores e inventores, mais do que meros consumidores de tecnologia, e
estimular a aprendizagem cooperativa (EDUSCRATCH, 2012).
O termo “Scratch” provém da técnica de scratching, utilizada pelos disc-joc-
keys do hip-hop, que giram os discos de vinil com as suas mãos para frente e para
trás, de modo a fazer misturas musicais originais. Com o Scratch, é possível fazer
algo semelhante, misturando diferentes tipos de clipes de mídia de modos criati-
vos, usando uma programação matemática similar à feita nos programas de com-
putador profissionais, porém de forma muito lúdica, simples e intuitiva. Trata-se
de uma aplicação destinada a ser utilizada por crianças a partir dos 8 anos, que foi
desenvolvida pela equipe Lifelong Kindergarten, do MIT Media Lab, e coordenada
por Mitchel Resnick.
Entre as diferentes habilidades desenvolvidas a partir do Scratch, destacam-
-se as competências para a resolução de problemas e para a concepção de projetos
com raciocínio lógico, a possibilidade de decomposição de problemas complexos em
partes mais simples, a identificação e eliminação de erros, o desenvolvimento de
ideias, desde a concepção até a concretização do projeto, concentração e perseveran-
ça. Os conceitos específicos de programação experimentados são: sequência, itera-
ção em ciclos, instruções condicionais, variáveis, execução paralela, sincronização,
interação em tempo real, lógica booleana, números aleatórios, gestão de eventos,
desenho de interface do utilizador e estruturas de dados (MARQUES, 2009). Den-
tre as características básicas da ferramenta Scratch, destacam-se:
a) programação com blocos de construção, denominados building blocks: para
escrever programas em Scratch, é necessário encaixar blocos gráficos uns
nos outros, formando empilhamentos ordenados chamados de stacks; os blo-
cos são concebidos para poderem se encaixar apenas de forma que façam
sentido sintaticamente, não ocorrendo, assim, erros de sintaxe e permitindo
realizar várias tarefas diferentes, para produzir o resultado final de acordo
com o gosto do usuário; a sequência de instruções pode ser modificada mes-
mo com o programa em execução, o que facilita a experimentação simples
de novas ideias e o cumprimento de instruções paralelas com diferentes
conjuntos de blocos;
b) manipulação de mídia: o Scratch permite a construção de programas que
controlam e integram gráficos, animação, texto, música e som; amplia as
atividades de manipulação de mídia que são populares na cultura atual,
Programação de computadores como uma alternativa ao modelo metodológico padrão da apropriação da informática em processos educativos
405
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 395-409, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
capturando-as diretamente da webcam ou do microfone do usuário, ou ain-
da mídias disponíveis em diferentes meios de armazenamento;
c) partilha e colaboração: a página na internet do Scratch fornece inspiração e
audiência; os usuários podem experimentar os projetos de outros, reutilizar
e adaptar as suas imagens e scripts, além de divulgar os próprios projetos;
a meta final é potencializar uma comunidade e uma cultura de comparti-
lhamento em torno do Scratch; é importante salientar que tal dinâmica faz
parte do cotidiano digital dos estudantes, acostumados a compartilhar, criar
comunidades em torno de assuntos de interesse comum e, principalmente,
criar coletivamente.
Se, por um lado, o projeto Scratch é pensado para criar um ambiente de apren-
dizagem rico e dinâmico, no qual é possível criar histórias interativas, jogos e ani-
mações, por outro, possibilita a criação de competências fundamentais à aprendi-
zagem em qualquer situação, como destacado no site dos criadores do programa
e identificado em diversas pesquisas realizadas e compartilhadas na internet.
Dentre elas, destacam-se: competências de informação; competências de comuni-
cação; competência de raciocínio crítico e pensamento sistêmico; competências de
identificação, formulação e resolução de problemas; competência de criatividade e
curiosidade intelectual; competências interpessoais e de colaboração; competência
de autodirecionamento; competência de responsabilização e adaptabilidade; e com-
petência de responsabilidade social.
Aprendendo a selecionar, criar e gerir múltiplas formas de mídia, incluindo
texto, imagens, animação e áudio, as crianças se tornam mais perspicazes e críticas
na análise das mídias que observam à sua volta e mais capacitadas a manipular
informações em diferentes formatos, processo para o qual o método de ensino for-
mal não prepara, uma vez que é baseado em um número reduzido de formatos de
representação de informação. Mesmo em processos educativos on-line, em que a
natureza digital potencialmente proporciona o contato com diferentes mídias, o
processo de manipulação, interconexão, reorganização e remixagem destas é limi-
tado ou, em muitos casos, inexistente.
O processo de manipulação de informações em diferentes formatos vem acom-
panhado da possibilidade de desenvolvimento de competências de comunicação,
esta entendida como capacidade de transformar seus pensamentos em algo que
possa ser visível a outras pessoas, como, por exemplo, histórias interativas, ani-
mações ou jogos. Uma comunicação eficaz, no mundo atual, requer mais do que a
capacidade de ler e escrever textos. Nessa perspectiva, o Scratch envolve os jovens
Marco Antonio Sandini Trentin, Ricardo Shitsuka, Adriano Canabarro Teixeira
406
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 395-409, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
na escolha, na manipulação e na integração de uma grande variedade de mídias,
para se expressarem, individualmente, de forma criativa e persuasiva.
Os processos de manipular diferentes formatos de informação para a criação
de formas digitais de comunicação e expressão demandam o desenvolvimento de
competências que envolvem o raciocínio crítico e o pensamento sistêmico, uma vez
que, à medida que aprendem a programar, os jovens adaptam formas de raciocínio
crítico e de pensamento sistêmico. Para construir projetos, os alunos necessitam
coordenar o tempo e a interação entre múltiplos objetos móveis programáveis. Para
tanto, é preciso, necessariamente, identificar uma demanda, formulá-la mental-
mente e, finalmente, partir para a implementação da solução. O Scratch instiga
a formulação e a resolução de problemas em contextos de concepção e design sig-
nificativos. Criar um projeto Scratch requer que se pense numa ideia, que depois
seja capaz de descobrir como dividir o problema em passos menores e, por fim,
concretizá-los, usando os blocos de programação da ferramenta.
Tal solução deverá ser diretamente proporcional à capacidade criativa e à
curiosidade intelectual de cada um, processos que se desenvolvem na medida em
que se ganha experiência. Programar encoraja o pensamento criativo, pois envolve
os jovens na procura de soluções inovadoras para problemas inesperados, prepa-
rando-os para encontrar novas saídas, à medida que surgem novos desafios, e não
apenas para saber como resolver um problema pré-definido. É importante destacar
que a resolução de problemas acaba sendo um processo que leva ao desenvolvimen-
to de competências interpessoais e de colaboração, pois passa pela discussão com
pares, pela análise conjunta de possíveis soluções e pela comparação de blocos lógi-
cos de pensamento. Por ser construído com blocos gráficos, o código de programação
é mais legível, acessível e compartilhável do que outros programas, permitindo, as-
sim, que os objetos visuais e o código modular facilitem a colaboração, de maneira
a possibilitar que projetos sejam trabalhados em grupos, bem como o intercâmbio
de objetos e códigos.
Ter uma ideia e descobrir como a programar requer persistência e prática.
Quando os jovens trabalham em projetos baseados em ideias que consideram pes-
soalmente importantes e significativas, estas geram motivação intrínseca para
ultrapassar os desafios e as frustrações encontrados no processo de concepção e de
resolução de problemas. Na mesma linha, desenvolver um programa que busca a
resposta a uma situação específica pressupõe responsabilizar-se por construir uma
solução que, caso seja necessário, deve ser adaptada. Criar projetos em Scratch re-
quer que se tenha em mente o público-alvo e o modo como outras pessoas reagirão
Programação de computadores como uma alternativa ao modelo metodológico padrão da apropriação da informática em processos educativos
407
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 395-409, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
e responderão a eles, uma vez que é fácil modificá-los e revê-los, sendo possível,
portanto, alterá-los de acordo com a reação de terceiros.
Por fim, uma vez que o Scratch estabelece uma dinâmica de rede social de de-
senvolvedores, em que cada um pode compartilhar suas soluções que podem servir
de insumo para outras, os alunos podem gerar discussões de assuntos importantes
do seu ambiente de aprendizagem mais próximo como a turma ou a escola, bem
como da mais vasta comunidade internacional do Scratch.
No âmbito dessas discussões, destacamos brevemente dois projetos em de-
senvolvimento no município de Passo Fundo, nos quais foram exploradas questões
sumariamente apresentadas neste texto. O primeiro, denominado Escola de Hac-
kers, é desenvolvido pela Prefeitura Municipal de Passo Fundo com apoio da UPF,
da Faculdade Meridional e do Instituto Federal Sul Rio-Grandense, com o objetivo
de oportunizar um espaço para desenvolvimento de competências na área de pro-
gramação de computadores e de raciocínio lógico matemático para estudantes do
ensino fundamental da rede pública municipal de Passo Fundo. Destinado a alunos
do 6º ao 9º ano e a professores de 36 escolas, em 2014, foi realizado o projeto piloto
com 250 alunos de 20 escolas do município. Embora não seja o foco deste texto, des-
taca-se que, ao final do projeto, foi possível identificar indícios dos elementos teóri-
cos e das reflexões feitas acerca do potencial da programação de computadores no
desenvolvimento de habilidades e competências cognitivas entre os participantes.
O segundo projeto é o Mutirão pela Inclusão Digital, vinculado ao curso de
Ciência da Computação da UPF, que propõe processos de formação a grupos em
situação de vulnerabilidade e risco social, assumindo papel ativo na sociedade em
rede, por meio de ações realizadas na instituição, em uma perspectiva de comuni-
cação e exercício da cidadania. O projeto teve seu início com as oficinas de Informá-
tica e Cidadania, que acontecem no Laboratório Central de Informática da UPF.
Em 2014, desenvolveram-se atividades com duas turmas de educação infantil,
desafiando-as a aprender habilidades e competências necessárias à programação
de computadores, como nova forma de estruturar o pensamento e produzir conhe-
cimento. Essa iniciativa é pioneira e pretende trazer uma nova proposta para a
metodologia utilizada na educação infantil da região. Para tanto, foram realizadas
oficinas de programação de computadores para crianças de 5 e 6 anos de uma es-
cola de educação infantil do município, utilizando o software Scratch Jr. Inspirado
no Scratch, esta solução foi lançada em 2014, somente para iPad, e possibilita a
construção de histórias interativas e jogos.
Marco Antonio Sandini Trentin, Ricardo Shitsuka, Adriano Canabarro Teixeira
408
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 395-409, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Alguns elementos nais
A proposta deste texto é trazer uma reflexão acerca do potencial da progra-
mação de computadores no desenvolvimento de competências que possam trazer
desdobramentos positivos para os processos educativos formais. Assumir a progra-
mação de computadores como prática nos laboratórios de informática abala signi-
ficativamente o que se tem desenvolvido até então na área, seja do ponto de vista
metodológico, da concepção da informática como meio de desenvolvimento de pro-
jetos interdisciplinares, do processo de formação docente e, em última instância, do
papel dos computadores na educação.
É claro que não se preconiza o fim da informática educativa tal como tem sido,
em muitas das vezes, realizada nas escolas e universidades. Entretanto, deseja-se
criar situações diversas para uma discussão mais aprofundada e para a realização
de experiências práticas que possam de fato explorar o potencial da programação
de computadores no desenvolvimento cognitivo do aluno e como alternativa com-
patível com o mundo contemporâneo, baseado na abundância de possibilidades, em
que a competência de articular informações existentes é mais importante do que
memorizá-las.
Sugere-se, para estudos futuros, que se pesquisem os resultados da aprendiza-
gem ativa de muitas turmas com o emprego do Scratch, bem como as dificuldades
e as possíveis novas formas de trabalho colaborativo nas escolas, com o incentivo e
o desenvolvimento de novos programadores nos estudantes.
Notas
1
O relatório completo do Pisa 2012 está disponível em: <http://goo.gl/6bqYUz>.
2
Um dos primeiros textos que chamavam atenção para a possibilidade de utilização educacional dos compu-
tadores foi escrito por Seymour Papert e Cynthia Solomon em 1971: Twenty things to do with a computer.
Disponível em: <http://goo.gl/aWZoMn>. Acesso em: 24 jun. 2018.
Referências
EDUSCRATCH. Programação robótica no ensino básico. 2012. Disponível em: <http://eduscra-
tch.dge.mec.pt/>. Acesso em: 20 ago. 2018.
GONÇALVES, Daniela. Linguagem Logo. [2002]. Disponível em: <http://aprendercom.org/esco-
la21/file/download/8395>. Acesso em: 23 set. 2018.
LEMOS, André. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre:
Sulina, 2002.
Programação de computadores como uma alternativa ao modelo metodológico padrão da apropriação da informática em processos educativos
409
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 395-409, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
MARQUES, M. T. P. M. Recuperar o engenho a partir da necessidade, com recurso às tecnologias
educativas: contributo do ambiente gráfico de programação Scratch em contexto formal de apren-
dizagem. Dissertação (Mestrado em Ciências da Educação) – Universidade de Lisboa, 2009. Dis-
ponível em: <http://repositorio.ul.pt/handle/10451/847>. Acesso em: 22 set. 2018.
ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Índice para uma
vida melhor: Ranking Educação. 2014. Disponível em: <http://goo.gl/a8n8tD>. Acesso em: 25 jun.
2018.
PAPERT, Seymour. A máquina das crianças: repensando a escola na era da informática. Porto
Alegre: Artmed, 2007.
PÓLYA, G. Como resolver problemas: um aspecto novo do método matemático Lisboa: Gradiva,
2003.
PONTE, J. P. et al. Programa de matemática do ensino básico. Lisboa: DGIDC, 2007.
VEEN, W.; VRAKKING, B. Homo zappiens: educando na era digital. Trad. Vinicius Figueira.
Porto Alegre: Artmed, 2009.
VYGOTSKY, Lev. A formação social da mente. 2. ed. São Paulo: Martins, 2007.
Daniela Melaré Vieira Barros, Aníbal Martins Guerreiro
410
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 410-431, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
*
Professora Auxiliar, Universidade Aberta, Portugal. E-mail: daniela.barros@uab.pt
**
Doutorando na Universidade Aberta, Portugal. E-mail: anibalmguerreiro@gmail.com
Recebido em 13/10/2018 – Aprovado em 12/12/2018
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v26i2.8743
Novos desaos da educação a distância: programação e uso de Chatbots
New challenges in distance learning: programming and use of Chatbots
Daniela Melaré Vieira Barros
*
Aníbal Martins Guerreiro
**
Resumo
A evolução tecnológica, particularmente a Inteligência Articial, tem contribuído signicativamente para mu-
danças relevantes em quase todas as dimensões da nossa sociedade, nomeadamente na educação e, conse-
quentemente, no ensino a distância. Tais mudanças exigem transformações signicativas, especialmente no
processo de ensino-aprendizagem, de forma a minimizar a incapacidade de os Tutores Virtuais responderem
na totalidade às solicitações de suporte por parte dos alunos e, por isso, a necessidade enorme de potenciar as
tecnologias existentes, com o objetivo de minorar essa diculdade. Este artigo tem como objetivo compreender
os novos desaos da educação a distância (EaD) no ensino superior on-line, nomeadamente a programação e o
uso de Chatbots, bem como as razões e causas para sua operacionalidade. A metodologia utilizada foi baseada
no método dedutivo, resultante do processo de pesquisa bibliográca e documental, em consonância com a
investigação de doutoramento em curso sobre a temática dos tutores virtuais. Como resultado, a literatura espe-
cializada tem destacado a enorme vantagem do uso de Chatbots (assistentes virtuais) na EaD no ensino superior
on-line, devido aos enormes benefícios para os intervenientes diretos do processo de ensino-aprendizagem, ou
seja: a instituição, os tutores e os alunos.
Palavras-chave: Chatbot. EaD. Inteligência-Articial. Novos desaos. Programação. Tutores virtuais.
Abstract
The technological evolution has contributed signicantly to relevant changes in almost all dimensions of our
society, namely in education and, consequently, Distance Learning (EaD). Such changes require signicant trans-
formations, particularly in the teaching-learning process, and in order to respond to the inability of Virtual Tu-
tors to respond fully to all requests for support from the students and therefore, there is an enormous need to
strengthen technologies in order to minimize this problem. This article aims to understand the new challenges
of Distance Education (EaD) in online higher education, namely the programming and use of Chatbots, as well as
the reasons and causes for its operation. The methodology used was based on the deductive method, resulting
from the bibliographic and documentary research process. As a result, the specialized literature has highlighted
the enormous advantage of the use of Chatbots (virtual assistants) in Higher Education in online education, due
to the enormous benets to the direct participants of the teaching-apprentice process, that is: The institution,
the students.
Keywords: Chatbot. EaD. Articial Intelligence. New challenges. Programming. Virtual Tutors.
Novos desaos da educação a distância: programação e uso de Chatbots
411
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 410-431, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Introdução
A educação a distância (EaD) é uma das modalidades de ensino que mais tem
crescido no panorama nacional e internacional, nomeadamente nas economias
emergentes, como a Índia e a China. Utilizando como suporte a internet e as tec-
nologias associadas, como a Inteligência Artificial (IA) e a Computação Cognitiva
(CG), entre outras, disponibiliza um conjunto de recursos potencialmente mais
eficazes para o sucesso do processo de ensino-aprendizagem. Neste contexto, a
Instituição de Ensino necessita fazer os ajustamentos adequados às competências
pedagógicas, tecnológicas e outras, ou até mesmo adaptar as novas realidades ao
modelo pedagógico da instituição, de forma a potenciar ao máximo todos os recur-
sos disponíveis para o sucesso dos alunos, mas nem sempre isso acontece.
É objetivo deste artigo a apresentação de uma nova abordagem para aumen-
tar a rapidez e o suporte aos alunos e potenciar o uso das tecnologias no processo de
ensino-aprendizagem: a programação e o uso de um Chatbot (Assistente Virtual)
na EaD. Neste artigo, será abordada a problemática e os conceitos relacionados
com os Tutores Virtuais, a Inteligência Artificial e a Realidade Virtual. Além disso,
será também discutida a inserção dos Chatbots na educação.
A programação dos Chatbots nos processos educativos é extremamente impor-
tante porque resolve uma série de problemas com que as instituições de ensino supe-
rior a distância se deparam, entre eles: a personalização do atendimento, o ajuste dos
conteúdos a cada processo de aprendizagem como uma ajuda constante e rápida e,
sobretudo, o acompanhamento do desempenho de cada estudante. Os Chatbots, além
de permitirem essa personalização, a redução de tempo e custos, podem funcionar
também em vários tipos de plataformas, facilitando, assim, as aplicações técnicas.
Esta tecnologia (que não é nova) tem sido aplicada com sucesso em muitos seto-
res da nossa sociedade, nomeadamente, em áreas como o Marketing Digital, Indús-
tria Financeira, Recursos Humanos, Comércio Eletrónico, Saúde e Turismo. Dadas
as suas características, começou também a ser usada com êxito no ensino presencial
e a distância, sendo os casos mais conhecidos, respetivamente, o projeto Jill Watson,
na Georgia Tech College of Computing – USA e, ultimamente, o caso da The Genie of
Deakin University – Australia, que serão detalhados mais à frente neste artigo.
O aumento exponencial dos cursos superiores de EaD, e dos cursos MOOCs,
(Massive Open Online Courses) é uma realidade em muitos países. De acordo com
Goel e Polepeddi (2016), mais de cinquenta e oito milhões de estudantes em todo o
mundo acederam a estes cursos. Estes cursos necessitavam de tutores para traba-
lhar o feedback e as relações de aprendizagem, porém o número de tutores não au-
Daniela Melaré Vieira Barros, Aníbal Martins Guerreiro
412
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 410-431, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
mentou na mesma proporção, o que fez com que o apoio aos alunos sofresse alguma
falta de eficácia e demorasse mais tempo a ser dado. Ainda de acordo com os mesmos
autores, a eficácia da aprendizagem em muitos MOOCs pode ser questionável, uma
vez que a permanência dos alunos nestes cursos é normalmente inferior a 50%.
Embora haja várias razões para a baixa permanência de estudantes nos
cursos, a principal razão é a falta de interatividade ou a necessidade de maior
feedback e interação nos contextos da educação on-line e a distância (GOEL; PO-
LEPEDDI, 2016; BIDAISEE, 2017; WALLACE; ICE; GIBSON, 2011; KHALIL;
EBNER, 2014). Assim, uma das principais recomendações para melhorar a efi-
cácia da aprendizagem nos MOOCs e, portanto, também na melhoria da retenção
de estudantes, é melhorar a interação entre o professor e os alunos (HOLLANDS;
TIRTHALI, 2014). Neste contexto, este artigo traz a discussão e a análise sobre a
seguinte pergunta: Para além dos motivos clássicos de dificuldades de apoio aos
tutores, como tempo, condições técnicas e dificuldades de comunicação e habilida-
des de empatia pedagógica, de que forma é que um Chatbot (Tutor Virtual) poderá
facilitar e contribuir por um apoio rápido e eficiente aos estudantes?
Orientações metodológicas do estudo
A metodologia utilizada neste artigo foi baseada no método dedutivo, resultan-
te do processo de pesquisa bibliográfica e documental sobre os temas aqui tratados.
O estudo apresentado é parte do projeto de doutoramento em desenvolvimento e
tem como base a pesquisa exploratória e o desenvolvimento do estado da arte sobre
o tema da tutoria virtual.
As opções metodológicas deste estudo basearam-se numa significativa diver-
sidade de estratégias de recolha de informação, privilegiando o recurso a metodo-
logias qualitativas, tendo em conta o objeto do estudo. Devido à dimensão do tra-
balho, que limita a introdução de elementos de informação complementares, que
poderiam conduzir a processos de triangulação de dados, assim como uma maior
contextualização dos estudos, optou-se por designá-lo apenas por estudo.
A realização do estudo aqui descrito teve como sustentação teórica as referên-
cias do modelo pedagógico da Universidade Aberta (PEREIRA et al., 2007) e as fun-
damentações que sustentam os aspetos pedagógicos da educação a distância, como
Garrison (1989), Aretio, Corbella e Figaredo (2007), Anderson (2008), Garrison e
Anderson (2003) e Downes (2007). Com base nas referências da tutoria virtual, foi
possível melhor compreender esta importante área da EaD, através dos autores
Alves, Cabral e Costa (2003), Amarilla (2011), Sangrà et al. (2011), Belloni (2008) e
Novos desaos da educação a distância: programação e uso de Chatbots
413
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 410-431, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Barros e Reis (2009). Em relação aos Chatbots, as evidências apontadas pelos auto-
res Muldowney (2017), Gomes (2017), Zumstein e Hundertmark (2017), Srdanovic
(2017) e Schappo (2017), permitiram abordar diferentes aspetos da implementação
e da arquitetura de um Chatbot e compreender o potencial do seu uso na EaD.
EaD: a função tutorial
A EaD é mais do que um conjunto de alunos e tutores comunicando-se entre
si através das tecnologias, é um conjunto de elementos (Instituição, Qualidade,
Avaliação, Modelo Pedagógico, Infraestruturas, Curso/Currículo, Professor, Tutor,
Tecnologias e o Aluno), todos interligados e trabalhando em conjunto para que o
sucesso coletivo se verifique. Neste contexto, poderemos considerar o diagrama a
seguir como uma visão geral da EaD, em que os diversos componentes se apresen-
tam como camadas, que devem ser lidas do interior para o exterior. O centro de
todo o processo é o aluno, tudo é centrado nele. O aluno está diretamente ligado ao
seu Curso, que é baseado num currículo, que é orientado pelo tutor/professor, cuja
base está no uso das tecnologias. O processo de ensino-aprendizagem é ministrado
nas Infraestruturas da Instituição e baseado no Modelo Pedagógico. A avaliação da
qualidade da EaD estará sempre presente numa Instituição de Ensino.
Figura 1 – Diagrama representando os principais componentes da EaD
Fonte: elaborado pelo autor (BELLONI, 2008; MORGADO, 2003; MOORE; ANDERSON, 2003; ALVES; CABRAL; COSTA, 2003).
Daniela Melaré Vieira Barros, Aníbal Martins Guerreiro
414
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 410-431, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Alves, Cabral e Costa (2003) sumarizam as características do EaD da seguinte
forma: separação professor-aluno: o docente não está presente em termos físicos,
mas transmite os seus conhecimentos, faz as suas planificações e organiza o que o
aluno vai aprender; utilização de meios tecnológicos: a utilização de recursos tec-
nológicos de comunicação e interação, tais como: videoconferência, áudios, vídeos,
computadores ligados em rede, e-mail, entre outros, estão na base tecnológica do
EaD; organização de apoio (tutoria): a atuação do tutor (orientador da aprendiza-
gem do aluno) é extremamente importante na EaD, sendo que este pode trabalhar
a distância, individualmente ou em pequenos grupos, mas orientando sempre os
alunos na direção dos seus estudos; aprendizagem independente e flexível: através
do EaD procura-se, além de transmitir conhecimentos, tornar o aluno capaz de
“Aprender a Aprender” e “Aprender a fazer”, de forma flexível, respeitando a sua
autonomia em relação ao tempo, estilo, ritmo e método de aprendizagem; comuni-
cação multidirecional: no EaD, o aluno não funciona apenas como um recetor de
informação, pode também ter uma participação ativa, quer respondendo às per-
guntas que lhe foram feitas, quer participando ativamente no fórum de discussão;
educação massiva: as novas tecnologias aumentam a possibilidade de trocas de
materiais educativos, eliminando fronteiras espaço temporais e propiciando o seu
aproveitamento por um grande número de pessoas.
O ensino a distância, usando como suporte a internet e todas as tecnologias
associadas, oferece novas formas de aprender e de ensinar, que romperam com os
paradigmas do ensino tradicional, alterando e inovando os modelos pedagógicos,
democratizando o ensino e flexibilizando o acesso a pessoas que, por razões várias,
estavam excluídas do ensino presencial.
As instituições educativas não substituíram as instituições de ensino presen-
cial, contudo, devido às vantagens que oferecem e à oferta que apresentam, a pro-
cura pelos seus cursos é enorme. Nunes (2009, p. 2-8) refere que o acesso às Uni-
versidades Abertas, por todo o mundo, está a aumentar de uma forma significativa
e “o crescimento vertiginoso da demanda por matrículas é o calcanhar-de-Aquiles
do ensino presencial”. Costa (2016), no seu artigo “Tendências contemporâneas em
educação superior a distância no mundo e no Brasil”, refere que o EaD é a moda-
lidade de ensino que tem apresentado maior crescimento no cenário da educação
superior internacional, salientando que, no Brasil, as matrículas entre 2003 e 2013
nos cursos superiores aumentaram cerca 2.300%.
Leal e Gouveia (2015, p. 197-206) referem que a grande procura de cursos a
distância está “causando alguma agitação em várias instituições escolares, sobre-
Novos desaos da educação a distância: programação e uso de Chatbots
415
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 410-431, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
tudo universitárias, devido sobretudo à quantidade de participantes que nos cursos
mais populares atingem dezenas de milhares de participantes”.
Amarilla (2011) defende que a educação a distância implica uma dicotomia
entre as tarefas dos processos de ensinar (estrutura organizacional, planeamento,
conceção metodológica, produção de materiais) e dos processos de aprender (carac-
terísticas e necessidades dos estudantes, modos e condições de estudos, níveis de
motivação, etc.).
Um grupo de investigadores da Universidade Aberta da Catalunha construiu
uma definição moderna e inclusiva de e-learning, que é aceite pela maioria da co-
munidade científica e como referência para estudiosos e profissionais da área. A
definição a que chegaram foi que o ensino a distância é:
[...] una modalidad de enseñanza y aprendizaje, que puede representar todo o una parte
del modelo educativo en el que se aplica, que explota los medios y dispositivos electrónicos
para facilitar el acceso, la evolución y la mejora de la calidad de la educación y la formación
(SANGRÀ et al., 2011, p. 5).
O sucesso da EaD está relacionado com a relação biunívoca entre os tutores e
os alunos, onde os recursos pedagogicamente consistentes e disponíveis atempada-
mente podem fazer a diferença entre sucesso e insucesso. A EaD é um espaço edu-
cativo importante, cujo desenvolvimento é essencialmente apoiado pelas tecnolo-
gias e pelo tutor virtual. De acordo com Belloni (2008, p. 15), “[…] esse profissional
desempenha diversas atividades docentes e de mediador, que podem passar pela
elaboração de materiais didáticos e de suporte à aprendizagem, esclarecimento de
dúvidas e correção de trabalhos”.
Etimologicamente, tutor vem do latim tutore, protetor, no entanto, a palavra
tutor tem tido vários significados ao longo da história e, muitas vezes, dependo
das circunstâncias em que a palavra é usada, o seu significado muda. No contexto
educacional, um tutor está presente em universidades ou colégios e consiste numa
pessoa envolvida na gestão da informação e outras funções. Estas incumbências
são também chamadas: “tutoria”, “tutorial” ou “tutorial”: nela, o tutor observa os
problemas dos estudantes e ajuda, prestando assistência de forma mais célere,
eficaz e imediata (FERREIRA, 1986).
A evolução tecnológica permitiu, também, ir além dos ambientes virtuais de
aprendizagem, onde estes funcionam como suporte e gestão de conteúdos, e através
dos tutores, interpretes dos objetivos do curso, é possível utilizar outras formas de
fazer chegar o conhecimento aos alunos. É reconhecido pela literatura da área que
os tutores, com o decorrer dos tempos, têm vindo a ganhar importância na EaD,
assumindo tarefas essenciais no processo de ensino-aprendizagem.
Daniela Melaré Vieira Barros, Aníbal Martins Guerreiro
416
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 410-431, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Segundo Mauri Collins e Zane Berge (1996 apud MACHADO; MACHADO,
2004), as tarefas dos tutores classificam-se em quatro áreas: pedagógica, geren-
cial, técnica e social. De acordo com Arguis (2002 apud NOFFS; TORRES, 2014),
apresenta de uma forma mais resumida as três características que um tutor deve
possuir: qualidades humanas (a empatia, a sociabilidade, a responsabilidade e a
capacidade de aceitação); qualidades científicas (conhecimento da maneira de ser
do aluno, dos elementos pedagógicos para conhecer e ajudar o aluno) e qualidades
técnicas (trabalhar com eficácia e em equipe e participando em projetos).
As análises de Barros e Reis (2009) apresentam as funções, habilidades e per-
fil do tutor da EaD, de uma forma simples e abrangente, na Tabela 1.
Tabela 1 – Funções, competências, habilidades e perfil do tutor da EaD
Função Competência Habilidade Perfil
Ter uma cultura tecnológica para
facilitar a sua comunicação e a in-
terface com os alunos.
Em cultura
tecnológica.
Uso de aparelhos digitais, comu-
nicar-se pelas tecnologias digi-
tais com os alunos, domínio de
uso dos aparelhos da tecnologia
em geral, compreensão da lógica
de uso dos aparelhos digitais.
Domínio da infor-
mática.
Ter o domínio do computador e
compreensão geral do seu funcio-
namento.
No uso dos apli-
cativos básicos
do computador.
Uso avançado dos aplicativos do
word, excel e power point, capa-
cidade de conectar os periféricos
do computador e resolver peque-
nos problemas técnicos.
Domínio da infor-
mática.
Estabelecer um espaço com o do-
cente responsável pela disciplina
para a troca de informações peda-
gógicas e as dificuldades que pos-
sivelmente poderão ser sanadas no
processo de ensino-aprendizagem.
Na área
pedagógica.
Troca de informações e procura
de informações necessárias so-
bre os temas.
Disponibilidade
Responsabilidade.
Ter consciência dos aspetos éticos
que envolvem a sua função em re-
lação aos alunos e ao docente do
curso.
Ética e moral.
Análise e julgamento baseados
em princípios morais, éticos que
norteiam toda e qualquer prática
em sua vida e não somente a
profissional.
Responsabilidade.
Atualizar-se constantemente na área
à qual pertence.
Em iniciativa na
busca da forma-
ção continuada.
Organização da vida pessoal,
profissional e académica, de ma-
neira que a formação continuada
seja constante e natural.
Independência
Disponibilidade
Iniciativa
Organização
Ser estudioso.
Exercer o papel de motivador do
aluno, que por problemas diversos
e pessoais pode apresentar dificul-
dades no cumprimento das ativida-
des propostas.
Em motivar
fazendo uso
das palavras.
Escrever de forma empática e
motivadora.
Capacidade de
inferência
Criatividade
Empatia.
Novos desaos da educação a distância: programação e uso de Chatbots
417
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 410-431, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Acompanhar os alunos, auxiliando
nas dúvidas académicas, burocráti-
cas e gerais do curso ou disciplina
ao qual está vinculado.
Em conhecimen-
to dos processos
de gestão do
curso em todos
os aspetos.
Conhecimento de toda a estrutu-
ra administrativa e legislativa do
curso.
Disponibilidade
Organização
Ser estudioso
Curioso e argu-
mentativo.
Esclarecer dúvidas quanto ao
conteúdo da disciplina ou curso,
enviando, se necessário, material
complementar.
Na área ou con-
teúdo do curso.
Organização didática do conteú-
do, reelaborando o material com
qualidade e focando, em espe-
cial, no aluno que apresenta di-
ficuldades.
Responsabilidade
Empatia
Criatividade
Disponibilidade
Ser tolerante e
ao mesmo tempo
exigente.
Argumentar, aos questionamentos,
dúvidas e inferências, com respon-
sabilidade, dentro dos prazos pro-
postos.
Em capacidade
argumentativa.
Responder e estabelecer um
processo de diálogo com os
alunos, cumprindo com os com-
promissos assumidos de forma
responsável.
Responsabilidade
Organização
Independência
Disponibilidade
Iniciativa.
Procurar antecipar-se às necessi-
dades dos alunos, a partir das ca-
racterísticas pessoais de cada um.
Em relaciona-
mento interpes-
soal.
Perceber as necessidades do
outro de maneira empática, faci-
litando a resolução do problema
de forma criativa.
Empatia
Criatividade.
Encaminhar dúvidas ou questões e
procurar ajuda nos momentos ne-
cessários, compartilhando informa-
ção e conhecimento.
Em trabalho
multi e
masinterdisci-
plinar
Trabalhar em equipe de maneira
colaborativa.
Responsabilidade
Disponibilidade
Iniciativa
Flexibilidade
Ser Curioso e
Argumentativo.
Saber organizar o tempo de acesso
ao ambiente virtual de ensino, de
maneira a desenvolver as ativida-
des com qualidade.
Em organização
temporal.
Priorizar tarefas importantes e
urgentes com eficácia e asserti-
vidade.
Organização
Criatividade
Independência
Disponibilidade
Iniciativa.
Fonte: Barros e Reis (2009).
A Tabela 1 sumariza, de uma forma clara, as funções, as habilidades e o perfil
do tutor da EaD, fazendo a respetiva associação e mostrando a relação existente
entre elas em cada linha da tabela.
Autores como Koehler e Mishra (2009) defendem uma estrutura conceptual
denominada Technology, Pedagogy, and Content Knowledge (TPACK), pois refe-
rem que este modelo é útil para os tutores quando começam a usar ferramentas e
estratégias digitais, para apoiar o ensino e a aprendizagem. Este modelo é projeta-
do em torno da ideia de que o conteúdo (o que você ensina) e a pedagogia (como você
ensina) devem ser a base para qualquer tecnologia que se planeia usar na sala de
aula para melhorar a aprendizagem. O framework fornece um mapa que permite
mostrar como se pode integrar a tecnologia na sala de aula, de forma eficaz. Este
modelo indica os níveis de conteúdo, pedagogia e potencial tecnológico que cada
Daniela Melaré Vieira Barros, Aníbal Martins Guerreiro
418
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 410-431, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
professor demonstra na sua prática letiva, com base no uso das tecnologias. De
acordo com os autores, os professores/tutores precisam ser competentes nos três
domínios.
Ainda nesta linha de pensamento, em relação aos tutores, é necessário consi-
derar que “[…] não basta ele possuir o domínio de sua área de conhecimento e dos
recursos tecnológicos, é preciso também procurar desenvolver habilidades e estra-
tégias pedagógicas para atender a um público diverso” (BELLONI, 2008, p. 50).
Tendo em vista os factos mencionados, somos levados a acreditar que os docen-
tes desempenham múltiplas funções, tornando-os imprescindíveis no processo de
ensino-aprendizagem. Considerando o aumento exponencial da procura dos cursos
em educação a distância, coloca uma enorme pressão de mudança constante nas
instituições de ensino superior. As mudanças que se impõem terão que ser forço-
samente ao nível de todos os intervenientes no processo de ensino-aprendizagem,
nomeadamente ao nível das funções dos tutores e dos modelos pedagógicos.
Neste cenário, existe a necessidade de as instituições disporem de tutores
multifacetados de forma contínua, interativa, personalizada e à conveniência dos
alunos. Para além disso, com acesso de forma regular aos conteúdos, ao feedback e
ao apoio nas suas áreas de estudo, juntando, ainda, o que podemos pontuar como
vantagens de um assistente virtual ou Chatbot.
Deixamos claro neste trabalho que os Chatbot são um apoio complementar ao
trabalho da tutoria, serão potencializadores do processo, ampliando as capacidades
de rapidez e atendimento mais detalhado e personalizado dos estudantes, de acor-
do com objetivos e competências a serem desenvolvidas.
Uma das limitações do uso de um Chatbot é o facto de ele poder não fazer
atividades para as quais foi “programado”. A operacionalização das suas tarefas
depende de um conjunto de regras, inseridas dentro de um algoritmo, que são se-
guidas de uma forma rigorosa e, por isso, quando surge alguma situação imprevis-
ta, ele pode ficar “perdido” e confuso e, por conseguinte, dar informações fora do
contexto da situação, ou seja, falta-lhe capacidade de improvisação e de compreen-
são. Eles não são humanos, por isso, ainda não é possível os Chatbots capturarem,
na totalidade, as variantes de uma conversa humana.
Apesar dos Chatbots poderem usar a inteligência artificial e, consequente-
mente, poderem “aprender” a ter comportamentos similares aos humanos, não é
fácil incorporar sentimentos como, por exemplo, empatia, ironia, sarcasmo, alegria,
tristeza ou mesmo humor. Este obstáculo faz com que não exista imprevisibilidade
e que se distancie da humanização pretendida. Outra limitação é a dificuldade
Novos desaos da educação a distância: programação e uso de Chatbots
419
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 410-431, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
de encontrar especialistas na área, pois, apesar da facilidade na sua criação e de-
senvolvimento, certos projetos podem exigir um elevado grau de conhecimento
em várias áreas e tornar-se extremamente complicado o seu desenvolvimento, ter
custos muito altos e ser muito demorado o seu avanço.
Programação e os Chatbots: conceito e características
O que é um Chatbot? Chatterbot (ou Chatbot) é um programa de computador
que tenta simular um ser humano na conversação com as pessoas. O objetivo é
responder às perguntas de tal forma que as pessoas tenham a impressão de estar
conversando com outra pessoa e não com um programa de computador. Após o
envio de perguntas em linguagem natural, o programa consulta uma base de co-
nhecimento e, em seguida, fornece uma resposta que tenta imitar o comportamento
humano (GOMES, 2017).
Os Chatbots são utilizados em várias áreas de negócio (como o Siri, que é um
Chatbot exclusivo da Apple que usa o processamento de linguagem natural para
responder a perguntas, fazer recomendações e executar ações, ou o Alexa, que é um
serviço de voz da Amazon que permite criar uma forma mais intuitiva de interagir
com a tecnologia que os utilizadores usam diariamente.) e funcionam como um
novo canal de informação, comunicação e transação de informação que permite
que as empresas cheguem ao seu público-alvo através de software como Facebook,
WhatsApp ou WeChat (ZUMSTEIN; HUNDERTMARK, 2017).
Grande parte dos Chatbots têm como base a Inteligência Artificial (IA), pois
a IA possibilita que eles aprendam através de um padrão nos dados, e isto está a
torná-los mais reais que nunca, aumentando a sua capacidade com os humanos de
uma forma mais natural, eficaz e inteligente.
A inteligência artificial abrange um grande leque de áreas de atuação, entre
elas: o conhecimento; o raciocínio; a resolução de problemas; a perceção; a aprendi-
zagem, o planeamento e a capacidade de manipular e mover objetos.
A inteligência artificial engloba várias áreas de ação, entre elas a Realidade
Virtual, definida como uma forma avançada de interface, onde o utilizador pode ter
a sensação de estar dentro de um ambiente tridimensional. “Ela é capaz de ofere-
cer uma sensação real de viver em um ambiente criado pelo computador, sentir e
tocar objetos que não existem” (LEITE; BRAGLIA; PEREIRA, 2011, p. 4). Quando
o utilizador entra neste mundo tridimensional, encontra uma cópia da realidade e
Daniela Melaré Vieira Barros, Aníbal Martins Guerreiro
420
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 410-431, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
pode interagir totalmente com este ambiente, utilizando equipamentos especiais,
tais como capacete, luvas, controle, entre outros (RUSSELL; NORVIG, 1995).
As características dos Chatbots variam de acordo com o tipo e, consequente-
mente, com a área de atuação. Em relação ao tipo, os Chatbots podem classificar-se
em: baseados em regras e baseados em IA. No que concerne aos Chatbots baseados
em regras, a sua ação é muito limitada e não têm capacidade de aprendizagem,
pois não podem atuar fora das regras previamente definidas. Os Chatbots basea-
dos em IA, por outro lado, aprendem com a sua atuação, pois podem responder a
perguntas bastantes complexas.
De uma forma geral, os Chatbots, de acordo com Schappo (2017), devem es-
tar disponíveis 24h por dia, 7 dias por semana; deve existir uma automatização
dos processos; devem existir múltiplos canais de atendimento e a possibilidade
de entrar em contacto com seu Lead (utilizador com quem comunica) de uma for-
ma automatizada. De acordo com Morgan (2017), a sua principal responsabilidade
é simplificar as interações entre serviços e pessoas. Srdanovic (2017) argumenta
que os Chatbots na EaD devem poder automatizar as classificações, permitir uma
aprendizagem intervalada e integrar a funcionalidade de avaliação dos cursos por
parte dos alunos. A capacidade de resposta às solicitações dos alunos de uma for-
ma rápida e a capacidade de individualização do ensino são características muito
importantes num Chatbot.
A Realidade Virtual, base referencial dos Chatbots, engloba várias áreas de
atuação. No que respeita à educação, podemos considerar os Sistemas Tutores In
-
teligentes (STIs), que são uma evolução dos primeiros sistemas de aprendizagem
nesta área, denominados sistemas CAI (Computer Aided Instruction), que, contra
-
riamente às primeiras versões, já utilizam técnicas de Inteligência Artificial que
procuram proporcionar uma experiência customizada de aprendizagem para o estu
-
dante, simulando as interações professor-aluno (LUSTOSA; ALVARENGA, 2004).
As análises de Martins e Guimarães (2012) referem que um ambiente virtual
deve agregar as seguintes características: Sintético: significa que o ambiente é ge-
rado em tempo-real por um sistema computacional; tridimensional: significa que
o ambiente que cerca o utilizador é representado em três dimensões (3D); Mul-
tissensorial: significa que mais do que uma modalidade sensorial é usada para
representar o ambiente, com o sentido visual, sonoro, espacial (de profundidade),
de reação do utilizador com o ambiente; Imersivo: entende-se, aqui, mais do que
olhar e ouvir um display vindo de um monitor, o “display” necessita de criar a
impressão de que se está dentro do ambiente produzido computacionalmente (nor-
Novos desaos da educação a distância: programação e uso de Chatbots
421
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 410-431, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
malmente, um sistema imersivo é obtido com o uso de capacetes de visualização,
mas outros Sentidos, como o som e controles reativos, são também importantes);
Interativo: refere-se à capacidade do computador detetar as entradas do utiliza-
dor e modificar instantaneamente o mundo virtual e as ações realizadas sobre ele;
Realístico: envolve a precisão com que o ambiente virtual reproduz os objetos
reais, as interações com os utilizador e o próprio modelo do responsável por dar ao
utilizador a impressão de que ele está fisicamente dentro do ambiente virtual.
Os Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) desenvolvidos para a EaD per-
mitem a colaboração e a interação em tempo real entre professores e alunos de uma
forma remota de caráter multidimensional, associando simultaneamente diversas
tecnologias, como: Internet, webmail, fórum, portefólio, biblioteca, diários, edito-
res colaborativos e chats (LEITE; BRAGLIA; PEREIRA, 2011). Kirner e Siscoutto
(2007) acrescentaram ainda que, além da Realidade Virtual permitir um ambiente
Colaborativo para a Educação, é ainda um ambiente multiutilizador, baseado na
teoria pedagógica do construcionismo, funcionando na Internet para suporte a di-
ferentes aplicações educacionais.
Neste contexto, verifica-se uma excelente simbiose entre os Chatbots e os am-
bientes virtuais de aprendizagem (AVA) propriamente ditos, na medida em que é
possível associar a capacidade das simulações, do realismo e de todas as outras
características dos AVA com o uso da inteligência artificial e a capacidade de apren-
dizagem (machine learning) dos Chatbots, apesar da sobreposição de algumas fun-
cionalidades entre eles.
Análises e reexões sobre o estudo realizado
Dadas as características da comunicação na EaD, uma das formas que os
Chatbots podem ser usados com sucesso é através de um sistema de perguntas e
respostas, por meio do qual, um Chatterbot está pronto a comunicar com os estu
-
dantes e responder a todas as solicitações.
Um dos primeiros Chatbots a surgir foi o A.L.I.C.E (Artificial Linguistic Inter-
net Computer Entity), um Chatterbot (ou Chatbot) criado na Lehigh University, por
Richard S. Wallace, ativado em 1995, com capacidades de reconhecimento sonoro
e interfaces gráficas que estimulam a comunicação entre a máquina e o homem
(LEONHARDT; CASTRO; TAROUCO, 2003).
Outro exemplo de sucesso foi o Chatbot conhecido por “Jill Watson”, criado
pela “Georgia Tech – USA”, que foi utilizado como tutor virtual durante um semes-
Daniela Melaré Vieira Barros, Aníbal Martins Guerreiro
422
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 410-431, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
tre no curso “Masters of Science in Computer Science”, em que os alunos do curso
não sabiam que “Jill” não era uma pessoa real. Segundo Lipko (2016), o professor
Ashok Goel deu uma palestra no TEDx SanFrancisco sobre o uso de inteligência
artificial e referiu que Jill Watson, a assistente de ensino da IA, foi baseado na
plataforma Watson da IBM, que talvez seja mais conhecida como o computador
que venceu dois campeões do “Jeopardy”. “Jill” foi desenvolvido especificamente
para lidar com o alto número de posts em fóruns de alunos matriculados no curso
on-line.
Algumas universidades estão a adotar os Chatbots, que programam usando o
sistema IBM Watson. Um desses exemplos é a Universidade Deakin, em Melbour-
ne, Austrália, através de um dos seus projetos: “LIVE the Future” para aumentar
a experiência estudantil. Este projeto de inovação com os Chatbots trouxe atenção
internacional e aumentou as matrículas para 54.000 alunos em 2016 (LACITY et
al., 2017).
O processo de construir a base de conhecimento do Chatterbot pode ser reali-
zado/ programado pelo próprio aluno, pois existem ferramentas de autoria que fa-
cilitam a criação das definições a serem usadas no processamento da conversação,
permitindo que o aluno tenha participação ativa no processo (LEONHARDT; CAS-
TRO; TAROUCO, 2003). Dada a facilidade da programação dos Chatbots, conforme
refere a literatura especializada, é aconselhável a sua implementação, em virtude
do enorme retorno que esta tecnologia disponibiliza.
Uma das plataformas disponíveis, de uma forma gratuita e/ou paga, mais co-
nhecidas para a criação/programação de Chatbots é a IBM Watson, cujo sistema
se tornou famoso por ter vencido os campeões do programa televisivo americano
Jeopardy (Quem quer ser milionário), em 2011. As áreas de atuação deste sistema
são muito abrangentes, entre as quais se pode destacar: Advertising, Customer
Engagement, Education, Financial Services, Health, IoT, Media, Talent e Work.
Um Chatbot pode ser criado com as funcionalidades descritas na Figura 2.
Novos desaos da educação a distância: programação e uso de Chatbots
423
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 410-431, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Figura 2 – Funcionalidades para Chatbot
Fonte: disponível em: <https://www.ibm.com/watson/>. Acesso em: 22 set. 2018.
A Figura 3 representa a estrutura de um Chatbot em termos funcionais.
Figura 3 – Estrutura funcional de um Chatbot
Fonte: disponível em: <https://www.ibm.com/watson/>. Acesso em: 22 set. 2018.
Daniela Melaré Vieira Barros, Aníbal Martins Guerreiro
424
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 410-431, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Para usar o sistema IBM Watson (aplicação para criar Chatbots) são necessá-
rias algumas etapas, nomeadamente o registo e a criação de uma conta, gratuita ou
paga. Após concluída esta fase, para a criação de um Chatbot, é necessário escolher
o tipo de aplicativo a criar e as suas funcionalidades (Figura 4). Para a criação de
uma Assistente, as opções disponíveis na interface da aplicação são as representa-
das na Figura 4.
Figura 4 – Opções para o Assistente do Sistema IBM Watson
Fonte: disponível em: <https://www.ibm.com/watson/>. Acesso em: 22 set. 2018.
A Figura 5 representa o workingspace da aplicação IBM Watson Assistant, que
permite a criação de uma forma mais ou menos rápida de Chatbots, os quais permi-
tem realizar todas as operações necessárias para a construção de um aplicativo que
permite a comunicação com humanos em linguagem natural, ou texto, simulando
uma conversação entre pessoas.
Novos desaos da educação a distância: programação e uso de Chatbots
425
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 410-431, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Figura 5 – Interface da aplicação para programar um Chatbot
Fonte: disponível em: <https://www.ibm.com/watson/>. Acesso em: 24 set. 2018.
A criação de uma aplicação compreende as quatro componentes: Intents (In-
tenções), Entities (Entidades), Dialog (Diálogos) e Content Catalog (Catálogo de
conteúdos).
As Intenções representam o objetivo do utilizador ou a razão da sua pergun-
ta, por exemplo: Qual é a minha nota? É de referir que é aconselhável colocar no
mínimo 7 Intenções, escritas de forma diferente, para que a “maquina” consiga
entender o que o utilizador pretende. Por isso teria que ser usado pelo menos 7
sinónimos da pergunta: Qual é a minha nota? E poderiam ser: Qual é a minha
classificação? Quantos pontos tenho no trabalho? etc.
As Entidades representam objetos que ajudam a clarificar as Intenções,
que retratam os objetivos do utilizador.
Daniela Melaré Vieira Barros, Aníbal Martins Guerreiro
426
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 410-431, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Os diálogos representam o “caminho” a percorrer pelo utilizador desde o iní-
cio até à resposta final, verificando e procedendo de acordo com o reconhecimento
(ou não) das Intenções/Entidades.
O catálogo de conteúdos fornece a forma mais fácil de adicionar intenções
comuns à área de trabalho do Watson Assistant.
Neste exemplo, a seguinte figura, representa a interface do sistema IBM Wat-
son, para a construção de Diálogos. Aqui estão apresentados os diálogos criados,
relativamente à parte de Saudações, em que o sistema prevê um conjunto de sinó-
nimos deste termo, para conseguir comunicar com os utilizadores. Se porventura,
o utilizador introduzir um termo que não se coadune com os termos previstos nos
referidos diálogos, o sistema, através da opção no diálogo: Anything else, “dirá”
algo como: “Não compreendo o que quer dizer!”.
Os Chatbots podem ser facilmente programados para realizar tarefas bastante
complexas sem a necessidade de quem os programa ter conhecimento de linguagens
de programação tradicionais. As suas potencialidades são reconhecidas por inúme
-
ros estabelecimentos de ensino, sendo o Georgia Tech, nos EUA, o pioneiro no ensino
presencial, com a famosa assistente Jill Watson, e a Universidade Deakin, Victoria,
na Austrália, com o projeto Genie, ambos usando o sistema da IBM Watson.
Os Chatbots podem ser usados na EaD de várias formas, nomeadamente no
fornecimento de informações sobre os cursos ou instituições de ensino, para aceitar
inscrições dos alunos, podem ser utilizados no apoio na aprendizagem de conteúdos
ou dar suporte/ajuda aos estudantes, funcionando como um verdadeiro assistente/
tutor.
Um dos projetos com mais reconhecimento a nível mundial foi a assistente Jill
Watson, baseada no sistema da IBM Watson, criada em 2016, pelo professor Ashok
Goel, do Georgia Tech Institute of Technology, que foi uma das 4 assistentes do cur-
so de IA (3 humanos e a Jill Watson um Chatbot) com 3000 alunos, e que, durante
um semestre, respondeu às perguntas colocadas pelos estudantes, sem que estes
descobrissem que se tratava de uma “máquina” a responder às suas questões com
um grau de certeza de 97%. É de referir que a Jill Watson já está na 3ª versão e,
num futuro próximo, estará disponível comercialmente para ser usada em institui-
ções de ensino pelo mundo.
Outro exemplo do uso de Chatbots nas instituições de ensino é o Project Dea-
kin Genie, assistente digital que interage com os estudantes no Campus da Univer-
sidade Deakin, que ganhou pelo segundo ano consecutivo o prémio: major Global
Business Award. The Global Business Excellence Awards é um evento criado por
Novos desaos da educação a distância: programação e uso de Chatbots
427
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 410-431, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
uma organização Australiana independente que, através de um júri, atribui prê-
mios que visam ao reconhecimento, à competência e à excelência nas instituições
publicas, privadas ou de caridade, em qualquer parte do mundo.
De acordo com Coyne (2017), Deakin Genie é uma plataforma de dispositivos
móveis que integra Chatbots, inteligência artificial, reconhecimento de voz e um
mecanismo de análise preditiva. Os alunos da Deakin University poderão, através
de um/uma assistente virtual inteligente, aceder a tudo o que precisam no campus
da Universidade. A plataforma de gestão de aprendizagem, a biblioteca digital, o
sistema de suporte baseado no IBM Watson, entre muitos outros estão integrados
na plataforma Genie.
Esta ferramenta destina-se a ajudar os alunos a acompanhar tudo o que está
a acontecer, mantê-los motivados por meio de rastreadores de desempenho e ajudá-
-los a aproveitar ao máximo os materiais de aprendizagem e os serviços de suporte
da Deakin.
A Figura 6 ilustra o diálogo entre o Chatbot e uma aluna em várias situações,
sendo a primeira imagem o ecrã da primeira vez que a aluna entra no sistema, a
segunda imagem a resposta pelo sistema à pergunta da aluna sobre as datas limi-
tes para entrega de trabalhos e a terceira imagem a organização de um trabalho
de grupo.
Figura 6 – Interface do Ginie Deakin
Fonte: disponível em: <https://www.itnews.com.au/news/meet-genie-deakin-unis-virtual-assistant-for-students-453230>. Aces-
so em: 24 set. 2018.
Dados os factos apresentados, é inegável a importância da utilização dos
Chatbots na EaD, não só pela facilidade da sua criação, como também pelos be
-
nefícios que trazem à dinâmica entre tutores, alunos e às próprias instituições
de ensino. As novas tecnologias emergentes e o uso da IA nos Chatbots têm con
-
Daniela Melaré Vieira Barros, Aníbal Martins Guerreiro
428
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 410-431, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
tribuído para uma “humanização” e aprendizagem crescentes por parte destes
aplicativos, permitindo uma comunicação quase “natural” entre o homem e a má
-
quina. A proliferação dos Chatbots por todo o mundo é uma realidade, com uma
sofisticação e eficiência cada vez maiores.
Considerações nais
A literatura especializada destacou a importância e os benefícios da progra-
mação de Chatbots na EaD. Dentro das evidências consideradas da pesquisa bi-
bliográfica, destacaram-se alguns dos problemas com que as Instituições de Ensino
Superior se deparam, nomeadamente: a incapacidade do tutor dar apoio de uma
forma rápida e constante, a falta de diagnóstico de alunos e, sobretudo, a falta
de um acompanhamento mais ou menos personalizado dos estudantes, resultante
do enorme crescimento verificado nos cursos superiores de EaD e dos MOOCs,
associado a um aumento de tutores não proporcional, que contribui para um apoio
deficiente aos alunos, neste contexto.
O objetivo deste artigo foi compreender os novos desafios da EaD no ensino
superior on-line, nomeadamente a programação e uso de Chatbots, bem como as ra-
zões e causas para sua operacionalidade. Podemos afirmar que, em suma, os resul-
tados identificados destacaram as vantagens da programação e uso dos Chatbots
nos cursos de EaD, pois a sua programação é acessível e intuitiva, considerando os
aplicativos e interfaces existentes. Existem inúmeras plataformas disponíveis no
mercado, para esse fim, e foi evidente que esta tecnologia pode contribuir de forma
significativa para uma melhoria na comunicação e na relação, entre os tutores e os
estudantes.
Referências
ALVES, D. G.; CABRAL, T. D.; COSTA, R. M. E. M. Ambientes virtuais para educação a distân-
cia: uma estrutura de classificação e análise de casos. Cadernos do IME - Skie Informática, Rio
de Janeiro, v. 14, p. 2, jun. 2003.
AMARILLA, P. F. Educação a distância: uma abordagem metodológica e didática a partir dos
ambientes virtuais. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 27, n. 2, p. 41-72, ago. 2011.
ANDERSON, T. Theory and Practice of Online Learning. 2. ed. Athabasca: AU Press, 2008.
ARETIO, L. G.; CORBELLA, M. R.; FIGAREDO, D. D. De la educación a distancia a la educación
virtual. Barcelona: Ariel, 2007.
Novos desaos da educação a distância: programação e uso de Chatbots
429
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 410-431, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
BARROS, D. M. V.; REIS, V. A função tutorial na formação continuada docente. Revista Iberoa-
mericana de Educación a Distancia, v. 1, p. 10-20, 2009.
BELLONI, M. L. Educação a distância. Campinas: Autores Associados, 2008.
BIDAISEE, S. 6 ways to increase MOOC retention. 2017. Disponível em: <https://www.ecampus-
news.com/2017/09/19/7-ways-increase-mooc-retention/>. Acesso em: 13 set. 2018.
COSTA, E. G. Tendências contemporâneas em educação superior a distância no mundo e no
Brasil. Espacio Abierto - Cuaderno Venezolano de SociologÌa, Maracaibo, Venezuela, v. 25, n. 3,
p. 265-289, set. 2016.
COYNE, A. Meet Genie, Deakin Uni’s virtual assistant for students. 2017. Disponível em: <ht-
tps://www.itnews.com.au/news/meet-genie-deakin-unis-virtual-assistant-for-students-453230>.
Acesso em: 30 maio 2018.
DOWNES, S. E-Learning 2.0 In Development. Research Innovations in Learning Conference.
San Jose, California: Brandon Hall Associates, 2007.
FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro:
[s.n.], 1986.
GARRISON, D. R. Understanding distance education: a framework for the future. London:
Routledge, 1989.
GARRISON, R.; ANDERSON, T. E-Learning in the 21st Century: a framework for research and
practice. London: Routledge, 2003.
GOEL, A. K.; POLEPEDDI, L. Jill Watson: a Virtual Teaching Assistant for Online Education.
Atlanta, Georgia, USA: Design & Intelligence Laboratory, School of Interactive Computing,
Georgia Institute of Technology, 2016.
GOMES, C. Chatbot: entenda tudo sobre o assunto. 2017. Disponível em: <http://blog.simply.
com.br/chatbot/>. Acesso em: 30 maio 2018.
HOLLANDS, F. M.; TIRTHALI, D. MOOCs: Expectations and Reality. [S.l.]: Columbia Univer-
sity, 2014.
KHALIL, H.; EBNER, M. MOOCs Completion Rates and Possible Methods to Improve. In:
WORLD CONFERENCE ON EDUCATIONAL MULTIMEDIA, HYPERMEDIA AND TELE-
COMMUNICATIONS. Proceedings... Chesapeake, 2014.
KIRNER, C.; SISCOUTTO, R. Realidade virtual e aumentada: conceitos, projeto e aplicações.
Petrópolis, RJ: [s.n.], 2007.
KOEHLER, M. J.; MISHRA, P. What Is Technological Pedagogical Content Knowledge? Contem-
porary Issues in Technology and Teacher Education, Michigan, USA, v. 9, n. 1, p. 60-70, 2009.
LACITY, M. et al. Reimagining the University at Deakin: An IBM Watson Automation Journey
Research on Business Services Automation. Deakin, Australia: Deakin University, 2017. p. 1-26.
LEAL, J.; GOUVEIA, L. B. MOOC: qual o papel na reconceptualização na universidade? In:
CONGRESSO INTERNACIONAL PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E CULTURA, 2. Anais... [S.l.:
s.n.], 2015. p. 197-206.
Daniela Melaré Vieira Barros, Aníbal Martins Guerreiro
430
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 410-431, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
LEITE, L. S.; BRAGLIA, I.; PEREIRA, A. T. C. Realidade virtual na educação à distância de
projeto de arquitetura. In: Congresso Internacional de Ergonomia e Usabilidade de Interfaces
Humano-Computador, 11, 15 a 19 de maio de 2011. Anais... Manaus, 2011.
LEONHARDT, M. D.; CASTRO, D. D.; TAROUCO, L. M. R. ELEKTRA: um Chatterbot para uso
em ambiente educacional. Revista Novas Tecnologias na Educação, Porto Alegre, v. 1, n. 2, p. 1-11,
set. 2003.
LIPKO, H. Meet Jill Watson: Georgia Tech’s first AI teaching assistant. 2016. Disponível em: <ht
-
tps://pe.gatech.edu/blog/meet-jill-watson-georgia-techs-first-ai-teaching-assistant>. Acesso em: 18
jul. 2018.
LUSTOSA, V. G.; ALVARENGA, R. O estado da arte em inteligência artificial. Revista Digital da
CVA - Ricesu, Brasília, DF, v. 2, n. 8, p. 2-10, set. 2004.
MACHADO, L. D.; MACHADO, E. C. O papel da tutoria em ambientes de EAD. 2004. Disponível
em: <http://www.abed.org.br/congresso2004/por/htm/022-tc-a2.htm>. Acesso em: 24 set. 2018.
MARTINS, V. F.; GUIMARÃES, M. P. Desafios para o uso de Realidade Virtual e Aumentada de
maneira efetiva no ensino. [S.l.: s.n.], 2012.
MOORE, M. G.; ANDERSON, W. G. Handbook of distance education. NJ: Mahwah: Lawrence
Erlbaum Associates, 2003.
MORGADO, L. Os novos desafios do tutor a distância: o regresso ao paradigma da sala de aula.
Perpectivas em Educação. Lisboa: Universidade Aberta, 2003.
MORGAN, B. How Chatbots will Transform Customer Experience: an Infographic. 2017. Dispo-
nível em: <https://www.forbes.com/sites/blakemorgan/2017/03/21/how-chatbots-will-transform-
-customer-experience-an-infographic/#994d2c87fb4a>. Acesso em: 2 jul. 2018.
MULDOWNEY, O. Chatbots: an introduction and easy guide to making your own. Dublin, Ire-
land: Curses & Magic, 2017.
NOFFS, N. A.; TORRES, B. S. Tutoria: uma prática educativa para a inclusão social. 2014. Dis-
ponível em: <https://direcionalescolas.com.br/tutoria-uma-pratica-educativa-para-a-inclusao-
-social/>. Acesso em: 6 jul. 2018.
NUNES, I. B. Capítulo 1: A história da EAD no mundo. In: LITTO, F.; FORMIGA, M. Educação
a Distância: o estado da arte. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2009. p. 2-8.
PEREIRA, A. et al. Modelo pedagógico virtual da Universidade Aberta: para uma universidade
do futuro. Lisboa: Universidade Aberta, 2007.
RUSSELL, S.; NORVIG, P. Artificial Intelligence - a Modern Approach. Englewood Cliffs, New
Jersey: Prentice Hall, 1995.
SANGRÀ, M. et al. Hacia una definición inclusiva del e-learning. Barcelona: eLearn Center,
UOC, 2011.
SCHAPPO, V. Chatbot: o que é, quais são as suas as vantagens e como usar na sua empresa.
2017. Disponível em: <https://resultadosdigitais.com.br/blog/chatbot/>. Acesso em: 2 jul. 2018.
Novos desaos da educação a distância: programação e uso de Chatbots
431
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 410-431, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
SRDANOVIC, B. Chatbots in Education: Applications of Chatbot Technologies. 2017. Disponí-
vel em: <https://elearningindustry.com/chatbots-in-education-applications-chatbot-technologies>.
Acesso em: 8 jul. 2018.
WALLACE, E.; ICE , P.; GIBSON , A. M. Comprehensive Assessment of Student Retention in
Online Learning Environments. Online Journal of Distance Learning Administration, Georgia,
USA, v. 14, n. 1, 2011. Disponível em: <https://eric.ed.gov/?id=EJ921846>. Acesso em: 8 jul.
2018.
ZUMSTEIN, D.; HUNDERTMARK, S. Chatbots – an interactive technology for personalized com-
munication, transactions and services. IADIS International Journal on WWW/Internet, Lucerne,
Switzerland, v. 15, n. 1, p. 96-109, Nov. 2017.
Paulo Alves, Carlos Morais, Luísa Miranda
432
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 432-455, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
*
Doutor em Tecnologias e Sistemas de Informação pela Universidade do Minho, Portugal. Professor Adjunto do De-
partamento de Informática e Comunicações da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de
Bragança. É membro integrado do Centro de Investigação em Digitalização e Robótica Inteligente, Portugal. Email:
palves@ipb.pt
**
Agregado em Educação, especialidade de Educação a Distância e Elearning, Universidade Aberta, Portugal. Doutor
em Educação, área de Conhecimento de Metodologia do Ensino da Matemática, Universidade do Minho. Professor
adjunto na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Bragança. É membro integrado do Centro de
Investigação em Estudos da Criança da Universidade do Minho, Portugal. Email: cmmm@ipb.pt
***
Doutora em Educação na área de conhecimento de Tecnologia Educativa pela Universidade do Minho, Portugal.
Professora Adjunta da Escola Superior de Tecnologia e Gestão, do Instituto Politécnico de Bragança, Portugal. Email:
lmiranda@ipb.pt
Recebido em 07/10/2018 – Aprovado em 03/02/2019
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v26i2.8729
Aprendizagem baseada em projetos num curso de técnico superior
prossional de desenvolvimento de software
Project-based learning in a higher professional technical course in software development
Paulo Alves
*
Carlos Morais
**
Luísa Miranda
***
Resumo
Considerando que o foco do processo de ensino aprendizagem deve estar mais centrado na aprendizagem
do que no ensino, surge a necessidade de fomentar estratégias assentes em metodologias que tornem o es-
tudante o ator principal da sua aprendizagem, construindo aprendizagens signicativas que possam respon-
der a problemas reais da sociedade onde se encontra integrado. Os principais objetivos deste artigo consistem
em fundamentar estratégias ativas de aprendizagem no desenvolvimento de competências, suportadas por
metodologias baseadas em projetos, e apresentar de forma fundamentada o modelo de um curso de técnico
superior prossional de desenvolvimento de software. A metodologia utilizada é de natureza qualitativa, com
procedimentos associados à pesquisa bibliográca e uma abordagem reexiva e interpretativa. Tendo presentes
as necessidades da sociedade e os objetivos de formação dos cursos de técnico superior prossional na área
das Ciências Informáticas defende-se a utilização de metodologias ativas de aprendizagem com forte ligação à
prática, entre as quais a aprendizagem baseada em projetos. Como resultados da investigação apresenta-se uma
reexão sobre as metodologias de aprendizagem baseadas em projetos e o exemplo do plano de um curso de
técnico superior prossional de desenvolvimento de software, em funcionamento numa instituição portuguesa
de ensino superior público. Este curso de técnico superior prossional foi desenhado para responder à neces-
sidade de técnicos superiores no domínio da Informática e com a nalidade de ser desenvolvido e avaliado em
função da adoção de metodologias de aprendizagem baseadas em projetos no seu funcionamento.
Palavras-chave: Aprendizagem baseada em projetos. Cursos de técnico superior prossional. Curso de desen-
volvimento de software. Competências prossionais. Aprendizagem ativa.
Aprendizagem baseada em projetos num curso de técnico superior prossional de desenvolvimento de software
433
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 432-455, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Abstract
Considering that the focus of the teaching and learning process must be centred on learning rather than teach-
ing, the need arises to foster strategies based on methodologies which may turn students into the main actors
of their learning, thus building meaningful learning experiences that may respond to real problems faced by the
society they integrate. The main aims of this paper are to ground active learning strategies for skill development
anchored in project-based methodologies and to present a substantiated model of a higher professional tech-
nical course in Software Development. This research follows a qualitative methodology, with procedures associ-
ated with bibliographic research and a reexive and interpretive approach. Bearing in mind the society needs as
well as the training goals of the higher professional technical courses in the eld of IT sciences, we advocate the
use of active learning strategies strongly connected to practice, among which the project-based learning. The
results of this study consist of a reection on project-based learning methodologies and of a study programme
example of a higher professional technical course in Software Development running in a Portuguese public
higher education institution. This higher professional technical course was designed to respond to a demand
for higher technicians in the area of IT, and also with the aim to be developed and assessed with regard to the
adoption of project-based learning methodologies throughout its operationalisation.
Keywords: Project-Based Learning. Higher Professional Technical Courses. Course in Software Development. Pro-
fessional Skills. Active Learning.
Introdução
Cada vez é mais difícil prever o futuro a curto e a longo prazo. Esta incerteza
implica reflexões profundas nas formações oferecidas pelas instituições de ensino
superior, bem como nas metodologias de aprendizagem que devem ser fomentadas
com os estudantes, para que estes, depois de adquiridas as suas formações, possam
responder com êxito aos desafios do século XXI.
Atendendo ao forte interesse que a área de programação de computadores tem
a nível nacional e internacional e à importância que as metodologias de aprendiza-
gem associadas à prática têm no ensino superior, a instituição a que os investiga-
dores deste artigo pertencem propôs a criação do curso técnico superior profissional
de desenvolvimento de software. Este curso encontra-se no início do 2.º ano de
funcionamento e está integrado num projeto piloto a nível nacional, da iniciativa
INCoDe.2030 do Governo de Portugal. Dos objetivos deste curso sobressai a ne-
cessidade de formar profissionais na área da programação de computadores, com
competências para responderem às necessidades do mundo real e poderem fomen-
tar projetos de intervenção na comunidade. No desenvolvimento do curso aposta-se
em metodologias ativas orientadas para a prática, nomeadamente aprendizagem
baseada em projetos.
Neste artigo é apresentada a fundamentação de metodologias de aprendi-
zagem baseadas em projetos, bem como a contextualização dos cursos de técnico
Paulo Alves, Carlos Morais, Luísa Miranda
434
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 432-455, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
superior profissional e a caracterização do curso superior profissional de desenvol-
vimento de software que constitui um exemplo de um curso em funcionamento, de-
senhado com a finalidade de poderem ser testadas e avaliadas metodologias ativas
de aprendizagem baseadas na prática.
O artigo está organizado nas seguintes secções principais: Introdução, Apren-
dizagem baseada em projetos no desenvolvimento de competências profissionais,
Cursos de técnico superior profissional (CTeSP), Curso de técnico superior profis-
sional em desenvolvimento de software com metodologias baseadas em projetos,
Considerações finais e Bibliografia.
Aprendizagem baseada em projetos no desenvolvimento de competências
prossionais
Aprendizagem ativa e as competências para o século XXI
Na sociedade do conhecimento as organizações operam numa economia global
caracterizada pela competição, interdependência económica e colaboração. Esta
economia, assim como as rápidas alterações a que está sujeita, estão muito depen-
dentes das tecnologias de informação e comunicação (TIC), no entanto as TIC não
criam uma economia baseada no conhecimento (LAAR et al., 2017).
O mercado de trabalho exige profissionais altamente qualificados, nomeada-
mente, no domínio das TIC. Para preencher essa exigência, uma abordagem im-
portante consiste em estabelecer uma ponte entre os aspetos teóricos abordados
nos cursos formais e as competências técnicas necessárias no cotidiano do mundo
profissional (MARTINS et al., 2017).
A aprendizagem ativa desloca o foco do professor e a distribuição dos con-
teúdos do curso para o estudante, assim como o envolvimento ativo deste com o
material, através de técnicas de aprendizagem ativa e modelagem por parte do pro-
fessor, fazendo com que os estudantes deixem de ter o papel de recetores passivos
e aprendam a praticar como apreender conhecimentos e habilidades, e a usá-los de
forma significativa (FLORIDA STATE UNIVERSITY, 2011).
Quando se pensa em metodologias ativas orientadas para o desenvolvimento
de competências associadas à prática e com elevado nível de exigência é importante
ter presente que as competências sofrem diversos níveis de importância dependen-
tes da época e do contexto. Assim, num relatório da World Economic Forum (2016)
Aprendizagem baseada em projetos num curso de técnico superior prossional de desenvolvimento de software
435
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 432-455, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
evidenciam-se as 10 competências consideradas mais importantes para o mercado
de trabalho em 2015, ao mesmo tempo que se infere sobre as competências mais
importantes em 2020, conforme se evidencia na Tabela 1.
Tabela 1 – Top 10 das competências para o mercado de trabalho em 2015 e 2020
Ordenação Competências em 2020 Competências em 2015
1.ª Resolução de problemas complexos Resolução de problemas Complexos
2.ª Pensamento crítico Colaboração
3.ª Criatividade Gestão de recursos humanos
4.ª Gestão de recursos humanos Pensamento crítico
5.ª Colaboração Negociação
6.ª Inteligência emocional Controlo de qualidade
7.ª Tomada de decisões Interajuda
8.ª Interajuda Tomada de decisões
9.ª Negociação Ouvir os outros
10.ª Flexibilidade cognitiva Criatividade
Fonte: adaptado de World Economic Forum (2016).
Pela observação da Tabela 1, constata-se que a competência associada à reso-
lução de problemas complexos mantem-se inalterada de 2015 para 2020, no entan-
to, atendendo à ordenação apresentada o pensamento crítico e a criatividade estão
a assumir uma tendência crescente de importância.
Considerando que na análise de cada uma das competências terá de se ter
sempre presente a tecnologia em que o mundo se encontra envolvido e a perma-
nente necessidade de mudança a que diariamente se assiste e com base no relatório
de 2016 do World Economic Forum – Future of Jobs Report, segue-se uma breve
referência a cada uma das 10 competências referidas para 2020:
- resolução de problemas complexos: a tecnologia, geralmente, facilita a re-
solução de problemas, no entanto, também pode aumentar a complexidade
das situações com que o ser humano tem de lidar, exigindo-se a cada pessoa
que seja capaz de viver com diversas e múltiplas dimensões, e resolver pro-
blemas complexos;
- pensamento crítico: cada vez mais é necessário questionar as ações realiza-
das, ou que se pretendam realizar. Muitos dos gestos diários do ser humano
Paulo Alves, Carlos Morais, Luísa Miranda
436
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 432-455, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
são realizados de forma automática ou mediados pela tecnologia. Neste sen-
tido, o ser humano deve ser dotado de competências que lhe permitam utili-
zar o raciocínio e o pensamento lógico. É imperioso aproveitar os benefícios
que as máquinas e a tecnologia proporcionam, mas tendo sempre presente
princípios que tenham em conta a ética e o bom relacionamento social;
- criatividade: diariamente surgem novos serviços e novos produtos. Os em-
pregadores veem-se confrontados com a necessidade de manterem nas suas
empresas pessoas familiarizadas com as tecnologias, para poderem utilizar
os seus conhecimentos em novos produtos, novos serviços e novas formas de
se relacionarem e cativar o seu público alvo;
- gestão de recursos humanos: é importante desenvolver competências que
permitam motivar pessoas, desenvolver os seus talentos e habilidades, e
selecionar as mais adequadas e que se sintam mais confortáveis em cada
função;
- colaboração: é importante promover competências sociais, no sentido de
cada pessoa desenvolver o poder de colaborar, ajustar-se em relação aos
outros e ser sensível às necessidades dos outros;
- inteligência emocional: os empregadores podem focar o seu interesse na
contratação de pessoas que estão atentas às reações dos outros e ao impacto
das suas reações;
- tomada de decisões: as organizações lidam cada vez com maior quantidade
de dados. Esta quantidade de dados implica a necessidade de trabalhadores
com competências para analisá-los corretamente e usá-los na tomada de
decisões inteligentes;
- interajuda: competência que se traduz na permanente procura de formas de
ajudar os outros;
- negociação: competência com aplicação a diversos ramos de atividade, tor-
nando-se uma competência muito valorizada, nomeadamente para traba-
lhos que envolvam computação, matemática, análise de dados e desenvolvi-
mento de software;
- flexibilidade cognitiva: envolve criatividade, raciocínio lógico e sensibilida-
de para compreender e resolver problemas.
Quando os estudantes aprendem ativamente retêm mais conteúdo, por mais
tempo e podem aplicar o que aprendem a maior variedade de contextos. Muitos
Aprendizagem baseada em projetos num curso de técnico superior prossional de desenvolvimento de software
437
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 432-455, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
docentes assumem que o seu papel é ensinar, enquanto deveriam pensar que o seu
papel é ajudar os estudantes a aprender. Todas as técnicas de aprendizagem ativa
destinam-se a ajudar os estudantes a fazer conexões relevantes entre os materiais
do curso, transformar os materiais do curso assentes em linguagem opaca ou ideias
em algo que os estudantes possam integrar no seu próprio conhecimento e na me-
mória de longo prazo (FLORIDA STATE UNIVERSITY, 2011).
Aprendizagem baseada em projetos
Aprendizagem ativa é uma metodologia em que os estudantes deixam de ser
simples espetadores, uma vez que participam, experimentam e encaram a sua pró-
pria trajetória.
Existem várias formas de implementar a aprendizagem ativa, entre elas a
Aprendizagem Baseada em Projetos (PBL), a qual tem vindo a ser aplicada com
sucesso em diversas áreas (SEMANA; HAUSMANNB; BEZERRA, 2018).
A aprendizagem baseada em projetos tem vindo a ser adotada em diversos
contextos educacionais (MARTINS et al., 2017), incluindo no currículo de engenha-
rias, quer para aumentar a motivação, quer para permitir que os estudantes apli-
quem na prática o que aprenderam (NIEH; CHOU, 2018; REQUIES et al., 2018).
Este modelo tem vindo a assumir-se como um dos principais modelos pedagógicos
para responder aos desafios do novo século (BENDER, 2012).
Regularmente, a metodologia híbrida, Aprendizagem Baseada em Problemas
e em Projetos, tem sido utilizada na área de Ciências da Computação aplicada a
problemas / projetos, trabalhada por grupos de estudantes e facilitada por tutores
(MARTINS et al., 2017).
Segundo Krajcik e Blumenfeld (2006), a aprendizagem baseada em projetos
permite que os estudantes aprendam fazendo e aplicando ideias. Os estudantes
envolvem-se em atividades do mundo real que são semelhantes às atividades com
que os profissionais são confrontados. Bender (2012) refere que o uso de projetos
autênticos, com base em uma questão, tarefa ou problema é altamente motivador
e envolvente, para ensinar aos estudantes os conteúdos académicos aplicados ao
contexto de trabalho.
A aprendizagem baseada em projetos permite aos estudantes investigar
questões, propor hipóteses e explicações, discutir as suas ideias, estimular o apa-
recimento de novas ideias e experimentar essas ideias. Exige que os estudantes
projetem e concluam projetos, em contextos que são confrontados com diversos
Paulo Alves, Carlos Morais, Luísa Miranda
438
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 432-455, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
problemas abrangentes para os quais precisam de encontrar soluções. A resolução
de problemas é um processo demorado e, quando necessário, para completar uma
tarefa em aprendizagem baseada em projetos, exige mais tempo do estudante do
que métodos passivos de aprendizagem, porque os estudantes, geralmente, pre-
cisam de fazer várias tentativas antes de atingirem uma conclusão satisfatória
(MAHASNEH; ALWAN, 2018).
Os estudantes que aprendem por este método tornam-se criativos e construti-
vos, dada a gama quase ilimitada de projetos, desde criar um portfólio de aprendi-
zagem, construir um modelo a partir de um esquema, produzir um vídeo ou criar
um website, as possibilidades são infinitas (MAHASNEH; ALWAN, 2018).
Os estudantes devem ser preparados para propor, investigar e desenvolver
soluções para os problemas que possam surgir na sua vida profissional. Devem ser
estimulados durante o seu curso a trabalhar com problemas com níveis crescentes
de complexidade, o que exige dos docentes uma mudança nas metodologias utili-
zadas.
A metodologia de aprendizagem baseada em projetos permite desenvolver
competências dos estudantes a diversos níveis (RIBEIRO; MIZUKAMI, 2004):
- conhecimentos (hard skills): ciência e tecnologia, programação, administra-
ção, impactos ambientais e sociais da tecnologia, entre outros;
- habilidades (soft skills): desenvolvimento de projetos, resolução de proble-
mas, comunicação, trabalho em equipa, autoavaliação e avaliação por pa-
res, entre outros;
- atitudes (soft skills): ética, responsabilidade para com os colegas, sociedade
e profissão, iniciativa, flexibilidade, empreendedorismo, motivação para a
aprendizagem ao longo da vida, entre outras.
Dragoumanos, Kakarountas e Fourou (2017) reforçam a importância que a
aprendizagem baseada em projetos tem para os estudantes na aquisição de com-
petências necessárias no século XXI, nomeadamente, adquirirem conhecimento e
desenvolverem competências trabalhando em equipa por um período prolongado
de tempo, num tema específico. Para desenvolverem o projeto necessitam de apren-
der a fazer gestão do tempo, ter espírito de equipe e competências associadas à
comunicação.
O modelo de aprendizagem baseada em projetos desenvolvido pelo Buck Ins-
titute for Education (LARMER; MERGENDOLLER; BOSS, 2015) centra-se no es-
tudante, estando na base os objetivos de aprendizagem e os conhecimentos chave.
Aprendizagem baseada em projetos num curso de técnico superior prossional de desenvolvimento de software
439
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 432-455, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Para atingirem esses objetivos é necessária a aquisição de competências orienta-
das ao sucesso. Os estudantes necessitam de ser capazes de mobilizar os seus co-
nhecimentos para pensar e analisar as questões atuais, resolver novos problemas
e contribuir para o diálogo cívico.
Os elementos essenciais para o desenho dos projetos, tendo em conta os obje-
tivos de aprendizagem dos estudantes, são: problema ou questão, questionamento
sustentado, autenticidade, voz e escolha do estudante, reflexão, crítica e revisão, e
ser um produto público. Segue-se breve descrição dos elementos referidos:
- problema ou questão: problemas e perguntas fornecem a estrutura de orga-
nização para o projeto e tornam a aprendizagem significativa, porque dão
um propósito à aprendizagem. Ao focar o processo num problema ou per-
gunta, os estudantes não só dominam novos conhecimentos, mas também
aprendem quando e como esse novo conhecimento pode ser usado;
- questionamento sustentado: a investigação exerce forte influência no de-
senvolvimento do projeto. Problemas ou perguntas são usadas para iniciar a
investigação. Questões como: “O que sabemos?” e “O que precisamos saber?”
levam os estudantes a identificar o processo de resolução do problema e a
responder à pergunta que orienta a investigação. A resposta a uma questão
inicial pode levantar novas questões, iniciando-se novo processo, levando a
um aprofundamento da investigação;
- autenticidade: a autenticidade permite não só atribuir um significado ao
projeto, como também aumentar a motivação para a sua realização;
- voz e escolha do estudante: diante de um problema ou questão desafiadora
os estudantes devem ser capazes de avaliar e tomar decisões sobre como
resolvê-los. Os estudantes ao expressarem as suas ideias e ao fazerem esco-
lhas ao longo do projeto terão consequências positivas, tanto para a apren-
dizagem como para a sua motivação;
- reflexão: os estudantes e o professor precisam de refletir ao longo de todo o
projeto sobre a eficácia das suas atividades de investigação, a qualidade do
trabalho, os obstáculos enfrentados e como eles podem ser superados. Estas
reflexões mantêm o projeto no caminho certo;
- crítica e revisão: o papel dos estudantes não é o de, simplesmente, realiza-
rem tarefas decididas pelos professores, mas gerir ativamente e entender os
resultados da aprendizagem. Isso inclui avaliarem o seu próprio progresso,
Paulo Alves, Carlos Morais, Luísa Miranda
440
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 432-455, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
serem mais responsáveis pela sua aprendizagem, e estarem envolvidos com
os colegas a aprender de forma colaborativa;
- produto público: a aprendizagem baseada em projetos oferece a oportuni-
dade aos estudantes de criarem um produto e compartilhá-lo com o público
para além da sala de aula. Isso tem várias consequências positivas, nomea-
damente incentiva os estudantes a fazerem melhor, aumentando a motiva-
ção e o seu envolvimento.
A aprendizagem baseada em projetos refere-se ao envolvimento dos estudan-
tes na realização de um projeto no contexto do mundo real, através do qual se mo-
vem em direção ao desenvolvimento de conhecimentos e habilidades relacionadas
com o projeto (CAVANAUGH, 2004).
O foco nas experiências de aprendizagem autênticas que os estudantes podem
realizar no mundo real é uma característica de praticamente todas as experiências
de aprendizagem baseada em projetos, que aumenta a motivação dos estudantes
para participarem ativamente nos projetos (BENDER, 2012).
Os estudantes envolvidos na aprendizagem baseada em projetos obtêm notas
mais altas do que os estudantes que frequentam aulas tradicionais (MARX et al.,
2004; RIVET; KRAJCIK, 2004).
A motivação com este tipo de metodologia ativa é maior que com a tradicional,
o trabalho em equipa melhora o relacionamento entre os estudantes, o diálogo en-
tre os estudantes e o professor é mais fluido, e todos esses fatores levam a um am-
biente de trabalho construtivo no qual os estudantes supervisionam o seu próprio
processo de aprendizagem (REQUIES et al., 2018).
A aprendizagem baseada em projetos afasta-se do modelo tradicional centrado
no professor. Em vez disso, os estudantes são incentivados a trabalhar e a aprender
de forma independente (CHOUNTA; MANSKE; HOPPE, 2017), adquirindo novas
competências para um mercado de trabalho mais exigente e em rápida evolução.
Cursos de técnico superior prossional (CTeSP)
O reconhecimento da necessidade de tornar cada mais próximas a teoria e a
prática, bem como de dar resposta às necessidades reais das pessoas faz com que os
países adequem as suas formações aos contextos temporais, tecnológicos e sociais.
Neste sentido, em vários países, entre os quais Portugal, estão a ser fomentados
cursos de técnicos superiores profissionais em instituições de ensino superior.
Aprendizagem baseada em projetos num curso de técnico superior prossional de desenvolvimento de software
441
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 432-455, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
O regime jurídico português do curso de técnico superior profissional está pre-
visto no Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de março, alterado e republicado pelo Decre-
to-Lei n.º 63/2016, de 13 de setembro, que no seu artigo 40º - A afirma: o diploma de
técnico superior profissional é conferido aos que demonstrem:
a) possuir conhecimentos e capacidade de compreensão numa área de forma-
ção, e a um nível que: i) Sustentando-se nos conhecimentos de nível secun-
dário, os desenvolva e aprofunde; ii) Se apoie em materiais de ensino de
nível avançado e lhes corresponda; iii) Constitua a base para uma área de
atividade profissional ou vocacional, para o desenvolvimento pessoal e para
o prosseguimento de estudos com vista à conclusão de um ciclo de estudos
conducente à atribuição do grau de licenciado;
b) saber aplicar, em contextos profissionais, os conhecimentos e a capacidade
de compreensão adquiridos;
c) ter capacidade de identificar e utilizar informação para dar resposta a pro-
blemas concretos e abstratos bem definidos;
d) possuir competências que lhes permitam comunicar acerca da sua com-
preensão das questões, competências e atividades, com os seus pares, su-
pervisores e clientes;
e) possuir competências de aprendizagem que lhes permitam prosseguir estu-
dos com alguma autonomia.
Por outro lado, a Direção Geral do Ensino Superior (português) esclarece que
o curso de técnico superior profissional não confere grau académico e a conclusão,
com aproveitamento, atribui o diploma de técnico superior profissional. Este ciclo de
estudos é ministrado no ensino politécnico, tem 120 ECTS (European Credit Trans
-
fer and Accumulation System) e a sua duração é de quatro semestres curriculares
de trabalho dos estudantes, constituídos por um conjunto de unidades curriculares
organizadas em componentes de formação geral e científica, formação técnica e for
-
mação em contexto de trabalho, que se concretiza através de um estágio.
Os titulares do diploma de técnico superior profissional podem aceder e in-
gressar nos ciclos de estudos de licenciatura e de mestrado integrado através de um
concurso especial próprio a si destinado, adquirindo o respetivo grau académico.
Pelas características referidas os CTeSP são cursos adequados para respon-
derem num curto período de tempo a necessidades de formação nas mais variadas
áreas de que a sociedade careça, em particular nos domínios das tecnologias de
informação e comunicação, área que em poucos anos ocupou um enorme espaço na
Paulo Alves, Carlos Morais, Luísa Miranda
442
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 432-455, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
vida das pessoas tornando-se a sua presença permanente e o seu uso imprescindí-
vel em qualquer sociedade.
A importância atribuída à formação associada às tecnologias digitais é eviden-
ciada pela Comissão Europeia, atendendo às várias iniciativas que promove com
a finalidade de aumentar a formação em competências digitais, nomeadamente,
para responder às necessidades do mercado de trabalho, necessidades dos consu-
midores, modernizar a educação e antecipar a necessidade de novas competências.
A nova Agenda de Competências para a Europa (COMISSÃO EUROPEIA, 2016)
tem por missão reforçar o capital humano, a empregabilidade e a competitividade,
apresentando uma série de ações e iniciativas com a ambição de combater o défice
de competências digitais na Europa.
A estabilidade no emprego já deixou de estar ligada a um local geográfico ou
a uma determinada empresa, estando muito mais associada às competências que
cada pessoa possui para se adaptar à mudança e às necessidades do mercado de
trabalho em cada momento. Para Boyaci e Atalay (2016) o local de trabalho atual
requer trabalhadores que possam encontrar, processar e estruturar informações,
que possam resolver problemas, que sejam inovadores e criativos, e que possuam
capacidades de comunicação e cooperação.
De acordo com Voogt e Roblin (2012), o conhecimento tornou-se vital no século
XXI e as pessoas necessitam de adquirir competências para ingressarem no merca-
do de trabalho exigidas pelo século XXI, ou seja, necessitam de competências que
incluam colaboração, comunicação, alfabetização digital, cidadania, resolução de
problemas, pensamento crítico, criatividade e produtividade.
As tecnologias de informação e comunicação continuam a provocar mudanças
tecnológicas e sociais com velocidades imprevisíveis exigindo permanentemente
novas necessidades e novas competências. Neste sentido, Binkley et al. (2012)
apresentam as seguintes categorias de competências para o século XXI: modos de
pensar (criatividade e inovação, pensamento crítico, resolução de problemas e to-
mada de decisão, aprender a aprender e metacognição); formas de trabalho (comu-
nicação, colaboração e trabalho em equipe); ferramentas para trabalhar (literacia
da informação, tecnologias da informação e alfabetização em comunicação); e mo-
dos de viver (vida e carreira, responsabilidade pessoal e social).
Conscientes das dificuldades que as rápidas mudanças sociais e tecnológicas
provocam em termos das necessidades de novos profissionais e de adequação dos
existentes para o mundo do trabalho, com competências cada vez mais exigentes
para o século XXI, nomeadamente na área de Ciências Informáticas, a instituição
Aprendizagem baseada em projetos num curso de técnico superior prossional de desenvolvimento de software
443
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 432-455, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
a que os investigadores pertencem propôs o curso de técnico superior profissional
de Desenvolvimento de Software, o qual se encontra em funcionamento numa ins-
tituição portuguesa de ensino superior público, desde o ano letivo de 2017/2018.
Curso de técnico superior prossional em desenvolvimento de software com
metodologias baseadas em projetos
Contexto de desenvolvimento do curso de técnico superior prossional de desenvolvimento
de software
A programação de computadores é considerada uma área de grande interesse,
quer a nível académico, quer a nível económico e social. Assiste-se a vários projetos
em todos os níveis de ensino, assim como se assiste a resultados da aplicação da
programação e de software em grande parte dos atos diários, nomeadamente, lis-
tas de espera, controlo de presenças, operações bancárias, contabilidade, viagens
e a grande parte das atividades das empresas e das instituições. Neste sentido, a
formação de técnicos superiores profissionais nesta área é da maior importância,
pois de acordo com dados da Comissão Europeia, existe um elevado défice de pro-
fissionais da área das TIC, estimando-se que poderão surgir 500 000 vagas por
preencher para profissionais de TIC até 2020 (COMISSÃO EUROPEIA, 2017).
O curso técnico superior profissional em desenvolvimento de software que se
encontra no segundo ano de funcionamento, e no qual se espera experimentar novas
metodologias assentes na prática, depois de avaliado poderá constituir um modelo
de curso para poder ser ampliado a nível nacional e internacional, pois este curso
está integrado na Iniciativa Nacional em Competências Digitais e.2030, Portugal
INCoDe.2030,
1
que tem por objetivos reforçar competências digitais, garantindo a
literacia digital e a inclusão digital para o exercício pleno da cidadania, estimular a
especialização em tecnologias e aplicações digitais para a qualificação do emprego
e uma economia de maior valor acrescentado, e produzir novos conhecimentos em
cooperação internacional.
A Iniciativa Nacional em Competências Digitais e.2030 é orientada a partir
dos seguintes eixos e respetivos objetivos: inclusão – assegurar a generalização do
acesso equitativo às tecnologias digitais a toda a população para obtenção de in-
formação, comunicação e interação; educação – assegurar a educação das camadas
mais jovens da população através do estímulo e reforço nos domínios da literacia
Paulo Alves, Carlos Morais, Luísa Miranda
444
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 432-455, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
digital e das competências digitais em todos os ciclos de ensino e de aprendiza-
gem ao longo da vida; qualificação – capacitar profissionalmente a população ativa
dotando-a dos conhecimentos necessários à integração num mercado de trabalho
que depende fortemente de competências digitais; especialização – promover a es-
pecialização em tecnologias digitais e aplicações para a qualificação do emprego
e a criação de maior valor acrescentado na economia; investigação – garantir as
condições para a produção de novos conhecimentos e a participação ativa em redes
e programas internacionais de I&D.
O desenho do curso de técnico superior profissional de desenvolvimento de
software enquadra-se nos eixos Educação e Qualificação. O curso situa-se no âm-
bito da Educação porque com ele pretende-se a promoção da inovação pedagógica
nos processos de ensino e aprendizagem, e o reforço de competências analíticas
e críticas através da promoção de projetos e práticas pedagógicas no âmbito da
lógica, algoritmos e programação, ética aplicada ao ambiente digital, literacia para
os media na era digital e cidadania na era digital. Também se pode considerar
enquadrado no eixo da Qualificação porque integra uma rede de oferta nacional
de cursos de curta duração a nível profissional e superior que permite melhorar as
competências digitais existentes e a criação de novas competências.
A metodologia privilegiada para o desenvolvimento do curso é a aprendizagem
baseada em projetos, que de acordo com Iturregi et al. (2017), entre os diferentes
campos de conhecimento, a aprendizagem baseada em projetos mostrou-se eficaz
na educação e em engenharia.
A melhoria de competências e a criação de novas competências implicam gran-
de esforço dos professores, e como sugere Kennedy (2007), desenvolver ligações
entre os resultados de aprendizagem, atividades de ensino e aprendizagem e ava-
liação.
Na Figura 1, apresentam-se aspetos cuja adequada combinação enfatiza a
complexidade do processo de ensino e aprendizagem, pois à multiplicidade de resul-
tados de aprendizagem em qualquer um dos níveis cognitivo, afetivo e psicomotor é
possível associar um vasto e diversificado conjunto de atividades de aprendizagem,
bem como múltiplas formas de avaliação.
Aprendizagem baseada em projetos num curso de técnico superior prossional de desenvolvimento de software
445
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 432-455, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Figura 1: Resultados de aprendizagem, atividades de ensino e aprendizagem e avaliação
Fonte: adaptado de Kennedy (2007).
Tendo em conta os pressupostos referidos, a legislação e a política de formação
da instituição de ensino superior onde o curso está a ser implementado com o curso
de técnico superior profissional de desenvolvimento de software pretende-se que os
futuros técnicos superiores profissionais adquiram competências para responder
a problemas e desafios do mundo real, bem como à realização de projetos com a
comunidade. O curso é desenvolvido em quatro semestres letivos de igual duração
e constituído por 120 ECTS, sendo 3 da área da Matemática e 117 da área das
Ciências Informáticas. Salientando, ainda, que nos cursos de engenharia é impor-
tante considerar os objetivos, os conteúdos e os resultados de aprendizagem que os
estudantes devem alcançar no curso.
A criação do curso técnico superior de desenvolvimento de software obedeceu
a três tópicos principais: resultados de aprendizagem, nos quais se enfatiza o que
Paulo Alves, Carlos Morais, Luísa Miranda
446
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 432-455, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
se espera que cada formando seja capaz de realizar após a conclusão do curso;
módulos curriculares, considerados necessários para dotar os estudantes das com-
petências que permitam o desenvolvimento dos projetos a implementar; projetos
implementados no curso, os quais serão desenvolvidos com metodologias de apren-
dizagem baseadas em projetos.
Resultados de aprendizagem
O técnico superior profissional em desenvolvimento de software deve ser capaz
de efetuar a modelação e o levantamento de requisitos de um projeto de software e
de desenvolver aplicações para ambientes desktop, web e móvel que deem resposta
a desafios das empresas e das instituições.
Os resultados de aprendizagem foram definidos tendo em conta os níveis e
interpretação de competências sugeridos por Kennedy (2007), do menos complexo
para o mais complexo: conhecimento – o conhecimento pode ser definido como a
capacidade de recuperar ou relembrar factos sem a necessidade de os perceber;
compreensão – habilidade de entender e interpretar a informação aprendida; apli-
cação – capacidade de aplicar conhecimento adquirido em novas situações, nomea-
damente, apresentar ideias e conceitos de modo a resolver problemas; análise –
capacidade de decompor informação em componentes, identificar inter-relações,
ideias e compreender a estrutura organizacional; síntese – capacidade de conjugar
partes e constituir o todo; avaliação – capacidade de apreciar o valor dos materiais
para um determinado fim.
Pelo exposto, os resultados de aprendizagem esperados para os estudantes
que concluam o curso de Desenvolvimento de Software, são:
- efetuar, sob orientação, o levantamento de requisitos de um projeto de de-
senvolvimento de software;
- implementar bases de dados aplicadas a um contexto específico;
- desenvolver aplicações informáticas em ambiente desktop;
- desenvolver aplicações web baseadas em arquiteturas multicamada;
- implementar aplicações para dispositivos móveis recorrendo a uma framework;
- implementar aplicações baseadas em módulos de redes de sensores e dispo-
sitivos conectáveis;
- utilizar sistemas de gestão de versões para desenvolvimento colaborativo de
software;
Aprendizagem baseada em projetos num curso de técnico superior prossional de desenvolvimento de software
447
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 432-455, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
- gerir aplicações para ambiente desktop, web ou dispositivos móveis, in-
cluindo instalação, configuração, testes e manutenção;
- usar técnicas eficazes de comunicação, de relacionamento interpessoal e de
motivação no apoio aos utilizadores, através de produção de documentação
técnica e recurso a múltiplos meios de comunicação, integrando texto, vídeo e
imagem;
- contribuir para a resolução de problemas, através da reflexão e de uma
atitude crítica, da criatividade e inovação, da valorização do trabalho em
equipa e da comunicação adequada a diferentes públicos, em contexto de
aprendizagem ao longo da vida.
Os resultados de aprendizagem foram definidos em termos das competências
que os estudantes devem possuir após a conclusão do curso, no entanto não podem
ser considerados estanques ou definitivos, pois com a evolução tecnológica e social
em cada período de tempo, geralmente muito curto, surgem novos problemas, no-
vos desafios e, consequentemente, a necessidade de novas competências.
Módulos curriculares
O curso de técnico superior profissional em desenvolvimento de software tem
por missão a implementação de um modelo educativo profissionalmente orientado
e assente na aprendizagem baseada na prática, tendo por base problemas e desa-
fios do mundo real e a realização de projetos com a comunidade, os quais são de-
senvolvidos no âmbito das unidades curriculares de Projeto Integrado e de Estágio.
O plano de estudos está organizado em dois anos letivos, distribuídos por qua-
tro semestres, sendo os 1.º e 2.º semestres administrados no 1.º ano e os 3.º e 4.º
semestres administrados no 2.º ano.
Seguem-se as unidades curriculares do curso associadas ao respetivo semestre:
- 1.º Semestre: Fundamentos de Desenvolvimento de Software, Introdução à
Programação, Introdução aos Sistemas Informáticos, Introdução às Bases
de Dados, Matemática, Modelação de Sistemas de Software, Programação,
Estágio I, Projeto Integrado I;
- 2.º Semestre: Administração de Sistemas, Algoritmos e Estruturas de Da-
dos, Conceção de Interfaces Gráficas, Desenvolvimento Colaborativo de
Software, Desenvolvimento de Aplicações, Implementação e Administração
de Bases de Dados, Estágio II, Projeto Integrado II;
Paulo Alves, Carlos Morais, Luísa Miranda
448
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 432-455, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
- 3.º Semestre: Introdução às Redes de Dados, Programação para a Web –
Cliente, Programação para a Web – Servidor, Publicação e Administração
Web, Sistemas de Gestão de Conteúdos, Estágio III, Projeto Integrado III;
- 4.º Semestre: Computação Móvel, Internet das Coisas, Programação de Dis-
positivos Móveis, Programação de Serviços Web, Estágio IV, Projeto Inte-
grado IV.
Em termos de número de ECTS cada unidade curricular (administrada so-
mente na instituição de ensino) é de 3 ECTS, cada projeto integrado (administrada
na instituição de ensino com ligação à comunidade) é de 6 ECTS, os estágios (ad-
ministrados na instituição de ensino com ligação à comunidade) são de duração va-
riada em termos de ECTS, sendo Estágio I – 3 ECTS, Estágio II – 6 ECTS, Estágio
III – 9 ECTS e Estágio IV – 12 ECTS.
Segue-se uma breve referência aos objetivos, em função das competências es-
peradas para o estudante, subjacentes às unidades curriculares que constituem o
plano de estudos.
Unidades curriculares administradas exclusivamente na instituição de ensino
- Fundamentos de Desenvolvimento de Software: conhecer a importância dos
Sistemas de Informação, das metodologias de desenvolvimento de software,
da análise de requisitos, da modelação de processos, e da gestão de projeto
de desenvolvimento de software;
- Introdução à Programação: conhecer os elementos fundamentais e as cons-
truções básicas para o desenvolvimento de programas de computador e com-
preender conceitos elementares de linguagens de programação orientadas
ao objeto;
- Introdução aos Sistemas Informáticos: adquirir conhecimentos essenciais
da arquitetura e funcionamento dos sistemas computacionais e dos siste-
mas operativos, adquirir know-how que permita realizar tarefas básicas de
montagem e manutenção de computadores, bem como de instalação, confi-
guração e exploração de sistemas operativos de tipo desktop;
- Introdução às Bases de Dados: usar técnicas e ferramentas de modelação
de conceitos de negócio, de desenho de processos de negócio, de modelação e
normalização de dados;
Aprendizagem baseada em projetos num curso de técnico superior prossional de desenvolvimento de software
449
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 432-455, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
- Matemática: desenvolver competências matemáticas essenciais para a
abordagem dos conteúdos dos restantes módulos do CTeSP, nomeadamente,
módulos de Bases de Dados e de Programação, e para a resolução dos pro-
blemas que ocorrem ao longo do desenvolvimento e evolução dos projetos
propostos no CTeSP;
- Modelação de Sistemas de Software: conhecer ferramentas e técnicas fun-
damentais de modelação UML no contexto do desenvolvimento de software;
- Programação: conhecer conceitos associados a linguagens de programação
orientadas ao objeto, desenhar e relacionar classes por herança, associação
e agregação, implementar programas de computador com base em lingua-
gens orientadas ao objeto;
- Administração de Sistemas: adquirir know-how que permita realizar ta-
refas de administração de sistemas autónomos (desktops ligados à rede,
com autonomia funcional), explorar ferramentas básicas de virtualização
(de tipo hosted);
- Algoritmos e Estruturas de Dados: implementar estruturas de dados e algo-
ritmos de manipulação de estruturas de dados genéricas, medir a complexi-
dade de algoritmos;
- Conceção de Interfaces Gráficas: apresentar as principais questões associa-
das à ergonomia na interface humano-computador, conhecer os princípios
de usabilidade e acessibilidade em interfaces gráficas, adquirir conhecimen-
tos sobre o design gráfico digital, conhecer ferramentas disponíveis para o
desenho de interfaces gráficas;
- Desenvolvimento Colaborativo de Software: conhecer o princípio de funcio-
namento dos sistemas de gestão de versões, utilizar sistemas de gestão de
versões em projetos de software, colaborar com outros programadores em
projetos de desenvolvimento de software, recorrendo a sistemas de gestão
de versões;
- Desenvolvimento de Aplicações: desenvolver aplicações informáticas em
ambiente desktop gráfico baseado em eventos;
- Implementação e Administração de Bases de Dados: adquirir conceitos fun-
damentais de bases de dados, manusear sistemas, técnicas e ferramentas
de administração, gestão, e implementar bases de dados;
Paulo Alves, Carlos Morais, Luísa Miranda
450
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 432-455, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
- Introdução às Redes de Dados: descrever a arquitetura, a estrutura, as fun-
ções, os componentes e os modelos das redes de computadores (incluindo con-
ceitos de meio físico, Ethernet e endereçamento IP), desenvolver competências
adequadas que permitam construir LANs simples, executar configurações bá
-
sicas em routers e switches e implantar esquemas de endereçamento IP;
- Programação para a Web - Cliente: conhecer princípios de desenvolvimento
de páginas web em HTML, formatar páginas web, conhecer a programação
do lado do cliente e modos de desenvolvimento de sítios web responsivos;
- Programação para a Web – Servidor: desenvolver aplicações informáticas
na vertente do servidor utilizando uma framework;
- Publicação e Administração Web: adquirir competências para a instalação
e configuração de sistemas Linux com a pilha de desenvolvimento apache2/
nginx PHP e MySQLl, configuração de virtualhosts e tarefas de publicação,
atualização, backup e restauro de soluções web, utilizar serviços de aloja-
mento partilhados e dedicados;
- Sistemas de Gestão de Conteúdos: identificar as componentes de um Siste-
ma de Gestão de Conteúdos (CMS), instalar e configurar um CMS, imple-
mentar um sítio web, criar um template adequado e a estrutura de navega-
ção, e adicionar conteúdo no CMS, desenvolver plug-ins para extensão das
funcionalidades de um CMS;
- Computação Móvel: conhecer as principais arquiteturas dos dispositivos mó-
veis, conhecer as principais frameworks para desenvolvimento de dispositi-
vos móveis, conhecer as formas de interação dos utilizadores com dispositivos
móveis, adquirir conhecimentos de programação de aplicações móveis;
- Internet das Coisas: compreender a Internet e sua evolução até a Internet
das Coisas (Internet of Things – IoT), construir modelos e protótipos de
soluções contendo componentes IoT, apresentar casos práticos contendo IoT
da vida particular/doméstica ou empresarial;
- Programação de Dispositivos Móveis: desenvolver competências na imple-
mentação de aplicações para ambientes móveis, desenvolver aplicações
orientadas a serviços, integrar recursos de dispositivos móveis em aplica-
ções, publicar e gerir aplicações móveis;
- Programação de Serviços Web: implementar arquiteturas baseadas em ser-
viços e integrá-los em diferentes tipos de aplicações.
Aprendizagem baseada em projetos num curso de técnico superior prossional de desenvolvimento de software
451
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 432-455, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Projetos integrados – unidades curriculares administradas na instituição de ensino com
ligação à comunidade
Os projetos, tais como as restantes unidades curriculares, foram desenvolvidos
no sentido de responderem aos resultados de aprendizagem esperados para o cur-
so. No entanto, pelas suas características na utilização do conhecimento construído
nas restantes unidades curriculares, bem como do envolvimento com as empresas,
instituições e comunidade, destacam-se os objetivos em função do estudante e a
sua tipologia.
Objetivos dos projetos em função dos estudantes:
- Projeto Integrado I: selecionar metodologias de investigação de acordo com
a análise a efetuar, estruturar e redigir relatórios técnicos, estruturar e rea-
lizar apresentações e comunicações, propor soluções criativas para proble-
mas da comunidade no âmbito do desenvolvimento de soluções de software,
integrando conhecimentos de análise de requisitos, modelação de software
e modelação de bases de dados e aplicar metodologias e ferramentas CASE
e de gestão de projetos;
- Projeto Integrado II: propor soluções para problemas da comunidade no âm-
bito do desenvolvimento de soluções de software, integrando conhecimentos
de programação web (cliente e servidor), publicação web e sistemas de ges-
tão de conteúdos;
- Projeto Integrado III: propor soluções para problemas da comunidade inte-
grando conhecimentos de programação web (cliente e servidor), publicação
web e sistemas de gestão de conteúdos;
- Projeto Integrado IV: desenvolver projetos integrados de desenvolvimento
de software em articulação com a comunidade, integrando conhecimentos
de desenvolvimento para dispositivos móveis, Internet das Coisas e progra-
mação de serviços web.
O desenvolvimento dos projetos é sequencial, um em cada semestre, corres-
pondendo o projeto I ao 1.º semestre, o projeto II ao 2.º semestre, o projeto III ao 3.º
semestre, e o projeto IV ao 4.º semestre.
Em todo o acompanhamento e orientação dos projetos estará presente a me-
todologia de aprendizagem baseada em projetos, nomeadamente no modo com se
associa a teoria à prática, bem como no respeito e incentivo pela autonomia do
estudante e pelo papel que tem na construção do seu próprio conhecimento.
Paulo Alves, Carlos Morais, Luísa Miranda
452
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 432-455, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Estágios – unidades curriculares administradas na instituição de ensino com ligação à
comunidade
Como já foi referido, o curso técnico superior profissional de desenvolvimento
de software inclui no seu plano de estudos quatro estágios de duração crescente
do primeiro para o último, todos eles implicam uma elevada articulação com as
empresas ou instituições.
Com a integração dos estágios Estágio I, Estágio II, Estágio III e Estágio IV a
instituição de ensino pretende:
- dar a conhecer aos estudantes as empresas e instituições, bem como as suas
reais necessidades;
- promover a cooperação bidirecional entre a instituição de ensino e a comu-
nidade;
- inserir os estudantes no contexto real de trabalho;
- integrar o projeto educativo com a realização de projetos e resolução de pro-
blemas da comunidade;
- otimizar o tempo e a eficácia da permanência dos estudantes na comunidade;
- promover a criatividade e a capacidade de iniciativa dos estudantes.
Com a conclusão dos estágios, pretende-se que o estudante seja capaz:
- aplicar, em atividades praticas, conhecimentos adquiridos e novos conheci-
mentos apreendidos;
- evidenciar capacidade de análise dos problemas e espirito critico;
- desenvolver trabalho em equipa e tolerância a pressão;
- utilizar competências especificas do curso na sua atividade profissional;
- gerir atividades, no quadro das orientações pré-estabelecidas (sob supervi-
são geral), assumindo responsabilidade pelas suas realizações e com auto-
nomia de decisão e resolução de problemas de natureza técnica.
A referência a cada unidade curricular de um curso e respetivos objetivos quer
em função da instituição de ensino, quer em função do estudante poderão ajudar a
compreender as finalidades do curso, e as estratégias utilizadas na sua implemen-
tação, permitindo em cada momento avaliar a sua importância e atualização.
Aprendizagem baseada em projetos num curso de técnico superior prossional de desenvolvimento de software
453
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 432-455, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Considerações nais
É comum afirmar-se que não há melhor prática do que uma boa teoria. Assim,
não é possível desenvolver cursos tecnicamente ricos, que respondam às necessi-
dades e desafios das comunidades sem existirem teorias consistentes que os su-
portem. Por outro lado, as teorias sem a ligação às pessoas reais e às organizações
dificilmente poderão responder aos desafios de cada época e de cada comunidade.
Neste artigo partiu-se do pressuposto que as tecnologias de informação e co-
municação são essenciais para o desenvolvimento da sociedade, defendendo-se para
o processo de ensino e aprendizagem a utilização de metodologias ativas associadas
à prática, com destaque para a aprendizagem baseada em projetos. Apresentou-se
a caracterização dos cursos de técnico superior profissional e, como exemplo, o mo-
delo de um curso superior profissional de desenvolvimento de software, ministrado
numa instituição portuguesa de ensino superior público.
Defendeu-se, ainda, que a aprendizagem baseada em projetos pode ajudar os
estudantes a desenvolverem competências altamente tecnológicas e eficazes que
contribuam para a resolução de problemas complexos e para responder aos desa-
fios do século XXI.
O curso de técnico superior profissional de desenvolvimento de software que
foi objeto de reflexão neste artigo, tem a duração de dois anos letivos e encontra-
-se no 2.º ano de funcionamento, pelo que ainda não foi possível proceder à sua
avaliação. No entanto, as opiniões obtidas no contexto de funcionamento do curso,
de estudantes, professores, e responsáveis das empresas onde já foram realizados
estágios, indiciam apreciações muito positivas sobre o curso e o seu funcionamento,
assim como, comparando as médias das classificações das unidades curriculares
deste curso, com as médias de unidades curriculares de outros cursos com conteú-
dos idênticos, as do curso de técnico superior de desenvolvimento de software têm
sido mais elevadas.
Como perspetivas futuras espera-se proceder à avaliação do curso, utilizando
instrumentos adequados, nomeadamente em termos do grau de satisfação dos es-
tudantes com o curso e com as metodologias utilizadas, competências adquiridas,
empregabilidade, e grau de satisfação das entidades empregadoras destes profis-
sionais.
Paulo Alves, Carlos Morais, Luísa Miranda
454
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 432-455, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Nota
1
Iniciativa Portugal INCoDe.2030. Disponível em: <http://www.incode2030.gov.pt/>. Acesso em: 05 out. 2018.
Referências
BENDER, W. Project-based learning: differentiating instruction for the 21st century. Corwin:
Thousand Oaks, 2012.
BINKLEY, M. et al. Defining twenty-first century skills. In: GRIFFIN, P.; MCGAW, B.; CARE,
E. (Org.). Assessment and teaching of 21st century skills: methods and approach. Dordrecht:
Springer, 2012. p. 17-66.
BOYACI, S.; ATALAY, N. A scale development for 21st Century skills of primary school students:
a validity and reliability study. International Journal of Instruction, Ankara, v. 9, n. 1, p. 133-148,
2016.
CAVANAUGH, C. Project-based learning in undergraduate educational technology. In: SOCI-
ETY FOR INFORMATION TECHNOLOGY & TEACHER EDUCATION INTERNATIONAL
CONFERENCE. Proceedings… Atlanta, 2004. p. 2010-2016.
CHOUNTA, I.; MANSKE, S.; HOPPE, H. From Making to Learning: introducing Dev Camps
as an educational paradigm for Re-inventing Problem-based Learning. International Journal of
Educational Technology in Higher Education, v. 14, n. 1, p. 14-21, 2017.
COMISSÃO EUROPEIA. Uma nova agenda de competências para a Europa. 2016. Disponí-
vel em: <https://eur-lex.europa.eu/legal-content/pt/txt/pdf/?uri=celex:52016dc0381 &from=en>.
Acesso em: 05 out. 2018.
COMISSÃO EUROPEIA. Europe’s Digital Progress Report 2017. 2017. Disponível em: <https://
ec.europa.eu/digital-single-market/en/news/europes-digital-progress-report-2017>. Acesso em:
05 out. 2018.
DRAGOUMANOS, S.; KAKAROUNTAS, A.; FOUROU, T. Young technology entrepreneurship
enhancement based on an alternative approach of project-based learning. In: GLOBAL
ENGINEERING EDUCATION CONFERENCE (EDUCON), Proceedings… 2017. p. 351-358.
FLORIDA STATE UNIVERSITY. Instruction at FSU: a guide to teaching and learning practices.
Office of Distance learning, 7th edition. 2011. Disponível em: <https://distance.fsu.edu/instruc-
tors/instruction-fsu-guide-teaching-learning-practices>. Acesso em: 05 out. 2018.
ITURREGI, A. et al. Work in Progress: Project-based learning for electrical engineering. In:
IEEE GLOBAL ENGINEERING EDUCATION CONFERENCE (EDUCON). Proceedings…
Athens, 2017. p. 464-467.
KENNEDY, D. Writing and Using Learning Outcomes – a Practical Guide. Cork: University
College Cork, 2007.
KRAJCIK, J.; BLUMENFELD, P. Project-Based Learning. In: SAWYER, R. (Ed). The Cambridge
Handbook of the Learning Sciences. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.
Aprendizagem baseada em projetos num curso de técnico superior prossional de desenvolvimento de software
455
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 432-455, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
LAAR, E. et al. The relation between 21st-century skills and digital skills: a systematic litera-
ture review. Computers in Human Behavior, n. 72, p. 577-588, 2017.
LARMER, J.; MERGENDOLLER, J.; BOSS, S. Setting the standard for project based learning.
Alexandria, VA: ASCD, 2015.
MAHASNEH, A.; ALWAN, A. The Effect of Project-Based Learning on Student Teacher
Self-efficacy and Achievement. International Journal of Instruction, v. 11, n. 3, p. 511-524,
2018.
MARTINS, V. et al. Problem-based Learning Methodology Applied within a Data Network
Infrastructure Design Course: a Real Case Implementation. In: IBERIAN CONFERENCE
ON INFORMATION SYSTEMS AND TECHNOLOGIES, CISTI 2017, 12. Proceedings…
2017. p. 1891-1896.
MARX, R. et al. Inquiry‐based science in the middle grades: Assessment of learning in urban
systemic reform. Journal of Research in Science Teaching, Michigan, n. 41, p. 1063-1080, 2004.
NIEH, T.; CHOU, J. A Project-based Learning Design for teaching and learning of Mechatronics
Engineering, The Riderless Bicycle as an Application. In: IEEE GLOBAL ENGINEERING
EDUCATION CONFERENCE (EDUCON). Proceedings… 2018. p. 251-256.
REQUIES, J. et al. Evolution of Project-Based Learning in Small Groups in Environmental
Engineering Courses. Journal of Technology and Science Education, Terrassa, v. 8, n. 1, p. 45-62,
2018.
RIBEIRO, L.; MIZUKAMI, M. Uma Implementação da Aprendizagem Baseada em Problemas
(PBL) na Pós-Graduação em Engenharia sob a Ótica dos Alunos. Semina: Ciências Sociais e
Humanas, Londrina, v. 25, p. 89-102, 2004.
RIVET, A.; KRAJCIK, J. Achieving Standards in Urban Systemic Reform: An Example of a
Sixth Grade Project-Based Science Curriculum. Journal of Research in Science Teaching, v. 41,
n. 7, p. 669-692, 2004.
SEMANA, L.; HAUSMANNB, R.; BEZERRA, E. On the students’ perceptions of the knowledge
formation when submitted to a Project-Based Learning environment using web applications.
Computers & Education, v. 117, p. 16-30, 2018.
VOOGT, J.; ROBLIN, N. A comparative analysis of international frameworks for 21st century
competences: Implications for national curriculum policies. Journal of Curriculum Studies,
London, v. 44, n. 3, p. 299-321, 2012.
WORLD ECONOMIC FORUM. The Future of Jobs. Global Challenge Insight Report. 2016. Dis-
ponível em: <http://reports.weforum.org/future-of-jobs-2016>. Acesso em: 05 out. 2018.
Luciano Frontino de Medeiros, Luana Priscila Wünsch
456
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Ensino de programação em robótica com Arduino para alunos do ensino
fundamental: relato de experiência
Teaching Arduino robotics programming for elementary school students: experience report
Luciano Frontino de Medeiros
*
Luana Priscila Wünsch
**
Resumo
Este artigo relata práticas de ensino de programação para a plataforma Arduino, vivenciadas por meio de um
curso elaborado para alunos do ensino fundamental II pertencentes a nove escolas públicas do município de
Curitiba, abrangendo ao todo 117 alunos do 5º ao 9º ano. Esses alunos fazem parte de grupos que participam de
competições de robótica de forma regular, entretanto, sem possuir familiaridade com a plataforma Arduino, de
modo geral. No decorrer do curso, os alunos foram observados e constatou-se a capacidade de aprendizado em
um tempo bastante breve, assim como as diculdades na assimilação dos conceitos básicos de programação,
os quais eram apresentados de forma incremental e tendo foco na proposição de desaos a partir de noções
mais simples. O uso do simulador para as tarefas de programação facilitou a transição da forma de programação
visual, da qual os alunos já possuíam certo conhecimento, para uma programação mais textual. Este relato busca
mostrar, ainda, como o aprendizado de programação pode auxiliar na constituição do pensamento formal a par-
tir do concreto. Ficou evidenciado o caráter motivador que as atividades de robótica proporcionam ao processo
de aprendizagem e que podem, por sua vez, servir de facilitador para a introdução de conceitos mais complexos
relativos a linguagens de programação.
Palavras-chave: Ensino de programação na educação básica. Pensamento computacional. Programação para Ar-
duino. Robótica educacional.
*
Doutor em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina, com pós-doutorado
em Inteligência Articial na Universidade Politécnica de Madri (2013). Professor permanente do Programa de Pós-
-Graduação Stricto Sensu em Educação – Mestrado Prossional: Educação e Novas Tecnologias do Centro Universitá-
rio Internacional (Uninter), São Paulo, Brasil. E-mail: luciano.me@uninter.com
**
Doutora em Educação pela Universidade de Lisboa. Professora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Educação – Mestrado Prossional: Educação e Novas Tecnologias do Centro Universitário Internacional (Uninter), São
Paulo, Brasil.E-mail: luana.w@uninter.com
Recebido em 30/09/2018 – Aprovado em 27/02/2019
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v26i2.8701
Ensino de programação em robótica com Arduino para alunos do ensino fundamental: relato de experiência
457
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Abstract
The paper reports the experiences of teaching programming for the Arduino platform, through a course de-
signed for Elementary School II students belonging to 9 (nine) public schools in the city of Curitiba, covering 117
students from the 5th to 9th grade . These students are part of groups that participate in robotics competitions
on a regular basis, however without being familiar with the Arduino platform in general. During the course, the
students were observed and the learning capacity of the students was veried in a very short time, as well as
the diculties in the assimilation of the basic concepts of programming, which were presented incrementally
and focusing on the proposition of challenges from basic notions. The use of the simulator for the programming
tasks facilitated the transition from the form of visual programming, of which the students already had certain
knowledge, for a more textual programming. It is also tried to show how the programming learning can help
in the constitution of the formal thought from the concrete. It was evidenced the motivating character that the
robotic activities provide to the learning process and that, in turn, can serve as a facilitator for the introduction
of more complex concepts related to programming languages.
Keywords: Teaching programming in basic education. Computational thinking. Programming for Arduino. Edu-
cational robotics.
Introdução
Nos últimos anos, tem-se constatado de maneira mais frequente as dificulda-
des dos alunos brasileiros com conteúdos de matemática e ciências. Os resultados
apontados pelo Programme for International Student Assessment (Pisa), em 2015,
mostraram que, com relação à média dos países da Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Económico (OCDE), na avaliação de alunos que têm em média
15 anos e estão próximos de terminar o ciclo da educação básica, o Brasil está bem
abaixo, alcançando 401 pontos em ciências contra uma média de 493 pontos, e 377
pontos em matemática contra uma média de 490 pontos (OCDE, 2015).
Em contraponto, dados obtidos do Sistema de Avaliação da Educação Básica
(Saeb), do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep) (2017), vinculado ao Ministério da Educação (MEC), têm mostrado que, para
alunos dos anos iniciais e finais do ensino fundamental, a média em Matemática é
crescente, enquanto fica estagnada no ensino médio. Na Figura 1, é possível com-
parar o desempenho desde 2005 até 2017. Entretanto, os índices ainda se configu-
ram aquém se comparados com as metas do grupo 3, estabelecidas pelo movimento
Todos pela Educação, exceto para os anos iniciais.
1
Esse cenário permite vislum-
brar que os desafios e oportunidades não são poucos na adoção de iniciativas para
melhorar o desempenho dos alunos. O ensino de tecnologias educacionais baseadas
em robótica e programação pode se constituir num elemento impulsionador para
a melhoria destes níveis, de maneira geral nas disciplinas de ciências, tecnologia,
engenharia e matemática, denominadas de forma comum pela sigla STEM (Scien-
ce, Technology, Engineering and Mathematics).
Luciano Frontino de Medeiros, Luana Priscila Wünsch
458
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Figura 1 – Desempenho em matemática na educação básica de 2005 a 2017
* A meta nas primeiras colunas é a estipulada pelo movimento Todos pela Educação.
Fonte: Saeb – Inep/MEC, Todos pela Educação (2017).
Em nível curricular, ainda que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
esteja propondo o ensino de fluxogramas para representação de processos de reso-
lução e problemas passo a passo em algumas habilidades do 6º ao 9º ano, carece-se
da descrição de habilidades relativas ao pensamento computacional, bem como de
conceitos de ensino de programação. Tomando como base iniciativas que acontecem
em outros países, como nos Estados Unidos, onde a Computer Science Teacher
Association (CSTA), uma associação de professores da área de Ciência da Com-
putação, delineou um conjunto central de objetivos de aprendizagem desenhados
para fornecer a base para um currículo completo em ciência da computação e sua
implementação no nível K-12 (relativo aos níveis de ensino fundamental e médio).
Apenas como ilustração, o primeiro nível (1-A), que abrange a faixa de 5 a 7 anos de
idade, já prevê o desenvolvimento de programas com sequências e loops (laços de
repetição) simples, para expressar ideias ou para mapear problemas (CSTA, 2017).
As bases teóricas do ensino da robótica e da programação têm como pano de
fundo a abordagem do pensamento computacional. Wing (2006) defende que o pen-
samento computacional é uma habilidade a ser desenvolvida não somente para os
Ensino de programação em robótica com Arduino para alunos do ensino fundamental: relato de experiência
459
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
cientistas da computação, mas para qualquer pessoa, e que deveria ser já abordado
no ensino fundamental, juntamente com aritmética, leitura e escrita. Pensar como
um cientista da computação requer altos níveis de abstração. Porém, a noção por
trás do pensamento computacional vai além de programar, sendo na verdade “con-
ceituar”. Como atividade típica, o pensamento computacional envolve a reformula-
ção de um problema aparentemente difícil de uma forma que se saiba resolver. Não
se trata de tentar fazer seres humanos pensarem como computadores.
Grover e Pea (2013, p. 39-40) listam uma série de elementos relativos ao pen-
samento computacional que deveria estar na base de qualquer currículo escolar: i)
abstrações e generalização de padrões; ii) processamento sistemático da informa-
ção; iii) sistemas de símbolos e representações; iv) noções algorítmicas de controle
de fluxo; v) decomposição estruturada de problemas; v) pensamento iterativo, re-
cursivo e paralelo; vi) lógica condicional; vii) restrições de performance e eficiência;
viii) depuração e detecção sistemática de erros.
A partir da problemática explicitada, este artigo detalha uma experiência de
ensino de programação, utilizando em específico a plataforma Arduino. Buscou-se
explorar as possibilidades do uso da robótica e da linguagem Scratch como facilita-
dores para o entendimento de conceitos mais complexos de programação, utilizan-
do como recurso um simulador de Arduino. O curso foi planejado para alunos que
já possuíam alguma experiência com robótica, o que de certa forma permitiu traba-
lhar aspectos mais avançados. Na sequência do artigo, são apresentados os temas
relativos à programação, relacionando-os a alguns aspectos da aprendizagem e da
programação com Arduino e Scratch. Depois, mostra-se o planejamento do curso
de programação, seguido pelo relato da experiência e pelas considerações finais.
A atividade de programação e aspectos cognitivos
Programar significa, em suma, construir algoritmos. De acordo com Cormen
et al. (2002), um algoritmo pode ser entendido como uma sequência de passos que
transformam as entradas em saídas. Assim,
[...] podemos visualizar um algoritmo como uma ferramenta para resolver um problema
computacional bem especificado. O enunciado do problema especifica em termos gerais o
relacionamento entre a entrada e a saída desejada. O algoritmo descreve um procedimento
computacional específico para se alcançar esse relacionamento da entrada com a saída
(CORMEN et al., 2002, p. 3).
Luciano Frontino de Medeiros, Luana Priscila Wünsch
460
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Da concepção de algoritmo como uma sequência de passos para se atingir um
objetivo, pode-se enquadrar tudo aquilo que se ensina para um aluno em termos de
procedimentos que envolvem operações lógicas ou matemáticas, tais como a reso-
lução de equações ou mesmo o problema de se encontrar o máximo divisor comum
ou o mínimo múltiplo comum. Assim, os professores podem não se dar conta, mas
ensinam algoritmos em vários momentos aos seus alunos.
Kazimoglu et al. (2012) sumarizam, a partir de uma série de estudos, um
conjunto comum de habilidades que são trabalhadas na abordagem do pensamento
computacional: a resolução de problemas, a construção de algoritmos, a depuração,
a simulação e a socialização. A resolução de problemas refere-se ao raciocínio lógico
feito por meio de diversos modelos computacionais. Isso inclui a aplicação da de-
composição do problema em partes menores ou mesmo para gerar alternativas de
representação. A construção de algoritmos envolve a elaboração de procedimentos
passo a passo para a solução de um problema em particular. A depuração pressupõe
a análise dos problemas quanto aos erros lógicos que podem acontecer, na qual o
aluno trabalha com o feedback e deve rever as regras ou estratégias de abordagem
do problema. A simulação envolve a implementação de modelos no computador. E,
por fim, o aspecto da socialização envolve coordenação de esforços, cooperação e/ou
competição durante os estágios de resolução do problema.
Lidar com o ensino e a aprendizagem de programação no nível do ensino fun-
damental pressupõe trabalhar com alunos que estão, à luz da teoria piagetiana, na
transição da fase operatório-concreta para a operatório-formal. Este último estágio é
identificado com o aparecimento do pensamento proposicional, que não fica mais res
-
trito à consideração do concreto, mas começa a lidar também com o domínio daquilo
que é hipotético (LEFRANÇOIS, 2013, p. 260). O sujeito não precisa mais do apoio
no pensamento concreto e pode admitir possibilidades de explicar ou resolver uma
situação antes de experimentá-la na realidade, ou seja, começa a elaborar hipóteses
(MARTINELLI; MARTINELLI, 2016, p. 52). Assim, a tendência é que um indivíduo
na fase operatório-formal faça algo mais do que testar proposições individuais.
Ele raciocina sobre as relações lógicas que existem entre duas ou mais proposições, uma
forma mais útil e abstrata de raciocínio que Piaget chamou de interproposicional. A mente
menos madura olha somente para a relação factual entre uma proposição e a realidade em-
pírica à qual ela se refere; a mente mais madura olha também ao contrário, para a relação
lógica entre uma proposição e outra (FLAVELL; MILLER; MILLER, 1999, p. 118).
Na atividade de programação, um aluno irá desenvolver hipóteses sobre como
resolver um problema, irá testar diferentes proposições na forma de comandos
Ensino de programação em robótica com Arduino para alunos do ensino fundamental: relato de experiência
461
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
e códigos expressos em uma linguagem de programação específica, com os quais
irá elaborar os algoritmos, refinando o programa conforme o processo iterativo de
depuração. Portanto, o aprendizado de programação pode auxiliar no desenvolvi-
mento das estruturas cognitivas necessárias para que o aluno comece a lidar com
o pensamento formal.
Além da teoria construtivista, a robótica e a programação também se funda-
mentam na abordagem do Construcionismo de Papert. Na crítica às apropriações
equivocadas da teoria de Piaget quanto ao posicionamento do pensamento formal
num patamar acima do pensamento concreto, no sentido estrito de uma sucessão
de estágios, Papert busca resgatar a importância de se trabalhar a qualquer mo-
mento a inteligência concreta.
O Construcionismo é construído sobre a suposição de que as crianças farão melhor des-
cobrindo [...] por si mesmas o conhecimento específico de que precisam; [...]. O tipo de co-
nhecimento que as crianças mais precisam é o que as ajudará a obter mais conhecimento
(PAPERT, 2008, p. 135).
Resnick, um dos criadores do Scratch, acrescenta que alinhado ao conceito
de programação está a fluência digital, que não deve significar apenas saber con-
versar em um chat, navegar em um site e interagir virtualmente, mas também
adquirir habilidades de design, criar e inventar novas mídias. Para se alcançar
este objetivo, é necessário o aprendizado de alguma forma de programação. As
habilidades de programação ampliam consideravelmente a faixa do que pode ser
criado e utilizado para se expressar com o computador. De forma particular, pro-
gramação dá suporte para o pensamento computacional, ajudando no aprendizado
de resolução de problemas e estratégias de design que se movem para domínios de
não programação (RESNICK et al., 2009, p. 62).
Assim, a programação pode desempenhar um papel fundamental na transfor-
mação das “caixas pretas” em “caixas brancas”. Campos (2017, p. 2116) ressalta a
necessidade da mudança da metáfora da “caixa preta”, assentada na ideia de que
a programação de robôs seria uma tarefa muito complexa para uma criança. Bliks-
tein (2013) afirma que as dificuldades percebidas pelos alunos estão muito mais
assentadas nos problemas e nas deficiências de design das plataformas do que nas
possibilidades cognitivas dos próprios alunos.
Muito diferente desta perspectiva, as metodologias ativas requerem a transição para um
design transparente, “caixa branca”, dos robôs, onde os usuários podem construir e descons-
truir objetos, podem programar robôs e ter acesso profundo às estruturas dos artefatos por
eles mesmos ao invés de apenas consumir tecnologias prontas (CAMPOS, 2017, p. 2116).
Luciano Frontino de Medeiros, Luana Priscila Wünsch
462
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Talvez esta, assim como o baixo custo, seja uma das razões da aceitação e
disseminação da plataforma Arduino nas escolas. A possibilidade de se lidar com
uma plataforma aberta, com um vasto conhecimento distribuído, permitindo cons-
truções de forma incremental e um acesso mais profundo às montagens, tem se
tornado um atrativo formidável na consideração de tal plataforma para auxiliar no
ensino e na aprendizagem.
Programação com Arduino
De forma sintética, Arduino é uma plataforma de microcontrolador que, devi-
do à facilidade de uso e à sua natureza aberta, tem alcançado enorme popularidade
entre os entusiastas da cultura maker. O Arduino permite a realização do que se
denomina de “computação física”, por meio da conexão de seus circuitos eletrônicos
aos seus terminais, visando ao controle de dispositivos, tais como LED e motores,
ou para a medição de variáveis, tais como temperatura e luminosidade (MONK,
2013, p. 5).
Ainda de acordo com Monk (2013, p. 6), um microcontrolador pode ser conside-
rado um pequeno computador, contendo elementos que também existem nos com-
putadores pessoais, como memória para guardar programas e dados. Entretanto,
uma das diferenças básicas é a disponibilidade direta de terminais que permitem
a conexão com outros dispositivos. Esses terminais são chamadas de “portas de
entrada e saída” (ou, resumidamente, portas E/S). As portas permitem a leitura
ou escrita de dados digitais ou lógicos (por exemplo, identificar se uma chave está
ligada ou desligada) ou de dados analógicos (por exemplo, qual a voltagem presente
em um pino, qual o nível de luz que está incidindo no sensor).
A origem do Arduino remonta ao seu desenvolvimento na Itália como recur-
so para auxiliar no ensino de estudantes. Apenas em 2005 foi lançado comercial-
mente, por Massimo Banzi e David Cuartielles, tornando-se um produto muito
bem-sucedido entre fabricantes, estudantes e artistas, por causa da facilidade de
utilização e da sua durabilidade. Um fator considerado chave no sucesso do Ardui-
no é a disponibilidade das licenças de forma gratuita (conforme o licenciamento
da Creative Commons), o que permitiu o aparecimento de placas alternativas com
custo mais baixo (MONK, 2013, p. 6-7).
Quando comparado com um computador pessoal ou notebook, um Arduino é
extremamente modesto em termos de recursos. Uma das placas mais populares
da família é o Arduino Uno, que possui um clock de 16 MHz, que indica a veloci-
Ensino de programação em robótica com Arduino para alunos do ensino fundamental: relato de experiência
463
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
dade de processamento (comparando com um computador pessoal de 1 GHz, por
exemplo, o Arduino é cerca de 60 vezes mais lento), possui memória RAM de 2
kilobytes, utilizada para processar os dados de um programa (cerca de 2 milhões
de vezes menor que um computador com 4 gigabytes). Para armazenar os progra-
mas para execução, esta placa possui uma memória flash de 32 kilobytes (cerca
de 32 milhões de vezes menor que um disco rígido de 1 terabyte). Para permitir a
computação física, oferece 28 portas de E/S, possibilitando a conexão com vários
dispositivos ou módulos externos.
Com o Arduino na condição de um controlador, é possível o desempenho de
uma série de tarefas relacionadas com robótica. A atividade de um robô pressupõe
autonomia de ação, para isso é necessário que ele “sinta” o ambiente em que está
inserido e “aja” conforme os objetivos que foram estabelecidos para ele. Conforme
Mataric (2014, p. 19), “[...] um robô é um sistema autônomo que existe no mundo,
pode sentir o seu ambiente e pode agir sobre ele para alcançar alguns objetivos”.
Dessa forma, ele precisa ter “sensores” para perceber o que acontece no ambiente
e coletar informações. Existem sensores de luz, proximidade, temperatura, som e
infravermelho. Para agir sobre o mundo, é necessário que o robô seja conectado
com “atuadores”, tais como lâmpadas de LED, motores e braços articulados.
A modularização tem se constituído num conceito chave para a redução da
complexidade nas plataformas de robótica. Por meio da modularização, o nível de
conhecimento para o uso de dispositivos eletrônicos não mais requer estudo profun-
do de eletrônica ou automação. As plataformas oferecem, atualmente, módulos que
encapsulam funções mais complexas, fazendo com que operem como “caixas-pre-
tas”. Por exemplo, na plataforma Arduino, há o conceito de shield: dispositivos com
função específica que compartimentam a complexidade dos circuitos, “isolando-os
da montagem de alto nível do kit” (MCROBERTS, 2011, p. 26). Portanto, é neces-
sário apenas o conhecimento operacional das entradas e saídas para conectá-los
ao sistema em montagem pelo usuário final e fazê-lo funcionar. Como exemplos de
shields, tem-se os sensores de ultrassom, controladores para motores e conectivi-
dade por bluetooth.
Para o funcionamento dos circuitos utilizados com o Arduino, é necessário que
seja gravado no seu microcontrolador um programa. Um programa é constituído
de uma sequência ordenada de comandos para a obtenção de algum resultado. Ou
seja, um programa é a implementação real de um algoritmo. Enquanto que um
algoritmo tem uma característica mais abstrata e conceitual, um programa é uma
realização concreta. Programar é, portanto, uma atividade de escrita de instruções
Luciano Frontino de Medeiros, Luana Priscila Wünsch
464
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
ou comandos em uma linguagem específica, para a realização de alguma tarefa ou
obtenção de um resultado. De acordo com Monk (2013, p. 28), “[...] um programa
representa uma lista de instruções, as quais devem ser executadas na ordem em
que foram escritas”.
A programação para o Arduino é feita utilizando-se um ambiente de desen-
volvimento baseado em uma versão da linguagem C adaptada para a plataforma.
O programador, após digitar os comandos de um programa específico, faz a compi-
lação (ou seja, traduz o programa para a linguagem do microcontrolador) e depois
carrega o programa no Arduino propriamente dito, ficando armazenado na memó-
ria flash. Esse processo acontece de forma iterativa, e por meio da reflexão o aluno
pode comparar os resultados com aquilo que foi planejado.
Com relação à cognição e à aprendizagem, a atividade de programação com o
Arduino permite, portanto, estabelecer uma ponte entre o pensamento concreto e
o formal. Enquanto a montagem dos circuitos com o Arduino permite lidar com os
aspectos de aprendizagem mais relacionados aos elementos físicos, pertencentes à
realidade, a atividade de programação incentiva a criação de estruturas cognitivas
que permitirão ao aluno lidar com as abstrações oriundas da escrita do código, em
linguagem de programação. Essa constatação permite mostrar que a programação
com Arduino pode muito bem se adaptar à fase de transição do pensamento concre-
to para o formal, próprio dos alunos do ensino fundamental II.
Programação em Arduino com Scratch
Seymour Papert teve um papel fundamental na introdução dos computadores
na educação, originando a corrente do Construcionismo. A partir da influência dos
anos em que esteve ao lado de Jean Piaget e também das pesquisas com inteligên-
cia artificial no Massachussetts Institute of Technology (MIT), Papert estabelece
uma teoria que compartilha com a noção construtivista sobre o desenvolvimento
cognitivo do aluno como um processo ativo de construção/desconstrução de estrutu-
ras mentais. No Construcionismo, o aprendizado acontece como um processo ativo
no desenvolvimento de projetos, quebrando a visão tradicional de um professor que
transmite conteúdos para os alunos (MALTEMPI, 2004, p. 288).
Entretanto, apenas as atividades em que os alunos “colocam a mão na massa”
(hands-on) não são suficientes. É necessário o envolvimento do aprendiz com aqui-
lo que está fazendo, comprometendo-se também com metas e resultados. Assim,
Ensino de programação em robótica com Arduino para alunos do ensino fundamental: relato de experiência
465
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
a abordagem construcionista proporciona maior controle do aluno na definição e
resolução de problemas.
A ideia é criar um ambiente no qual o aprendiz esteja conscientemente engajado em cons-
truir um artefato público e de interesse pessoal [...]. Portanto, ao conceito de que se aprende
melhor fazendo, o Construcionismo acrescenta: aprende-se melhor ainda quando se gosta
do que se faz, se pensa e se conversa sobre isso (MALTEMPI, 2004, p. 288).
Uma das ferramentas mais conhecidas de Papert foi a linguagem Logo, que
mostrou como as noções construcionistas podiam alcançar resultados práticos (PA-
PERT, 2008). Por meio da interação com uma tartaruga virtual na forma de cursor,
o aprendiz poderia digitar comandos que permitiam a construção de figuras geomé-
tricas. A tartaruga podia “aprender” comandos com complexidade crescente.
Na utilização do Logo Gráfico, segundo as ideias construcionistas, o aprendiz assume uma
postura ativa frente ao seu aprendizado e ao computador e vai, através do desenvolvimento
de projetos pessoais, explorando novos conceitos e progredindo em seu próprio ritmo (MAL-
TEMPI, 2004, p. 289).
Na esteira da proposta construcionista do Logo, o Scratch (MALONEY; RESN-
ICK; RUSK, 2010, p. 2) surge como um ambiente de programação visual que per-
mite aos usuários criar projetos interativos e ricos em mídias. Uma aplicação em
Scratch é utilizada para criar projetos contendo mídias e roteiros (scripts). Imagens
e sons podem ser importados ou mesmo criados em Scratch utilizando uma ferra-
menta de pintura embutida e um gravador de som. A programação é feita por meio
do encaixe de blocos de comandos coloridos para controlar objetos gráficos bidimen-
sionais (sprites), para movimentarem-se em um pano de fundo chamado de “palco”.
Os projetos em Scratch podem ser salvos para arquivos no sistema operacional ou
compartilhados na página web do Scratch.
Ainda de acordo com a abordagem construcionista, para auxiliar os aprendi-
zes no engajamento de seus projetos pessoais com motivação e significado, o Scrat-
ch torna fácil a importação ou criação de muitos tipos de mídias (imagens, sons,
músicas), permitindo compartilhamento, recebimento de feedback e encorajamento
dos seus pares, inclusive para aprender a partir de projetos de outros alunos. Uma
característica chave do Scratch é introduzir programação para aqueles que não
possuem experiência prévia (MALONEY; RESNICK; RUSK, 2010, p. 3).
Para auxiliar na programação com Arduino e torná-la mais visual, algumas
iniciativas têm utilizado o modelo proporcionado pelo Scratch para permitir a
escrita de programas em linguagem visual, além da programação textual com a
linguagem C. Uma dessas iniciativas é o Tinkercad® – Circuits,
2
criado pela Au-
Luciano Frontino de Medeiros, Luana Priscila Wünsch
466
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
todesk®, que é um simulador de circuitos eletrônicos que permite a montagem
virtual de circuitos com Arduino e uma ampla gama de dispositivos eletrônicos.
Além dos componentes, oferece um ambiente de programação que permite manter
o programa escrito em linguagem C, em linguagem Scratch, ou mesmo uma com-
binação das duas linguagens. A simulação reproduz, da forma mais fiel possível, o
desempenho dos circuitos, constituindo-se numa ferramenta bastante útil para o
aprendizado inicial de programação em Arduino.
Para ilustrar a facilidade de compreensão do Scratch, na Figura 2, encontra-se
um pequeno programa, geralmente utilizado como um primeiro exemplo para pro-
gramar em Arduino, que faz uma lâmpada LED piscar continuamente. Enquanto
na esquerda está o programa escrito na linguagem C para o Arduino, na direita
está o programa correlato em Scratch, mostrando o apelo visual na programação.
No Scratch, o comando em cor azul modifica o estado do LED (aceso para “HIGH”
e apagado para “LOW”), enquanto que o comando em cor laranja especifica uma
espera de 1 segundo para cada ação. Já na linguagem C, apesar de intuitivo, é
necessário o comando na forma de texto.
Figura 2 – Comparação de códigos em linguagem C do Arduino e em Scratch
Fonte: elaboração dos autores, 2018.
Planejamento do curso de programação
A elaboração do curso de programação foi feita de forma colaborativa, envolven-
do o Grupo de Pesquisa Novas Tecnologias de Ensino e Aprendizagem do Programa
de Pós-Graduação – Mestrado Profissional em Educação e Novas Tecnologias do
Centro Internacional Uninter, juntamente com a Coordenação de Tecnologias da
Secretaria de Educação de Curitiba. Após uma reunião preliminar e um curso vi-
sando à formação dos professores participantes, foi estabelecida a participação das
Ensino de programação em robótica com Arduino para alunos do ensino fundamental: relato de experiência
467
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
escolas que de forma regular estão presentes nas competições de robótica nacionais
e mesmo internacionais. Dessa forma, o objetivo do curso seria o de dotar os alunos
de mais conhecimento sobre a programação com Arduino, para a eventual amplia-
ção de uso de plataformas prevista para as próximas edições das competições de
robótica. Foram escolhidas 9 escolas, prevendo-se a aplicação do curso para 117
alunos, 53% meninos e 47% meninas, mediana de 12 anos de idade e do 7º ano do
ensino fundamental. As escolas possuem um professor líder do grupo de robótica,
o qual é responsável pelas atividades que o grupo precisa desenvolver, bem como
por estabelecer os participantes e os horários de reuniões com os alunos. A maioria
aproveitaria os horários de contraturno para o desenvolvimento das atividades de
robótica.
A experiência de robótica desses grupos está relacionada com o uso de kits
da plataforma Lego, a qual se constitui num ecossistema proprietário de peças,
componentes e software de programação, que não permite a interação com outras
plataformas mais abertas. Na intenção de dar oportunidade para o uso de outras
plataformas, inclusive com o apelo do baixo custo, a Secretaria de Educação bus-
ca incentivar o uso de alternativas, tais como a plataforma Arduino, que cresceu
muito nos últimos anos e está sendo adotada como referência para se trabalhar a
robótica de baixo custo e a internet das coisas (MONK, 2013).
O curso foi programado para acontecer em cinco dias, envolvendo duas ou três
escolas por dia, agendado para a manhã ou a tarde, de acordo com a disponibilida-
de da escola. Com a carga horária de 3 horas, o conteúdo previsto abordava:
a) o que é programação;
b) a plataforma Arduino;
c) programação textual x visual;
d) tipos de sensores e atuadores;
e) simulador de Arduino: Tinkercad® – Circuits;
f) comandos básicos de programação em Scratch;
g) prática: montagem de LED piscante;
h) desafios: construção de semáforo, rotação de servomotor, sensor de tempera-
tura;
i) montagem física e teste dos circuitos.
Luciano Frontino de Medeiros, Luana Priscila Wünsch
468
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
As atividades foram desenvolvidas nos laboratórios de informática preparados
para o curso de programação. Também, foi fornecido um kit para que os alunos pu-
dessem visualizar de forma concreta os dispositivos e os componentes que seriam
abordados. O kit continha, dentre outros dispositivos:
a) uma placa de Arduino Uno;
b) uma protoboard (matriz de pinos ou ilhas para permitir as diversas cone-
xões entre componentes em si e entre o Arduino);
c) lâmpadas LED de diversas cores;
d) sensores de luminosidade, ultrassom e temperatura;
e) servomotor (tipo de motor no qual se fornece um ângulo para girar);
f) resistores para ligar com as lâmpadas LED;
g) fios para conexão.
Após a explicação inicial do Arduino, dos sensores e atuadores, era introdu-
zido o simulador Tinkercad®. Os alunos deveriam fazer o registro na ferramenta
e logo depois estavam aptos a desenhar os circuitos. O primeiro circuito que de
-
veriam montar era o LED piscante, feito a partir da demonstração do professor
passo a passo, objetivando a familiarização com os aspectos operacionais do si
-
mulador, conforme mostrado na Figura 3. Durante a montagem no simulador,
o professor explicava que não se podia ligar um LED diretamente na porta, sob
pena de danificar (o que era mostrado no próprio simulador), devendo requerer
uma ligação por meio de um resistor. Para melhor entendimento do papel de um
resistor, o professor mostrava uma resistência de chuveiro, que possui uma função
semelhante. Portanto, o aluno deveria primeiro localizar e colocar o Arduino na
tela e depois a protoboard logo ao lado. Em seguida, deveria colocar a lâmpada
LED (o aluno poderia escolher a cor, inclusive) e o resistor na protoboard. Ao final,
deveria fazer as ligações com os “fios” virtuais nos terminais na ordem certa, para
fazer o circuito funcionar. Neste primeiro exemplo, o Tinkercad® já traz embutido
o programa visto na Figura 2, de forma que não há necessidade, neste momento,
de desenvolver o programa. Os alunos poderiam então analisar o programa e fazer
alterações, como variar o tempo de espera para acender ou apagar. Paralelamente
à montagem no simulador, eles deveriam reproduzir também a montagem física,
utilizando os kits.
Ensino de programação em robótica com Arduino para alunos do ensino fundamental: relato de experiência
469
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Figura 3 – Primeira montagem proposta no simulador, um circuito de lâmpada LED piscante
Fonte: elaboração dos autores, 2018.
Na explicação dos sensores, o professor utilizava exemplos do cotidiano para
auxiliar na compreensão da sua função. Em um dos sensores abordados, o de lu-
minosidade, era solicitado aos alunos que identificassem na caixa do kit qual era
o respectivo sensor. Esse sensor era do mesmo tipo daquele utilizado nos postes
de iluminação pública, fazendo com que as lâmpadas acendam ao anoitecer e apa-
guem ao amanhecer. Para o funcionamento do sensor de ultrassom, era feita uma
analogia com os sonares dos submarinos.
No segundo momento do curso, eram resumidos os comandos possíveis para
utilizar no Scratch do simulador. Como a proposta do Scratch é bastante similar
entre diferentes plataformas que oferecem o recurso e também devido à familia-
ridade dos alunos com o Scratch, tal fase consistia mais numa espécie de revisão.
Em seguida, o professor propunha desafios para montar um semáforo com três
lâmpadas LED, devendo cada um ficar ligado de acordo com os semáforos de rua.
O professor colocava apenas um slide mostrando uma sugestão de conexões e os
alunos deveriam montar o mesmo circuito, porém, devendo montar também o pro-
grama para fazê-lo funcionar.
Outro desafio proposto era a montagem de um servomotor. Esta montagem
era mais simples. Entretanto, primeiro era proposto que o servomotor girasse 90
graus, o que é possível utilizando apenas um bloco de comando do Scratch. Na se-
quência, era proposto que o servomotor girasse 90 graus, porém de 10 em 10 graus.
Após a atividade com o simulador, ao final, era explicado como eles deveriam fazer
para programar o Arduino fisicamente.
Luciano Frontino de Medeiros, Luana Priscila Wünsch
470
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
A metodologia adotada para a coleta das informações sobre o desempenho
dos alunos foi a observação, centrada na execução das atividades de programação
propostas durante o curso. Dois integrantes do grupo de pesquisa, na condição
de auxiliares, faziam as anotações relativas ao desempenho dos alunos. Poderia
haver alguma orientação para a execução da tarefa, entretanto, sem fornecer os
comandos prontos ou as respostas. O grupo de pesquisa contou também com dois
alunos de iniciação científica do curso de Engenharia da Computação para suporte
e orientação nas montagens.
Na prática com as escolas
Nos dias em que foram agendados os cursos, ao chegarem à instituição, os alu-
nos eram direcionados ao laboratório no qual aconteceria a atividade. Foi solicitado
que os alunos formassem pares ou trios para cada computador. Os kits de Arduino
eram distribuídos e o professor projetava os slides para fazer as explicações sobre
os conteúdos.
No primeiro momento do curso, acontecia a explanação sobre o conceito de
programação, em que era perguntado sobre a familiaridade com programação e
com robótica dos alunos. Foram explorados exemplos do cotidiano para embasar o
conceito de algoritmo. Devido à especificidade dos grupos, a maioria era familiar
com as montagens utilizando Lego, e apenas aqueles alunos mais recentes nos
grupos não possuíam nenhuma familiaridade. Já com relação ao Arduino, a fami-
liaridade foi muito pontual. Entretanto, uma das escolas já iria utilizar um robô
construído com a plataforma Arduino para a competição de robótica, cujos alunos
mostravam um bom conhecimento da plataforma.
Durante a explicação, o professor mostrava alguns exemplos já montados,
como um carro robô seguidor de linha e um cubo de LED. O carro robô permitiu
mostrar a utilidade do sensor de luminosidade, enquanto no cubo de LED foi explo-
rado o cálculo da quantidade de lâmpadas LED existentes em cubos de diferentes
tamanhos. O cubo mostrado no curso possuía 3x3x3, totalizando 27 LEDs. Também
eram mostradas imagens de outros cubos maiores (4x4x4 ou 8x8x8), sendo solicita-
do que os alunos calculassem a quantidade de LEDs em cada um.
Na simulação com o Tinkercad®, uma das dificuldades encontradas foi o regis-
tro prévio dos alunos na ferramenta, pois era exigido que no cadastro fosse inserido
o e-mail, sendo que alguns alunos já possuíam. Entretanto, para outros teve de
ser feito o acesso à ferramenta a partir da conta dos professores ou auxiliares do
Ensino de programação em robótica com Arduino para alunos do ensino fundamental: relato de experiência
471
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
grupo de pesquisa presentes nos cursos. Após concluído o cadastro, boa parte já
começava a montar por conta própria alguns circuitos, devido ao caráter intuitivo
da ferramenta.
Figura 4 – Alunos criando circuito do semáforo no simulador
Fonte: elaboração dos autores, 2018.
Na primeira montagem, relativa ao LED piscante, era comum os alunos das
primeiras turmas errarem a conexão dos fios nos componentes, ligando em ilhas
ao lado do lugar em que deveriam ligar. Assim, a precisão de montagem foi um dos
cuidados ressaltados nas edições subsequentes do curso. Os professores ou mo-
nitores deveriam solicitar apenas que os alunos revisassem onde estava o erro e
descobrissem por si próprios (como, por exemplo, a situação na Figura 5). Após a
montagem e a simulação de funcionamento, era mostrada aos alunos a aba na qual
poderiam ver o programa que fazia o circuito funcionar, tanto no Scratch quanto
na programação textual.
Luciano Frontino de Medeiros, Luana Priscila Wünsch
472
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Figura 5 – Aluna de iniciação científica na orientação de montagem
Fonte: elaboração dos autores, 2018.
A partir da segunda montagem, o desafio do semáforo, deveria prevalecer a
autonomia dos alunos nas montagens e na programação. De maneira geral, os alu-
nos não tinham dificuldades para fazer a montagem, identificando que deveriam
controlar três portas para o acendimento dos LEDs, ao invés de uma, do primeiro
exemplo (como na situação da Figura 4). O programa a ser feito também seria
construído de forma indutiva do exemplo do LED piscante. De forma geral, os pro-
gramas construídos para o funcionamento do semáforo foram semelhantes ao que
se encontra na Figura 6.
Ensino de programação em robótica com Arduino para alunos do ensino fundamental: relato de experiência
473
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Figura 6 – Programa em Scratch para o semáforo
Fonte: elaboração dos autores, 2018.
No processo de depuração do programa, um dos erros mais comuns aconte-
cia quando os alunos esqueciam de apagar um LED, quando se estava acendendo
outro. No teste do semáforo, era explorado pelos alunos quanto tempo deveriam
programar para os LEDs ficarem acesos na sequência correta. Foi comum a troca
da ordem em que os LEDs deveriam acender (vermelho, amarelo, verde).
Na Figura 7, está ilustrado o circuito com o servomotor proposto como terceira
montagem. Para o giro de 90 graus do eixo do servomotor, basta um comando em
Scratch, que envia a mensagem para a rotação a partir do fornecimento de um
ângulo entre 0 e 180 graus. Entretanto, o desafio de montagem para o giro de 90
graus a cada 10 graus decorreu de maneira bem diferente. A tendência dos alunos
foi a de montar o programa para girar fazendo a repetição explícita dos blocos
Luciano Frontino de Medeiros, Luana Priscila Wünsch
474
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
de comando para a execução do giro, como mostrado no programa à esquerda da
Figura 8.
Figura 7 – Montagem do servomotor e o bloco em Scratch que executa o giro do eixo
Fonte: elaboração dos autores, 2018.
Ensino de programação em robótica com Arduino para alunos do ensino fundamental: relato de experiência
475
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Figura 8 – Comparação dos dois programas em Scratch para movimentar o servomotor
Fonte: elaboração dos autores, 2018.
Apesar disso, tal experimentação é válida, pois, logo em seguida, são demons-
trados os comandos que abstraem as estruturas de controle e repetição. Como a
quantidade de vezes em que os comandos de rotação se repetem, também é oportu-
na a explicação sobre o uso de variáveis no Scratch, além das expressões de com-
paração. O programa à direita da Figura 8 mostrou uma solução para o problema,
permitindo também o aprendizado de elementos importantes para a execução de
Luciano Frontino de Medeiros, Luana Priscila Wünsch
476
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
programas. A explanação mostrava que era necessário criar uma variável para
contar quantas vezes o comando seria enviado ao servomotor (no exemplo, a variá-
vel “x”). Esta variável, no início, deveria receber o primeiro valor (no caso, 0 grau).
Depois, era necessário colocar uma estrutura de repetição “enquanto” (comumente
chamado de loopwhile”), na qual seria comparado o valor da variável (se chegasse
a 90 graus). Esta estrutura permitiria a economia de código com relação ao pro-
grama anterior. Internamente à estrutura de repetição, figurava então o comando
para a rotação propriamente dita, a espera de um segundo e o comando que alte-
rava o valor (de 10 em 10 graus). Este exemplo ilustra bem o aspecto de transição
do pensamento concreto para o formal, mencionado anteriormente. Os comandos
para evitar a repetição sucessiva exigiam um novo nível de abstração por parte
dos alunos, envolvendo o uso de variável numérica em substituição às constantes
utilizadas no exemplo anterior; a comparação numérica para o controle do ângulo
para girar; e a operação de incremento da variável a cada ciclo de repetição.
Apesar da receptividade com a fase de simulação do Arduino, de forma geral,
restava pouco tempo para que os alunos pudessem aprender a utilizar a ferramen-
ta para carregar os programas no Arduino físico. Assim, era solicitado que os alu-
nos trouxessem a montagem para que os professores fizessem o carregamento do
programa no Arduino para demonstrar o funcionamento (Figura 9). Apenas uma
das turmas que fez o curso pela parte da manhã conseguiu fazer o experimento com
o sensor de temperatura.
Ensino de programação em robótica com Arduino para alunos do ensino fundamental: relato de experiência
477
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Figura 9 – Aluno com o circuito do LED piscante pronto para teste no Arduino
Fonte: elaboração dos autores, 2018.
Como ponto positivo, pode-se evidenciar a motivação dos alunos para apren-
derem programação considerando algo concreto como o Arduino (dentre alguns
comentários, destacam-se: “gostei de colocar a mão na massa”; “gostei do Arduino
e do simulador”). Ainda que a simulação tenha preenchido a maior parte do tempo
dos cursos, quando perguntado aos alunos no final sobre o que mais haviam gos-
tado do curso, a maioria falou bem com relação ao simulador Tinkercad®. Como a
maior parte dos alunos já estava familiarizada com a robótica em outra plataforma
(em torno de 2/3 dos alunos já haviam montado robôs com Lego), o aprendizado foi
bastante facilitado. Outro aspecto considerado positivo foi a colaboração entre os
pares ou trios, em que se verificava que os próprios alunos faziam a distribuição
das atividades a serem feitas (enquanto um se ocupava de montar no Tinkercad®,
outro fazia a montagem física). Em média, 2 a 3 alunos por turma perguntavam,
Luciano Frontino de Medeiros, Luana Priscila Wünsch
478
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
ainda no final do curso, quanto custava um kit de Arduino, pois ficavam tão empol-
gados que pensaram em pedir para os pais comprarem.
Com relação aos pontos negativos, constatou-se uma maior dificuldade de al-
guns alunos. Quando perguntado aos alunos sobre o que havia sido mais difícil
de aprender, alguns falaram da parte de programação propriamente dita ou da
linguagem C (em torno de 27% dos alunos), enquanto que outros falaram mais da
dificuldade na parte matemática (em torno de 9%), ainda que aproximadamente
a metade dos alunos tenha como preferência a disciplina de Matemática. Uma
constatação a respeito disso é que o aprendizado de linguagem nesta fase sempre
deverá ser acompanhado da parte visual, a qual facilita muito a compreensão, se a
intenção é, mais tarde, ensinar linguagens mais complexas ou textuais. O aspecto
do tempo também foi um ponto a considerar, pois algumas turmas conseguiam ter
um aproveitamento maior em relação a outras.
Considerações nais
Apesar da receptividade dos alunos e, de modo geral, da facilidade do apren-
dizado de programação com o Arduino, ficou evidenciada a necessidade de dar se-
quência ao curso, pois os alunos ficaram ansiosos para aprender mais e fazer mais
montagens. Outro aspecto que poderia ser mais explorado consiste na associação
das construções feitas com o Arduino e dos programas com conteúdos curriculares
das disciplinas. Como assinala Campos (2017, p. 2119), a robótica é somente mais
um recurso, pois o currículo é que deve determinar o resultado da aprendizagem e
a sincronia da tecnologia com as teorias de aprendizagem.
Outra necessidade evidenciada refere-se à preparação prévia dos professores
líderes dos grupos de robótica. Notou-se que alguns estavam mais envolvidos do
que outros e, portanto, ficaram mais à vontade no laboratório para tirar dúvidas
dos alunos ou para interagir com outros professores ou monitores. Na sequência
do projeto, está prevista a formação com o curso de programação no Arduino para
esses professores, no sentido de prepará-los melhor e também para que relacionem
de forma adequada as práticas de construção dos circuitos com as necessidades
curriculares, antes da próxima fase do curso de programação com os alunos.
O curso a ser feito na sequência contará com a programação direta no Ardui-
no, com associação mais aprofundada entre os programas escritos em Scratch e
em linguagem C, bem como o uso da plataforma S4A (Scratch for Arduino), a qual
permite a gravação direta dos programas em Scratch no Arduino. No que tange ao
Ensino de programação em robótica com Arduino para alunos do ensino fundamental: relato de experiência
479
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
conteúdo de programação, além das estruturas de repetição, serão exploradas tam-
bém as estruturas condicionais, o mapeamento para demonstrar funções e o uso
mais detalhado de variáveis. Será adotada, ainda, uma metodologia de avaliação,
visando analisar a forma como os programas foram escritos e também comparar os
diferentes programas construídos entre os alunos.
Notas
1
Disponível em: <https://www.todospelaeducacao.org.br/pag/dados-5-metas>. Acesso em: 20 ago. 2018.
2
Disponível em: <www.Tinkercad®.com/circuits>.
Referências
BLIKSTEIN, P. Digital fabrication and “making” in education: the democratization of invention.
In: WALTER-HERRMANN, J.; BOCHING, C. (Ed.). FabLabs: of machines, makers and inven-
tors. Bielefeld: Transcript Publishers, 2013. p. 1-21.
CAMPOS, F. R. Robótica educacional no Brasil: questões em aberto, desafios e perspectivas fu-
turas. Revista Ibero-americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 12, n. 4, p. 2108-2121,
2017.
COMPUTER SCIENCE TEACHER ASSOCIATION. CSTA K–12 Computer Science Standards.
New York: Computer Science Teachers Association Association for Computing Machinery, 2017.
CORMEN, T. et al. Algoritmos: teoria e prática. Rio de Janeiro: Campus, 2002.
FLAVELL, J. H.; MILLER, P. H.; MILLER, S. A. Desenvolvimento cognitivo. Porto Alegre: Art-
med, 1999.
GROVER, S.; PEA, R. Computational thinking in K–12. Educational Researcher, Thousand
Oaks, v. 42, n. 1, p. 38-43, 2013.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA.
SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica. 2017. Disponível em: <http://portal.inep.gov.
br/web/guest/educacao-basica/saeb/resultados>. Acesso em: 14 ago. 2018.
KAZIMOGLU, C. et al. Learning Programming at the Computational Thinking Level via Digital
Game-Play. Procedia Computer Science, Treton, v. 9, n. Supplement C, p. 522-531, 2012.
LEFRANÇOIS, G. R. Teorias da aprendizagem. São Paulo: Cengage Learning, 2013.
MALONEY, J.; RESNICK, M.; RUSK, N. The Scratch programming language and environment.
ACM Transactions on Computing Education, New York, v. 10, n. 4, p. 1-15, 2010.
MALTEMPI, M. V. Construcionismo: pano de fundo para pesquisas em informática aplicada à
educação matemática. In: BICUDO, M. A. V.; BORBA, M. C. (Ed.). Educação matemática: pes-
quisa em movimento. São Paulo: Cortez, 2004. p. 264-282.
Luciano Frontino de Medeiros, Luana Priscila Wünsch
480
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 456-480, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
MARTINELLI, L. M. B.; MARTINELLI, P. Materiais concretos para o ensino de matemática.
Curitiba: Intersaberes, 2016.
MATARIC, M. Introdução à robótica. São Paulo: Unesp; Blucher, 2014.
MCROBERTS, M. Arduino básico. São Paulo: Novatec, 2011.
MONK, S. Programação com Arduino. Porto Alegre: Bookman, 2013.
ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Pisa Bra-
zil. 2015. Disponível em: <http://www.oecd.org/pisa/pisa-2015-Brazil-PRT.pdf>. Acesso em: 1 set.
2018.
PAPERT, S. A máquina das crianças: repensando a escola na era da informática. Porto Alegre:
Artmed, 2008.
RESNICK, M. et al. Scratch: programming for all. Communications of the ACM, New York, v. 52,
p. 60-67, 2009.
WING, J. M. Computational thinking. Communications of the ACM, New York, v. 49, n. 3, p. 33-35,
2006.
A formação de professores no Pibid: novas práticas, novos desaos
481
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 481-497, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
A formação de professores no Pibid: novas práticas, novos desaos
The formation of the teachers at Pibid: new practices, new challenges
Liliane Silva de Antiqueira
*
Celiane Costa Machado
**
Elaine Corrêa Pereira
***
Resumo
Este artigo busca reetir sobre como é desenvolvida a proposta de formação do Programa Institucional de Bolsas
de Iniciação à Docência (Pibid) na Universidade Federal do Rio Grande (Furg). Para o aporte teórico, utilizam-se as
ideias de Diniz-Pereira (2008), que defende a articulação entre universidade e escola para o preparo de novos pro-
ssionais da educação, num movimento de formação acadêmico-prossional, Galiazzi e Moraes (2013) e Brandão
(2005), os quais acreditam numa proposta de formação de professores com base em comunidades aprendentes.
Além disso, são abordadas características do programa e um panorama do seu desenvolvimento na Furg. Apre
-
senta-se um recorte dos subprojetos Matemática e Interdisciplinar e como suas ações contribuem na formação
de professores e licenciandos. Conclui-se que tanto a universidade quanto a escola e a comunidade são contem
-
pladas por impactos positivos do Pibid, o qual colabora para promover uma formação acadêmico-prossional
por meio da ação-reexão-ação, articulando teoria e prática desde a sala de aula até os cursos de licenciaturas.
Palavras-chave: Formação acadêmico-prossional. Comunidades aprendentes. Formação de professores. Pibid.
Abstract
This essay has as its goal the reection about how is developed the proposal that refers to the formation of the In-
stitutional Program of the Initiation of Teaching Scholarship (Pibid) at the University Federal of Rio Grande (Furg).
For the theoretical support, it is used the ideas of Diniz-Pereira (2008) that defend the articulation between
the university and the school in order to prepare new educational professionals in an academic-professional
of formation movement, Galiazzi and Moraes (2013) and Brandão (2015) that believe in a teaching formation
proposal based on learning communities. Furthermore, it is mentioned the characteristics of the program and
an overview of its development at Furg. It is also presented a fraction of the subprojects Mathematics and Inter-
disciplinary and how their actions contribute for the formation of the teachers and undergraduated students.
Hence, not only the university but also the school and the community, are achieved by the positive impacts of
Pibid, which collaborates to promote academic and vocational training through action-reection-action, linking
theory and practice from the room class to the undergraduate courses.
Keywords: Academic-professional. Learning communities. Teaching formation. Pibid.
*
Doutora em Educação em Ciências pela Universidade Federal do Rio Grande. Formação em Matemática Licenciatura
pela Universidade Federal do Rio Grande e em Pedagogia pela Universidade Luterana do Brasil, Brasil. E-mail: liliane-
antiqueira@furg.br
**
Doutora em Matemática Aplicada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora adjunta do Instituto de
Matemática, Estatística e Física da Furg, Brasil. E-mail: celianecmachado@yahoo.com.br
***
Pós-doutora pela Universidade Eduardo Mondlane, Moçambique. Professora adjunta do Instituto de Matemática,
Estatística e Física da Universidade Federal do Rio Grande, Brasil. E-mail: elainepereira@prolic.furg.br
Recebido em 23/03/2018 – Aprovado em 30/10/2018
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v26i2.5949
Liliane Silva de Antiqueira, Celiane Costa Machado, Elaine Corrêa Pereira
482
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 481-497, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Introdução
A temática referente à formação de professores é apresentada como destaque
em vários cenários. Atualmente, a ênfase é em atribuir aos professores a função de
agentes das mudanças requeridas pela nova ordem mundial emergente. Além dis-
so, os próprios professores mostram a premência por ações de formação que deem
conta de atender às reais necessidades da escola (LIMA; GOMES, 2012).
Ao encontro dessas ações de formação, tem-se o Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), com o objetivo de possibilitar aos alunos de
licenciaturas e professores da educação básica experiências metodológicas e práti-
cas docentes de caráter inovador e interdisciplinar. Sobre a proposta desse progra-
ma, Bernardes e Diniz-Pereira (2012, p. 253) entendem o processo de iniciação à
docência como um “[...] importante momento da formação do professor, no qual ele
se insere no meio onde desenvolverá suas atividades, passando a se constituir e ser
(auto)reconhecido como profissional”.
Surge, então, a necessidade de articular universidade e escola, para que, jun-
tas, preparem novos profissionais da educação, num movimento de formação aca-
dêmico-profissional (DINIZ-PEREIRA, 2008). Assim, acredita-se que a formação
docente tem seu início antes de o aluno ingressar na licenciatura, uma vez que a
formação perpassa todo o período escolar e se dá também no decorrer da prática
profissional, o que torna a escola espaço-tempo de formação e não somente um local
de trabalho. Por esta razão, neste texto, utiliza-se o termo formação acadêmico-
-profissional no lugar de formação inicial e continuada, por entender que, segundo
Diniz-Pereira (2011, p. 213), existe uma “[...] ligação entre as instituições universi-
tárias de formação e as escolas da educação básica”, que vai além da licenciatura e
do trabalho docente.
Diante disso, Araújo e Moura (2012, p. 77) ressaltam que os termos formação
inicial e continuada “[...] trazem em si limitações, uma vez que procuram represen-
tar uma ruptura que consideramos não existir”. Para Diniz-Pereira (2008, p. 265),
o termo formação inicial é:
[...] acriticamente adotado pela literatura especializada – que carrega consigo a ideia de
uma preparação que se inicia a partir da entrada do futuro professor em um programa
de formação docente, desconhecendo, dessa maneira, momentos e experiências anteriores
importantíssimos nesse processo de formação.
A formação de professores no Pibid: novas práticas, novos desaos
483
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 481-497, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Outro aspecto importante para se pensar a formação de professores é com-
preender o conceito de comunidades aprendentes proposto por Brandão (2005). O
autor elucida a ideia de que:
[...] a menor unidade do aprender não é cada pessoa, cada aluno, cada estudante tomado
em sua individualidade. Ela é o grupo que se reúne frente à tarefa partilhada de criar
solidariamente seus saberes. É a pequena comunidade aprendente, através da qual cada
participante ativo vive o seu aprendizado pessoal (BRANDÃO, 2005, p. 89, grifo do autor).
É o coletivo em busca do ensinar e aprender, em busca do ouvir, falar, dialogar,
partilhar. No âmbito do contexto educacional, Galiazzi e Moraes (2013, p. 265)
contribuem com essa reflexão ao afirmarem que “[...] comunidades aprendentes de
professores constituem espaços de formação qualificada para todos os que neles se
envolvem efetivamente”. Então, pode-se entender que o Pibid é uma comunidade
aprendente, na qual todos se engajam em torno das atividades, uma comunidade
em que “[...] estamos sempre, de um modo ou de outro, trabalhando em, convivendo
com ou participando de unidades sociais de vida cotidiana onde pessoas aprendem
ensinando e ensinam aprendendo” (BRANDÃO, 2005, p. 88, grifo do autor).
A partir dessas compreensões, busca-se refletir sobre o desenvolvimento da
proposta de formação do Pibid da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), com
ênfase em algumas atividades desenvolvidas no decorrer do Edital 61/2013. Para
isso, são abordadas as características gerais do programa e um panorama do seu
desenvolvimento desde sua primeira edição nessa universidade. Na sequência, são
apresentadas algumas atividades dos subprojetos Matemática e Interdisciplinar,
referentes aos anos de 2014 e 2015, e como suas ações contribuem na formação de
professores e licenciandos. Ao final, apresenta-se as conclusões obtidas.
Formação de professores na perspectiva do Pibid
O Pibid está inserido em uma matriz educacional que articula três importan-
tes vertentes: produção de conhecimento, formação de qualidade e integração entre
pós-graduação, formação de professores e educação básica (COORDENAÇÃO DE
APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR, 2011). Trata-se de
uma proposta para melhorar a qualidade da formação de professores nos cursos
de licenciatura, promovendo ações e intenso diálogo entre a instituição de ensino
superior (IES) e as escolas da rede pública, buscando, dessa forma, inserir os licen-
ciandos no contexto escolar desde o início da formação acadêmica.
Liliane Silva de Antiqueira, Celiane Costa Machado, Elaine Corrêa Pereira
484
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 481-497, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Após a inserção, os licenciandos planejam e desenvolvem atividades didático-
-pedagógicas sob a orientação do professor vinculado a uma licenciatura da IES e
de um professor atuante na escola, o qual recebe o nome de supervisor. Esse entro-
samento é muito significativo na formação de ambos, na medida em que trabalham
juntos e refletem sobre essas experiências. É uma iniciação à docência, estando
presente no espaço escolar. Além disso, os alunos da educação básica são contem-
plados com atividades que os auxiliam na aprendizagem e na sua formação. Esse
trabalho coletivo está evidenciado nas palavras de Galiazzi e Moraes (GALIAZZI;
MORAES, 2013, p. 266), ao afirmarem que:
Em comunidades aprendentes de formação de professores o foco está num processo siste-
mático, voltado para atingir determinados objetivos, especialmente havendo um esforço
coletivo para melhorar resultados individuais e coletivos de aprendizagem de todos os par-
ticipantes.
Desse processo de formação, emerge o entrelaçamento entre teoria e prática,
pois o licenciando vivencia o cotidiano da escola e se percebe professor, atuando
diretamente na sala de aula, diante de situações e desafios do contexto escolar.
No entanto, ele não assume a função do professor, nem realiza outras atividades
administrativas na escola.
Remetendo aos objetivos pedagógicos do Pibid, o relatório de gestão (COOR-
DENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR,
2013b, p. 69) afirma que o programa “[...] é pautado em pressupostos teórico-meto-
dológicos que articulam teoria-prática, universidade-escola e formadores-forman-
dos”. Essa interação enriquece o processo formativo da docência com a finalidade
“[...] de aperfeiçoar os elementos teórico-práticos para o magistério e possibilitar
que o trabalho dos futuros professores seja mobilizado pela ação-reflexão-ação”
(COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPE-
RIOR, 2013b, p. 70).
É nesse sentido que Diniz-Pereira (2008) defende a parceria entre universi-
dade e escola para a formação de professores da educação básica, ou seja, ações
conjuntas com propósitos comuns. “Essas duas instituições, universidades e esco-
las, deveriam compartilhar responsabilidades em termos da complexa tarefa de
preparar novos profissionais da educação” (DINIZ-PEREIRA, 2008, p. 1).
Diante dessa dinamicidade estabelecida entre o Pibid e o processo formativo dos
professores, Barbosa e Dantas (2014, p. 18) reforçam que esse programa “[...] possui
os elementos necessários para criar as condições para uma formação inicial consis-
tente, articulada e que realmente seja fruto do diálogo entre universidade e escola”.
A formação de professores no Pibid: novas práticas, novos desaos
485
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 481-497, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Nesse viés, Rocha e Zibetti (2014, p. 149) acrescentam que “[...] a integração entre
IES e escola básica, a formação por meio de bolsas e a dicotomia entre teoria e práti-
ca, de modo geral, apontam o PIBID como uma política educacional compensatória”.
No que concerne à ideia de iniciação à docência, Reichert, Moana e Lima
(2014, p. 15) consideram que “[...] essa formação se faz por um estar lá, mas, mais
do que isso, é por um estar dentro: o bolsista mergulha nessa realidade, encharca-
-se dela... É o seu olho que vê. Essa experiência não é possível ter quando se olha
do exterior”. Ao encontro dessas constatações, alguns dos princípios norteadores do
programa são:
I - Incentivar a formação de docentes em nível superior para a educação básica; II - Contri-
buir para a valorização do magistério; III - Inserir os licenciandos no cotidiano de escolas
da rede pública de educação, proporcionando-lhes oportunidades de criação e participação
em experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e in-
terdisciplinar que busquem a superação de problemas identificados no processo de ensino
aprendizagem; IV - Incentivar escolas públicas de educação básica, mobilizando seus pro-
fessores como coformadores dos futuros docentes e tornando-as protagonistas nos processos
de formação inicial para o magistério; V - Contribuir para a articulação entre teoria e
prática necessárias à formação dos docentes, elevando a qualidade das ações acadêmicas
nos cursos de licenciatura (COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL
DE NÍVEL SUPERIOR, 2013b, p. 70).
Tais princípios regulamentaram os seis editais lançados, desde 2007 até 2013.
O primeiro foi para atender às demandas de formação nas áreas de Física, Quí-
mica, Biologia e Matemática, devido à carência de professores nessas disciplinas.
Nos editais posteriores, houve uma progressiva expansão do programa, passando a
englobar todas as áreas do conhecimento e um número expressivo de IES (BARBO-
SA; DANTAS, 2014). Cabe destacar que, em 2018, ano de conclusão do sexto edital,
a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) lançou o
Edital 07/2018, visando à continuidade do Pibid por um período de dezoito meses.
Gatti et al. (2014, p. 106) sinalizam que o Pibid como política pública con-
tribui para a “[...] valorização da profissão de professor, [...], é um programa que
desacomoda as licenciaturas e mobiliza escolas. Por suas contribuições deve ser
institucionalizada e tornada perene como política de Estado”. Os autores também
mencionam outras contribuições do programa, entre elas: colabora para a perma-
nência dos estudantes nas licenciaturas e para a redução da evasão; estimula a
iniciativa e a criatividade, incentivando os licenciandos a planejar e desenvolver
atividades de ensino e a construir diferentes materiais didáticos e pedagógicos;
aproxima o professor supervisor do meio acadêmico, ajudando a articular o conhe-
cimento acadêmico com o conhecimento da prática em uma perspectiva formativa;
Liliane Silva de Antiqueira, Celiane Costa Machado, Elaine Corrêa Pereira
486
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 481-497, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
ajuda a questionar construtivamente a qualidade das práticas formativas no âmbi-
to da docência na própria IES (GATTI et al., 2014).
No que se refere às escolas e aos alunos da educação básica, o Pibid, por meio de
suas ações, possibilita melhorias na qualidade do ensino, com novas maneiras de en-
sinar, aulas mais criativas, com atividades práticas diferenciadas e interdisciplina-
res, além da ativação ou do uso frequente de laboratórios e melhor uso da biblioteca
(GATTI et al., 2014). Ademais, o Pibid tem incentivado a formação acadêmico-profis-
sional docente e contribuído para o contato dos estudantes com o cotidiano escolar da
educação básica, o que vai ao encontro dos objetivos propostos pelo programa.
Coerente com as informações e reflexões apresentadas, entende-se o Pibid
como um espaço de formação acadêmico-profissional que corrobora, diretamente,
com a formação do professor e com a sala de aula da educação básica, principal-
mente por possibilitar a integração entre escola e universidade. Várias ações são
desenvolvidas nas diversas universidades do país, e, com isso, novos desafios são
postos aos integrantes. A seguir, é apresentada a proposta de formação do Pibid/
Furg, com ênfase na participação da universidade no Edital 61/2013.
A formação acadêmico-prossional do Pibid/Furg na perspectiva de uma
comunidade aprendente
A Furg é uma das IES participantes do Pibid e possui como princípio teórico
a compreensão de que o professor se forma e aprende a gostar de ser professor
na atividade com outros professores (COLARES, 2013). A proposta institucional
tem como fundamento as comunidades aprendentes de professores, definidas por
Galiazzi e Moraes (2013, p. 264) como “[...] grupos de pessoas em torno de ativida-
des articuladas por objetivos comuns que têm foco na linguagem e nos discursos
específicos de diferentes campos de conhecimento”. Entende-se que “[...] essas ati-
vidades são especialmente a produção textual em que os participantes se envolvem
na reconstrução do conhecimento existente e expresso por todos e de certa forma
da própria comunidade” (GALIAZZI; MORAES, 2013, p. 264).
O termo aprendente deriva da aventura interior e pessoal que é o aprender,
baseado nos momentos de aprendizagem que são resultantes da convivência em e
entre diferentes grupos, além das relações de partilha e de interações estabelecidas
com outras pessoas. Isso acontece nos mais diversos contextos sociais e lugares,
nos quais um grupo, contendo pessoas com objetivos comuns, ensinam e apren-
A formação de professores no Pibid: novas práticas, novos desaos
487
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 481-497, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
dem mutuamente. Assim, tem-se a constituição de diferentes tipos de comunidades
aprendentes, de modo que todos aprendem juntos (BRANDÃO, 2005).
É com esse olhar que o Pibid/Furg forma uma comunidade aprendente, na
qual os integrantes se engajam em torno das atividades. Trata-se de “[...] uma
nova concepção do viver como partilhar experiências, saberes e sensibilidades em
situações e contexto regidos cada vez mais pela partilha, pela cooperação, pela soli-
dariedade, pela gratuidade” (BRANDÃO, 2005, p. 91). Esse movimento de partilha
está presente na formação que o programa possibilitou a todos seus participantes,
por meio de ações que permearam os diferentes subprojetos.
Nessa perspectiva, Galiazzi et al. (2013) consideram que as comunidades não
surgem prontas, aprendem a ser comunidades aprendentes ao longo de sua exis-
tência, na medida em que as aprendizagens se ampliam e os relacionamentos e as
compreensões se intensificam. Assim, o Pibid/Furg é um espaço de aprendizagem
para todos os envolvidos, com intensa interação nas ações desenvolvidas, em que
todos ensinam e aprendem coletivamente.
Com esse foco, a universidade participou dos editais lançados pela Capes,
cujas propostas foram elaboradas a partir da compreensão de que a docência não se
dá no isolamento, mas na interação entre os pares (GALIAZZI; COLARES, 2013).
A Tabela 1 mostra a participação do Pibid/Furg e a inserção dos cursos relaciona-
dos às licenciaturas.
Tabela 1 – Desenvolvimento do Pibid/Furg
Editais Vigência Subprojetos
Número de
licenciandos
Número de
supervisores
1/2007
Mar. 2009 a
Dez. 2010
Matemática, Física, Biologia e Química 63 14
2/2009
Mar. 2010 a
Jan. 2012
Artes, Letras/Inglês, Letras/Português, Pedagogia, Le-
tras/Espanhol e História
79 14
1/2011
Jul. 2011 a
Fev. 2014
Matemática, Física, Biologia, Química e novos subproje-
tos Educação Física, Geografia e Letras/Francês
116 22
11/2012
Ago. 2012
a Fev. 2014
Letras/Inglês, Letras/Português, Pedagogia, Letras/Es-
panhol, Artes e História, e novos subprojetos Gestão
Escolar e Educação Ambiental
160 22
61/2013
Mar. 2014 a
Fev. 2018
Matemática, Física, Biologia, Química, Educação Física,
Geografia, Letras/Francês, Letras/Inglês, Letras/Portu-
guês, Pedagogia, Letras/Espanhol, Interdisciplinar, Histó-
ria, Artes, Ciências/EaD e Letras/Espanhol/EaD
265 46
Fonte: elaboração dos autores a partir de Galiazzi e Colares (2013).
Liliane Silva de Antiqueira, Celiane Costa Machado, Elaine Corrêa Pereira
488
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 481-497, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Conforme consta na Tabela 1, por meio do Edital 1/2007, houve o desenvolvi-
mento da primeira edição do Pibid na Furg, atendendo quatro cursos de licencia-
turas, isso se deve pela carência de profissionais nas respectivas áreas. Foram 14
professores supervisores da rede pública de ensino e mais de 60 licenciandos que
realizaram experiências metodológicas de acordo com o contexto escolar do municí-
pio onde se situa a instituição.
No Edital 2/2009, as áreas de formação foram ampliadas e a universidade
participou com a proposta denominada de “Práticas Educativas na Educação Bá-
sica: diálogos em roda na formação de (futuros) professores na Furg”. A Tabela 1
mostra as 6 licenciaturas contempladas, totalizando 14 professores supervisores e
79 licenciandos.
Posteriormente, para o Edital 1/2011, o Pibid/Furg apostou no desenvolvimen-
to do projeto “Ampliando práticas educativas na Educação Básica: diálogos em roda
na formação permanente de professores na Furg”. Assim, permitiu a continuidade
das licenciaturas do primeiro edital e a inserção de outras três áreas: Educação
Física, Geografia e Letras/Francês. Com isso, foram 22 professores supervisores
e 116 licenciandos a se envolverem no Pibid. Para o Edital 11/2012, as áreas de
licenciatura abrangidas foram: Artes, Letras/Inglês, Letras/Português, Letras/Es-
panhol, Pedagogia, História, Educação Ambiental e Gestão Escolar.
Posteriormente, houve o Edital 61/2013, e a Furg participou com o projeto ins-
titucional “Diálogos em Roda na formação acadêmico-profissional de professores
na Furg” (FURG, 2013), o qual contemplou, além da Matemática, as licenciaturas
em Física, Biologia, Química, Educação Física, Geografia, Artes, Letras/Francês,
Letras/Inglês, Letras/Português, Letras/Espanhol, Pedagogia e História. A inova-
ção esteve na inserção do subprojeto Interdisciplinar e das licenciaturas dos cur-
sos a distância: Ciências e Letras/Espanhol. O objetivo foi compreender a escola e
a universidade juntas, integrando professores da educação básica e licenciandos
como sujeitos que aprendem em conjunto.
As escolas participantes do Pibid/Furg foram selecionadas por meio da par-
ceria com a Secretaria Municipal de Educação e a Coordenadoria Regional de
Educação do município. Ainda, há a ênfase na interlocução entre licenciandos e
instituição escolar, sendo que a sistematização das atividades, referente ao Edital
61/2013, ocorreu com a organização dos licenciandos em equipes, as quais frequen-
tavam semanalmente as escolas parceiras para o desenvolvimento de ações e ofi-
cinas, visando auxiliar na aprendizagem dos alunos, sob a orientação do professor
supervisor.
A formação de professores no Pibid: novas práticas, novos desaos
489
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 481-497, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Além disso, o professor coordenador de cada subprojeto, os professores su-
pervisores e os licenciandos realizavam rodas de formação na universidade, para
discutirem o planejamento de ações e como essas poderiam contribuir efetivamente
na aquisição de conhecimentos dos alunos da educação básica. As ações ocorreram,
inicialmente, nas turmas dos professores supervisores, todavia, conforme a deman-
da de outros professores, essas foram estendidas para outras turmas.
Em relação ao Edital 61/2013, o programa possibilitou a formação de 265
licenciandos distribuídos em 16 subprojetos, juntamente com 46 professores da
educação básica (CAPES, 2013a), proporcionando a todos um espaço de experiên-
cias e amplas oportunidades de estudos, pesquisa e extensão. Colares (2013, p. 24)
aponta que:
O PIBID na FURG tem conseguido alcançar seus objetivos, inserindo os licenciandos bolsis-
tas no cotidiano das escolas, e dessa maneira propiciando uma educação de qualidade para
todos. Nossas ações, voltadas ao fomento de metodologias e práticas docentes de caráter
inovador, com o uso dos recursos da tecnologia da informação e da comunicação, inter-rela-
cionadas com a realidade local das escolas, não visam somente à formação inicial de futuros
professores licenciandos, mas também à melhoria para a Educação Básica.
Nesse processo de formação, o Pibid/Furg abarca diferentes dimensões da ini-
ciação à docência, como o princípio da pesquisa de modo articulado e interdiscipli-
nar com todos os subprojetos; o estudo dos documentos nacionais que regulam a
formação de professores; a ênfase na escrita em sua função epistêmica na formação
docente; a leitura e a discussão de referenciais teóricos educacionais contempo-
râneos, entre outros. A cada proposta do programa, novas ações foram criadas e
intensificadas, um exemplo é a produção semestral de uma narrativa com histórias
de sala de aula, que contam experiências da docência. Tais produções foram feitas
pelos professores e licenciandos, culminando em cinco edições do Álbum do Pibid
Furg, são eles: Galiazzi e Paulitsch (2011); Colares, Galiazzi e Paulitsch (2013);
Colares, Galiazzi e Paulitsch (2014); Galiazzi, Colares e Paulitsch (2015); Galiazzi,
Colares e Paulitsch (2016).
No Pibid/Furg, em relação ao Edital 61/2013, as rodas de formação foram
realizadas semanalmente em cada subprojeto e constituídas por estudantes de
licenciaturas, professores coordenadores e professores supervisores. Nelas, os inte-
grantes puderam expor dúvidas, realizar discussões teóricas, fazer reflexões entre
a teoria estudada e a prática vivenciada no cotidiano das escolas. Foi na roda do
Pibid que os licenciandos elaboraram o planejamento de ações, juntamente com a
presença do professor da escola e do professor coordenador, de modo a partilharem
experiências, contribuindo para a sua formação e para a formação dos demais.
Liliane Silva de Antiqueira, Celiane Costa Machado, Elaine Corrêa Pereira
490
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 481-497, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Além disso, houve a escrita do relatório anual, em que cada participante fez o
registro das atividades realizadas ao longo do ano. A escrita reflexiva também fez
parte das ações do programa, por meio de um portfólio coletivo construído por cada
subprojeto. Nele, os registros foram feitos de maneira rotativa entre os grupos das
escolas. Atrelado a isso, foram produzidos trabalhos científicos para a participação
de eventos, como a Mostra de Produção Universitária e os Encontros Interinstitu-
cionais de Pibid no Rio Grande do Sul.
A carga horária semanal de licenciandos e professores era organizada consi-
derando: um encontro semanal na Furg, com o grupo de cada subprojeto, a prepa-
ração e organização das atividades na escola, um encontro semanal na escola, para
desenvolvimento e planejamento das atividades e outras ações específicas de cada
subprojeto. No Pibid/Furg, também aconteceram, anualmente, atividades integra-
doras de socialização das aprendizagens (FURG, 2013), como o Encontro Anual do
Pibid, atividades culturais, exposições, oficinas, reuniões de grupos, etc.
Dessa forma, a formação acadêmico-profissional é intensificada pela integra-
ção entre teoria e prática e pela aproximação entre a Furg e as escolas atendidas
no município. Neste artigo, apresenta-se um recorte do subprojeto Matemática e de
um dos grupos do subprojeto Interdisciplinar, referentes ao Edital 61/2013.
Subprojeto Matemática
As Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Matemática, em seu
parecer CNE/CES nº 1.302/2001 (BRASIL, 2001), fazem referência às competências
e às habilidades que o professor de Matemática deve ter. Dentre essas, destaca-se:
a elaboração de propostas com foco no ensino e na aprendizagem de Matemática
para a educação básica; a produção de materiais didáticos; e o desenvolvimento de
estratégias de ensino que favoreçam a criatividade, a autonomia e a flexibilidade
do pensamento matemático dos alunos.
Nesse sentido, as ações desenvolvidas no subprojeto Matemática vêm ao en-
contro do aperfeiçoamento dessas competências, contribuindo para a inovação da
prática de licenciandos e professores da educação básica. Sendo assim, os obje-
tivos centrais que nortearam o subprojeto Matemática do Pibid/Furg, no Edital
61/2013, foram promover a formação acadêmico-profissional de forma a constituir
um professor pesquisador e contribuir para qualificar a educação básica, amplian-
do as possibilidades de aprendizagem dos alunos. Visando atender esses objetivos,
a equipe de licenciandos em Matemática participantes do subprojeto era dividida
A formação de professores no Pibid: novas práticas, novos desaos
491
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 481-497, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
para auxiliar nas dificuldades dos alunos e nas necessidades das escolas. Nos en-
contros semanais, juntamente com professores da educação básica, discutiam-se o
planejamento e o desenvolvimento de oficinas conforme o calendário das escolas.
Desse modo, a proposta do subprojeto Matemática teve como proposição o pro-
cesso investigativo, uma vez que a pesquisa foi considerada um elemento essencial
na formação profissional do professor. De acordo com Machado e Pinho (2013, p.
202-203), o subprojeto está “[...] efetivando um trabalho coletivo, que procura de-
senvolver a autonomia intelectual dos licenciandos, [...] e assim, a pesquisa per-
meia todo o fazer metodológico”. Além disso, as autoras argumentam que o diálogo
está presente nas rodas de conversas.
Os questionamentos iniciam-se já na fase de imersão gradativa no ambiente escolar, licen-
ciandos, professor da universidade e professor supervisor (professor da escola) em intenso
diálogo, a partir das observações e constatações começam a problematizar seus modos de
agir. [...]. Os diálogos permeados em nossos encontros constituem rodas de conversas, con-
ferindo-se a legitimidade da articulação dos conhecimentos teóricos com a prática desenvol-
vida em sala de aula (MACHADO; PINHO, 2013, p. 203).
Ao encontro desse processo formativo e coletivo, o subprojeto Matemática sem-
pre preconizou suprimir os preconceitos e as relações hierárquicas. Assim, todos
aprendem, juntos, diferentes modos de avaliação, de comportamentos e de outros
aspectos presentes na realidade escolar e no ensino da Matemática. A iniciação na
escola realiza-se com visitas orientadas pelo professor supervisor. Ao conhecer o
ambiente escolar, acredita-se no favorecimento das capacidades de reflexão, coo-
peração e participação, de maneira que os licenciandos possam intervir em uma
realidade da qual estão fazendo parte (MACHADO; PINHO, 2013).
Além disso, na sexta edição do Pibid/Furg, houve o desenvolvimento de uma
proposta de atividades denominada “Movimentando-se com a Escrita” (ANTI-
QUEIRA; MACHADO, 2017), realizada, semanalmente, com as demais atividades
do subprojeto, no período de outubro de 2014 a dezembro de 2015. Foram desen-
volvidas sete práticas envolvendo a produção de diferentes gêneros textuais e te-
máticas articuladas ao ensino da Matemática e a conteúdos da educação básica.
Ainda, a proposta desenvolvida propiciou, além da prática da linguagem escrita,
atividades de leitura e pesquisa, análises de artigos, momentos de diálogo com e
entre os participantes.
No que se refere a outras ações desenvolvidas, o subprojeto Matemática, até o
encerramento do Edital 61/2013, contemplou atividades específicas como: planeja-
mento de atividades extraclasse, de acordo com as dificuldades dos estudantes da
Liliane Silva de Antiqueira, Celiane Costa Machado, Elaine Corrêa Pereira
492
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 481-497, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
educação básica; articulação dos conteúdos de maneira interdisciplinar; desenvol-
vimento de material concreto e virtual relacionado aos conteúdos escolares; e ela-
boração e desenvolvimento de oficinas para alunos da educação básica. Machado e
Pinho (2013, p. 210) sinalizam que “[...] alternativas são criadas a fim de contem-
plar um trabalho de exploração e/ou de aplicação de conceitos matemáticos”.
A cada oficina desenvolvida, foram elaborados roteiros de sala de aula, cons-
tando a descrição das atividades, sua caracterização e a escrita reflexiva indivi-
dual de cada integrante. Ainda, a plataforma Moodle foi utilizada como meio de
comunicação entre licenciandos, professores supervisores e coordenadores, servin-
do também para o registro das atividades desenvolvidas ao longo do subprojeto.
Semanalmente, aconteciam as rodas de formação do Pibid Matemática na univer-
sidade, nas quais eram realizadas pesquisas, estudos e leituras, de modo a subsi-
diar a elaboração de ações para atender às demandas das escolas levantadas pelo
professor supervisor. Conjuntamente, eram discutidas metodologias para o ensino
da Matemática.
Uma das oficinas elaboradas no subprojeto Matemática do Pibid/Furg foi de-
nominada de “Boliche Matemático” (RODRIGUES et al., 2014), desenvolvida por
três licenciandos, em uma turma de 7º ano do ensino fundamental, sob a orienta-
ção da professora supervisora. O objetivo foi auxiliar nas operações matemáticas
envolvendo as regras de sinais. Sobre essa atividade, os licenciandos ressaltam
que “[...] os alunos compreenderam melhor as regras de sinais nas operações, tra-
balhando unidos nas suas equipes e ajudando os demais colegas. Eles gostaram
e participaram não se dispersando com nenhuma outra movimentação ao redor”
(RODRIGUES et al., 2014, p. 3).
Outra oficina foi a “Trilha das Frações” (ROZA; XAVIER, 2014), desenvolvi-
da com 45 alunos do 6º ano do ensino fundamental, com o objetivo de auxiliar
na compreensão de multiplicação e divisão de frações. Os alunos tinham que ir
avançando casas da trilha conforme acertavam questões envolvendo frações, e isso
foi fundamental para atrair a atenção deles. As autoras da oficina afirmam que:
“Trabalhamos [...] sem que o aluno sinta a pressão de aprender, notando assim que
as formas de aprender são diversas, logo, instigamos a curiosidade deles e atraímos
a atenção para a aula” (ROZA; XAVIER, 2014, p. 2).
Como parte desse conjunto de ações, a oficina “Explorando a Divisibilidade
através do Jogo da Memória” (SOARES et al., 2014) foi desenvolvida com alunos
do 6º ano do ensino fundamental e consistiu em quatro momentos, nos quais os
estudantes puderam: refletir, discutir, pesquisar, interpretar, escrever e exercitar.
A formação de professores no Pibid: novas práticas, novos desaos
493
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 481-497, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Os autores da oficina observam que “[...] os estudantes trabalhando coletivamente,
[...] resumiram e reescreveram, com suas palavras, as explicações referentes a cada
critério de divisibilidade, buscando dessa forma aproximá-las a sua realidade”
(SOARES et al., 2014, p. 2). Além disso, os estudantes desenvolveram habilidades
e técnicas para a resolução das contas, reconhecendo e relacionando os critérios de
divisibilidade aos seus algarismos correspondentes.
Outras estratégias de ensino também foram realizadas pelos licenciandos.
Ressalta-se que o processo de elaboração, planejamento e execução das oficinas
propicia aos envolvidos um conhecimento produzido na ação e sobre a ação de en-
sinar. De certa forma, isso contribui para a formação de um profissional reflexivo e
crítico de suas práticas (PIMENTA; GHEDIN, 2012).
No subprojeto Matemática do Pibid/Furg, licenciandos e professores tornam-
-se sujeitos do aprender, exercendo os papéis de questionadores e investigadores.
Isso é reforçado pela ideia de Brandão (2005, p. 90) de que, “[...] numa comunidade
aprendente, todos têm algo a ouvir e algo a dizer. Algo a aprender e algo a ensi-
nar”. Ainda, o autor considera uma comunidade aprendente como: “Lugares de
trocas e de reciprocidades de saberes, mas também de vidas e de afetos, onde a
aula expositiva pode ser cada vez mais convertida no círculo de diálogos” (2005,
p. 90). É nesse espaço de formação que professores e licenciandos podem agir com
criatividade, realizar trabalhos individuais e coletivos, bem como experienciar o
ambiente escolar.
Subprojeto Interdisciplinar
Um dos subprojetos do Pibid/Furg, referente ao Edital 61/2013, foi o Inter-
disciplinar, denominado “Abordagens Temáticas para Sociedades Sustentáveis”.
Este foi desenvolvido de forma a articular a formação acadêmico-profissional dos
professores com as diferentes áreas do conhecimento. As ações tiveram como foco a
sustentabilidade, o contexto sociocultural e as abordagens temáticas interdiscipli-
nares e transversais desenvolvidas nas escolas. Tudo isso com base no planejamen-
to integrado, no aprofundamento teórico e em discussões, no princípio da pesquisa
e nas rodas de formação como processo de constituir-se professor.
O subprojeto Interdisciplinar era dividido em quatro grupos. Neste artigo, são
apresentadas algumas ações de um desses grupos, referentes ao período de 2014
a 2015. Fizeram parte da equipe 15 acadêmicos oriundos de diferentes licenciatu-
ras, três professoras supervisoras, que foram coordenadoras pedagógicas de três
Liliane Silva de Antiqueira, Celiane Costa Machado, Elaine Corrêa Pereira
494
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 481-497, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
escolas e responsáveis, cada uma, por cinco licenciandos no desenvolvimento das
atividades que visavam atender às necessidades das escolas.
O subprojeto Interdisciplinar teve como objetivo compreender e discutir sobre
interdisciplinaridade e formação de professores. Para isso, o grupo realizava leitu-
ras referentes a essas temáticas, com a intenção de se aprofundar teoricamente e
realizar produções de resenhas e escritas reflexivas, bem como discussões e posta-
gens na Plataforma Moodle. Além dessas práticas de leitura e escrita, ressalta-se
a formação acadêmico-profissional numa perspectiva interdisciplinar, a partir da
inserção de licenciandos nas escolas, com a mediação das professoras superviso-
ras, para o processo de reconhecimento e construção de um diagnóstico acerca do
contexto social. Para isso, foram realizadas visitas nas salas de aula, observações
sobre a estrutura, reuniões com a equipe diretiva, conversas com professores e
funcionários das escolas.
Com base nesse diagnóstico, diversos projetos interdisciplinares e práticas pe-
dagógicas foram elaborados e desenvolvidos nas escolas parceiras, como o projeto
“O uso da horta na produção de alimentos”, com práticas de confecção de espanta-
lho, elaboração de tabelas, aulas de culinária com aproveitamento de alimentos,
paródias e oficinas. Também foi desenvolvido o projeto “Trabalhando a História da
Escola”, no qual os licenciandos realizaram entrevistas, fizeram levantamento de
material bibliográfico e de fotos da escola e coletaram depoimentos, para posterior-
mente construírem o memorial da escola.
Diante do exposto, constata-se que o Pibid aposta na formação de professo-
res, oportunizando a cada licenciando o seu reconhecimento como futuro professor
e o pertencimento ao seu espaço de atuação. O subprojeto Interdisciplinar busca
relacionar esta formação com as vivências que são adquiridas na construção e apli-
cação de projetos interdisciplinares, apontando as dificuldades e os prazeres que
envolvem a prática docente, além do entrelaçamento dos projetos com as discipli-
nas das escolas.
Considerações nais
As atividades desenvolvidas no Pibid/Furg são sustentadas a partir da forma-
ção de professores em comunidades aprendentes, todos ensinam e todos aprendem,
num processo de interação constante. Por esta razão, o desenvolvimento do Pibid
na instituição causou impactos positivos, desde o primeiro edital, na formação de
centenas de licenciandos, de aproximadamente 50 professores de escolas da educa-
A formação de professores no Pibid: novas práticas, novos desaos
495
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 481-497, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
ção básica do município de Rio Grande, RS, e de professores da universidade. Isso
aconteceu pela articulação entre os 16 cursos de licenciatura e o ambiente escolar,
o qual envolve a escola, a família e a comunidade.
As experiências metodológicas foram divulgadas em diversos trabalhos apre-
sentados por licenciandos, publicados em eventos como o Encontro de Investigação
na Escola e a Mostra de Produção Universitária, além dos diálogos estabelecidos
com outras áreas e eventos específicos de cada área. Além disso, houve o envolvi-
mento dos participantes em pesquisas de trabalhos de conclusão de cursos, disser-
tações e teses; como exemplo, tem-se a tese de Antiqueira (2018).
Quanto à elaboração de materiais didáticos, várias oficinas com atividades
diversificadas e integradas ao currículo foram desenvolvidas para alunos das es-
colas públicas, o que possibilitou aos licenciandos o conhecimento do processo de
aprendizagem e da realidade dessas instituições. Outros impactos se referem à
sensibilização para as questões ambientais na escola, em casa e na comunidade e à
melhora nas produções textuais dos alunos.
Em suma, o Pibid desenvolvido no âmbito da Furg colabora para promover
uma formação acadêmico-profissional por meio da ação-reflexão-ação, articulando
teoria e prática, desde a sala de aula até os cursos de licenciatura. O recorte dos
subprojetos apresentados neste artigo evidenciou que os licenciandos se envolve-
ram em práticas articuladas com a realidade das escolas e, consequentemente,
comprometeram-se com os desafios inerentes ao dia a dia da sala de aula.
Referências
ANTIQUEIRA, L. O aprender com e sobre a linguagem escrita no Pibid Matemática: sentidos
construídos pelos professores de Matemática em formação acadêmico-profissional. 2018. 231f.
Tese (Doutorado em Educação em Ciências) – Programa de Pós-Graduação em Educação em
Ciências, Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, 2018. Disponível em: <https://argo.
furg.br/?BDTD11903>. Acesso em: 26 set. 2018.
ANTIQUEIRA, L.; MACHADO, C. Movimentando-se com a escrita: uma proposta com profes-
sores em formação. In: CEBREIROS, M. et al. (Org.). La enseñanza de las ciencias en el actual
contexto educativo. Ourense, Espanha: Educacíon, 2017. v. 1. p. 605-610.
ARAÚJO, E. S.; MOURA, M. O. Contribuições da teoria histórico-cultural à pesquisa qualitativa
sobre formação docente. In: PIMENTA, S. G.; FRANCO, M. A. S. (Org.). Pesquisa em educação:
possibilidades investigativas/formativas da pesquisa-ação. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2012. v. 1.
p. 75-101.
BARBOSA, M. V.; DANTAS, F. B. A. Reflexões sobre a formação inicial de professores no Pibid.
Campinas: Mercado de Letras, 2014.
Liliane Silva de Antiqueira, Celiane Costa Machado, Elaine Corrêa Pereira
496
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 481-497, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
BERNARDES, A.; DINIZ-PEREIRA, J. E. Escolhas, percursos e trajetórias de formação: refle-
xões sobre a aprendizagem profissional da docência de professores iniciantes de geografia. Revis-
ta Olhar de professor, Ponta Grossa: UEPG, v. 15, n. 2, p. 251-267, jul. 2012.
BRANDÃO, C. R. Comunidade aprendente. In: FERRARO JR., L. (Org.). Encontros e Cami-
nhos: formação de educadoras (es) ambientais e coletivos educadores. Brasília, DF: MMA, 2005.
p. 83-92.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CES 1302/2001 – Institui Diretrizes
Curriculares Nacionais para os cursos de Matemática Bacharelado e Licenciatura. Brasília, DF:
CES, 2001. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES13022.pdf>. Acesso
em: 17 jan. 2015.
COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR. Planilha
de projetos e subprojetos Pibid – edital 2013. Brasília, DF: Capes, 2013a. Disponível em: <http://
www.capes.gov.br/educacao-basica/capespibid/pibid>. Acesso em: 23 nov. 2015.
______. Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica. Relatório de Gestão – Pibid,
2009-2011. Brasília, DF: Capes, 2011. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/educacao-basica/
capespibid/relatorios-e-dados>. Acesso em: 18 jan. 2014.
______. Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica. Relatório de Gestão – Pibid,
2009-2013. Brasília, DF: Capes, 2013b. Disponível em: <https://www.capes.gov.br/images/sto-
ries/download/bolsas/2562014-relatrorio-DEB-2013-web.pdf.>. Acesso em: 12 jan. 2015.
COLARES, I. O Pibid na Furg. In: GALIAZZI, M. do C.; COLARES, I. Comunidades aprendentes
de professores: o Pibid na Furg. Ijuí: Unijuí, 2013. p. 11-24.
COLARES, I.; GALIAZZI, M. C.; PAULITSCH, V. S. (Org.). Álbum do Pibid Furg. 2. ed. Rio
Grande: Editora da Furg, 2013.
COLARES, I.; GALIAZZI, M. C.; PAULITSCH, V. S. (Org.). Álbum do Pibid Furg. 3. ed. Rio
Grande: Editora da FURG, 2014.
DINIZ-PEREIRA, J. E. A formação acadêmico-profissional: Compartilhando responsabilidades
entre as universidades e escolas. In: ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICAS DE
ENSINO, 14, 2008, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre: PUCRS, 2008. p. 253-267.
______. A prática como componente curricular na formação de professores. Educação, Santa Ma-
ria: Lapedoc, v. 36, n. 2, p. 203-218, maio/ago. 2011.
GALIAZZI, M.; COLARES, I. (Org.). Comunidades aprendentes de professores: o Pibid na Furg.
Ijuí: Unijuí, 2013.
GALIAZZI, M. C.; MORAES, R. Comunidades aprendentes de professores: uma proposta de for-
mação no Pibid-Furg. In: GALIAZZI, M. C.; COLARES, I. (Org.). Comunidades aprendentes de
professores: o Pibid na Furg. Ijuí: Unijuí, 2013. p. 259-275.
GALIAZZI, M. C.; PAULITSCH, V. S. (Org.). Álbum do Pibid Furg. Rio Grande: Editora da Furg,
2011.
GALIAZZI, M. C.; COLARES, I. G.; PAULITSCH, V. S. (Org.). Álbum do Pibid Furg 4. Rio Gran-
de: Editora da Furg, 2015.
A formação de professores no Pibid: novas práticas, novos desaos
497
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 481-497, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
GALIAZZI, M. C.; COLARES, I. G.; PAULITSCH, V. S. (Org.). Álbum do Pibid Furg 5. Rio Gran-
de: Editora da Furg, 2016.
GALIAZZI, M. C. et al. Cirandar: rumo a comunidades aprendentes na formação acadêmico-pro-
fissional em roda. In: GALIAZZI, M. C. (Org.). Cirandar: rodas de investigação desde a escola.
São Leopoldo: Oikos, 2013. p. 157-168.
GATTI, B. et al. Um estudo avaliativo do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docên-
cia (Pibid). São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 2014. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/
images/stories/download/bolsas/24112014-pibid-arquivoAnexado.pdf>. Acesso em: 19 maio 2016.
LIMA, M. S.; GOMES, M. O. Redimensionando o papel dos profissionais da educação: algumas
considerações. In: PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (Org.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e
crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2012. p. 186-214.
MACHADO, C.; PINHO, D. Percepções acerca do Pibid Matemática Furg. In: GALIAZZI, M.
C.; COLARES, I. (Org.). Comunidades aprendentes de professores: o Pibid na Furg. Ijuí: Unijuí,
2013. p. 201-216.
PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São
Paulo: Cortez, 2012.
REICHERT, I.; MOANA, M.; LIMA, J. Do diálogo entre escola e universidade: o Pibid Feevale em
seus primeiros passos e reflexões. Novo Hamburgo: Feevale, 2014.
ROCHA, J.; ZIBETTI, M. Programa de Bolsas de Iniciação à Docência: análise sobre uma po-
lítica de formação de professores. In: PACÍFICO, J.; BUENO, J.; SOUZA, A. (Org.). Formação
docente na universidade em interface com a educação básica: ultrapassar limites, criar possibili-
dades. Florianópolis: Pandion, 2014. p. 129-154.
RODRIGUES, D. et al. Campeonato de Boliche Matemático. In: MOSTRA DE PRODUÇÃO UNI-
VERSITÁRIA, 13. Anais... Rio Grande: Furg, 2014. Disponível em <http://propesp.tmp.furg.br/
anaismpu/cd2014/index.html>. Acesso em: 22 jun. 2015.
ROZA, F.; XAVIER, R. Trilha das Frações. In: GALIAZZI, M. C. (Org.). Cirandar: rodas de inves-
tigação desde a escola. Rio Grande: Editora da Furg, 2014. p. 109-112.
SOARES, M. et al. Explorando a divisibilidade através do jogo da Memória. In: MOSTRA DE
PRODUÇÃO UNIVERSITÁRIA, 13. Anais... Rio Grande: Furg, 2014. Disponível em <http://pro-
pesp.tmp.furg.br/anaismpu/cd2014/index.html>. Acesso em: 22 jun. 2015.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE. Projeto Institucional Pibid: “Diálogos em Roda”
na formação acadêmico – profissional de professores na Furg. Anexo I. Edital nº 061/2013/Capes
– Pibid. 2013. Disponível em: <http://www.sinsc.furg.br/detalheseventos/63>. Acesso em: 22 jun.
2015.
Renata Sieiro Fernandes, Valéria Aroeira Garcia
498
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 498-517, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Educação não formal no contexto brasileiro e internacional: tensões que
perpassam a formulação conceitual
Non-formal education in the Brazilian and international scenario: tensions that permeate its
conceptual formulation
Renata Sieiro Fernandes
*
Valéria Aroeira Garcia
**
Resumo
Este artigo apresenta um estudo bibliográco que visa apresentar o percurso histórico de constituição do cam-
po da educação não formal nos contextos internacional e nacional, de modo a perceber como se deu a criação
conceitual e teórica desse campo, bem como suas implicações. Dessa forma, a educação não formal tangencia
as relações com a educação formal e apresenta algumas problemáticas advindas de suas origens e mudanças
histórico-conceituais envolvendo os públicos atendidos por programas e projetos do terceiro setor, organiza-
ções de capital público, privado e misto, em ações realizadas fora da escola. O artigo traz subsídios para a funda-
mentação teórica e prática nesse campo conceitual e educacional. Conclui-se que o lugar atribuído ao campo da
educação não formal orbita a periferia e as margens em relação à centralidade do campo da educação formal.
Entender, conceitualmente, os dois campos como autônomos e independentes, que se interpenetram, com mo-
bilidade e sem fronteiras denidas, talvez seja um caminho para a integração e valorização de muitas formas de
se praticar educação, sem desmerecimentos e descréditos, possibilitando, inclusive, a diversidade de propostas
educacionais.
Palavras-chave: Campo conceitual. Contexto histórico. Educação não formal. Revisão bibliográca.
*
Doutora e pós-doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Docente do Curso de Mestrado em
Educação e do Curso de Pedagogia do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, campus Americana, São Paulo,
Brasil. E-mail: rsieirof@hotmail.com
**
Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Pós-doutoranda em Educação na Universidade de
São Paulo. Supervisora educacional na rede pública municipal de Campinas, São Paulo, Brasil. E-mail: va_garcia@
hotmail.com
Recebido em 16/06/2018 – Aprovado em 30/10/2018
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v26i2.7200
Educação não formal no contexto brasileiro e internacional: tensões que perpassam a formulação conceitual
499
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 498-517, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Abstract
The article is a bibliographical study that aims to present the historical course of constitution of the eld of
non formal education in the international and national contexts in order to perceive how the conceptual and
theoretical creation of this eld was giving itself as well as its implications. In this way, non-formal education
touches relationships with formal education and presents some problems arising from its origins and historical-
conceptual changes involving the public served by programs and projects of the third sector, public, private and
mixed capital organizations in actions out of school. This article brings subsidies for the theoretical and practical
foundation in this conceptual and educational eld. It is concluded that the place attributed to the eld of non-
formal education orbits the periphery and the margins in relation to the centrality of the eld of formal educa-
tion. To understand, conceptually, the two elds as autonomous and independent, that interpenetrate, with
mobility and without dened boundaries, is perhaps a way for the integration and valorisation of many forms
of practicing education, without demerit and discredit, allowing even the diversity of educational proposals.
Keywords: Conceptual eld. Historical context. Non-formal education. Literature review.
Introdução
Este artigo se caracteriza por um estudo bibliográfico e visa apresentar o per-
curso histórico de constituição do campo da educação não formal nos contextos
internacional e nacional, de modo a perceber como se deu a criação conceitual e
teórica desse campo ao longo do tempo, bem como suas implicações.
Pensar e falar em educação implica assumir um campo teórico e prático que,
desde há muito tempo, mistura-se e confunde-se, mesmo não sendo sinônimo, com
a terminologia e o território da escola. Entretanto, educação acontece também, e
especialmente, onde não existe essa instituição responsável por promover o que se
denomina como processo de ensino.
Ao se tratar da educação, entende-se formação ou percurso formativo, realiza-
do por meio de práticas e processos educativos que implicam subjetivação, huma-
nização e socialização, em que trocas, reconfigurações e manutenções de aspectos
culturais e simbólicos acontecem nos grupos sociais, sem preocupações com forma-
lizações, por meio de situações e experiências (em que o aprender está presente).
Educação e aprendizagem acontecem o tempo todo, em diferentes espaços e
de várias formas. Para que se possam analisar e buscar compreender os vários
e possíveis processos educacionais, didaticamente, denominam-se esses processos
institucionalizados ou não pelos termos: educação formal, educação não formal e
educação informal.
Rogers (2005, p. 68) usa a imagem do iceberg ao falar desses contextos educa-
cionais, explicando que a parte visível, na superfície, é a que se refere à educação
formal, a outra parte, ainda visível, mas mais próxima da água, mais abrangente
Renata Sieiro Fernandes, Valéria Aroeira Garcia
500
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 498-517, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
que a parte anterior, é a que se refere à educação não formal, e a parte invisível,
submersa, de maior amplitude e base para as partes anteriores, é a que se refere à
educação informal. Portanto, todas estão conectadas, mas a educação formal adqui-
re maior visibilidade e status, ao longo do tempo, realocando a educação não formal
para a periferia. A educação informal é o que sustenta e perpassa todos os outros
contextos, tamanha é sua força de atravessamento e sustentação. Dessa forma, a
analogia do autor desenha o binômio centro-periferia como imagens que dialogam
entre si, mas que tomam a educação formal como referência, e tudo o mais que não
é escola, mas que engloba um leque amplo de experiências educativas, seja tratado
como contraposição, como se fosse possível, inclusive, algo ser identificado por uma
negação.
Busca-se fugir dessa imagem, dando autonomia e independência à educação
não formal, assumindo-a como um campo conceitual não exatamente novo, mas, no
caso do Brasil, em absorção recente pelo universo acadêmico e de pesquisa cientí-
fica, constituído por reflexões e práticas que ocorrem em espaços de educação, de
forma institucionalizada ou não, atendendo a diferentes públicos e em interface
com diferentes áreas do conhecimento. Tais práticas e reflexões interdisciplinares
podem ocorrer sob a forma de projetos e programas financiados tanto pelo poder
público como por fundações públicas, privadas ou de capital misto, como também
por empresas, associações, grupos comunitários, coletivos e movimentos.
É necessário apontar que as ações no campo da educação não formal não se
destinam especificamente às classes populares. Ela acontece para diferentes pú-
blicos, de qualquer idade, e faz parte do percurso formativo das classes sociais
de modos variados, por vezes, ao lado do percurso escolar (PALHARES, 2009).
Dessa forma, o uso da terminologia “não formal” não procura uma configuração e
constituição que designe um determinado lócus de acontecimento (que os termos
“comunitário” e “social” possam indicar) e uma especificidade de público atendido
(que o termo “social” ou “em vulnerabilidade” possa recortar), mas um campo sem
fronteira e topografia definidas e estanques, com mobilidade e permeabilidade.
O contexto histórico da educação não formal
O conceito de “não formal” ganha popularidade após a Segunda Guerra Mun-
dial e o período de criação de novas nações independentes (BOCK; BOCK, 1985),
pela necessidade de se incrementarem visões alternativas à escolarização formal
Educação não formal no contexto brasileiro e internacional: tensões que perpassam a formulação conceitual
501
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 498-517, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
como um meio de auxiliar a resolver, de maneira rápida e barata, problemas de
desenvolvimento econômico e social.
Os anos 1960 são o marco do aparecimento e uso da terminologia e da nomen-
clatura indicadas por “non formal education”. É nesse momento que elas apare-
cem, conceitualmente, em uma conferência de apresentação e discussão de proble-
máticas advindas do contexto escolar, a International Conference on World Crisis
in Education, em 1967, em Williansburg, Virginia, nos Estados Unidos, evento
patrocinado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura (UNESCO), em seu programa de educação. Esse momento marca a per-
cepção e a assunção de existência da crise na educação em sua tarefa de educar
a todos, em sua diversidade econômica e diferenciação sociocultural, bem como a
crença na educação como alavanca de transformação e mudança social, auxiliando
o desenvolvimento econômico (um pensamento datado historicamente com fortes
conotações colonialistas). Nos países denominados, à época, de subdesenvolvidos
ou em vias de desenvolvimento (ao que hoje se chamam de periferia do capitalismo
internacional e financeirizado), as ações educacionais fora do campo da educação
formal, que já aconteciam (especialmente em meio rural), ganham visibilidade, e,
então, é cunhado e adotado o uso do termo educação não formal. Sendo assim, o
início dos anos 1970 é marcado por uma grande empolgação com as possibilidades
de ações formativas no campo da educação não formal (BOCK; BOCK, 1985).
O Instituto Internacional de Planejamento da UNESCO, sob a coordenação
de Coombs, elabora um documento-base a partir dessa conferência, apontando a
necessidade de se desenvolverem meios educativos que não se restringissem so-
mente aos escolares, ainda que estivessem, fortemente, vinculados à ideia do ensi-
no-aprendizagem. A obra é a versão revisada do texto original, de 1968, da obra de
Coombs, The world educational crisis, em que o autor dedica um capítulo inteiro
ao tema da educação não formal marcando sua importância e validade. Como des-
dobramento, nos anos 1970, um grupo de estudos da Universidade de Michigan,
em colaboração com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Inter-
nacional (Usaid), organismo empenhado em fazer alinhamentos com as políticas
dos EUA, propõe que ações realizadas por meio da “non formal education” possam
alavancar a educação nos países subdesenvolvidos, valendo-se do discurso assumi-
do de tentar realizar por outros modos as funções e tarefas que a escola não conse-
gue ou deixa de fazer, entretanto, envolvendo menores recursos, investimentos e
tempo. E, assim, dá-se apoio internacional a outras formas e meios de se praticar
ações de educação menos custosas e que já aconteciam em países periféricos de
Renata Sieiro Fernandes, Valéria Aroeira Garcia
502
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 498-517, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
forma espontânea (COOMBS, 1985), em consonância com as reformas econômicas
impetradas pelos EUA e pela Inglaterra, na vertente neoliberal.
A partir da oficialidade e da publicidade dada ao conceito, a educação não
formal como campo pertencente ao setor educacional começa a se configurar e a se
circunscrever.
O programa de Michigan/Usaid, que em 1974 incorporou um centro de in-
formação sobre educação não formal, desenvolveu um trabalho de elaboração de
materiais didáticos e de metodologias no campo da educação não formal (PASTOR
HOMS, 2001 apud GARCIA, 2015). Foram produzidos documentos avalizados pe-
las universidades e pelos organismos exteriores, bem como foi escrito, pelos aca-
dêmicos Coombs, Prosser e Ahmed, um documento para o Fundo das Nações Uni-
das para a Infância (UNICEF), órgão das Nações Unidas, intitulado New paths to
learning for rural children and youth (1973).
Coombs e Ahmed produzem duas publicações para o Banco Mundial, Attack-
ing rural poverty: how non formal education can help (1974) e Education for rural
development: case studies for planners (1975). La Belle e Verhine (1975) e La Belle
(1986) editam um levantamento de programas latino-americanos no âmbito não es-
colar e, também, organizam um simpósio para apresentação e discussão de ideias,
denominado Comparative Education Review, em 1976.
Logo, percebe-se a vinculação de ações realizadas no campo da educação não
formal a um processo que pode ser vantajoso economicamente e apoiado por agên-
cias de desenvolvimento, como o Banco Mundial, a UNESCO e o UNICEF, an-
corado por professores ligados ao universo acadêmico, o que conduz à busca por
modelos bem sucedidos de experiências e à publicação de muitos estudos de casos.
Materiais e produções foram importantes meios da divulgação da terminologia
e do conceito de educação não formal (em contraposição, competição e detrimento
da educação formal), especialmente os documentos redigidos nas línguas inglesa,
espanhola e francesa: Tesauro de la educación, da UNESCO, de 1977; Terminología
de la educación de adultos, da UNESCO, de 1979; Documentation et information
pedagogiques, de 1979; International review of education, de 1982; e Enciclopedia
internacional de la educación, de 1989 (PASTOR HOMS, 2001); perpassando os
anos de 1970-1980, reconhecidamente, o prenúncio da implementação de políticas
de viés neoliberal.
Pelos materiais compilados, coletados e publicados, percebe-se a trajetória
histórica e cronológica dos campos partindo da educação informal para a educa-
ção não formal, sendo a educação formal o último estágio a surgir (BOCK; BOCK,
Educação não formal no contexto brasileiro e internacional: tensões que perpassam a formulação conceitual
503
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 498-517, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
1985). Ainda, nota-se que a discussão sobre esses três campos aparece, primei-
ramente, nos Estados Unidos, depois passa para a Europa e só mais tarde chega
ao Brasil. Essa trajetória da terminologia fica nítida pelos estudos realizados por
Trilla (1999) e Pastor Homs (2001), na Espanha, e pelos verbetes constantes da
International encyclopedia of education, nos Estados Unidos.
Na Espanha, na introdução e no estudo do conceito foram pioneiras as Jorna-
das de estudio sobre la educación informal, em 1974, organizadas pelo Departa-
mento de Pedagogía Sistematica, da Universidad de Barcelona, portanto, avaliza-
das pela universidade e pelo instituto de Pedagogia (área de conhecimento aplicado
da educação).
Educação não formal no contexto brasileiro
Como se afirmou anteriormente, as ações formativas desenvolvidas no campo
da educação não formal já aconteciam desde antes de a terminologia ser cunhada.
Os relatórios da UNESCO tratavam de experiências educacionais chamando-as,
nos anos de 1950, de desenvolvimento comunitário, de educação comunitária, de
educação rural e de educação no campo; no período de ditadura, nos anos de 1970,
chamando-as de letramento funcional, de educação popular e de educação de jovens
e adultos, até serem denominadas por educação não formal, ganhando notoriedade e
destaque mesmo não sendo algo exatamente novo (RADCLIFFE; COLLETTA, 1985).
No mesmo período, no Brasil, também estava presente a discussão da crise
da educação, entendida como crise da escola, uma vez que, para pesquisadores
ligados à UNESCO, esta instituição não atendia às demandas sociais e culturais
atribuídas a ela, especialmente relativas à diminuição do analfabetismo. Várias
experiências em relação à alfabetização de jovens e adultos, muitas delas vincula-
das à formação política, são exemplos marcantes e referenciais de experiências fora
da escola desse período, como a educação popular e as campanhas de alfabetização
apresentadas por Paulo Freire.
Dos anos 1980 até os anos 2000, há um período de experiências de escolariza-
ção em tempo integral, institucionalizadas, mantidas pelo Estado, voltadas para
as crianças das classes populares, visando atender às necessidades e aos interesses
desse grupo social. São exemplos: as escolas-parque (1950), na gestão de Anísio
Teixeira; os parques infantis, na gestão de Mário de Andrade (1935); os Centros
Integrados de Educação Pública (Ciep), na gestão de Darcy Ribeiro (1980); os Cen-
tros de Atenção Integral à Criança (Ciac), na gestão de Fernando Collor de Melo
Renata Sieiro Fernandes, Valéria Aroeira Garcia
504
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 498-517, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
(1992); e os Centros Educacionais Unificados (CEU), na gestão de Marta Suplicy
(2001). Nessas experiências, a proposta era oferecer uma educação voluntária, no
contraturno da frequência escolar obrigatória.
Dos anos 1980 em diante, junto ao processo de democratização, advém uma
forte crise econômica, que, concomitantemente à política neoliberal, estimula a or-
ganização civil e o terceiro setor, chamando-os a atuar no campo das políticas so-
ciais e a buscar alternativas para as desigualdades socioeconômicas e educacionais
de nosso tempo.
Esse período é chamado de boom das organizações do terceiro setor, que pas-
sam a se responsabilizar pelo desenvolvimento de ações educativas, muitas de-
las acontecendo no campo da educação não formal. A partir dos anos 1990, ainda
seguindo a política neoliberal, o poder público passa a se desresponsabilizar de
suas funções sociais, atribuindo ao terceiro setor e à sociedade civil algumas ações
sociais, dentre elas as educativas, sendo que grande parte dessas ações passa a
ocorrer no campo da educação não formal.
Percebe-se como o Estado brasileiro, em consonância com o projeto neoliberal,
foi se desresponsabilizando de assumir para si a tarefa da educação das classes po-
pulares, tanto em ações e projetos no campo da educação formal (que se caracteriza
pela ampliação do acesso, mas não de garantia da qualidade) como no campo da
educação não formal, caracterizando-se pelo repasse de verbas ao terceiro setor por
meio de programas, projetos e atendimento a editais. Assim, o Estado deixa de ser
o órgão prestador, para ser a entidade contratante.
Fora do contexto brasileiro, as demandas e problemáticas no campo da edu-
cação não formal assumem particularidades e especificidades, embora em alguns
pontos convirjam, especialmente por fazerem parte da agenda política e econômica
neoliberal que atravessa países de todos os continentes.
Educação não formal no contexto internacional
Na Espanha, as discussões em torno da temática da educação não formal
iniciam-se na década de 1970, sendo já citadas as Jornadas de estudio sobre la
educacion informal, organizadas pelo Departamento de Pedagogia Sistemática da
Universidad de Barcelona, ocorridas em 1974 (PASTOR HOMS, 2001). Sendo que,
na década de 1980, dá-se a entrada definitiva do conceito de educação não formal
nos discursos oficiais.
Educação não formal no contexto brasileiro e internacional: tensões que perpassam a formulação conceitual
505
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 498-517, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Ao lado disso, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa adota, em
2000, a recomendação sobre educação não formal,
[...] incitando todos aqueles que dão forma às políticas educativas a tomar conhecimento
da educação não formal como parte essencial do processo educativo [...] e interpelando os
governos e outras autoridades competentes dos Estados-Membros a reconhecer a educação
não formal como um parceiro de fato no processo de aprendizagem ao longo da vida.
1
A recomendação feita aos Estados pertencentes à Convenção Cultural Euro-
peia (2003) é para reafirmar que o campo da educação não formal constitui uma
dimensão fundamental no processo de aprendizagem ao longo da vida e que se deve
trabalhar para o desenvolvimento de padrões de reconhecimento efetivo das ações
no campo da educação não formal como parte essencial da educação em geral.
Dessa forma, a educação não formal se coaduna a buscas de novas adaptações
formativas para os mercados que se transformam:
O “conceito novo” de educação ao longo da vida é revelador de um fenômeno societário que
o pesquisador em ciências da educação John Field (2000, p. 133) chamou de “nova ordem
educativa”. Aprender ganha um significado novo para a sociedade inteira, para as institui-
ções educativas e para os indivíduos. Essa reconfiguração não deixa de ter uma contradição
interna: a nova aprendizagem primeiramente inscreve-se em um quadro econômico e polí-
tico cujos objetivos são a competitividade, a empregabilidade e a adaptabilidade das “forças
de trabalho” (ALHEIT; DAUSIEN, 2006, p. 178).
A Comissão Europeia e a UNESCO reconhecem que,
[...] no contexto do princípio da aprendizagem ao longo da vida, a identificação e a validação
da aprendizagem não formal e informal têm por finalidade tornar visível e valorizar todo o
leque de conhecimento e competências detidos por uma pessoa, independentemente do local
ou da forma como foram adquiridos. A identificação e a validação da aprendizagem não
formal e informal têm lugar dentro e fora do ensino e formação formais, no local de trabalho
e na sociedade civil (PINTO, 2005, p. 1).
Vários países europeus têm ações e dão credibilidade e aval para o campo da
educação não formal, assumindo-o em seus documentos legais e oferecendo for-
mação aos educadores em âmbito universitário por meio de curso técnico ou de
graduação em educação social e pedagogia social, constituindo o território profis-
sionalizante e o público de atendimento.
De acordo com a bibliografia estudada, é possível compreender como o campo
da educação não formal vem se constituindo em diferentes países e por onde se es-
trutura, sendo que muitas das práticas têm relações com o social (entendido como
populações ou grupos sociais em vulnerabilidade ou com baixo poder aquisitivo e
localizado em comunidades).
Renata Sieiro Fernandes, Valéria Aroeira Garcia
506
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 498-517, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Os Estados Unidos, particularmente, têm papel importante, sendo o primeiro
país a cunhar o termo educação não formal e a formular as bases teóricas a partir
de levantamento de experiências práticas que já aconteciam em países periféricos
– como já foi descrito anteriormente –, contribuindo para a sistematização e a pro-
dução bibliográfica que circulou e circula por outros países. Ao lado disso, enfren-
tam problemáticas sociais advindas do contexto multicultural que lhes é próprio,
por meio de ondas de imigração, criando necessidade de experiências também fora
do ambiente escolar, como as ações práticas de homeschooling (educação domés-
tica) e de nonschooling ou unschooling – inspiradas em Illich, em Sociedade sem
escolas (1979), e em outros autores libertários, cuja opção das famílias é pela não
escolarização ou desescolarização.
Na década de 1970, os estudos realizados por Brembeck, no Program of stu-
dies in non-formal education, do Institute for International Studies in Education
(IISE), e as pesquisas da Universidade de Michigan sinalizaram a importância de
pesquisas no campo da educação não formal (BREMBECK, 1976, p. 12).
O Programa de Estudos da Universidade de Michigan, coordenado por Brem-
beck, traz as preocupações específicas do momento histórico, da posição econômica e
política dos Estados Unidos e de seus interesses em relação aos países denominados
em desenvolvimento e aos investimentos direcionados à elevação dos níveis de esco
-
laridade e enfrentamento do analfabetismo. Isso reforça o papel reservado ao campo
da educação não formal dentro de uma visão desenvolvimentista e economicista,
mas também colonialista, na relação centro-periferia dos países imperialistas.
Fica claro o interesse econômico e desenvolvimentista, quando se notam que
as práticas no campo da educação não formal se davam em situações de pobreza e/
ou com poucos recursos, nas quais, muitas vezes, destacavam-se como alternativas
de educação mais barata, mais rápida e com amplitude para se atingir um público
maior.
Na Europa, na Finlândia, práticas realizadas no campo da educação não for-
mal se relacionam com a área da educação social, que teve sua origem no Serviço e
na Assistência Social.
Na Irlanda, país caracterizado pelo Estado de Bem-Estar Social, a problemá-
tica que acomete o país é a vulnerabilidade dos velhos em períodos de solidão e as
altas taxas de suicídio de jovens, temáticas abordadas por diferentes projetos no
campo da educação não formal (RYYNÄNEN, 2009).
A educação infantil nos países nórdicos também se insere no campo da edu-
cação não formal, embora, como faz parte do sistema educativo, é cunhada por
Educação não formal no contexto brasileiro e internacional: tensões que perpassam a formulação conceitual
507
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 498-517, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
não escolar. São exemplos disso os programas de pré-escola de período parcial e
integral, as cooperativas de pais, as creches domiciliares e os centros recreativos,
os programas de pré-escola aberta desenvolvidos na Suécia e a pré-escola do bos-
que, na Dinamarca. (HAMMERSHØJ, 1996 apud HADDAD, 1996; HADDAD;
JOHANSSON, 1995). Os programas, as ações e as propostas que acontecem no
campo da educação não formal são coordenados pelo Ministério/Secretaria de Bem-
-Estar Social, e os que são realizados pela educação formal são coordenados pelo
Ministério/Secretaria de Educação.
Ao considerar as práticas no campo da educação não formal realizadas no con-
tinente africano, a produção bibliográfica apresenta obras especialmente dos anos
1950 e 1960, sendo algumas delas com público adulto: Planning non-formal educa-
tion in Tanzania; L’education des adultes au Sénegal: classrooms in the factories,
classrooms in the military, literacy: three pilot projects; La formation profissionelle
des adultes em notes et etudes documentaries.
Sheffield e Diejomaoh (1972) também retratam a educação não formal na Áfri-
ca, enquanto Van Rensburg (1974) apresenta o seu trabalho pioneiro em Botswa-
na. Em algumas situações, as propostas no campo da educação não formal foram
apontadas como necessárias para desenvolver e realizar ações educativas especí-
ficas em comunidades rurais. Dahama e Bhatnagar (1985) apontam uma série de
características referentes às vantagens que se podem obter ao utilizar práticas da
educação não formal em relação à educação no campo e para aqueles que não tive-
ram ou que tiveram acesso restrito ao sistema formal de ensino. Para os autores,
além da educação formal e não formal, há a extensão em educação, que combina
a educação de adultos com os campos da educação informal e não formal e tem
seu foco de interesse em adultos não alfabetizados (principalmente agricultores e
trabalhadores braçais), sendo a intenção alfabetizá-los não somente na gramática,
mas em melhores técnicas naquilo que mais lhes interessar.
Na Índia, a educação formal foi tratada como incapaz de dar conta de todas as
necessidades educacionais do país e a educação não formal passou a estar presente,
inclusive, por recomendação do Comitê Central de Aceleração da Educação.
No Japão, o campo da educação não formal, também chamado de educação
social, foi utilizado como instrumento de educação nacionalista e, após 1945, houve
uma mudança de rumo, sendo a ênfase dada à reorientação do povo, visando à
formação de bons cidadãos em uma sociedade democrática (MORO’OKA, 1985).
Em 1929, o Japão funda o Escritório de Educação Social, no Ministério Edu-
cacional, para lidar com assuntos referentes aos jovens e aos grupos de crianças,
Renata Sieiro Fernandes, Valéria Aroeira Garcia
508
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 498-517, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
oferecendo centros de treinamento de juventude, escolas de complementação voca-
cional, biblioteca, museus, educação de adultos, grupos de educação social, autori-
zação e recomendação de livros como formação continuada e permanente. No ano
de 1995, estabelece-se a Direção da Educação Não Formal, para coordenar ações
do governo e das iniciativas privadas, de modo a garantir a efetivação da educação
básica entre crianças e adultos, colocando ambas em relação (educação não formal
e educação formal).
No Uruguai, muitas das práticas que acontecem no campo da educação não
formal são denominadas de Educação Social. No XVI Congresso Mundial dos Edu-
cadores Sociais, em 2005, foi redigido um documento-referência, marco conceitual
das competências do educador social, que se destinaria a ser a referência a partir
da qual se realizariam os debates e o desenvolvimento da base profissional dos
educadores sociais nas ações socioeducativas em meios fechados e abertos.
As problemáticas abordadas no trabalho socioeducativo dizem respeito a
crianças, adolescentes e adultos com deficiência, assim como aqueles com um fator
de risco concreto: pessoas com transtorno mental, dependentes do álcool ou de ou-
tras drogas, indigentes, pessoas em conflito com a lei, em diferentes situações de
vulnerabilidade, etc.
Em Cuba, o programa intitulado “Educa a tu hijo”, do Ministerio de Educa-
ción, (CUBA, 1992), é oferecido para aqueles que estão fora do sistema educacional
formal e foca tanto as crianças quanto os adultos responsáveis pelo cuidado delas,
em sua maioria avôs, avós, cuidadores e mães grávidas.
Embora os exemplos sejam breves, por esse leque de experiências fora do Bra-
sil, possíveis de serem encontradas em publicações e na internet, percebem-se as
diferentes vertentes de ação no campo da educação não formal e como se diferen-
ciam pelo contexto social e pelo período histórico.
Em algumas situações e propostas, credita-se ao campo da educação não for-
mal o potencial para atingir alguns dos objetivos que a educação formal tem falhado
em obter, ou seja, aquela é vista com a capacidade única para preencher algumas
funções que são atribuídas à escolarização formal e para, além disso, visando com-
plementá-la, suplementá-la ou sendo alternativa a esta. E disso deriva o risco de
surgirem discursos que polarizam os campos: educação não formal versus educação
formal, em termos de qualidade e necessidade. Entretanto, as críticas apontam que
várias iniciativas realizadas no campo da educação não formal não têm conseguido
promover mudanças sociais, sem uma intencionalidade prévia, podendo servir a
concepções e propostas tanto transformadoras como reformadoras ou mantenedo-
Educação não formal no contexto brasileiro e internacional: tensões que perpassam a formulação conceitual
509
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 498-517, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
ras do status quo, dependendo da orientação político-filosófica da instituição em
relação ao seu projeto societário e de formação de sujeitos e de grupos sociais.
As possíveis rivalidades e contraposições entre os campos podem ser notadas
a partir da construção conceitual do campo da educação não formal ao longo dos es-
paços-tempos apontados por Garcia (2015) e pela afirmativa de sua potência como
campo de experimentação e resistência a práticas hegemônicas e de enfrentamento
do neoliberalismo.
A construção do campo teórico-conceitual
As construções conceituais apresentadas cronologicamente servem para mos-
trar o movimento na criação de conceitos, particularidades, persistências e recria-
ções ao longo dos espaços-tempos.
Conforme apontado, a terminologia educação não formal é cunhada por Philip
Coombs, na década de 1960. Para o autor, a educação não formal se configura pelo
desenvolvimento de meios educativos que não se restringem somente aos escolares.
Pastor Homs (2001) encontra na obra de Coombs, Prosser e Ahmed (1973) a
primeira preocupação em diferenciar e definir os termos. Trilla (1996) confirma
que o termo educação não formal tornou-se popular no contexto educacional em
1967, na International conference on world crisis in education, em Williamsburg,
Virginia, Estados Unidos, apontando a necessidade de desenvolver meios educati-
vos que não se restringissem somente aos escolares.
Keis, Lang, Mietus e Tiapula (1976 apud BREMBECK, 1976) estabelecem
distinções conceituais nos campos educacionais, incluindo a educação incidental.
Para eles, a educação incidental caracteriza-se por experiências educacionais não
intencionais, mas não menos poderosas em seus efeitos e ressonâncias. Os resulta-
dos são produzidos sem consciência ou intenção e são, comumente, pensados como
sendo “naturais” ou “inerentes”, mas eles são, de fato, fruto de processos de apren-
dizagem.
Diferentemente da educação incidental, a informal refere-se às mesmas expe-
riências ou a similares que podem ser, conscientemente, examinadas e, deliberada-
mente, incrementadas, por meio de conversa, explanação, interpretação, instrução,
disciplina e imitação do exemplo de outros; ocorrendo pela vivência individual e
social do dia a dia, pela via da socialização.
Ainda nos anos 1970, Brembeck (1976), coordenador do Grupo de Estudos em
Educação Não Formal, da Universidade de Michigan, sistematizou alguns pontos
Renata Sieiro Fernandes, Valéria Aroeira Garcia
510
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 498-517, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
basilares dos campos da educação formal e da educação não formal, apontando
seus contrários, por meio de um exercício de comparação entre eles.
Os pontos considerados são os seguintes:
a) estrutura: os programas da educação formal são estruturados em um siste-
ma coordenado e sequencial; os programas da educação não formal costu-
mam ter muito menos centralização e estrutura comum;
b) conteúdo: a educação formal geralmente é acadêmica, teórica e verbal, en-
quanto que a educação não formal é, normalmente, centrada em tarefas ou
habilidades, com objetivos que se relacionam com a aplicação prática em
situações diárias;
c) tempo: a educação formal é orientada para o tempo futuro; a educação não
formal é de curto prazo e orientada para o tempo presente;
d) gratificação: na educação formal, os “retornos” tendem a ser adiados e são
de longo alcance, enquanto na educação não formal, os “retornos” tendem a
ser tangíveis e imediatos ou em curto prazo;
e) local: a educação formal tem visibilidade e localidade, enquanto a educação
não formal, usualmente, tem baixa visibilidade e pode ocorrer em quase
todos os lugares;
f) método: a educação formal transmite conhecimentos padronizados, do pro-
fessor para o estudante na sala de aula, enquanto a educação não formal
tende a ter mais conteúdos específicos, com esforços instrucionais dirigidos
à aplicação prática;
g) participantes: os aprendizes da educação formal são separados por idade
e os professores são formalmente certificados; os aprendizes da educação
não formal podem ser de todos os grupos etários e os educadores têm uma
grande variedade de qualificação ou não são, necessariamente, certificados
formalmente; em termos de aprovação social, os estudantes que “falham” na
educação formal podem sofrer estigma social; já os participantes da educa-
ção não formal podem “falhar” com pequeno ou nenhum estigma social;
h) função: as experiências em educação formal, geralmente, são designadas
para ir ao encontro das supostas necessidades que as pessoas têm; a educa-
ção não formal, mais frequentemente, é designada em resposta às necessi-
dades que as pessoas dizem ter.
Educação não formal no contexto brasileiro e internacional: tensões que perpassam a formulação conceitual
511
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 498-517, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Afonso (1989, p. 78), no final da década de 1980, em Portugal, motivado pelo
seu envolvimento com os movimentos sociais no Brasil e o associativismo, no mo-
mento de democratização, bem como pela repercussão da educação popular e pelo
reconhecimento das ações educacionais de Paulo Freire, propõe definir os termos
da seguinte forma:
[...] por educação formal, entende-se o tipo de educação organizada com uma determinada
sequência e proporcionada pelas escolas, enquanto que a designação informal abrange to-
das as possibilidades educativas no decurso da vida do indivíduo, constituindo um processo
permanente e não organizado. A educação não formal, embora obedeça também a uma es-
trutura e a uma organização (distintas, porém das escolas) e possa levar a uma certificação
(mesmo que não seja essa a finalidade) diverge ainda da educação formal no que respeita a
não fixação de tempos e locais e à flexibilidade na adaptação dos conteúdos de aprendiza-
gem a cada grupo concreto.
Embora, no campo da educação não formal, exista uma formalidade, o autor
aponta para uma possível ausência de normatização, abrindo espaço no instituído
para que possam acontecer experiências instituintes. Para ele, antes de tudo, as
ações no campo da educação não formal devem levar a uma transformação social,
com viés assumidamente político.
São elencadas algumas características que devem ser constitutivas desse
campo educacional, tomando como embasamento as organizações e os movimentos
sociais e populares: a) apresentar caráter voluntário; b) promover a socialização;
c) promover a solidariedade; d) visar ao desenvolvimento; e) preocupar-se essen-
cialmente com a mudança social; f) ser pouco formalizados e pouco hierárquicos;
g) favorecer a participação; h) proporcionar investigações e projetos de desenvolvi-
mento; i) ser, por natureza, formas de participação descentralizadas.
Afonso (1989), por vezes, usa o termo não escolar como sinônimo de não formal
e propõe que seja a sociologia da educação não escolar a área de conhecimento
responsável pelo estudo teórico e prático das problemáticas advindas desse campo.
Gohn (1999) apresenta a educação não formal, primeiramente, ligada aos
movimentos sociais e ao associativismo, até, recentemente, incluir um leque mais
ampliado que engloba as práticas das organizações do terceiro setor: aprendizagem
política dos direitos; educação para o trabalho; práticas com objetivos comunitá-
rios; desenvolvimento da leitura do mundo; a educação na e pela mídia; etc.
Trilla (1996), que participa desde o início das criações conceituais sobre educa-
ção não formal na Espanha, ocupou-se de compreender a trajetória e o escopo das
terminologias utilizadas, considerando, para tanto, as questões administrativas e
legais definidas pelo organismo responsável no país por legislar e deliberar sobre
Renata Sieiro Fernandes, Valéria Aroeira Garcia
512
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 498-517, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
a educação. Sendo assim, a partir da compreensão do autor, podem-se definir os
termos como: a educação informal é a aprendizagem que realizamos na função
de aprendizes e de ensinantes, em que não há planejamento e intencionalidade,
que ocorre sem que nos apercebamos, como acontece, por exemplo, na educação
familiar; a educação formal é intencional, possui uma forma determinada por uma
legislação nacional, tem critérios específicos para acontecer e segue o que é es-
tipulado pelo Estado; a educação não formal é aquela mediada pela relação de
ensino-aprendizagem, com intencionalidade e forma, assumindo e desenvolvendo
metodologias com procedimentos e ações diferenciadas das adotadas nos sistemas
formais, e, no caso brasileiro, não tem uma legislação nacional que a regule e que
incida sobre ela.
Brennan (1997), da Universidade de New England, propõe três tipos de apli-
cação da educação não formal, claramente, relacionados à educação formal, colo-
cando-a em desvantagem: a) educação não formal como um complemento ao sis-
tema formal; b) educação não formal como um suplemento ao sistema formal; e c)
educação não formal como uma alternativa à educação formal.
Nos anos 2000, Garcia (2015), no Brasil, ao se debruçar sobre a conceituação
dos campos, tomando a filosofia deleuziana como organizadora do pensamento e
das reflexões, propõe que sejam entendidos como campos conceituais e territoriais
distintos, não havendo necessidade de um ser definido em função do outro. A auto-
ra aposta na ideia de campos autônomos e independentes conceitualmente; dessa
forma, eles conversam, complementam-se, alimentam-se e constituem uns aos ou-
tros, mas com identidades próprias.
Sob essa óptica, a cada campo se reservam suas funções, em estado de (re)
invenção, garantindo espaço para convivências frutíferas e enriquecedoras, propi-
ciando que os sujeitos e os grupos sociais possam ser beneficiados nesses processos
constantes e diários de formação ao longo da vida ou permanentemente, por meio
da diversidade de fazeres e pensares, existindo, nessas relações, disputas, entre-
choques, recriações conceituais, realimentação de um pelo outro.
Também, por essa óptica, não se alimenta o discurso de negar a educação
formal em favor de investimentos em propostas e experiências, em programas e
projetos realizados no campo da educação não formal:
A recente valorização do campo da educação não formal pode significar ou implicar a des-
valorização da educação escolar. Por essa razão, a justificação da Educação Não Escolar
não pode ser construída contra a escola, nem servir a quaisquer estratégias de destruição
dos sistemas políticos de ensino, como parecem pretender alguns dos arautos da ideologia
neoliberal (AFONSO, 2001, p. 31).
Educação não formal no contexto brasileiro e internacional: tensões que perpassam a formulação conceitual
513
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 498-517, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Esse é um dos riscos a ser evitado e um cuidado a ser tomado.
Considerações nais
Ao abordar o campo da educação não formal, alguns pontos podem e devem
ser levados em conta em sua contextualização, conceituação e caracterização. Den-
tre eles, pode-se mencionar o lugar atribuído ao campo da educação não formal,
observado em muitas concepções orbitando a periferia e as margens em relação à
centralidade do campo da educação formal.
A proposta de se entender conceitualmente os dois campos como autônomos
e independentes, que se interpenetram, relacionam-se, tangenciam-se, com mo-
bilidade e sem fronteiras definidas, talvez seja um caminho para a integração e
valorização de muitas formas de se praticar educação, sem desmerecimentos e des-
créditos, possibilitando, inclusive, a diversidade de propostas educacionais.
É preciso atentar para os discursos que permeiam muitas das propostas no
campo da educação não formal, afirmando intenções e ações que visam à transfor-
mação social, mas que acabam por responder com ações reformistas e de manu-
tenção da situação vigente, sendo o projeto político da instituição a diretriz de sua
proposta educacional e de sociedade. A isso se associa o fato de ainda se estar sob a
égide do modelo neoliberal, tanto no Brasil quanto no mundo.
A revalorização do campo da educação não formal, a partir dos anos 1990,
assim como a justificação de propostas nesse campo não podem ser construídas
contra a escola, nem servir a discursos e estratégias de destruição dos sistemas pú-
blicos de ensino, como defende a ideologia neoliberal, implicando na desvalorização
da educação escolar, especialmente a pública.
A sistematização por parte dos educadores de seus pensares e fazeres é bastan-
te importante para as trocas e a estruturação das produções no campo da educação
não formal, de modo que eles próprios sejam também produtores e divulgadores de
conhecimento, já que as ações pedagógicas nesse campo estão muito calcadas na
oralidade, fragmentadas e sem registros reflexivos e sistematizados que realimen-
tem as práticas e a reflexão sobre ela (FERNANDES, 2007).
É preciso investimento em pesquisas nesse campo da educação, de modo que
haja uma produção teórica nacional de qualidade e que seja referência, desenvol-
vendo embasamento teórico e prático, dialogando com as produções internacionais
e com as práticas realizadas.
Renata Sieiro Fernandes, Valéria Aroeira Garcia
514
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 498-517, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
As pesquisas nesse campo ainda são incipientes tanto de tipo qualitativo como
qualitativo-quantitativo, talvez como reflexo de uma tímida absorção das práticas
no campo da educação não formal como campo de pesquisa e ensino nas universida-
des, que em geral objetivam a formação dos estudantes para o campo da educação
formal, bem como validação de estágio. Ainda que não se pleiteie uma formação
específica para o campo da educação não formal, em nível técnico e universitário,
apesar de isso já acontecer na Europa e em alguns lugares da América Latina (ao
analisar o recorte da educação social), não se pode negar sua existência, tampouco
o campo de trabalho de muitos profissionais da pedagogia e de outras áreas.
No início de janeiro de 2013, foi publicada, no Diário Oficial da União, a
Portaria nº 4, que institui a Escola Nacional de Socioeducação (ENS), no âmbito
da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), com
o objetivo de promover a qualificação e a profissionalização dos cerca de 20 mil
agentes públicos que atuam na rede de atendimento aos jovens em conflito com a
lei no Brasil. É a primeira iniciativa visando à formação profissional desses educa-
dores em nível nacional, fora de contexto formal e escolar. As primeiras turmas dos
cursos serão na modalidade de educação a distância e oferecidas a partir de con-
vênio com a Universidade de Brasília, em parceria com universidades estaduais e
municipais.
A construção do campo da educação não formal ora disputa e ora compartilha
lugares conceituais e territoriais também pleiteados pela educação social – junta-
mente com a pedagogia social – e pela educação sociocomunitária, o que amplia,
diversifica e prolifera as discussões e os debates, sendo algo rico e produtivo.
Há que se mencionar o envolvimento e as lutas dos movimentos sociais de mi-
litância das associações estaduais, nacionais e internacionais de educadores sociais
pela criação e regularização da profissão de educador e educadora social, já cons-
tante na Classificação Brasileira de Ocupações, desde 2009, uma conquista recente
para a configuração desse profissional que já atua na atenção, defesa e proteção a
pessoas em situação de risco e vulnerabilidade social, bem como na preservação e
conquista de direitos.
A formação no campo da educação formal para profissionais atuarem no campo
da educação social está em discussão na Câmara dos Deputados, por meio do Pro-
jeto de Lei nº 5.346/2009, de autoria do deputado Chico Lopes (PCdoB). A formação
por meio de cursos nos níveis técnico e universitário envolve um amplo debate, e
há necessidade de amplificá-lo para além das questões técnicas, administrativas e
estruturais de uma “nova” formação, que se faz necessária por sua prática que já
Educação não formal no contexto brasileiro e internacional: tensões que perpassam a formulação conceitual
515
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 498-517, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
acontece há tempos, em diferentes contextos, nos campos político, social e cultural
brasileiros.
A questão que merece destaque é que essa discussão não pode acontecer sem
considerar as diferentes “formações” já existentes e que vêm acontecendo por ações
realizadas no campo da educação não formal, debatendo e produzindo saberes e
práticas para os acontecimentos cotidianos que se fazem por meio da educação so-
cial. Portanto, a estruturação da formação, em níveis técnico e universitário, para
os educadores sociais é importante e necessário em nosso país, mas é fundamental
que essa organização se dê em articulação e diálogo com os movimentos sociais e
com os educadores sociais que vêm atuando, construindo e criando esse fazer e esse
campo educacional/social no Brasil.
Nota
1
Disponível em: <http://www.wakeseed.org/conteudos.php?id=64&m=1>. Acesso em: 16 jun. 2018.
Referências
AFONSO, Almerindo J. Os lugares da educação. In: SIMSON, O. R. de M.; PARK, M. B.; FER-
NANDES, R. S.(Org.). Educação não formal: cenários da criação. Campinas, SP: Editora da
Unicamp; Centro de Memória, 2001. p. 79-93.
______. Sociologia da educação não-formal: reactualizar um objecto ou construir uma nova pro-
blemática? In: ESTEVES, Antonio Joaquim; STOER, Stephen R. A sociologia na escola. Porto:
Afrontamento, 1989. p. 83-96.
ALHEIT, Peter; DAUSIEN, Bettina. Processo de formação e aprendizagens ao longo da vida.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 32, n. 1, p. 177-197, abr. 2006.
BOCK, John C.; BOCK, Christoph M. Nonformal education: policy in developing countries. In:
HUSEN, Torsten; POSTLETHWAITE, Neville (Ed.). The international encyclopedia of educa-
tion: research and studies. New York: Pergamon Press Ltd., 1985. v. 6. p. 3551-3556.
BRASIL. Portaria nº 4, de janeiro de 2013. Institui a Escola Nacional de Socioeducação no âmbi-
to da Secretaria de Recursos Humanos da presidência da República, e estabelece diretrizes para
o seu funcionamento. Diário Oficial da União, 12 jan. 2015.
BREMBECK, Cole S. Introducción. In: BREMBECK, Cole S.; THOMPSON, Timothy J. (Org.).
Nuevas estrategias para el desarrollo educativo: investigación intercultural de alternativas no
formales. Buenos Aires: Editorial Guadalupe, 1976. p. 9-16.
BRENNAN, Barrie. Reconceptualizing non-formal education. Internacional Journal of Lifelong
Education, EUA, v. 16, n. 3, p. 185-200, May/June 1997.
Renata Sieiro Fernandes, Valéria Aroeira Garcia
516
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 498-517, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
COOMBS, Philip. Non formal education: comparative studies. In: HUSEN, Torsten; POSTLE-
THWAITE, Neville (Ed.). The international encyclopedia of education: research and studies. New
York: Pergamon Press Ltd., 1985. v. 6. p. 3536-3540.
COOMBS, Philip; AHMED, Manzoor. Attacking rural poverty: how non formal education can
help. New York: UNICEF; International Center for Educational Development, 1974.
COOMBS, Philip; AHMED, Manzoor. Education for rural development: case studies for plan-
ners. New York: Praeger, 1975.
COOMBS, Philip; PROSSER, Roy; AHMED, Manzoor. New paths to learning for rural children
and youth. New York: UNICEF; International Center for Educational Development, 1973.
DAHAMA, Omprkash P.; BHATNAGAR, Omprkash P. Education and communication for devel-
opment. 2. ed. Calcutá: Oxford/IBH Publishing Co., 1985.
FERNANDES, Renata Sieiro. Os educadores na educação não formal: apontamentos e reflexões.
Revista de Ciências da Educação, Americana, SP: Unisal, ano IX, n. 17, p. 67-94, 2º sem. 2007.
GARCIA, Valéria A. Educação não formal como acontecimento. Holambra: Setembro, 2015.
GOHN, Maria da G. Educação não formal e cultura política: impactos sobre o associativismo do
terceiro setor. São Paulo: Cortez, 1999.
HADDAD, Lenira. Políticas integradas de cuidado e educação infantil: o exemplo da Escandiná-
via. Revista Pro-Posições, Campinas, v. 7, n. 3 [21], p. 36-50, nov. 1996.
HADDAD, Lenira; JOHANSSON, Jan-Erik. A pré-escola sueca: a história de um sistema inte-
grado de cuidado e educação. Cadernos Cedes, Campinas, n. 37, p. 45-61, 1995.
ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. Petrópolis: Vozes, 1979.
LA BELLE, Thomas J. Nonformal education in Latin America and the Caribbean: stability, re-
form, or revolution? New York: Praeger, 1986.
LA BELLE, Thomas J.; VERHINE, Robert E. Education, social change, and social stratification.
In: LA BELLLE, Thomas J. (Org.). Educational alternatives in Latin America. Los Angeles:
UCLA Latin American Center Publications, 1975. p. 132-135.
CUBA. Ministerio de Educación. Educa a tu hijo. Cuba: Editorial Pueblo y Educación, 1992.
MORO’OKA, Kazufusa. Nonformal education in Japan. In: HUSEN, Torsten; POSTLE-
THWAITE, Neville (Ed.). The international encyclopedia of education: research and studies. New
York: Pergamon Press Ltd., 1985. v. 6. p. 3536-3558.
PALHARES, José Augusto. Reflexões sobre o não escolar na escola e para além dela. Revista
Portuguesa de Educação, Braga: Universidade do Minho, v. 22, n. 2, p. 53-84, 2009.
PASTOR HOMS, Maria Inmaculada. Orígenes y evolución del concepto de educación no formal.
Revista Española de Pedagogia, Madrid, año LIX, n. 220, p. 525-544, sep./dic. 2001.
PINTO, Luis Castanheira. Sobre educação não formal. Cadernos d’InEducar, 2005. Disponí-
vel em: <http://docplayer.com.br/97859-Em-2003-o-comite-de-ministros-do-conselho-da-euro-
pa-recomenda-aos-estados-pertencentes-a-convencao-cultural-europeia.html>. Acesso em: 20
out. 2018.
Educação não formal no contexto brasileiro e internacional: tensões que perpassam a formulação conceitual
517
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 498-517, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
RADCLIFFE, David J.; COLLETTA, Nat J. Nonformal education. In: HUSEN, Torsten; POSTLE-
THWAITE, Neville (Ed.). The international encyclopedia of education: research and studies. New
York: Pergamon Press Ltd., 1985. p. 1837-1842.
RYYNÄNEN, Sanna. A Pedagogia Social na Finlândia e o contexto brasileiro. In: SOUZA NETO,
João Clemente de; SILVA, Roberto da; MOURA, Rogério Adolfo (Org.). Pedagogia social. São Pau-
lo: Expressão e Arte, 2009. Disponível em: <https://socialeducation.files.wordpress.com/2010/11/
caliman-pedagogia-social-italia.pdf>. Acesso em: 20 out. 2018.
ROGERS, Alan. Non-formal education: flexible schooling or participatory education? New York:
The University of Hong Kong HFR Kluwer Academic Publishers, 2005.
SHEFFIELD, James R.; DIEJOMAOH, Victor P. Non-formal education in African development.
New York: African-American Institute, 1972.
VAN RENSBURG, P. Report of Swaneng Hill: education and employment in African country.
Uppsala: Day Hammerskjold Foundation, 1974.
TRILLA, Jaume. A educación non formal e a cidade educadora. Dúas perspectivas (unha analíti-
ca e outra globalizadora) do universo da educación. Revista Galega do Ensino, La Coruña, n. 24,
p. 199-221, set. 1999.
______. La educación fuera de la escuela: ámbitos no formales y educación social. Barcelona:
Ariel, 1996.
Mario Sergio Cunha Alencastro, Jorge Wilson Michalowski
518
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 518-532, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Ambientalização curricular: estudo de caso do curso de tecnologia em logística
Curricular environmental: case study of the logistics technology course
Mario Sergio Cunha Alencastro
*
Jorge Wilson Michalowski
**
Resumo
Em consonância com os princípios da transversalidade e da interdisciplinaridade, procurou-se vericar, no currí-
culo do curso, uma abordagem metodológica que contemplasse, mediante metodologias ativas e participativas,
um processo de ensino e aprendizagem que tratasse as questões ambientais de forma transversal e integrada.
Nesse contexto, este estudo procurou analisar como se insere a ambientalização curricular. A pesquisa desenvol-
vida, um estudo de caso que utilizou como instrumentos a pesquisa bibliográca, a análise documental, a obser-
vação participante e o grupo focal, demonstrou que a prática ambiental pode ser trabalhada de maneira trans-
versal e interdisciplinar, aliada com o mercado atual, em busca de soluções para problemas reais. Este estudo de
caso proporcionou uma evolução signicativa na construção do conhecimento dos alunos, futuros prossionais
de logística, os quais demonstraram mais interesse nos conteúdos quando colocados à frente de problemas
reais de empresas, tendo que indicar soluções para um mercado competitivo do qual em breve serão parte ativa.
Palavras-chave: Ambientalização curricular. Educação ambiental. Tecnologia educacional.
Abstract
In line with the principles of transversality and interdisciplinarity, the course curriculum was designed as a me-
thodological approach that contemplated, through active and participatory methodologies, a teaching and
learning process that addressed environmental issues in a transversal and integrated way. In this context the
present study sought to analyze how the curricular ambientization is inserted. The research developed, a case
study, used as instruments the documentary analysis, participant observation and focus group. The research
developed shows that the environmental practice can be worked in a transversal and interdisciplinary way allied
with the current market, through the practice in the search for solutions to real problems. This case study pro-
vided a signicant evolution in the knowledge construction of the students, future logistics professionals, who
showed more interest in the contents, when faced with real problems of companies, having to present solutions
for a competitive market in which they will soon be active.
Keywords: Curricular Ambientalization. Environmental education. Educational technology.
*
Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Paraná. Professor Pesquisador no Mes-
trado em Educação e Novas Tecnologias do Centro Universitário Internacional, Brasil. E-mail: siderly.a@uninter.com
**
Mestre em Educação e Novas Tecnologias pelo Centro Universitário Internacional. Professor da FAE Centro Universi-
tário, consultor em planejamento e logística, sócio-diretor da Magnicat Consultoria em Planejamento e Logística,
Brasil. E-mail: jotawil@terra.com.br
Recebido em 27/09/2018 – Aprovado em 31/01/2019
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v26i2.8686
Ambientalização curricular: estudo de caso do curso de tecnologia em logística
519
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 518-532, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Introdução
Esta pesquisa inicia-se com o estudo da ambientalização curricular vincula-
da aos princípios da transversalidade e da interdisciplinaridade, o qual procurou
verificar, no currículo do curso de Tecnologia em Logística, uma abordagem me-
todológica que contemplasse, mediante metodologias ativas e participativas, um
processo de ensino e aprendizagem que tratasse as questões ambientais de forma
transversal e integrada.
A inserção de conhecimentos, valores sociais e éticos e questões ambientais
nos estudos e currículos universitários é de suma importância para o desenvol-
vimento de um profissional educado para a sustentabilidade socioambiental, no
sentido de torná-lo comprometido com a sociedade, para que esta tenha mais qua-
lidade de vida, permitindo que as gerações futuras usufruam de um meio ambiente
propício à vida.
Relatam Speller, Robl e Meneghel (2012) que vários países do mundo debatem
sobre a alteração em seus sistemas de ensino e indagam sobre a contribuição das
instituições de ensino superior (IESs) na construção do conhecimento diante dos
desafios da globalização e da responsabilidade social, possibilitando o desenvolvi-
mento de uma sociedade mais justa, que tenha consciência dos valores éticos, para
garantir melhor qualidade de vida.
Leff (2002), por sua vez, afirma que a crise ambiental é um problema do tem-
po atual e que gera discussão e reflexão a respeito do conhecimento ambiental,
pois está voltada à construção de uma sociedade justa e sustentável. A inserção
ambiental não deve limitar-se às disciplinas na matriz curricular, mas envolver
ações práticas estruturadas, em que o processo ambiental possa ocorrer dentro do
funcionamento da IES. Diante do exposto, este estudo analisa a inserção da educa-
ção ambiental no currículo do curso de Tecnologia em Logística, por meio de uma
reforma acadêmica que alinhou o ensino do citado curso ao mercado.
A escolha por esse curso originou-se da necessidade de realizar uma reforma
acadêmica nele. Considerando do atual Projeto Pedagógico do Curso (PPC), perce-
beu-se que não havia em seu arcabouço a ambientalização curricular. Da mesma
forma, a interdisciplinaridade não estava adequada, não permitindo que a prá-
tica da realidade das questões da vida fosse vivenciada. Para isso, foi necessário
analisar a legislação pertinente quanto à educação ambiental, os instrumentos de
avaliação de curso do Ministério da Educação no tocante ao contexto educacional
na introdução no currículo do processo de ensino-aprendizagem, o PPC e o Plane-
Mario Sergio Cunha Alencastro, Jorge Wilson Michalowski
520
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 518-532, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
jamento de Desenvolvimento Institucional (PDI), sustentado pelos estudos sobre
ambientalização curricular de renomados autores.
O objetivo geral foi, por meio da reforma acadêmica, desenvolver a ambien-
talização curricular, inserindo a dimensão socioambiental, em que é tratada de
forma inadequada. De forma secundária, foi estudada a legislação e procurou-se
investigar outras instituições que oferecem o mesmo curso, com a expectativa de
entender se aplicam a ambientalização curricular.
A IES em que foi realizada a pesquisa trata-se de um centro universitário par-
ticular, sediado na cidade de Curitiba. Com a análise do PDI e do PPC, verificou-se
que a preocupação da universidade é trabalhar na prática a temática ambiental,
mediante oficinas, embora tenha no currículo conteúdos em disciplinas específi-
cas, como logística reversa e internacional e o estudo do homem contemporâneo.
Analisaram-se três semestres, com três oficinas e três feiras de logística, em que
os alunos apresentaram soluções sustentáveis para problemas elaborados por eles
mesmos e de empresas do mercado, que contribuíram durante esse período indi-
cando problemas reais a serem solucionados pelos acadêmicos.
Ambientalização curricular
Para adentrar na ambientalização curricular, torna-se necessário entender os
conceitos que a norteiam. Relembrando Leff (2002), a crise ambiental é um proble-
ma do tempo atual, que conduz à discussão e à reflexão sobre temas ambientais.
Nesse contexto, as IESs tornam-se muito importantes na inserção da temática am-
biental, haja vista ser um problema de conhecimento para o qual é imprescindível
repensar as práticas humanas e seus efeitos sobre o meio ambiente com relação à
preservação da vida de todas as espécies (GUERRA; FIGUEIREDO, 2014).
Segundo Guerra e Figueiredo (2014), a ambientalização curricular inclui in-
serir conhecimentos, critérios e valores sociais, éticos e ambientais nos currículos
universitários, visando a educar para a sustentabilidade socioambiental. Comple-
mentarmente, Kitzmann (2007 apud GUERRA; FIGUEIREDO, 2014) indica que,
ao avaliar esse processo, discutem-se também os conceitos de ambientalização e
de educação ambiental formal e não formal, buscando identificar a integração da
dimensão ambiental em todos os níveis educativos.
De acordo com Kitzmann e Asmus (2012 apud GUERRA; FIGUEIREDO,
2014), tal conceito se define como um processo de inovação por meio de interven-
ções que objetivam integrar temas socioambientais aos conteúdos e às práticas das
Ambientalização curricular: estudo de caso do curso de tecnologia em logística
521
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 518-532, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
instituições de ensino. Assim, a ambientalização da IES tem um sentido mais am-
plo, ao compreender o currículo, a pesquisa, a extensão e a gestão ambiental, sendo
um processo contínuo e dinâmico, para que se torne um autêntico espaço educador
sustentável (GUERRA; FIGUEIREDO, 2014). Diante disso, a inserção da educação
ambiental no ensino superior deve iniciar na construção do PPC, pois somente as-
sim ela se tornará efetiva e integrada, como determina a legislação pertinente. En-
tende-se também que a ambientalização é capaz de tratar da transversalidade nos
aspectos formativos extracurriculares, com a participação de todos os indivíduos.
Na esteira da definição de ambientalização curricular, Alencastro e Souza
Lima (2015, p. 21) desenvolvem uma reflexão epistemológica a respeito do conceito
de educação ambiental, parte daquela conceituação anterior, quando afirmam que:
[...] atualmente a questão ambiental faz-se presente nas abordagens sobre currículo, for-
mação de professores, pesquisa e ensino em todos os níveis, e já existe um consenso sobre
a importância da educação ambiental e sua inclusão curricular – como disciplina ou tema
transversal – na elaboração de diversos programas educacionais.
É nesse contexto que a abordagem da ambientalização curricular deve ser
entendida e aplicada no âmbito educacional, com vistas a gerar os espaços necessá-
rios às reflexões a respeito da educação ambiental, permitindo que os professores
entendam e apliquem metodologias e tecnologias para atender às demandas das
temáticas ambientais atuais, com a premissa de perpetuar um futuro vindouro
com mais sustentabilidade e justiça social.
Legislação ambiental no curso superior
Ao abordar a ambientalização curricular, faz-se necessário analisar a legisla-
ção brasileira sobre educação ambiental, para elencar seus principais pontos nor-
teadores na educação.
A educação ambiental foi oficializada pelo Decreto nº 73.030, de 30 de outubro
de 1973, cuja letra i do art. 4 prevê: “Promover, intensamente, através de progra-
mas em escala nacional, o esclarecimento e a educação do povo brasileiro para o uso
adequado dos recursos naturais, tendo em vista a conservação do meio ambiente”
(BRASIL, 1973, não paginado). Já a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, em seu
art. 2º, inciso X, é muito enfática no sentido de ter como princípio a “[...] educação
ambiental a todos os níveis do ensino, inclusive a educação da comunidade, objeti-
vando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente” (BRASIL,
1981, não paginado).
Mario Sergio Cunha Alencastro, Jorge Wilson Michalowski
522
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 518-532, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
A Constituição federal de 1988 aborda as questões ambientais em capítulo
próprio e apresenta as bases da educação ambiental em seu art. 225, § 1º, inciso
VI, em que cita:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso co-
mum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coleti-
vidade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1o Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:
[...]
VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização públi-
ca para a preservação do meio ambiente (BRASIL, 1988, não paginado).
Ainda, o Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, que regulamenta a Lei nº
6.902, de 27 de abril de 1981, e a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, estabelece,
em seu art. 1º, inciso VII: “[...] orientar a educação, em todos os níveis, para a ativa
participação do cidadão e da comunidade na defesa do meio ambiente, cuidando
para que os currículos escolares das diversas matérias obrigatórias contemplem o
estudo da ecologia” (BRASIL, 1990, não paginado).
Portanto, torna-se necessário que as instituições de ensino tomem conheci-
mento e apresentem ações práticas no cumprimento da legislação, a fim de al-
cançar os objetivos que esta propõe. Nesse sentido, o Plano Nacional de Educação
(PNE), aprovado pela Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, com vigência entre
2014 e 2024, define metas como compromissos entre o Estado e as instituições de
ensino para o avanço da educação brasileira, no intuito de consolidar e garantir
que o sistema educacional promova a formação para o trabalho, com o firme exer-
cício da cidadania, ao estabelecer, no item X do art. 2º, “promoção dos princípios do
respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental”
de suas diretrizes (BRASIL, 2014, não paginado).
Complementarmente, o Instrumento de Avaliação de Cursos de Graduação
Presencial e a Distância (BRASIL, 2017), em seu item 1.5, sobre conteúdos curri-
culares, Dimensão 1 – Organização didático-pedagógica, enfatiza que a IES deve
abordar conteúdos pertinentes à política de educação ambiental, previstos e im-
plantados de maneira excelente para o desenvolvimento do perfil profissional do
egresso, de forma sistêmica e global, corroborado pelo item 16, dos requisitos legais
e normativos, em que consta que a temática ambiental deve ser trabalhada de
forma transversal.
Com o avanço tecnológico do século XXI, o Brasil e os demais países do mundo
continuam em evolução constante, com a finalidade de normatizar cada vez mais a
Ambientalização curricular: estudo de caso do curso de tecnologia em logística
523
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 518-532, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
questão ambiental no contexto educacional, conforme as leis descritas nesse espaço
histórico.
Aprendizagem baseada em problemas
No decorrer da pesquisa, verificaram-se os conceitos de ambientalização e o
conteúdo da legislação vigente relativa à educação superior e à educação ambiental,
tornando-se fundamental uma mudança de comportamento, com o envolvimento e o
comprometimento do indivíduo e da coletividade no sentido de construir uma socie
-
dade pautada na responsabilidade social, não somente com a teoria, mas atuando
com ações práticas, pois, de acordo com a afirmação de Freire (1996, p. 21), todo
educador necessita entender e saber que “[...] ensinar não é transferir conhecimen
-
to, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”.
Entre as possibilidades de abordagem metodológica que contemple o uso de
metodologias ativas e participativas nos processos de ensino e aprendizagem, des-
taca-se a aprendizagem baseada em problemas (ABP). Trata-se de um modelo di-
dático que proporciona ensino-aprendizagem integrado e contextualizado e cuja
inspiração deu-se por meio da teoria de John Dewey (PEREIRA et al., 2007). Com
a utilização da pedagogia ativa ou da ação de Dewey, a proposta é que a aprendiza-
gem se origine a partir de problemas ou circunstâncias situacionais que deixam a
desejar, gerando desconforto ou dúvidas, possibilitando usar experiências reais que
motivem os alunos a práticas de investigação, para encontrar uma solução criativa,
inovadora e eficaz para os problemas.
Souza e Dourado (2015) identificam quatro vantagens da ABP: (i) a motiva-
ção, pelo dinamismo dos estudantes para aprender; (ii) a interação do conhecimen-
to, uma vez que o estudante realiza ações práticas, o que possibilita a fixação eficaz
do conhecimento adquirido; (iii) a habilidade do pensamento crítico dos conheci-
mentos, proporcionando condições para analisá-los criticamente para encontrar a
solução dos problemas; (iv) a interação das habilidades interpessoais, fundamen-
tais para o trabalho em equipe. Quanto aos métodos, estes se baseiam na teoria
construtivista de Jean Piaget e no método de investigação-ação de Paulo Freire,
colocando-se como uma alternativa pedagógica em relação aos demais métodos de
ensino existentes.
Mario Sergio Cunha Alencastro, Jorge Wilson Michalowski
524
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 518-532, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Percurso metodológico da pesquisa
Nesta pesquisa, optou-se pela estratégia de estudo de caso, tendo em vista que
se pretende aprofundar uma unidade individual. Segundo Collis e Hussey (2005),
o estudo de caso é o exame extensivo de um único exemplo de interesse, conside-
rando-se uma abordagem fenomenológica. Por sua vez, Yin (2015, p. 17) enfatiza
que: “[...] o estudo de caso é uma investigação empírica que investiga um fenôme-
no contemporâneo (o ‘caso’) em profundidade e em seu contexto de mundo real, e
especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não puderem ser
claramente evidentes”.
O caso escolhido foi o do curso de Tecnologia em Logística de uma IES par-
ticular da cidade de Curitiba, no qual se iniciou um processo de ambientalização
curricular. Para sua consecução, foram utilizados como recursos a pesquisa biblio-
gráfica, a análise documental, a observação participante e o grupo focal.
Na etapa do grupo focal, convidaram-se 16 representantes de empresas dos
setores de indústria, varejo e serviços, dos quais somente 10 estiveram presen-
tes, com a finalidade de realizar uma reunião para apresentação da nova matriz
curricular. A escolha desse recurso deveu-se por se tratar de um método de coleta
de dados que, de acordo com Vergara (2010), tem por objetivo a discussão de um
tópico específico para possibilitar a coleta de informações por meio das interações
grupais, diante de um debate aberto em torno de um tema de interesse comum aos
participantes.
Foi apresentado aos participantes que o objetivo do grupo focal era visualizar
a nova matriz curricular, elaborada dentro de aspectos técnicos, e perceber como a
interdisciplinaridade, a transversalidade e a ambientalização se faziam presentes,
a fim de contribuir no processo de sua melhoria, com suas percepções, atitudes e
práticas de mercado, de modo a atender adequadamente às exigências do próprio
mercado.
Por sua vez, a observação participante possibilitou aos pesquisadores fazer
parte da equipe que desenvolveu o estudo de caso, tendo contato direto e frequente
com os envolvidos no processo da reforma acadêmica, pelo período de um ano e
meio, em que foram ativos, configurando-se, portanto, uma observação participan-
te completa.
A IES sobre a qual este estudo debruçou-se localiza-se na cidade de Curitiba,
no estado do Paraná, sendo o terceiro estado com curso de Tecnologia em Logística,
o que demonstra a importância deste, bem como a aceitação pelo mercado de traba-
Ambientalização curricular: estudo de caso do curso de tecnologia em logística
525
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 518-532, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
lho. A escolha do curso em questão e dos participantes da pesquisa deveu-se ao fato
de ele ter recebido a designação de um novo coordenador, assim como à necessidade
de realização de uma reforma acadêmica, exigência do regulamento interno da uni-
versidade quando transcorrido quatro anos da última. É importante ressaltar que
o PPC prevê a formação de profissionais em Logística, contemplando o desenvolvi-
mento de competências e habilidades na correta gestão dos impactos ambientais,
apresentando soluções eficientes e eficazes, com postura ética e responsável.
Os trabalhos envolveram outros coordenadores de cursos de tecnologia, os
quais estavam na mesma situação de reforma curricular de seus cursos, a saber,
Gestão Comercial e Gestão Financeira. Sendo todos cursos de tecnologia, enten-
deu-se que seria importante que os três cursos elaborassem a reforma acadêmica
de maneira conjunta na parte comum, com as particularidades tratadas pelo seu
respectivo coordenador, diante da legislação e das diretrizes pertinentes. Cons-
truiu-se um cronograma de trabalho, em que as reuniões aconteceriam na IES,
com a direção de campus, os coordenadores e a equipe de suporte da Diretoria Aca-
dêmica, que estavam empenhados em proporcionar todo o apoio necessário para
que a reforma tivesse cunho inovador e sustentável.
A matriz curricular, segundo o coordenador do curso, foi organizada por com-
petências, de modo a possibilitar a aplicação do conhecimento adquirido durante o
semestre numa prática de solução de um problema real de uma empresa ou de sua
própria necessidade profissional (Quadro 1).
Mario Sergio Cunha Alencastro, Jorge Wilson Michalowski
526
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 518-532, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Quadro 1 – Características da ambientalização da matriz curricular do curso de Tecnologia em Logística
Matriz Curricular - Características de um estudo ambientalizado
Característica Descrição
1 - Complexidade
As oficinas de gestão, de projeto de armazéns, de gestão de distribuição e de
gestão de logística lean contextualizam.
2 - Ordem disciplinar:
flexibilidade e permeabi-
lidade
A matriz contempla a participação de diferentes profissionais das áreas do conhe-
cimento. Utiliza temáticas atuais relativas à logística. Há disciplinas obrigatórias e
optativas I e II.
3 - Contextualização
As oficinas de gestão incorporam problemas reais locais e globais, possibilitando
incorporar as dimensões ambiental, social e econômica, com parcerias em em-
presas. Essa situação é concluída com a Feira de Logística e a apresentação das
soluções pelas equipes.
4 - Considerar o sujeito da
aprendizagem na constru-
ção do conhecimento
As disciplinas têm adequação metodológica com a participação de alunos e pro-
fessores de forma equilibrada.
5 - Considerar aspectos
cognitivos, afetivos e de
ação das pessoas
A instituição, por meio do curso, fornece apoios psicológico, pedagógico e econô-
mico aos alunos, como a saúde escolar, o sistema de bolsas e financiamentos e os
cursos de extensão, com vistas a melhorar a performance dos alunos nos estudos.
6 - Coerência e reconstru-
ção entre teoria e prática
Os alunos, em todas as disciplinas, realizam trabalhos práticos e coerentes com
a teoria, com identificação de atitudes individuais e coletivas no desenvolvimento
dos projetos. Já houve projetos que se tornaram empresas reais.
7 - Orientação prospecti-
va de cenários alterna-
tivos
Em todos os conteúdos ministrados, há a preocupação da formação do profissio-
nal comprometido com o futuro e a sociedade, bem como se busca a utilização de
tecnologias atuais com visão do futuro, como Google Classroom, Mobile, Google
Drive, etc.
8 - Adequação metodo-
lógica
Presença de estudos de campo. Utilização da metodologia de resolução de pro-
blemas e metodologias participativas e ativas, tais como (ABP) e entre pares ou
times.
9 - Oferecer espaços de
reflexão e participação
democrática
Práticas de trabalhos participativos e colaborativos estão previstas em todas as
disciplinas, com participação de alunos e professores.
10 - Compromisso para a
transformação das rela-
ções sociedade-natureza
Característica que será abordada no decorrer do curso.
Fonte: elaboração dos autores, 2018.
Essa matriz, embora atendesse aos requisitos legais e aos da instituição em
estudo, ainda não havia sido validada pelo mercado de trabalho, ou seja, pelas em-
presas que no futuro utilizarão os serviços profissionais dos estudantes que irão co-
lar grau e receber o diploma de Tecnólogo em Logística e terão atuação real nessas
organizações, que anseiam por resultados auspiciosos para torná-las mais competi-
Ambientalização curricular: estudo de caso do curso de tecnologia em logística
527
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 518-532, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
tivas e eficientes em seu segmento de mercado. Para tanto, o coordenador convidou
empresários dos segmentos indústria, comércio e serviços para um encontro, em
13 de setembro de 2016, com a finalidade de fazer uma investigação qualitativa,
do tipo grupo focal, sobre os anseios e as necessidades das empresas que represen-
tavam, validando a matriz curricular elaborada e fazendo ajustes e adequações
necessários para considerar as demandas atuais do mercado e de sustentabilidade.
O encontro contou com a presença de dez empresas, por meio de seus repre-
sentantes, entre eles, diretores, gerentes, funcionários e ex-alunos do curso, tota-
lizando 13 pessoas. Apresentada a metodologia empregada na reforma acadêmica
e na matriz curricular, passou-se a palavra para que os presentes apresentassem
suas percepções e o que poderia ser melhorado. Individualmente, cada um posicio-
nou-se com relação às partes técnica e metodológica, aprovando a reforma acadê-
mica. Ao término da exposição individual, foi solicitado ao grupo que apresentasse
o que mais deveria ser abordado para que essa reforma atendesse plenamente
aos anseios do mercado. O grande grupo, após discussão dos assuntos inerentes à
formação do futuro profissional, relacionou os seguintes aspectos:
a) abranger conteúdo técnico que atenda às necessidades das empresas;
b) capacitar os alunos em leitura/escrita e em postura ética;
c) formar profissionais com visão sistêmica, adaptados a cumprir metas, en-
frentar desafios, saber dividir e trabalhar com espírito de colaboração, com-
prometidos com o trabalho;
d) contemplar a inserção de conhecimentos socioambientais no currículo, para
que o profissional seja educado para a sustentabilidade socioambiental,
haja vista que o cenário atual exige sustentabilidade das empresas para
serem competitivas;
e) desenvolver nos futuros profissionais o compromisso como pessoa;
f) ensinar a receber um não, assimilando isso como desenvolvimento pessoal,
e trabalhar com o comportamento do indivíduo;
g) apresentar como o mercado se encontra e o cenário em que atuarão;
h) desenvolver nos alunos a negociação – entre colegas e entre setores, tanto
internos quanto externos;
i) trazer os problemas das empresas e de ex-alunos para dentro da sala, para
estudar soluções e apresentar ao mercado;
Mario Sergio Cunha Alencastro, Jorge Wilson Michalowski
528
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 518-532, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
j) convidar os empresários para fazer seus depoimentos e dar palestras sobre
assuntos das organizações, no cenário do curso;
k) ensinar aos alunos a prática da paciência e a não serem imediatistas.
Depois da reunião com o grupo focal, em consonância com os princípios da
transversalidade e da interdisciplinaridade, procurou-se introduzir no currículo
do curso uma abordagem metodológica que contemplasse um processo de ensino
e aprendizagem que tratasse os pontos abordados na matriz curricular, os apon-
tamentos do grupo focal e as questões ambientais de forma transversal e integra-
da. Nesse sentido, criou-se um espaço que recebeu o nome de Oficina de Gestão,
regrado por regulamento próprio da instituição, com aprovação da Pró-Reitoria
de Ensino, Pesquisa e Extensão, permitindo que os alunos desenvolvessem a ca-
pacidade de aplicação de conceitos e teorias estudados durante o curso de forma
integrada, proporcionando-lhes a oportunidade de confrontar as teorias estudadas
em cada semestre com as práticas profissionais existentes, encontrando soluções
para problemas reais, valendo-se de critérios e valores sociais, éticos, estéticos e
ambientais. As empresas participantes do grupo focal se dispuseram a apresen-
tar problemas reais de logística em seu segmento de mercado para que os alunos
pudessem analisar, assim como abrir para visitas, para que conhecessem in loco a
problemática e realizassem o estudo, resultando em propostas para tais situações,
nas disciplinas denominadas Oficinas de Gestão.
Com esse espaço, portanto, busca-se estimular no aluno a análise e explicação
do objeto de seu estudo, culminando em novas propostas de soluções, na forma de
produto, projeto técnico, estudo de caso, proposta de intervenção em procedimentos
em serviços, adequação tecnológica ou processos e técnicas que tenham responsa-
bilidade socioambiental. No fim de cada semestre, é realizada uma Feira de Logís-
tica, com a finalidade de entregar ao mercado as soluções alcançadas diante dos
problemas apresentados aos alunos no decorrer do semestre letivo.
As equipes são formadas pelos próprios alunos e o problema a ser solucionado
surge dela própria ou envolve temas a serem solucionados para problemas forneci-
dos pelas empresas parceiras da instituição. Na Feira de Logística, os estudantes
apresentam, explicam, justificam e demonstram, por meio de maquetes ou novos
processos, para o público externo e alunos dos demais cursos de graduação da IES,
a solução encontrada. Dessa maneira, verificou-se que os pontos importantes da
nova matriz curricular referem-se ao engajamento dos alunos durante o semestre,
à pesquisa de campo e às visitas técnicas às empresas para entender o problema
e encontrar uma solução. O trabalho em equipe possibilita a eles negociar entre si
Ambientalização curricular: estudo de caso do curso de tecnologia em logística
529
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 518-532, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
e com outras equipes, melhorar o relacionamento interpessoal, ter mais responsa-
bilidades e cumprir os prazos, vivenciando a realidade do profissional de logística,
sempre considerando a temática ambiental.
A primeira feira contou com 21 alunos, distribuídos em 6 equipes, das quais
são apresentadas 5, a seguir:
a) APL Logistics: abordou uma solução de otimização de armazenagem, com
elaboração de uma maquete concretizando a solução teórica – equipe com
três alunos.
b) Criapneu: trouxe solução em logística reversa para utilização de pneus usa-
dos de maneira alternativa e criativa, com a produção de bancos, camas
para cães e gatos, entre outros – equipe com três alunos.
c) Projeto Recolorir: desenvolveu uma solução em logística reversa para rea-
proveitamento de giz de cera, apresentando um processo de derretimento de
tocos de giz usados e produção de novos em outros formatos, com a mesma
qualidade – equipe com cinco alunos.
d) Tijolinho do Bem: desenvolveu uma solução em logística reversa para utili-
zação de lixo orgânico na produção de tijolos, expondo um projeto de usina
que beneficia o lixo orgânico, tendo como resultado uma pasta como maté-
ria-prima para produção de tijolos – equipe com três alunos.
e) Zoo Nacional: apresentou solução em armazenagem e distribuição de ali-
mentos para zoológicos, na expectativa de otimizar a estocagem de produtos
perecíveis e a rápida distribuição ao consumo final, evitando desperdícios e
custos – equipe com dois alunos.
Observa-se que, em todas as soluções, os alunos demonstraram interesse em
abordar questões ambientais, tanto para empresas quanto para a sociedade.
Finalizada a reforma acadêmica em 2016, a nova matriz curricular passou a
vigorar no início de 2017, período contemplado por este estudo de caso, que buscou
responder como trabalhar a temática ambiental de forma transversal no curso su-
perior de Tecnologia em Logística.
Considerações nais
Durante a pesquisa, notou-se que, devido ao avanço tecnológico, aliado à nova
cultura da sociedade, o desafio da IES é entender as características do perfil do
aluno ingressante no curso, como também as necessidades que as organizações de-
Mario Sergio Cunha Alencastro, Jorge Wilson Michalowski
530
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 518-532, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
mandam na atualidade, em um cenário globalizado, marcado pela competitividade
e, principalmente, pela sustentabilidade.
Nas oficinas realizadas, que culminaram nas Feiras de Logística, as temáticas
ambientais abordadas foram relativas à logística reversa, incluindo a reutilização
do vidro, a recuperação do óleo de fritura de uma empresa e a otimização de arma-
zéns de forma a não agredir o meio ambiente, no caso da equipe que apresentou
solução para reduzir os desperdícios de manuseio da soja entre o produtor e a ar-
mazenagem.
Verificou-se, no piloto de implantação em uma turma com a antiga matriz, que
alunos e professores tiveram que se aproximar mais, interagindo e trabalhando
colaborativamente, oportunizando pensar, refletir e tomar decisões diante de si-
tuações anteriormente realizadas somente pelo docente. Essa condição gerou uma
nova cultura de comportamento, passando mais responsabilidade aos alunos. Com
a primeira Oficina de Gestão e a Feira de Logística, pôde-se aprender mais sobre
os comportamentos, o trabalho de pessoas com opiniões diferentes, que precisaram
se unir em torno de um único objetivo, exercitando a negociação, a parceria, a
paciência e a confiança. As empresas parceiras avaliaram muito bem as soluções
apresentadas, dispondo-se a continuar com esse vínculo, fornecendo problemas
reais da organização para que os alunos possam encontrar soluções eficientes e
sustentáveis.
A realização do grupo focal com os empresários para validação da proposta da
reforma do curso e a implantação dessa nova metodologia na reforma acadêmica
foram fundamentais para o êxito das oficinas de gestão, uma vez que eles contri-
buíram muito para a construção do conhecimento e a formação do novo profissio-
nal de logística. Ainda, as oficinas de gestão possibilitaram aos professores um
empenho mais firme e seguro na efetiva aprendizagem dos estudantes, fazendo-os
rever conceitos e buscar mais conhecimento para subsidiar os alunos na elaboração
de soluções dos problemas expostos. Dessa maneira, a interdisciplinaridade e a
transversalidade se tornaram presentes, como resultado de uma visão ampla, que
rompeu a fragmentação das disciplinas, oferecidas de modo isolado. Com um olhar
abrangente da realidade, tanto dos alunos quanto do mercado, e eixos centrais
unificadores da nova matriz curricular, reintegrou-se o processo acadêmico, opor-
tunizando a transversalidade dos assuntos e temas ambientais, tão importantes e
urgentes no cenário atual.
Este estudo de caso proporcionou, na observação destes pesquisadores, uma
evolução significativa na construção do conhecimento dos alunos, futuros profis-
Ambientalização curricular: estudo de caso do curso de tecnologia em logística
531
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 518-532, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
sionais de logística, os quais demonstraram mais interesse nos conteúdos, quando
colocados à frente de problemas reais de empresas, tendo que indicar soluções para
um mercado competitivo do qual em breve serão parte ativa.
Ao concluir, é mister que, em estudos futuros, aprofunde-se a importância
dessa metodologia, mas com outras formas de realizar a mesma temática, para que
essa aprendizagem tenha uma ação continuada, integrando mais alunos, profes-
sores, empresas e a própria instituição, preocupados com a temática ambiental, de
modo que a formação dos futuros profissionais se proceda de maneira interdiscipli-
nar e transversal, contribuindo para uma sociedade mais ética, justa e sustentável.
Referências
ALENCASTRO, Mario Sergio; SOUZA LIMA, José Edmilson de. Educação ambiental: breves
considerações epistemológicas. Revista Meio Ambiente e Sustentabilidade, Curitiba, v. 8, n. 4,
p. 20-50, jan./jun. 2015. Disponível em: <http://www.grupouninter.com.br/revista meioambiente/
index.php/meioAmbiente/article/view/42>. Acesso em: 23 fev. 2017.
BRASIL. Decreto n. 73.030, de 30 de outubro de 1973. Cria, no âmbito do Ministério do Interior, a
Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA, e dá outras providências. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 30 out. 1973. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/
decreto-73030-30-outubro-1973-421650-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 27 nov. 2017.
______. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 2 set. 1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.
htm>. Acesso em: 13 out. 2016.
______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília,
DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 20 set. 2016.
______. Decreto n. 99.274, de 6 de junho de 1990. Regulamenta a Lei nº 6.902, de 27 de abril de
1981, e a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõem, respectivamente sobre a criação
de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental e sobre a Política Nacional do Meio Am-
biente, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 7 jun. 1990. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d99274.htm>. Acesso em: 5 jun. 2017.
______. Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá
outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 jun. 2014. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm>. Acesso em: 18 fev. 2017.
______. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira. Instrumento de avaliação de cursos de graduação presencial e a distância. Brasília, DF:
Inep, 2017.
COLLIS, Jill; HUSSEY, Roger. Pesquisa em administração: um guia prático para alunos de gra-
duação e pós-graduação. Porto Alegre: Bookman, 2005.
Mario Sergio Cunha Alencastro, Jorge Wilson Michalowski
532
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 518-532, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25. ed. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
GUERRA, Antonio F. Silveira; FIGUEIREDO, Mara Lúcia. Ambientalização curricular na edu-
cação superior: desafios e perspectivas. Educar em Revista, Curitiba, n. 3, p. 109-126, 2014. Dis-
ponível em: <http://www.scielo.br/pdf/er/nspe3/a08nspe3.pdf>. Acesso em: 22 maio 2017.
LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. São Paulo: Cortez, 2002.
PEREIRA, Clarisse F. et al. Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) - uma proposta ino-
vadora para os cursos de engenharia. In: SIMPÓSIO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, 14.
Anais... 2007. Disponível em: <http://www.nogueira.eti.br/profmarcio/obras/publicado_1474.
pdf>. Acesso em: 8 jun. 2017.
SOUZA, Samir Cristiano; DOURADO, Luiz. Aprendizagem baseada em problemas (ABP): um
método de aprendizagem inovador para o ensino educativo. Holos, Natal, ano 31, v. 5, p. 182-200,
2015. Disponível em: <http://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/HOLOS/article/ view/2880/1143>.
Acesso em: 8 jun. 2017.
SPELLER, Paulo; ROBL, Fabiane; MENEGHEL, Stela Maria. Desafios e perspectivas da educa-
ção superior brasileira para a próxima década. Brasília, DF: UNESCO/CNE/MEC, 2012. Dispo-
nível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0021/002189/218964POR.pdf>. Acesso em: 12 maio
2016.
VERGARA, Sylvia Constant. Métodos de pesquisa em administração. 4. ed. São Paulo: Atlas,
2010.
YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Tradução de Cristhian Matheus Herre-
ra. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2015.
Concepções dos alunos sobre os tensionamentos étnico-raciais na escola e na sociedade
533
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 533-554, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Concepções dos alunos sobre os tensionamentos étnico-raciais na
escola e na sociedade
Students’ conceptions of ethnic-racial tensions in school and society
Fernanda Wanderer
*
Mônica Nunes
**
Resumo
Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa desenvolvida com o propósito de examinar enunciações de
alunos dos anos nais do ensino fundamental de uma escola pública de Estrela, RS, um município de coloniza-
ção alemã, sobre os marcadores étnico-raciais que operam na escola e na sociedade. Essas questões se poten-
cializaram, na atualidade, com a imigração haitiana presente na cidade. Os aportes teóricos que sustentam o
estudo advêm de discussões contemporâneas sobre raça e etnia, como os trabalhos de Meyer (2011), Silva (2005,
2017) e Gomes (2003). O material de pesquisa escrutinado é composto por observações de aulas e registros de
atividades pedagógicas postas em ação em uma turma do 8
o
ano do ensino fundamental. A análise mostrou a
existência de práticas discriminatórias na cidade onde vivem os discentes, em especial, em relação aos negros.
Contudo, os estudantes armam que essas práticas não se fazem presentes na escola. Além disso, os alunos ne-
gros não se identicam com sua negritude, autodenominando-se de “morenos ou “meio morenos, mostrando
que o pertencimento étnico-racial se constitui em um processo envolto em tensões que frequentemente geram
negação ou rejeição ao sentimento de pertença a um determinado grupo.
Palavras-chave: Alunos. Escola. Marcadores étnico-raciais.
Abstract
This article presents the results of a research carried out with the purpose of examining the statements of students
from the Final Years of Elementary School in a public school in Estrela, RS, a municipality of German colonization,
about ethnic and racial markers operating in school and society. These questions are potentiated, at present, with
Haitian immigration in this city. The theoretical contributions that support the study come from contemporary
discussions about race and ethnicity, such as Meyer (2011), Silva (2005, 2017) and Gomes (2003). The research ma
-
terial scrutinized consists of observations of classes and records of pedagogical activities put into action in a class
of the 8th Year of Elementary Education. The analysis showed the existence of discriminatory practices in the city
where the students live, especially in relation to blacks. On the other hand, the students arm that these practices
are not present in the school. In addition, black students do not identify with their blackness, calling themselves
“morenos” or half brown, showing that ethnic-racial belonging constitutes a process surrounded by tensions
that often generate denial or rejection to the feeling of belonging to a particular group.
Keywords: Students. School. Ethnic-racial markers.
*
Doutora em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Professora do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: fernandawanderer@gmail.com
**
Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordenadora pedagógica do Colégio Mar-
tin Luther e professora de História de Ensino Fundamental II no Colégio Sinodal Gustavo Adolfo, Brasil. E-mail:
monicanunes150@gmail.com
Recebido em 13/06/2018 – Aprovado em 23/11/2018
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v26i2.7706
Fernanda Wanderer, Mônica Nunes
534
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 533-554, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Introdução
Este artigo problematiza questões vinculadas aos tensionamentos étnico-ra-
ciais
na área da Educação. As reflexões apresentadas emergem de uma pesquisa
desenvolvida com o propósito de examinar enunciações de alunos dos anos finais
do ensino fundamental de uma escola pública de Estrela, RS, um município de
colonização alemã, sobre os marcadores étnico-raciais que operam na escola e na
sociedade, em especial as relações que se estabelecem entre brancos e negros, as
quais se potencializaram, na atualidade, com a chegada dos haitianos na referida
cidade.
Inicialmente, consideramos pertinente destacar o sentido que estamos atri-
buindo a raça e etnia. De acordo com Meyer (2011), a noção de raça passa a ser
desenvolvida no período da colonização, apresentando fortes vínculos com a área
biológica. Já o termo etnia, utilizado no período posterior à Segunda Guerra Mun-
dial, vincula-se às características produzidas por um determinado grupo e passa
a ser usado para enfatizar que os sujeitos se constituem por meio de fenômenos
históricos e sociais, afastando-se do viés biológico. A autora alerta que etnia, re-
ferindo-se às características culturais de um povo, também é um termo colocado
sob rasura, imbricado de conflitos e relações de poder. Esses conceitos são, assim,
“[...] construções que se dão no interior dos processos sociais, resultados de uma
relação de poder entre forças que se exercem tanto para a dominação como para a
resistência” (MEYER, 2011, p. 47). Cientes de que essas definições estão carrega-
das de tensionamentos, utilizamos, ao longo do texto, as expressões “raça-etnia” ou
“étnico-racial”, acompanhando Munanga (1999) e Silva (2017).
As discussões sobre raça-etnia envolvem também reflexões acerca da bran-
quitude (SCHUCMAN, 2014; SANTOS, 2018; MEINERZ; PEREIRA, 2018). Para
Schucman (2014), a branquitude pode ser considerada como uma posição em que
sujeitos brancos são privilegiados na obtenção de recursos materiais e simbólicos
em relação a outros grupos racializados, como os negros. Em sua pesquisa, foram
examinadas falas de brancos paulistanos de diferentes classes sociais, para com-
preender como o poder branco atua no cotidiano dos sujeitos. Os resultados indi-
cam que os brancos reconhecem que são privilegiados em relação aos outros grupos
raciais, mas não se responsabilizam por isso, eximindo-se da responsabilidade mo-
ral e social que envolve as relações étnico-raciais.
Apoiando-se em Schucman, Meinerz e Pereira (2018) destacam que nossa so-
ciedade é caracterizada por uma grande mistura racial, mas segue pautada pela
Concepções dos alunos sobre os tensionamentos étnico-raciais na escola e na sociedade
535
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 533-554, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
branquitude como norma social. Para as autoras, “[...] branquitude se refere a um
lugar de poder, de vantagens e de acesso a privilégios nas sociedades estruturadas
racialmente, onde um grupo racial tem o poder de governar, elaborar e reelabo-
rar políticas sociais, econômicas e culturais” (MEINERZ; PEREIRA, 2018, p. 170).
Assim, sujeitos brancos passam a ser posicionados como superiores, tendo seus
saberes, seus modos de ser e de viver como padrões.
Na esteira dessas reflexões, Gomes (2003) destaca que as diferenças entre
negros e brancos foram construídas por processos culturais e sociais, estabelecen-
do-se como uma forma de classificação e hierarquização dos sujeitos. Essas hierar-
quizações se materializam nas desigualdades econômicas, sociais e educacionais
presentes em nosso país, nas quais se percebe que alguns grupos (como os negros)
estão em situações de desvantagens em relação aos brancos. Nesse sentido, segun-
do o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 1997, 57,7% dos negros
brasileiros eram pobres. Dez anos depois, eram 41,7%. Entre os brancos, o percen-
tual caiu de 28,7% para 19,7% no mesmo período. Ademais, fica evidente a desi-
gualdade econômica que se manifesta também na disparidade no acesso à educação
formal. Se olharmos para os dados sobre o analfabetismo, por exemplo, podemos
perceber que as taxas são maiores para negros do que para brancos (IPEA, 2017).
Este quadro de grandes desigualdades mobilizou, nos últimos anos, um con-
junto de medidas e ações que passaram a ser efetivadas em áreas como a Educação.
Entre elas, de acordo com Silva (2017), podemos mencionar políticas como as Dire-
trizes Curriculares Nacionais para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira
e Africana (que estabelecem a educação das relações étnico-raciais como um dos
eixos dos projetos político-pedagógicos das escolas) e a Lei nº 10.639/2003 (que ins-
titui a obrigatoriedade do ensino de história da África e da cultura afro-brasileira
na educação básica).
Recentemente, em uma entrevista a respeito dos quatorze anos da Lei nº
10.639/2003, Petronilha Beatriz Gonçalves Silva (2017) discorre sobre a questão
das relações étnico-raciais na escola. Segundo ela, é possível dizer que a preocupa-
ção dos professores com a temática étnico-racial aumentou, mas que sua abordagem
ainda depende da iniciativa individual dos docentes, não se caracterizando como
uma política. Em outro estudo, a autora afirma que abordar pedagogicamente ou
tomar como objeto de pesquisa os processos de ensinar e aprender em sociedades
compostas por variados grupos étnicos, como o Brasil, requer dos professores e
pesquisadores algumas ponderações (SILVA, 2007). Uma delas é não tomar como
“naturais” os processos e tensionamentos étnico-raciais que se fazem presentes
Fernanda Wanderer, Mônica Nunes
536
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 533-554, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
nas escolas e na sociedade. Outra é não examinar tais processos apenas pelo olhar
econômico e social, mas considerar que a educação está diretamente implicada.
A pesquisa que sustentou a escrita deste artigo foi desenvolvida visando a
problematizar tensionamentos étnico-raciais que se fazem presentes na escola e na
cidade de Estrela. Estivemos atentas para examinar essas questões a partir das
visões e concepções dos estudantes. Acompanhamos, nesse processo, investigações
já realizadas sobre o tema, como as de Mello (2006), Weschenfelder (2012), Kern
(2012) e Ramos (2009, 2014), as quais discutem a temática étnico-racial apoiando-
-se em referenciais teóricos similares aos utilizados neste estudo. Contudo, o foco
delas não é, propriamente, a percepção dos alunos sobre as questões étnico-raciais,
o que, em nosso trabalho, é o ponto central.
O contexto
Nesta seção, propomo-nos a apresentar algumas reflexões sobre as relações
étnico-raciais no município de Estrela. Dessa forma, seguimos as considerações de
Veiga-Neto (2013), que, inspirado em Foucault, destaca a importância da dimensão
histórica na compreensão de uma determinada realidade. Segundo ele, desnatura-
lizar as coisas, as identidades, as diferenças, enfim, desnaturalizar os fenômenos
sociais, portanto, políticos, entendendo-os não como algo dado, mas construído his-
toricamente pelas disputas de poder, é o primeiro e necessário passo para descons-
truir aquilo que nos desagrada. Nas palavras do autor: “Saber como chegamos a
ser o que somos é condição absolutamente necessária, ainda que insuficiente, para
resistir, para desarmar, reverter, subverter o que somos e o que fazemos” (VEI-
GA-NETO, 2013, p. 7). Nesta busca de compreender “como chegamos a ser o que
somos”, recorremos a alguns elementos do passado, na tentativa de evidenciar a
constituição das diferenças entre brancos e negros na cidade.
A discussão histórica brevemente apresentada não tem a pretensão de reescre-
ver “A História” dos negros em Estrela, e, sim, rearranjar fragmentos de algumas
histórias de modo que se coloquem em evidência os tensionamentos étnico-raciais
que acompanharam este território desde o início de seu povoamento. Pesquisando
informações acerca da história dos negros no município, percebemos o que alguns
historiadores atuais relatam sobre o modo como eram tratados os negros na histo-
riografia praticada no passado. Segundo eles, os historiadores brasileiros, no final
do século XIX e início do século XX, omitiram informações sobre a resistência e a
participação do negro na história do Rio Grande do Sul. Os relatos que existem
Concepções dos alunos sobre os tensionamentos étnico-raciais na escola e na sociedade
537
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 533-554, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
sobre eles dizem respeito à separação entre negros e brancos ou às suas diferenças
e não à sua contribuição à formação do município. Weschenfelder (2012, p. 72) ex-
plica esse mesmo processo quando se refere à historiografia de Santa Cruz do Sul
e Venâncio Aires (cidades do Vale do Rio Pardo): “A consolidação de uma narrativa
identitária que valorizou de sobremaneira os colonos alemães acabou por ignorar a
presença de outros grupos étnicos”.
Assim, seguindo a historiografia tradicional, a história de Estrela, como gran-
de parte dos municípios da Região do Vale do Taquari, RS, é marcada pelo processo
de colonização de imigrantes alemães (KREUTZ, 1991; RAMBO, 1994). Porém, sa-
be-se que, além destes, outros grupos étnicos contribuíram para o desenvolvimento
da região, entre eles, os negros, que, até o final do século XIX, viviam no local como
escravos (SCHIERHOLT, 2002). Após o fim da escravidão, por não terem condi-
ções de adquirir bens, grande parte dos negros fixavam suas moradias em lugares
desprezados pelos brancos e, na maioria das vezes, dependiam dos imigrantes ale-
mães, que os contratavam como mão de obra para trabalhar nas suas lavouras. Os
serviços pesados de carga e descarga nos portos, prestados pelos negros, fizeram
com que muitos seguissem os barcos e se fixassem nas proximidades de Porto Ale-
gre, reduzindo a população negra na cidade de Estrela.
Ao pesquisar as questões sociais que marcavam o município no final do século
XIX e início do século XX, Schierholt (2002) afirma que as pessoas não se reconhe-
ciam como preconceituosas, inclusive negavam que fossem. No entanto, uma série
de práticas sociais evidenciava que as ações não correspondiam a essa afirmativa,
sobretudo no que se pode verificar nos casamentos, uma vez que havia uma “pre-
venção à miscigenação”, ou seja, não há notícias de casamento que tenha ocorrido
entre negro e branca ou entre negra e branco no período.
Ao descrever os costumes da “sociedade estrelense” no tocante às diferenças
entre os espaços frequentados por brancos e negros, Schierholt (2002) afirma que
as pessoas brancas tomavam precauções para evitar contato mais íntimo com pes-
soas negras. As sociedades dos brancos não admitiam negros como sócios, como
o caso da Sociedade Ginástica de Estrela (Soges), fundada em 1906, e ainda em
funcionamento. Não sendo sócios, os negros não podiam frequentar os bailes. Toda-
via, os negros, por sua vez, eram resistentes a permitir o casamento de seus(suas)
filhos(as) com brancos(as). E, tal como os brancos, os negros tinham o seu próprio
salão de festas e bailes.
Essas tensões foram evidenciadas na pesquisa realizada por Wanderer (2014),
cujo objetivo foi analisar discursos sobre a escola produzidos por moradores da ci-
Fernanda Wanderer, Mônica Nunes
538
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 533-554, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
dade de Estrela que estudaram no período da Campanha de Nacionalização (1937-
1945). Nas entrevistas realizadas pela autora, evidenciam-se enunciações de que
os alunos negros foram aceitos na escola para amenizar os efeitos da fiscalização
do governo, que exigia aulas direcionadas à promoção dos elementos nacionais sem
enaltecer outras culturas, no caso, a germânica. Naquele contexto, os negros tam-
bém eram aceitos na escola para ensinar a língua portuguesa aos colegas, os quais,
em suas famílias, só falavam em alemão. Mas, a todo instante, eram posicionados
como “burros” ou “causadores de pequenos furtos”. Apoiando-se em Hardt e Negri,
Wanderer argumenta, então, que operava um mecanismo denominado de inclusão
diferenciada, ou seja, todas as crianças (brancas e negras) frequentavam a esco-
la, entretanto, as relações entre elas, bem como o trabalho pedagógico realizado,
posicionavam de formas diferentes brancos e negros. No decorrer desse processo,
surgiram tensões étnico-raciais, as quais persistiram e posicionaram os negros em
uma situação de inferioridade perante os brancos.
Nas últimas décadas, Estrela tornou-se a segunda cidade em população do
Vale do Taquari. O censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010),
informou uma população total de 30.619 pessoas residentes na cidade. Desse total,
27.339 declararam-se brancas; 962, pretas; 37, amarelas; 2.139, pardas; e 142, in-
dígenas. Observa-se que, dentre as pessoas negras e pardas, uma minoria ocupa
a classe média e alta da população. Os moradores negros, em sua maioria, traba-
lham como empregados domésticos, na construção civil, em ateliês de calçados e
indústrias, em que se exige mais força física e se recebe remuneração menor do
que, por exemplo, nos setores do comércio e da prestação de serviços especializados
(ANJOS, 2012).
Atualmente, percebem-se, entre os habitantes do município, tensionamentos
advindos de questões étnico-raciais que se manifestam nas relações do trabalho,
da educação e da convivência diária. Nos últimos anos, em especial, a cidade rece-
beu uma grande quantidade de imigrantes haitianos. Esse movimento migratório
aconteceu entre 2012 e 2015, em função da relativa prosperidade econômica da
região e, consequentemente, da maior demanda por mão de obra das empresas
locais. A presença desses novos habitantes não é significada da mesma forma pelos
cidadãos de Estrela. Por um lado, alguns ressaltam como positiva a possibilidade
de novos empregados e consumidores; por outro, afloram as práticas discriminató-
rias em função dos marcadores de raça-etnia.
Os estudantes que frequentam a escola na qual realizamos a parte empírica
desta investigação destacaram a existência de práticas discriminatórias contra
Concepções dos alunos sobre os tensionamentos étnico-raciais na escola e na sociedade
539
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 533-554, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
os haitianos em Estrela. Nesse sentido, destacam-se os relatos de alguns desses
alunos: “[...] eles [os haitianos] estão sofrendo racismo. Eles só estão aqui porque
lá não tem como eles ficarem e conseguirem viver, né!?”; “Aqui na escola eles não
sofrem, mas eu vejo as crianças vindo pra escola de tarde e tem gente que fica
olhando. Eu acho que eles sofrem preconceito fora da escola”.
O preconceito sentido fora da escola pode ser percebido, também, pelo que se
pode interpretar, no bairro em que muitos haitianos residem. Como disse uma alu-
na, no caminho que as crianças fazem para a escola, “tem gente que fica olhando”.
Ela reconhece, nessa forma de olhar, uma forma de discriminação.
Relacionamos essa questão com o estudo de Soares e Andreola (2017), desen-
volvido com o propósito de discutir significados atribuídos à presença haitiana no
oeste catarinense, uma região marcada pela identidade branca, italiana e alemã.
Os autores analisaram como a branquitude hegemônica produz efeitos nas relações
entre moradores locais e imigrantes haitianos. Uma das dimensões destacadas no
trabalho é que a branquitude, tomada como um lugar de poder, faz com que os
negros sejam considerados indesejáveis na região cuja história supervaloriza a
presença do imigrante de origem alemã ou italiana. Além disso, os estrangeiros
haitianos são posicionados como uma espécie de ameaça à branquitude, que se faz
presente nas relações sociais e afetivas. Assim, os brancos produzem um desejo de
distanciamento da população negra, para, de certa forma, proteger seus privilégios.
Nessa direção, conforme Santos (2018), ao mencionarmos as questões sobre
racismo, estamos nos referindo a um processo dicotômico: de um lado, ficariam os
grupos racializados na sociedade (negros, ciganos, indígenas); do outro, aqueles
que se beneficiam por essa racialização, como os brancos. Dessa forma, as rela-
ções raciais devem ser examinadas não apenas pelo viés dos grupos afetados, mas
também pela perspectiva do grupo branco. Para Santos (2018, p. 553), ao descon-
siderarmos “[...] a análise do outro polo da discriminação, acabamos por confirmar
o falso discurso de que o racismo é um problema dos grupos afetados, portanto
somente eles devem ser estudados; somente eles permanecem o outro, o objeto a
ser dissecado”.
Esses tensionamentos também se fazem presentes em Estrela, como apresen-
tado brevemente nesta seção. A fim de ampliar essa discussão, realizamos uma
investigação com o propósito de analisar as enunciações de alunos dos anos finais
do ensino fundamental sobre as relações étnico-raciais presentes na escola e na
cidade.
Fernanda Wanderer, Mônica Nunes
540
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 533-554, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
A produção do material empírico
A pesquisa que gerou a escrita deste artigo se caracteriza como uma investigação
de inspiração etnográfica, conduzida pela primeira autora do artigo. A emergência
da etnografia nas escolas é um fenômeno recente. Segundo Green, Dixon e Zaharlick
(2005), seu reconhecimento enquanto abordagem de pesquisa para os problemas e
as investigações pertinentes à educação iniciou na metade do século XX. As autoras
afirmam que a tarefa do etnógrafo, dentro da escola, é apontar “[...] as maneiras pelas
quais os membros do grupo estudado percebem sua realidade e seu mundo, e como,
por intermédio de suas ações (e interações) constituem seus valores, crenças, ideias
e sistemas simbólicos significativos” (GREEN; DIXON; ZAHARLICK, 2005, p. 13).
Todavia, elas fazem um alerta sobre os cuidados que se deve ter no momento
da investigação ao assumir essa abordagem de pesquisa, entre os quais estão não
entrar no ambiente escolar com uma lista de itens predefinida ou com questões e
hipóteses predeterminadas e não projetar um esquema de observação que defina
a priori todos os comportamentos ou eventos que serão registrados. As autoras
reforçam que, “[...] se o observador não se basear em teorias da cultura para di-
recionar as escolhas do que é relevante observar e registrar [...] [e] abranger sua
interpretação pessoal a respeito da atividade observada [...]” (GREEN; DIXON;
ZAHARLICK, 2005, p. 13), o pesquisador não estará se engajando em uma aborda-
gem etnográfica como percebida do ponto de vista antropológico.
Guber (2001) questiona a validade de escrever sobre o trabalho de campo etno-
gráfico no início do século XXI, considerando o fato de a etnografia ser uma “metodo-
logia artesanal”, diante de um mundo em que predomina a informática, as pesqui-
sas de opinião e a internet. A autora afirma que a importância da etnografia se faz
exatamente para evitar a relativização das perplexidades deste mundo globalizado,
e completa afirmando que a complexidade presente nas relações humanas é o que
move cada vez mais profissionais, entre os quais os pesquisadores/educadores.
No trabalho de campo que empreendemos, foram utilizadas técnicas como a
escrita em um diário de campo, observações na escola e realização de atividades pe-
dagógicas em uma turma de 8
o
ano do ensino fundamental, composta por 21 alunos.
A escolha dessa turma não foi aleatória; segundo relato da direção, ela era, dentre
as demais turmas, a que tinha o maior número de alunos negros. Cabe ressaltar
que os responsáveis por todos os estudantes assinaram o termo de consentimento
livre e esclarecido após serem informados sobre os objetivos da pesquisa, de acordo
com as normas de ética nas pesquisas em ciências humanas e sociais.
Concepções dos alunos sobre os tensionamentos étnico-raciais na escola e na sociedade
541
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 533-554, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Ao todo, foram oito meses frequentando a escola e seus espaços, entre outubro
de 2015 e dezembro de 2016. Como esse tempo não foi contínuo, podemos afirmar
que o trabalho de campo se dividiu em duas fases, complementares entre si: um pe-
ríodo de observações de aulas e de diferentes momentos do cotidiano escolar, como
recreio e sala dos professores, e a fase da realização de atividades pedagógicas
sobre as questões étnico-raciais.
Desde o início, o diário de campo esteve presente, cujo conteúdo compreen-
de descrições e relatos de conversas informais com professores e funcionários da
escola. Ao mesmo tempo, observações foram realizadas em sala de aula para que
pudéssemos conhecer melhor os alunos com os quais desenvolveríamos as ativida-
des pedagógicas. Nosso objetivo, com essas atividades, foi o de visibilizar histórias
e relatos advindos dos próprios estudantes, a partir de suas experiências com as
relações étnico-raciais na escola e na sociedade.
A primeira dessas atividades consistiu na análise de imagens projetadas por
um data-show disponível na escola. Foram apresentadas as imagens apresentadas
na Figura 1, contendo carro, celular, casa, roupas, sala de aula e placa de aprova-
ção em vestibular.
Figura 1 – Imagens da atividade
Fonte: disponível em: <http://casa.abril.com.br/tudo-sobre/casas/>. Acesso em: 27 fev. 2016.
Fernanda Wanderer, Mônica Nunes
542
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 533-554, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Os alunos foram questionados sobre o que as imagens representavam, quem
seria proprietário do que estava sendo mostrado, o que essas pessoas faziam, qual
sua descrição física, etc. É importante destacar que a escolha das imagens buscou
ir ao encontro do universo jovem e escolar para envolver os alunos. O objetivo prin-
cipal era fazê-los narrar seu modo de ver e viver o mundo, dando ênfase às questões
étnico-raciais.
Processo semelhante foi usado por Melo (2016) na produção empírica da sua
dissertação, intitulada Representações de professores e de alunos sobre a Provinha
Brasil. Como seu objetivo era analisar o que representava a Provinha Brasil na
perspectiva dos alunos, a pesquisadora criou uma ferramenta metodológica que
denominou de “aula-conversa”. Essa ferramenta consistia em um “[...] momento
que contempla toda a turma, feito na própria sala de aula e com auxílio da profes-
sora titular da turma, em que são solicitadas atividades e realizados diálogos para
interlocução entre alunos e pesquisadora” (MELO, 2016, p. 50). Essa estratégia
metodológica proporcionou um clima de confiança e produtividade para o seu obje-
to de pesquisa, crianças entre 8 e 9 anos. Em nosso estudo, o importante era tornar
o clima mais informal, para favorecer a participação dos adolescentes.
Os alunos foram muito participativos com a descrição das imagens e contri-
buíram com diferentes comentários sobre as figuras, que foram projetadas, uma a
uma, na parede. Quando apareceu o carro, por exemplo, logo um menino disse: “É
dos Velozes e Furiosos”. Outro retrucou: “Não é não, este aí é carro de gente rica dar
um rolé”. Um estudante respondeu: “Sora, posso trabalhar minha vida toda que
não vou ter um carro assim”. Ainda em relação à imagem do carro, a discussão foi
atravessada pela questão de gênero, pois uma menina disse: “Acho que este carro é
de uma mulher”. Outro aluno, nesse momento, retrucou: “Mulher não sabe dirigir
este carrão!”. Então, mais meninas intervieram na discussão e questionaram o
colega sobre o motivo pelo qual as mulheres não poderiam dirigir aquele carro.
A imagem da casa também favoreceu uma intensa discussão. Os alunos con-
cordaram que a moradia era de uma senhora, pois havia um canteiro com flores,
o que, para eles, corroborava essa interpretação. Porém, quanto à classe social da
proprietária da casa, não houve consenso: “A casa é de alguém de classe média,
pois ter uma casa própria hoje em dia é difícil”; “Acho que não, pois a casa é bem
simples, de madeira”; “Sora, a dona não tá nem aí para a aparência da casa, para
ela o importante é ter tecnologia, olha a antena da Sky”.
A segunda atividade trabalhada foi referente à discussão das imagens apre-
sentadas na Figura 2.
Concepções dos alunos sobre os tensionamentos étnico-raciais na escola e na sociedade
543
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 533-554, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Figura 2 – Rostos
Fonte: disponível em: <http://www.blogdopilako.com.br/>. Acesso em: 27 fev. 2016.
O objetivo da segunda atividade foi averiguar quais são as marcas étnico-ra-
ciais com que os alunos se identificam. Para isso, cada aluno foi convidado a se
aproximar das imagens que estavam sendo projetadas, indicar com qual daquelas
Fernanda Wanderer, Mônica Nunes
544
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 533-554, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
pessoas mais se identificava e explicara o porquê da escolha. Durante a realização
dessa atividade, também houve boa participação dos jovens. Apareceram comentá-
rios como este: “Não me identifico com nenhum, pois sou bonito e aí só tem gente
feia”. Mas, quando um menino escolheu a imagem de um rapaz de pele branca,
imediatamente os colegas fizeram críticas à sua escolha: “Esse aí é muito branco,
tu é moreno, cara!”; “Nada a ver, olha a tua cor”.
Outra atividade explorou como as relações étnico-raciais são “negociadas”
na arte e na mídia. Para isso, foram projetadas imagens de personagens famo-
sos (Monalisa, Super-Homem, Mulher-Maravilha, Elsa, Harry Potter e Menino
Maluquinho), com o diferencial de que eles estavam representados por atores e
atrizes negros. As imagens integravam uma mostra, de 2016, realizada no Rio de
Janeiro, intitulada Identidade. Foi debatida a frequência com que personagens ne-
gros aparecem na arte e na mídia. Imediatamente, os estudantes perceberam que
todos os personagens estavam representados por pessoas negras e falaram: “Eles
estão afrodescendentes!”. Uma menina foi além e disse: “Sora, normalmente é o
contrário, olha na TV, os negros são pobres ou traficantes”. Na sequência, alguns
disseram: “Eles [os brancos] são mais aceitos”. Outra menina ainda disse: “Sora, a
Monalisa está bem mais bonita morena!”.
A complexidade dessa situação nos remete ao texto “Das (im)possibilidades de
se ver como anjo...”, de Meyer (2011), no qual a autora problematiza o fato de uma
menina negra de 3 anos não querer mais ir para a escola, pois, segundo relatou à
sua mãe, ela tinha descoberto que, na escola, não podia ser anjo. Meyer (2011, p.
39) lembra o peso das imagens e da linguagem visual na etapa de ensino daquela
menina e faz um questionamento: “Quantos/as de nós [professores de educação
infantil e séries iniciais] já vimos ou já trabalhamos com imagens em que os anjos
retratados não fossem meninos (ou seres assexuados) de pele muito branca, com
cabelos louros e encaracolados e olhos azuis?”. Relacionando essa questão com o
universo dos alunos que participaram desta pesquisa, podemos dizer que, muitas
vezes, eles também são impossibilitados de se identificar com as imagens projeta-
das pela mídia, como os relatos citados indicam.
A última atividade realizada envolveu uma análise do vídeo Vista minha pele.
O curta-metragem mostra a história de uma menina branca que vive entre pessoas
negras e se sente discriminada. Na história, os negros são a classe dominante, e os
brancos foram escravizados. Maria, a menina branca e pobre, estuda em um colégio
particular graças à bolsa de estudos que tem pelo fato de sua mãe ser faxineira da
escola. A maioria de seus colegas a hostilizam, pela cor de sua pele e por sua condi-
Concepções dos alunos sobre os tensionamentos étnico-raciais na escola e na sociedade
545
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 533-554, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
ção social. A menina quer ser Miss Festa Junina da escola, no entanto, isso requer
um esforço enorme, que vai desde a superação da supremacia racial negra (a mídia
só apresenta modelos negros como sinônimo de beleza), passando pela resistência
de seus pais, até a aversão dos colegas e a dificuldade em vender o número reque-
rido de ingressos para seus conhecidos, em sua maioria muito pobres. Maria conta
apenas com a ajuda de sua amiga Luana, cujo pai é diplomata e, por ter morado em
países pobres e convivido com pessoas brancas, apresenta uma atitude acolhedora
para com a protagonista. Na sequência do vídeo, as duas se envolvem em uma série
de situações para alcançar seus objetivos.
Ao discutir o vídeo com os alunos, algumas falas chamaram a atenção: “A
realidade é ao contrário”; e “[...] no filme dizia que cabelo escorrido tem solução, ge-
ralmente se diz que cabelo cacheado tem solução”. Esses comentários demonstram
que os alunos percebem a discriminação existente em relação aos negros, seja pelo
tipo de cabelo, seja pela cor da pele. O filme também fez alguns alunos refletirem
sobre questões que ainda não haviam aparecido nas discussões, como: “Eu nunca
tive um professor negro”; e “[...] nunca se fala destas coisas [discriminação racial]
aqui na escola, só se o cara está muito perseguido, daí vem alguém falar na sala,
mas não lembro de ter vindo alguém”.
Com a realização dessas atividades, foi possível produzir o material de pesqui-
sa escrutinado neste estudo. A estratégia analítica utilizada para operar sobre esse
material é a análise do discurso na perspectiva de Michel Foucault. Na entrevista
sobre o lançamento da obra A arqueologia do saber, o filósofo buscou explicar quais
são os objetivos da análise do discurso, deixando claro que não se trata puramente
de descrever um discurso ou buscar fatos escondidos esperando para ser escavado.
O autor explica: “Tento, ao contrário, definir relações que estão na superfície dos
discursos; tento tornar visível o que só é invisível por estar muito na superfície das
coisas.” (FOUCAULT, 2002 apud FISCHER, 2012, p. 25).
Inspirando-se em Foucault, Fischer (2012) explica que a análise do discurso
trata basicamente da análise dos enunciados. Sobre descrever enunciados, ela afir-
ma: “[...] significa apreender as coisas ditas como acontecimentos, como algo que
irrompe num tempo e num espaço muito específicos, ou seja, no interior de uma for-
mação discursiva” (FISCHER, 2012, p. 101). E completa: “[...] esse feixe complexo
de relações [é] que ‘faz’ com que algumas coisas possam ser ditas (e recebidas como
verdadeiras) num certo momento e num lugar” (FISCHER, 2012, p. 101).
Na obra A ordem do discurso, Foucault (2009) reflete sobre os procedimentos
que estabelecem, dentre as coisas que podem ser ditas, aquilo que é verdadeiro e
Fernanda Wanderer, Mônica Nunes
546
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 533-554, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
aquilo que é falso. O filósofo explica que um discurso, em si mesmo, não é verda-
deiro nem falso. O que acontece é que os discursos inventam verdades a partir de
seu vínculo com as relações de poder. Os discursos, na concepção foucaultiana, são
perpassados por lutas políticas.
Entendemos, com base em Foucault e nas reflexões de Fischer (2012) e Vei-
ga-Neto (2014), que tratar dos discursos e das relações de poder nas práticas coti-
dianas, dentro e fora da escola, é um modo de verificar como a história interpela os
sujeitos, bem como se constitui em um modo de fazer a história do nosso presente,
lançando um olhar crítico a todas as formas de sujeição do homem, especificamen-
te, nesta pesquisa, dos negros. Assim, seguindo a inspiração foucaultiana, anali-
samos as enunciações produzidas pelos alunos que integraram esta pesquisa não
no sentido de encontrar o que está oculto, mas para dar ênfase a certos enunciados
que passam a ser aceitos, transmitidos e deixam de ser questionados. O resultado
dessa operação será apresentado na próxima seção.
Relações étnico-raciais e seus tensionamentos
Analisando as enunciações dos alunos ao longo da experiência pedagógica rea-
lizada e as observações registradas no diário de campo, pudemos construir uma
analítica que evidencia de que forma operam, na escola e na sociedade, os tensio-
namentos étnico-raciais. Uma das facetas dessa analítica se refere à existência
de práticas discriminatórias na cidade onde vivem os estudantes, em especial, em
relação aos negros. Durante as atividades pedagógicas, essa questão pôde ser per-
cebida em uma discussão entre os alunos, quando foi projetada a imagem de um
carro esportivo de luxo. Um deles falou: “O carro é de um homem rico, um advoga-
do, usa terno. Se é rico e advogado, é branco”. Outro estudante exclamou: “Pode ser
preto, também”. Uma das alunas, na sequência, disse: “Pode ser uma mulher”. E,
o primeiro aluno a se manifestar, completou: “Você vê homem preto com um carro
assim andando por aí?”.
Como se pode ver, a questão gerou polêmica na turma, tanto no que diz respei-
to à raça e à etnia do condutor do veículo, quanto em relação ao seu gênero. Nesse
sentido, vemos que há um atravessamento de duas marcas discursivas fundamen-
tais: a disparidade social entre brancos e negros, evidenciada na fala: “Você vê
homem preto com um carro assim andando por aí?”; e a questão de gênero, segundo
a qual são reservados para homens e mulheres certos papéis na sociedade. Porém,
essa ideia aparece rasurada pela fala da menina: “E pode ser uma mulher”.
Concepções dos alunos sobre os tensionamentos étnico-raciais na escola e na sociedade
547
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 533-554, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Essa alusão à inferioridade dos negros na sociedade foi recorrente nos comen-
tários dos alunos ao longo das aulas observadas e das atividades desenvolvidas em
sala de aula. Algumas de suas enunciações refletem isso, como no comentário de
uma aluna negra: “Não tem motivo especial para ter racismo aqui em Estrela, mas
a gente consegue ver pela reação das pessoas quando a gente passa. Muitas vezes,
as pessoas te olham torto, ou elas começam a cochichar, ou alguma coisa assim”.
Outro estudante negro também expressou: “Eu estava junto com meu primo, que é
negro, dentro do mercado. A dona do mercado começou a nos seguir, achando que
nós ia roubar alguma coisa. Nós nos indignemos e falemos umas verdades pra ela”.
Essa última enunciação evidencia uma das principais formas de discrimina-
ção racial no Brasil, isto é, a relação entre a negritude e a marginalidade. Confor-
me a fala do aluno, ele e seu primo foram considerados potenciais ladrões apenas
pela sua aparência, no que ele destaca o fato de o “primo” ser “negro”. De acordo
com Ramos, Santana e Santana (2011, p. 13), o preconceito “[...] pode ser defini-
do, também, como uma indisposição, um julgamento prévio, negativo, que se faz
de pessoas estigmatizadas por estereótipos”. Nesse sentido, parece que o próprio
aluno se mostra capturado por essa lógica, visto que nega sua própria negritude,
ao mesmo tempo que explicita um ato discriminatório, relaciona-o à cor da pele do
primo, e não à sua própria condição racial.
Todavia, talvez mais importante do que essa possível interpretação, tem-se o
fato de esse aluno associar-se ao primo para reagir àquilo que ambos consideraram
demasiadamente ofensivo e, diante da mulher que os seguia, indignarem-se e fala-
rem “umas verdades pra ela”. Nesse ponto, fica clara sua resistência ao preconceito
racial, ao mesmo tempo em que se percebem os tensionamentos provenientes das
questões étnico-raciais na cidade onde residem.
As falas dos alunos mostram que o racismo não está associado apenas a uma
prática específica, como seguir os negros no interior de um mercado. É percebido
também nas reações das pessoas. Como afirmou um dos discentes: “As pessoas te
olham torto, ou elas começam a cochichar”. Fica evidente, portanto, uma separação
entre aqueles que apenas “passam na rua” e aqueles que, além de passar, veem-se
no direito de cochichar sobre os outros. Nesse sentido, é importante notar o quanto
o “olhar torto” e outras expressões ou gestos podem deixar marcas na identidade
dos sujeitos negros. Conforme Ramos, Santana e Santana (2011, p. 17): “É pelo
olhar do outro que me constituo como sujeito. É a qualidade desse olhar que contri-
bui para o grau de autoestima da criança [...]”, no caso, os adolescentes negros da
escola pesquisada.
Fernanda Wanderer, Mônica Nunes
548
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 533-554, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Nesse sentido, é interessante observar que, mesmo se referindo ao racismo
na sociedade, quando os alunos falavam sobre a escola, afirmavam que não há
práticas discriminatórias na instituição. Muitos expressaram que “racismo, aqui
na escola, não tem. Acho que todo mundo é aceito”. Outra aluna também se referiu
a isso quando disse: “Que eu saiba, não existe racismo na nossa escola, mas, na nos-
sa cidade, existe. Já vi várias pessoas sofrendo racismo ou algo parecido”. Assim,
poucos manifestaram que práticas racistas se fazem presentes na escola: “Racismo
existe em todo lugar, tanto na fila do supermercado, no banco, na rua, na escola, e
os exemplos é só acompanhar as notícias”.
Na mesma direção, disse uma estudante: “Na minha escola, acho que é pouco
racismo, é só quando o preto tem cabelo feio, daí acontece por isso”. Nota-se que,
nesse contexto, o racismo não diz respeito à cor da pele, mas a algo que os estudan-
tes relacionam à “estética” do cabelo. Uma situação semelhante foi encontrada por
Ramos, Santana e Santana (2011), que examinaram as formas pelas quais adoles-
centes negras lidavam com seus cabelos crespos. Grande parte delas não gostavam
de seu cabelo, e o motivo seria porque os colegas falavam mal, dizendo ser “feio”.
O cabelo, nesse sentido, parece reforçar marcas de negritude, que afastam aqueles
que têm o cabelo “feio” daqueles cujo cabelo não corresponde a essas marcas.
Podemos, por um lado, explicar a ausência de racismo na escola pelo modo
como os alunos se descrevem. Ao não se identificarem como negros, não se vê a
possibilidade, em um primeiro momento, de práticas de discriminação racial. Nisso
se encontra outra faceta da análise empreendida nesta pesquisa: os alunos não se
identificam com sua negritude, autodenominando-se de “morenos” ou “meio more-
nos”.
Nas atividades, uma das propostas era que os estudantes indicassem um dos
rostos projetados em slides com o qual se identificavam. Como já mencionado, um
aluno negro escolheu a imagem de um rapaz de pele branca, e, imediatamente, os
colegas fizeram críticas à sua escolha, dizendo: “Esse aí é muito branco, tu é more-
no, cara!”; “Nada a ver, olha tua cor”. O fato evidencia que o aluno em questão não
se identifica com a cor da pele que os outros veem que ele tem, isto é, nesse caso, a
não naturalidade da cor fica demonstrada. Também ocorreu um diálogo que merece
destaque. Os discentes deveriam se narrar, momento em que um menino disse que
era moreno, relatando: “Não sei por que me chamam de preto. Eu não sou preto,
sou moreno. Preto é quando não dá para enxergar”. Ao ser questionado se tem
alguém preto na escola, respondeu prontamente: “Tem os haitianos”.
Concepções dos alunos sobre os tensionamentos étnico-raciais na escola e na sociedade
549
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 533-554, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Percebemos, novamente, nas enunciações supracitadas, que o pertencimento
étnico-racial se constitui em um processo envolto em tensões que, frequentemente,
geram negação ou rejeição ao sentimento de pertença a um determinado grupo.
Nesse caso, mais uma vez, emerge a ideia de que os alunos da escola não são ne-
gros, e a justificativa está na comparação que estes realizam com os haitianos, cuja
cor da pele identificam como sendo “mais escura”.
Nota-se um traço bastante característico da questão racial no Brasil, onde se
criaram diversas denominações para, supostamente, referir-se às muitas configu-
rações raciais provenientes do complexo processo de miscigenação que produziu o
nosso povo. Mozart Linhares da Silva (2007), no entanto, chama a atenção para
o fato de que há, na criação dessas novas denominações, um aspecto igualmente
cultural, não relacionado apenas à cor da pele, mas contendo uma acepção que
diz respeito às representações sociais, e que, em certo sentido, indicam as tensões
étnico-raciais presentes no país. Segundo Mozart Linhares da Silva (2007, p. 72),
merecem justamente atenção as categorias “moreno(a)”, “claro(a)” ou “escuro(a)”,
porque o “[...] moreno não apenas amolece a rigidez das polarizações, mas também
implica um processo de deslizamento do ‘preto’ para o ‘branco’”. Nesse sentido,
percebe-se, nessa visão, a ideia de que ser negro é algo negativo, enquanto ser
“moreno” reduz essa negatividade.
Discutindo sobre as questões referentes a raça e etnia, Silva (2014) afirma que
a identidade não deve ser naturalizada, cristalizada, nem essencializada. Destaca
que a identidade é uma construção, refere-se a um modo de ser no mundo e estar
com os outros. O autor ressalta que é preciso evitar o essencialismo cultural, por
mais sutil que se apresente: “[...] o essencialismo cultural concebe a identidade
simplesmente como a expressão de alguma propriedade intrínseca dos diferentes
grupos étnicos e raciais. Nessa concepção a identidade, embora cultural, é vista
como fixa e absoluta” (SILVA, 2014, p. 104). Seguindo as discussões do autor, enten-
demos que as relações étnico-raciais possuem vários atravessamentos engendrados
por relações de poder que não podem, nem devem, ser reduzidos a um olhar “natu-
ralizado” sobre os modos de ser negro. Ou seja, a construção da identidade negra
passa por muitas questões como sua história de vida, sua relação com a escola e
com a sociedade.
Nesse sentido, buscamos apoio em Larrosa (2011, p. 147), quando afirma: “[...]
o sentido de quem somos está construído narrativamente [...]”. Assim, a constitui-
Fernanda Wanderer, Mônica Nunes
550
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 533-554, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
ção do sujeito é um processo efetuado pelas várias narrativas feitas pelo próprio
“eu” e pelos “outros”, ao longo de suas trajetórias. As histórias de vida são tomadas
como produtoras de identidades, havendo uma relação muito estreita entre aquilo
que somos e as histórias (narrativas) que ouvimos, que lemos e que contamos. Como
se pode perceber nas enunciações dos alunos acerca dos haitianos, eles consideram
que estes são negros, mas não associam essa denominação à sua própria condição
racial, porque, ao se compararem, consideram-se “menos escuros”, portanto, não se
veem como negros.
A discussão realizada por Hardt e Negri (2004) sobre o conceito de racismo
imperial nos ajuda a compreender melhor essa não identificação de muitos alu-
nos como negros. Nas palavras dos autores, “[...] o racismo imperial, ou racismo
diferenciado, integra outros à sua ordem e então orquestra essas diferenças num
sistema de controle” (HARDT; NEGRI, 2004, p. 216). Eles utilizam o termo racismo
imperial para argumentar que, ao contrário do que imaginamos, o racismo não
diminuiu, visto que, apesar de práticas como o apartheid e a escravidão terem dei-
xado de existir, o racismo passou a adotar novas estratégias, mais sutis, infiltran-
do-se disfarçadamente em diversas práticas sociais. “O racismo não retrocedeu, e
que na realidade progrediu no mundo contemporâneo, tanto em extensão como em
intensidade. Só parece ter declinado porque suas formas e estratégias mudaram”
(HARDT; NEGRI, 2004, p. 210).
Na configuração do racismo imperial, não estamos diante de uma oposição
binária marcada pela cor da pele, e, sim, por questões que transcendem essa dife-
renciação. Para Hardt e Negri (2004, p. 213), “[...] as diferenças biológicas foram
substituídas por significadores culturais [...]. As diferenças são, portanto, não fixas
e imutáveis, mas efeitos contingentes da história social [...]”. Isso significa que a
“supremacia branca” não se configura apenas como a supremacia das pessoas de
pele branca, mas daquelas que, além disso, pensam e se comportam de “modo su-
perior”, bem como têm os valores considerados “superiores”.
Os autores explicam que, na lógica do Império, a exclusão racial emerge como
resultado da inclusão diferenciada. Nesse sentido, as práticas racistas não fun-
cionam por exclusão, pois “[...] nenhuma identidade é designada como o Outro,
ninguém é excluído do domínio, não existe lado de fora [...]” (HARDT; NEGRI,
2004, p. 215). Assim, o racismo imperial atua por inclusão e subordinação: “A su-
premacia branca funciona, de preferência, primeiro atraindo a alteridade e depois
subordinando as diferenças de acordo com graus de desvio da brancura” (HARDT;
Concepções dos alunos sobre os tensionamentos étnico-raciais na escola e na sociedade
551
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 533-554, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
NEGRI, 2004, p. 215), o que se confirma quando os alunos se autodenominam como
“morenos” ou, em um grau menor de desvio da brancura, “meio morenos”.
Considerações nais
Ao encerrarmos a escrita deste artigo, remetemo-nos a uma citação de Bau-
man (2005, p. 47): “Sempre há um número demasiado deles. ‘Eles’ são os sujeitos
dos quais devia haver menos – ou, melhor ainda, nenhum. E nunca há um número
suficiente de nós. ‘Nós’ são as pessoas das quais devia haver mais”. O sociólogo
usa a expressão “nós” para se referir às pessoas que estão plenamente inseridas
no sistema econômico vigente, alcançaram sucesso profissional e boas condições
financeiras e, desse lugar na sociedade, olham para quem se encontra à margem
desse sistema econômico. Contudo, lendo atentamente suas palavras, podemos
atribuir outros sentidos para “eles” e “nós”. “Eles” poderiam ser, por exemplo, na
Europa, os refugiados de guerra, enquanto, no Brasil, poderiam ser os haitianos
ou senegaleses que migram em busca de uma vida melhor. Mas também podemos
fazer outras aproximações e identificar “eles” nas ruas, nas praças, nas periferias,
nas escolas, enfim, em muitos lugares.
Relacionando a discussão de Bauman ao contexto em que realizamos esta pes-
quisa, na cidade de Estrela, percebemos que “eles” são, entre outros, os negros que
habitam a cidade. Esse aspecto se evidenciou ao longo do período de permanência
na escola, quando os alunos foram incitados a discutir e conversar sobre os tensio-
namentos étnico-raciais, e na analítica construída a partir do referencial teórico
utilizado. O que os estudantes disseram sobre si mesmos e sobre aquilo que perce-
bem na escola e na cidade – ou seja, que em Estrela há práticas racistas, mas não
na escola – são enunciações capturadas pelo discurso segundo o qual o Brasil é um
país onde impera uma democracia racial.
Além disso, os alunos mostraram um não reconhecimento de sua negritude,
preferindo denominar-se como “morenos”. Segundo eles, negros são apenas os
haitianos, em função do tom mais escuro de sua pele. Esse aspecto corroborou as
afirmações de Mozart Linhares da Silva (2007), quando o autor menciona que, no
Brasil, há um “amolecimento” da rigidez das polarizações, o qual se materializa em
novas denominações, como é o caso de “moreno”, que apareceu na fala dos discen-
tes.
De acordo com o desenvolvido no artigo, gostaríamos de destacar algumas
reflexões sobre o lugar da escola em relação às discussões étnico-raciais. Seguin-
Fernanda Wanderer, Mônica Nunes
552
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 533-554, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
do Gomes (2003), é tarefa do educador compreender o conjunto de representações
sobre o negro existente na sociedade e na escola, produzindo práticas pedagógicas
de combate às discriminações. Podemos dizer que, de alguma forma, o trabalho
pedagógico que gerou o material de pesquisa escrutinado possibilitou que os alunos
refletissem sobre si mesmos e sobre questões mais amplas, relativas à sociedade
em que vivem. A escola pós-moderna tem se configurado como um espaço de pro-
blematização das grandes “verdades”, o que leva à impossibilidade de se pensar a
educação de modo desarticulado das questões de diferença, cultura, raça, gênero
e tantas outras. Portanto, acreditamos que esta investigação contribuiu abrindo
espaço para narrativas dos alunos acerca das questões étnico-raciais.
Por fim, cabe destacar que, enquanto pesquisadoras, procuramos exercer um
constante e permanente questionamento sobre nossas ideias e concepções a respei-
to do tema investigado. Esse exercício é chamado por Veiga-Neto (2013) de hiper-
crítica. Segundo o autor, esta crítica radical é “[...] um tipo de desconstrucionismo
que faz da crítica uma prática permanente e intransigente até consigo mesma, de
modo a estranhar e desfamiliarizar o que parecia tranquilo e acordado entre todos”
(VEIGA-NETO, 2013, p. 15). A prática da hipercrítica é um exercício delicado e
complexo, uma vez que exige do pesquisador um olhar vigilante para que sua visão
de mundo não se imponha a seu objeto de pesquisa, e que suas verdades não in-
terfiram em sua análise. Da mesma forma que não podemos nos libertar de nosso
próprio modo de ver o mundo, precisamos dar voz ao modo como os outros o veem.
Foi o que buscamos realizar, tanto na condução do trabalho empírico quanto na
escrita deste artigo.
Referências
ANJOS, Gilson Luiz. (Re)Conhecimento e negritude: uma questão da educação? 2012. 90 f. Dis-
sertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.
BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
FISCHER, Rosa Maria Bueno. Trabalhar com Foucault: arqueologia de uma paixão. Belo Hori-
zonte: Autêntica, 2012.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France. São Paulo:
Loyola, 2009.
GOMES, Nilma Lino. Cultura negra e educação. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro,
n. 23, p. 75-85, 2003.
Concepções dos alunos sobre os tensionamentos étnico-raciais na escola e na sociedade
553
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 533-554, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
GREEN, Judith L.; DIXON, Carol N.; ZAHARLICK, Amy. A etnografia como uma lógica de in-
vestigação. Educação em Revista, Belo Horizonte, n. 42, p. 13-79, dez. 2005.
GUBER, Rosana. La etnografía: método, campo y reflexividad. Buenos Aires: Norma, 2001.
HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Império. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo 2010. 2010. Disponível
em: <https://censo2010.ibge.gov.br/#>. Acesso em: 13 maio 2017.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. O longo combate às desigualdades
raciais. 2017. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/igualdaderacial/index.php?option=com_
content&view=article&id=711>. Acesso em: 13 maio 2017.
KERN, Gustavo da Silva. Ações afirmativas e educação: um estudo genealógico sobre as relações
raciais no Brasil. 2012. 182 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Gradua-
ção em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.
KREUTZ, Lúcio. O professor paroquial: magistério e imigração alemã. Porto Alegre: Editora da
Ufrgs, 1991.
LARROSA, Jorge. Tecnologias do eu e educação. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). O sujeito da
educação: estudos foucaultianos. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 35-86.
MEINERZ, Carla Beatriz; PEREIRA, Priscila Nunes. Educação das relações étnico-raciais e su-
peração da branquitude. Identidade, São Leopoldo, v. 23, n. 1, p. 161-180, jan./jul. 2018.
MELLO, Rosália Maria. É a cor da pele que faz a pessoa ser discriminada: narrativas sobre o
negro e a discriminação racial produzidas em uma experiência pedagógica de educação mate-
mática. 2006. 112 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em
Educação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2006.
MELO, Camila Alves. Representações de professores e de alunos sobre a Provinha Brasil. 2016.
139 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Univer-
sidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.
MEYER, Dagmar Estermann. Das (im)possibilidades de se ver como anjo... In: GOMES, Nilma
Lino; SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves (Org.). Experiências étnico-culturais para a formação
de professores. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. p. 51-69.
MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus iden-
tidade negra. Petrópolis: Vozes, 1999.
RAMBO, Arthur Blásio. A escola comunitária teuto-brasileira católica. São Leopoldo: Unisinos,
1994.
RAMOS, Aline Oliveira; SANTANA, Marise de; SANTANA, José Valdir Jesus de. Relações étni-
co-raciais no ambiente escolar: reflexões a partir de uma escola pública no município de Itapetin-
ga/BA. Educação, Gestão e Sociedade, São Paulo, ano 1, n. 2, p. 1-32, jun. 2011.
RAMOS, Tanise Muller. Tecendo tramas, traçando gentes: narrativas constituindo identidades
em uma escola municipal de Porto Alegre/RS no ensino da história e cultura africana e afro-
-brasileira. 2009. 239 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em
Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.
Fernanda Wanderer, Mônica Nunes
554
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 533-554, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
______. “Nossos antepassados eram africanos, então somos negros também!”: as intervenções pe-
dagógicas na promoção das relações étnico-raciais e na constituição das identidades discentes.
2014. 144 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Univer-
sidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.
SANTOS, Wellington Oliveira. Discursos sobre raça, racismo e educação das relações étnico-ra-
ciais: estudo de caso em uma turma de graduação. Revista da ABPN, Uberlândia, v. 10, p. 549-571,
maio 2018.
SCHIERHOLT, José Alfredo. Estrela: ontem e hoje. Lajeado, RS: 2002.
SCHUCMAN, Lia Vainer. Branquitude e poder: revisitando o “medo branco” no século XXI. Re-
vista da ABPN, Uberlândia, v. 6, n. 13, p. 134-147, mar./jun. 2014.
SILVA, Mozart Linhares da. Educação, etnicidade e preconceito no Brasil. Santa Cruz do Sul:
EDUNISC, 2007.
SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves. Ensino de História da África ainda não está nos planos
pedagógicos. 2017. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2017/01/08/ensino-de-histo-
ria-da-africa-ainda-nao-esta-nos-planos-pedagogicos-diz-professora/>. Acesso em: 04 dez. 2017.
______. Aprender, ensinar e relações étnico-raciais no Brasil. Educação, Porto Alegre, v. 3, n. 63,
p. 489-506, set./dez. 2007.
______. Pesquisa e luta por reconhecimento e cidadania. In: ABRAMOWICZ, Anete; SILVÉRIO,
Valter Roberto (Org.). Afirmando diferenças: montando o quebra-cabeça da diversidade na esco-
la. Campinas: Papirus, 2005. p. 27-54.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo.
3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
SOARES, Claudete Gomes; ANDREOLA, Neuri José. Branquitude e representações sobre imi-
grantes haitianos no oeste catarinense. Temáticas, Campinas, v. 25, p. 85-114, fev./dez. 2017.
VEIGA-NETO, Alfredo. Dominação, violência, poder e educação escolar em tempos de império.
In: RAGO, Margareth; VEIGA-NETO, Alfredo (Org.). Figuras de Foucault. 3. ed. Belo Horizonte:
Autêntica, 2013. p. 13-38.
______. Foucault & Educação. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
WANDERER, Fernanda. Educação matemática, jogos de linguagem e regulação. São Paulo: Li-
vraria da Física, 2014.
WESCHENFELDER, Viviane. A produção do sujeito negro: uma analítica das verdades que cir-
culam em Venâncio Aires. 2012. 172 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-
-Graduação em Educação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2012.
Proposta de avaliação de pessoas com deciência na escola: reexões acerca das múltiplas linguagens
555
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 555-579, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Proposta de avaliação de pessoas com deciência na escola:
reexões acerca das múltiplas linguagens
Proposal for evaluation of people with disabilities at school: reections on multiple languages
José Anchieta de Oliveira Bentes
*
Rita de Nazareth Souza Bentes
**
Huber Kline Guedes Lobato
***
Resumo
O objetivo principal deste trabalho é apresentar os resultados do uso de uma proposta de avaliação que consi-
dere as capacidades e potencialidades de pessoas com deciência na escola. A pesquisa foi construída no ano
de 2017, a partir da avaliação de quatro pessoas com deciência na escola, sendo: com paralisia cerebral (PC), de-
nominado Léo; com múltipla deciência sensorial-visual (MDVI), denominado Alex; com deciência intelectual
(DI) – síndrome de Down, denominada Ana; com surdez (S), denominada Lia. As quatro pessoas são estudantes
de uma escola da rede municipal pública de Belém, Pará. O problema de pesquisa é: como avaliar pessoas com
deciência na escola considerando as múltiplas linguagens? A análise dos dados revelou que a avaliação e as
ações de múltiplas linguagens podem ser bastante úteis para a elaboração do currículo e para o programa indivi-
dual de pessoas com deciência na escola e em sala de aula, superando a pedagogia da alfabetização tradicional
e conservadora, que considera apenas a escrita alfabética no cotidiano escolar.
Palavras-chave: Avaliação da deciência. Ensino e aprendizagem. Múltiplas linguagens. Pessoas com deciência.
Abstract
The main goal of this work is presenting the results of the use of an evaluation proposal tool that takes into account
the capacities and potentialities of people with disabilities at school. The research was conducted in 2017 and
four people were evaluated: Léo, a student with cerebral palsy (CP); Alex, a student with multi-sensory impairment
(MSI); Ana, a student with Down Syndrome (DS); Lia, a deaf student. All of them are students at a municipal school
in Belém, Pará, Brazil. The research problem is the following: How can we evaluate students considering multiple
languages? The data analysis reaveled that the evaluation and and multiple language actions can be useful for the
curriculum elaboration and for the individual program of people with disabilities in school and in classroom, over-
coming the traditional literacy pedagogy that considers only the alphabetial writing in school daily life.
Keywords: Evaluation of disability. Teaching and learning. Multiple languages. People with disabilities.
*
Pós-doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Doutor em Educação Especial pela
Universidade Federal de São Carlos. Professor adjunto da Universidade do Estado do Pará, Brasil. E-mail: anchie-
ta2005@yahoo.com.br
**
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação de Filologia e Língua Portuguesa (Faculdade de Filosoa, Letras e Ciên-
cias Humanas – Universidade de São Paulo / Doutorado Interinstitucional - Universidade Estadual do Pará). Professora
do Curso de Letras-Libras do Departamento de Língua e Literatura da Universidade Estadual do Pará, Brasil. E-mail:
ritasbentes@yahoo.com.br
***
Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Pará. Professor do Magistério Superior do Instituto de Letras e
Comunicação da Universidade Federal do Pará. Professor de Língua Brasileira de Sinais – Sexto Prolibras. Tradutor/
Intérprete da Língua Brasileira de Sinais – Prolibras 2010, Brasil. E-mail: huberkline@gmail.com
Recebido em 06/08/2018 – Aprovado em 31/01/2019
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v26i2.8468
José Anchieta de Oliveira Bentes, Rita de Nazareth Souza Bentes, Huber Kline Guedes Lobato
556
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 555-579, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Introdução
As práticas de avaliação tradicionais no universo educacional estiveram e es-
tão presas a testes psicométricos que, muitas vezes, limitam o processo avaliativo
ao uso de procedimentos estatísticos, para verificar a aprendizagem e o desempe-
nho dos alunos na escola. A avaliação tradicional, focada em padrões estabelecidos
e em médias aritméticas, desconsidera outras aprendizagens na escola e, inclusive,
rejeita as múltiplas linguagens de seus aprendizes.
A reflexão sobre o trabalho com as múltiplas linguagens no âmbito educacio-
nal e no universo de pessoas com deficiências na escola é o foco deste estudo. Essa
temática é relevante e atual, pois considera as características subjetivas de co-
municação, propondo ser formativa, reconhecendo as capacidades e desenvolvendo
potencialidades, as quais poderão facilitar o processo de ensino e aprendizagem. A
discussão sobre o trabalho com múltiplas linguagens remete a temáticas inerentes
à avaliação de pessoas com deficiência no contexto escolar. Por isso, torna-se inte-
ressante responder: o que é avaliar?
Para Quadros e Cruz (2011, p. 43), “[...] realizar uma avaliação da linguagem
é fundamental para identificar o que está adequado e o que necessita ser adquirido
e, posteriormente, possibilitar uma adequada intervenção”.
A avaliação precisa perpassar pela perspectiva das múltiplas linguagens –
que incluem os desenhos, a escrita, a música, a dança, a pintura, entre outras
– enquanto uma forma de complementação do conhecimento que as pessoas com
deficiência possuem, e não como uma forma de medir o que se apreendeu nas dis-
ciplinas. A avaliação é:
Uma tarefa complexa que não se resume a realização de provas e atribuição de notas. A
mensuração apenas proporciona dados que devem ser submetidos a uma apreciação qua-
litativa. A avaliação, assim, cumpre funções pedagógico-didáticas, de diagnóstico e de con-
trole em relação as quais se recorrem a instrumentos de verificação do rendimento escolar
(LIBNEO, 1994, p. 195).
Com isso, compreendemos que a avaliação é um processo permanente do tra-
balho do professor, na intenção de perceber se seu alunado aprendeu ou não. A
avaliação reverbera diretamente na qualidade do trabalho docente e proporciona
mudanças na realidade escolar. A avaliação:
É um processo pelo qual se procura identificar, aferir, investigar e analisar as modificações
do comportamento e rendimento do aluno, do educador, do sistema, confirmando se a cons-
trução do conhecimento se processou, seja este teórico (mental) ou prático (SANT’ANNA,
1995, p. 29-30).
Proposta de avaliação de pessoas com deciência na escola: reexões acerca das múltiplas linguagens
557
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 555-579, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
A avaliação precisa servir para informar aos professores as capacidades e po-
tencialidades das pessoas com deficiência, as múltiplas formas como estas pessoas
resolvem determinados problemas de aprendizagem e quais são os recursos que
refletem de forma qualitativa em seu aprendizado. Isso permitirá a elaboração de
estratégias de ensino adequadas para cada pessoa.
Assim, neste artigo, apresentamos a perspectiva das múltiplas linguagens
para impulsionar mudanças no modo de ensinar as pessoas com deficiência na
escola.
1
O principal argumento para esta empreitada é que existe, na sociedade
atual, uma multiplicidade de formas de linguagens e de culturas.
A perspectiva que assumimos é a das múltiplas linguagens, pretendendo su-
perar as abordagens de alfabetização tradicionais e conservadoras, que consideram
apenas a escrita alfabética. Sustentamos a ideia de que é preciso considerar a va-
riedade linguística, a variedade cultural e as diferenças dos alunos, de seus corpos,
de suas capacidades sensoriais, de seus interesses individuais e coletivos e de suas
potencialidades para o desenvolvimento do trabalho do professor.
O objetivo maior do professor, com esse trabalho, é promover a alfabetização
pelo letramento. Dessa forma, pode haver a participação de todos os alunos, ga-
rantindo que todos aprendam, todos participem do trabalho em sala de aula, todos
interajam ao seu modo com os demais e, com isso, possam efetivamente se sentir
incluídos e valorizados em sala de aula.
A alfabetização a partir da perspectiva do letramento assume uma nova con-
figuração, ultrapassando mitos e princípios ideológicos incrustados na escola, fun-
damentados na normalização dos corpos e na exclusão de crianças, adolescentes
e jovens que não atendem aos requisitos do padrão estabelecido de corpo normal,
pois Ropoli et al. (2010, p. 6) versam que “[...] cada aluno tem a possibilidade de
aprender, a partir de suas aptidões e capacidades”.
Para que ocorra essa possibilidade de aprender, ampliamos o uso do texto
impresso ou escrito, para o uso de textos semióticos, considerando a identidade de
pessoas com deficiência, com quem trabalhamos. A expressão e a recepção destas
pessoas podem ser realizadas por diversas formas: pela visão, pelos gestos, pelos
sinais, pelos desenhos ou gravuras, pelo movimento do corpo, etc. Rompemos com
a pedagogia da alfabetização centrada no monolinguismo, na escrita baseada em
regras normativas, no monoculturalismo e na normalização dos indivíduos.
Para contextualizar essa discussão sobre múltiplas linguagens, citamos o
exemplo do livro digital, que possibilita, por meio de programas próprios, ampliar
a fonte em que o livro é editado:
José Anchieta de Oliveira Bentes, Rita de Nazareth Souza Bentes, Huber Kline Guedes Lobato
558
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 555-579, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
O livro em formato digital em texto favorece a comunicação de seu conteúdo para leitores com
diferentes características e habilidades. Pode ser lido no computador e em dispositivos espe-
cializados, transformação em áudio impresso à tinta, com fonte em tamanhos variados, em
Braille. Além disso, pode ser veiculado em diferentes suportes de armazenamento como CDs,
DVDs, pendrive, em servidores web para acesso via Internet, etc. (MELO; PUPO, 2010, p. 7).
O livro digital une diversas modalidades de linguagem: a visual, a escrita
alfabética, a digital, a auditiva. Por meio do livro digital, pessoas com deficiência
visual, bem como aquelas que apresentam comprometimentos físicos que limitam
seus movimentos, podem se apropriar ou manipular a informação impressa ou as
informações textuais.
Neste artigo, vamos incluir alguns discursos a respeito da ampliação dos ter-
mos alfabetização – entendido como aquisição do sistema de escrita alfabética – e
letramento – entendido como uso e aplicabilidade dos textos escritos –, alcançando
as diversas manifestações de linguagem e estabelecendo relações com o ensino e a
aprendizagem de pessoas com deficiência.
O objetivo, portanto, é apresentar os resultados do uso de uma proposta de
avaliação que considere as capacidades e potencialidades de pessoas com deficiên-
cia na escola. A partir disso, pretende-se obter, ao final da pesquisa, uma ferramen-
ta sugestiva para avaliação das habilidades – as quais denominamos de múltiplas
linguagens – dessas pessoas.
O artigo faz referência à avaliação das pessoas com deficiência na escola, des-
tacando a relevância de obter estratégias e subsídios para apoiar os profissionais
que atuam nesse contexto. A questão central da pesquisa é: como avaliar pessoas
com deficiência considerando as múltiplas linguagens?
As múltiplas linguagens
A discussão pode ser encapsulada na expressão múltiplas linguagens, que é
capaz de abarcar os fundamentos de uma cultura local, algumas vezes marginali-
zada, com outras culturas institucionalizadas e globalizadas, com uma multiplici-
dade de formas de comunicação, de linguagens e de canais de mídia.
Nos termos que:
Vivemos em um mundo multissemiótico para além da letra, ou seja, um mundo de cores,
sons, imagens e design que constroem significados em textos. São muitos os discursos que
nos chegam e são muitas as necessidades de lidar com eles no mundo do trabalho e fora do
trabalho, não só para o desempenho profissional, como também para saber fazer escolhas
éticas entre discursos em competição e saber lidar com as incertezas e diferenças caracte-
rísticas de nossas sociedades atuais (MOITA-LOPES; ROJO, 2004, p. 46).
Proposta de avaliação de pessoas com deciência na escola: reexões acerca das múltiplas linguagens
559
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 555-579, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
A ideia de uma pedagogia das múltiplas linguagens relaciona-se com o uso de
modos de representação do significado que vão além do domínio da correspondên-
cia letra-som ou do foco em uma única linguagem, em que o ensino é visto como
domínio de regras gramaticais para o “bem escrever” e o “bem falar” uma língua.
A pedagogia fundamentada nas múltiplas linguagens utiliza-se de uma va-
riedade de linguagens e de modos de significação, uma variedade de recursos de
ensino para diferentes fins culturais, fins de ensino e de avaliação. Os textos es-
crito, auditivo, espacial, gestual, em língua de sinais, corporais, em desenhos ou
gravuras, em ambientes digitais, etc., fundamentam a pedagogia das múltiplas
linguagens.
Assim, dois argumentos principais surgem: o primeiro é que a expressão múl-
tiplas linguagens está relacionada não apenas às formas oficiais de letramento,
utilizadas nas escolas, mas também às formas não incentivadas, desprezadas e
marginalizadas. Dessa forma, as múltiplas linguagens focalizam tanto a realidade
local quanto a conexão com o global, abrangendo tanto as variedades e situações
diversificadas de linguagem quanto as diferenças culturais e corporais. O segundo
argumento é bastante simples e decorre do primeiro: o seu significado está em
diversas manifestações de linguagem.
Torna-se mister considerar a distinção entre letramentos dominantes e le-
tramentos locais. Os dominantes ou também chamados de institucionalizados se
associam às organizações formais, tais como a escola, o local de trabalho, a igreja,
as burocracias. Neste campo, ocorre a ação de professores, especialistas, pastores
e advogados. Esses agentes são valorizados à proporção “do poder de sua institui-
ção de origem” (HAMILTON, 2002, p. 180). Já os letramentos locais ou também
chamados de vernaculares não são regulados nem sistematizados por instituições.
Desse modo, são desvalorizados e desprezados por serem práticas da vida cotidiana
(HAMILTON, 2002).
Trabalhar com leitura e escrita na escola:
[...] é muito mais que trabalhar com a alfabetização ou alfabetismos, é trabalhar com os
letramentos múltiplos, com as leituras múltiplas – a leitura na vida e a leitura na escola.
Trata-se, então, de garantir que o ensino desenvolva as diferentes formas de uso das lin-
guagens (verbal, corporal, plástica, musical, gráfica etc.) e das línguas (falar em diversas
variedades e línguas, ouvir, ler e escrever). Para participar de tais práticas com proficiência
e consciência cidadã, é preciso também que o aluno desenvolva certas competências básicas
para o trato com as línguas, as linguagens, as mídias e as múltiplas práticas letradas, de
maneira crítica, ética, democrática e protagonista (ROJO, 2009, p. 118).
José Anchieta de Oliveira Bentes, Rita de Nazareth Souza Bentes, Huber Kline Guedes Lobato
560
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 555-579, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Dessa forma, as múltiplas linguagens ampliam a noção de letramento para
além da escrita alfabética, extrapolando para o campo da imagem, da música e de
outras semioses.
A Figura 1 apresenta os componentes das múltiplas linguagens.
Figura 1 – Múltiplas linguagens
Fonte: elaboração dos autores, 2018.
De acordo com a Figura 1, percebemos que a alfabetização está inserida na lin-
guagem alfabética/do texto impresso. Uma das metodologias de ensino que se utili-
za na alfabetização inicia com o aprendizado das letras, passa-se para a junção em
sílabas e a formação de palavras, para a chegada nas frases e nos textos escritos.
Outra metodologia é a que parte do aprendizado dos gêneros textuais que circulam
em sociedade, para aprender os textos de situações concretas, relacionando esses
textos aos seus contextos e sentidos.
Acrescentam-se a essa metodologia algumas outras críticas ao ensino da es-
crita: a insistência de que o ideal da escola é ensinar a modalidade escrita; geral-
mente, as construções e as hipóteses dos alunos são ignoradas; a prioridade está
na memorização de regras ortográficas; as atividades mais desenvolvidas são em
torno de listas de palavras soltas ou de frases descontextualizadas; os textos produ-
zidos serão lidos apenas pelo professor da turma; os textos são improvisados, sem
planejamento e sem revisão.
Proposta de avaliação de pessoas com deciência na escola: reexões acerca das múltiplas linguagens
561
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 555-579, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
É visível que esta não é a única modalidade de letramento. A Figura 1 sugere
outras múltiplas linguagens: áudio/oral, dança/teatro, visual, gestual/em sinais. O
fato que justifica a abordagem de múltiplas linguagens para pessoas com deficiên-
cia é que a comunicação humana ocorre de diferentes maneiras. As possibilidades
são variadas no que diz respeito tanto à expressão quanto à compreensão, perpas-
sando as formas institucionalizadas das modalidades oral e escrita, uma vez que
há possibilidades de expressão e compreensão por gestos, por sinais, por desenhos,
por gravuras, pela dança, pelo teatro, pelo uso do computador e por outras ferra-
mentas tecnológicas.
Quanto à linguagem áudio/oral, consideramos que “[...] há uma imbricação
constitutiva entre fala/oralidade e escrita/letramento, mesmo quando se pensa que
estamos ‘apenas falando’” (BENTES, 2010, p. 138). Isso acarreta uma mudança
nas análises de língua falada e escrita ou, como mencionamos, fala/oralidade e
escrita/letramento.
Há, ainda, que se considerar que a política predominante no Brasil, no que se
refere ao ensino e à propagação das línguas, é a do monolinguismo. Essa política
impede o ensino de línguas consideradas minoritárias nas escolas, como é o caso
das línguas faladas por cerca de 170 grupos indígenas – principalmente os que
estão localizados na Região Amazônica –, bem como o caso das comunidades de
imigrantes espalhadas por várias regiões do país, com a diversidade linguística de
desprestigiados dialetos, que já convivem em contextos bidialetais, mas são impe-
didos de receber instrução em suas línguas.
Além do preconceito linguístico, há o caso de pessoas com deficiência, que en-
contram limites para pronunciar as palavras ou emitir certos fonemas, provocando
dificuldade no entendimento: somente uma convivência prolongada reverte, em
parte, essa situação. Há, ainda, uma multiplicidade de manifestações da oralidade
proibidas na sala de aula, como certas músicas da periferia, as gírias e o vocabulá-
rio considerado pornográfico.
Quanto à linguagem da dança/do teatro, pontuamos que, com ela, alcança-se
uma leitura múltipla de eventos sociais. Um dos objetivos dessas práticas de le-
tramento é desenvolver a linguagem, a comunicação criativa, a potencialidade do
uso do corpo como elemento artístico. A dança e o teatro são vistos como fatores
relevantes no desenvolvimento pessoal e interpessoal, por isso as escolas, enquanto
instituições que primam por esse desenvolvimento, devem perceber a dança e o
teatro como elementos que precisam estar presentes no currículo escolar, enquanto
práticas pedagógicas de crescimento individual e social. A dança e o teatro são fa-
José Anchieta de Oliveira Bentes, Rita de Nazareth Souza Bentes, Huber Kline Guedes Lobato
562
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 555-579, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
tores essenciais ao desenvolvimento corporal, à reflexão e à dinamicidade, fazendo
com que os alunos envolvidos com estas linguagens melhorem significativamente
a capacidade de interpretar o mundo e a realidade à sua volta, bem como possibili-
tam ver o mundo por uma outra perspectiva.
Quanto à linguagem visual, consideramos que a imagem ocupa grande espaço
na vida das pessoas, estando presente em jornais, revistas, outdoors, sites da inter-
net e também no corpo das pessoas que fazem tatuagens. Desse modo, as imagens
constituem-se em uma forma de linguagem, o que permite uma multiplicidade de
interpretações, no entanto, a utilização da imagem ainda está fora do ambiente
escolar: os jogos eletrônicos são proibidos, a publicidade é pouco explorada e as
revistas em quadrinhos são pouco utilizadas na sala de aula.
A partir dos anos de 1970, tem-se a utilização de imagens como forma de in-
teração de pessoas com deficiência, uma vez que estas não possuem fala ou escri-
ta funcional e não assimilam o sistema alfabético de escrita, em consequência de
impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial. Essa utilização
de imagens recebeu a denominação de “comunicação alternativa”, caracterizando
a utilização, sobretudo, de pranchas ou cartelas com símbolos pictográficos para a
expressão e recepção com outras pessoas, podendo ser usado o computador para a
produção desses símbolos.
Outros instrumentos que precisam ser utilizados são os sites e jogos de com-
putador para proporcionar aprendizagens, uma vez que envolvem não apenas a
comunicação visual, mas também as linguagens auditiva, alfabética e imagética,
em um espaço cibernético de intercomunicação.
Quanto à linguagem gestual/em sinais,
2
ela foi recentemente incorporada nos
discursos educacionais como mecanismo interativo de ativação de conceitos e de
expressão. Os gestos podem ser independentes, bem como podem reforçar ou con-
tradizer o sentido dado a um discurso oral. São expressões dos olhos, das mãos,
da cabeça, dos braços, do corpo e do modo de andar, que conduzem significados
em composição ou não com a palavra falada. Além disso, a utilização da língua de
sinais pela comunidade surda e ouvinte
3
sugere que o uso do aparelho fonador pode
ser substituído por outros meios de produção de línguas. Nesse caso, o que subs-
titui o aparelho fonador é, principalmente, os braços e as mãos. Esta linguagem
estabelece certas configurações de mãos, articuladas em certos pontos do corpo ou
fora dele, que, com possíveis movimentos e expressões faciais/corporais, compõem
uma forma de comunicação sinalizada ou discursos realizados no espaço próximo
ao corpo de um sinalizador.
Proposta de avaliação de pessoas com deciência na escola: reexões acerca das múltiplas linguagens
563
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 555-579, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Por conseguinte, os meios utilizados para a produção de sinais constituem
artefatos culturais e possuem gramática e estatuto de língua. Torna-se relevante
frisar que a língua de sinais foi institucionalizada, no Brasil, com a aprovação da
Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002 (BRASIL, 2002) e com o Decreto nº 5.626, de
22 de dezembro de 2005 (BRASIL, 2005).
Reiteramos que este estudo teve como foco os resultados do uso de uma pro-
posta de avaliação das capacidades e das potencialidades de pessoas com deficiên-
cia no âmbito escolar. As deficiências em questão foram: paralisia cerebral (PC);
múltipla deficiência sensorial-visual (MDVI); deficiência intelectual (DI) – síndro-
me de Down; e surdez (S). Assim, façamos uma breve descrição destas deficiências.
A paralisia cerebral é:
[...] um grupo heterogêneo de transtornos motores não-progressivos causados por lesões
cerebrais crônicas, que se originam no período pré-natal, período perinatal ou primeiros
cinco anos de vida. Os quatro subtipos principais são espástico, atetóide, atáxico e paralisia
cerebral mista, sendo a forma espástica a mais comum. O transtorno motor pode variar
desde dificuldades no controle motor fino à espasticidade severa em todos os membros. A
diplegia espástica (doença de Little) é o subtipo mais comum, e é caracterizado por espasti-
cidade mais proeminente nas pernas que nos braços. Esta afecção pode estar associada com
Leucomalácia periventricular (BADAWI et al., 1998, p. 520, tradução nossa).
A American Association on Intellectual and Developmental Disabilities (2018,
p. 1, grifo do autor, tradução nossa) conceitua que:
[...] a deficiência intelectual é uma deficiência caracterizada por limitações significativas
tanto no funcionamento intelectual quanto no comportamento adaptativo, que abrange
muitas habilidades diárias sociais e práticas. Esta deficiência se origina antes da idade de
18 anos. O funcionamento intelectual – também chamado de inteligência – refere-se à capa-
cidade mental geral, como aprender, raciocinar, resolver problemas, e assim por diante. Um
critério para medir o funcionamento intelectual é o teste de quociente de inteligência (QI).
As pontuações de QI entre 70 e 75 indicam uma limitação no funcionamento intelectual.
Em relação à múltipla deficiência sensorial-visual (MDVI),
[...] a pessoa com múltipla deficiência sensorial-visual (MDVI denominação internacional)
é aquela pessoa que tem a deficiência visual (baixa visão ou cegueira) associada a uma ou
mais deficiências (intelectual, física/ motora) ou a Distúrbios Globais do Desenvolvimento
e Comunicação (MAIA; GIACOMINI; ARÁOZ, 2008, p. 51).
Em relação à surdez, o Decreto nº 5.626/2005 considera a pessoa surda aquela
que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de expe-
riências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Libras. No
mesmo decreto, encontramos a definição de deficiência auditiva como a perda da
audição de forma bilateral, parcial ou total.
José Anchieta de Oliveira Bentes, Rita de Nazareth Souza Bentes, Huber Kline Guedes Lobato
564
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 555-579, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
No tópico a seguir, apresentamos a estratégia metodológica deste estudo, com
uma proposta de avaliação que proporcione aos professores uma análise que cons-
tate a situação de aprendizagem atual de pessoas com deficiência na escola. A
partir desta apreciação, a ideia é criar atividades de linguagens, de modo que estas
pessoas se apropriem de conhecimentos, conforme suas capacidades e potenciali-
dades.
Estratégia metodológica
O presente estudo foi realizado por meio de uma pesquisa com características
transdisciplinares, uma vez que tratou, segundo Rojo (2006, p. 258), “de problemas
com relevância social por exigirem respostas teóricas que tragam ganhos a práticas
sociais e a seus participantes, no sentido de uma melhor qualidade de vida, num
sentido ecológico”.
A pesquisa deu-se por meio de observações na Sala de Recursos Multifuncio-
nais (SRM) de uma escola municipal em Belém, Pará, que foram realizadas no
segundo semestre do ano de 2017. Durante os momentos de observação das pessoas
com deficiência na escola e na sala de recursos, destacamos os seguintes fatores
observados: uso da fala; uso da visão; uso da audição; uso do tato; uso da escrita;
habilidade de movimentos; e habilidade cognitiva.
Com as observações, tivemos o propósito de apreender o cotidiano e a prática
educativa dos professores que atuam com pessoas com deficiência na escola. O
momento de observação nos proporcionou perceber como os professores aplicavam
determinadas atividades com estas pessoas, assim como verificar de que forma en-
contram-se as instalações da SRM em que as pessoas com deficiência estudavam.
No momento das observações, utilizamos o diário de campo como instrumento
para registrar os dados observados. O diário de campo, segundo Minayo (2015),
é um caderno em que se registram as informações mais relevantes, tais como: as
conversas, os relatos, as atitudes de professores e alunos, assim como os detalhes
de cada atividade pedagógica desenvolvida no espaço investigado.
A escola pesquisada funciona em três turnos, manhã, tarde e noite, destinados
à educação de jovens e adultos (EJA), e disponibiliza espaços diversos de aprendi-
zagem, tais como: laboratório de informática, biblioteca, sala de leitura, aulas de
artes, educação física e uma SRM. Em relação à SRM, tem-se como objetivo oferecer
apoio pedagógico aos alunos deficientes, por meio de avaliação e fornecimento de
recursos tecnológicos aos alunos, em horário contrário ao que estudam na escola.
Proposta de avaliação de pessoas com deciência na escola: reexões acerca das múltiplas linguagens
565
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 555-579, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
A sala de recursos pesquisada funciona nos turnos manhã e tarde, com dois
professores que utilizam diversas linguagens – artística, tecnológica, corporal, li-
terária, cênica, para atender cerca de trinta alunos de quatro outras escolas próxi-
mas do mesmo distrito administrativo.
4
Os participantes desta pesquisa assinaram um termo de consentimento livre e
esclarecido (TCLE), garantindo que suas identidades não sejam reveladas e que as
informações prestadas sejam utilizadas unicamente para fins de divulgação cientí-
fica. Tais informações respondem as questões éticas de pesquisas e são a garantia
de que estas não trazem nenhum risco aos participantes, apenas benefícios, uma
vez que, com os resultados desta pesquisa, outros pesquisadores e/ou professores
poderão criar, a partir das sugestões propostas, melhores formas de verificação das
capacidades e potencialidades de pessoas com deficiência.
Partimos, então, para a apresentação dos participantes da pesquisa. Desta-
camos que as denominações dos participantes são fictícias, a fim de preservar a
verdadeira identidade de cada um, conforme informado no TCLE.
O participante com paralisia cerebral (PC), denominado Léo:
Tem 19 anos. Está no CIII-7º ano do ensino fundamental. É usuário de cadeira de rodas.
Não consegue ficar em pé devido as suas condições físicas decorrentes da paralisia cerebral.
As atividades de vida diárias não são possíveis de serem feitas sem a ajuda do acompa-
nhante, o seu pai, que é uma pessoa idosa (Diário de campo realizado em 08/03/2017).
O participante com múltipla deficiência sensorial-visual (MDVI), denominado
Alex:
Possui 20 anos. Está no CI 3º ano do ensino fundamental. Não sai de casa sozinho, sempre
tem a companhia dos responsáveis. Tem baixa visão, enxerga com a fonte 38 e tem miopia.
Tem fala desenvolvida. Compreende o interlocutor. Escreve lentamente. Não consegue re-
ter com propriedade os conteúdos e algumas letras. Já repetiu o CI três vezes (Diário de
campo realizado em 21/03/2017).
A participante com deficiência intelectual (DI) – síndrome de Down, denomi-
nada Ana:
Tem 10 anos. Está no CI 2º ano do ensino fundamental. Apresenta síndrome de Down. É
extrovertida. Muito agitada. Oraliza poucas palavras. Não escreve alfabeticamente. Conse-
gue identificar figuras. Usa o apontar. Identifica partes do corpo (Diário de campo realizado
em 22/03/2017).
A participante com surdez
5
(S), denominada Lia:
José Anchieta de Oliveira Bentes, Rita de Nazareth Souza Bentes, Huber Kline Guedes Lobato
566
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 555-579, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Tem 18 anos. É de classe social baixa. Mora com a mãe e mais dois irmãos em um bairro da
periferia de Belém. Estuda desde os sete anos de idade. Estudou em diversas escolas de Be-
lém, repetindo em diversos anos. Está atualmente no CIII - 6º ano do ensino fundamental.
É uma pessoa surda. (Diário de campo realizado em 18/10/2017).
6
É papel da escola e do professor a formulação de uma epistemologia-meto-
dológica que atenda a todos os alunos, sobretudo as pessoas com deficiência, per-
mitindo o acesso aos conhecimentos, a participação e a interação em sala de aula,
partindo de suas diferentes subjetividades e características.
A seguir, com base nas constatações realizadas, passa-se a uma proposta de
avaliação-intervenção, considerando as linguagens anteriormente discutidas, e
apresentam-se os resultados da referida proposta de avaliação que considera as
capacidades e potencialidades de pessoas com deficiência na escola.
Resultados e discussão
A proposta a ser desenvolvida não pretende ser mais um instrumento norma-
lizador, no sentido de estabelecer comparações entre uma pessoa que tenha dicção,
audição e escrita ideais e uma pessoa com deficiência na escola. Se fosse essa a in-
tenção, o tipo de avaliação seria para medir a quantidade de acertos e erros a partir
de questões ou informações solicitadas. Não temos essa intenção, pois entendemos
que a aura da escola deve ser outra. Para Kenski (2000, p. 123):
A aura da escola depende de seus espaços e de seus atores. Professores e alunos parecem
circular com suas presenças, mesmo nas suas ausências. O espaço da escola é mágico. Nele
se realiza o milagre permanente do aprender e do abrir-se para o mundo. Múltiplas e dife-
renciadas são as linguagens da escola. Formas possíveis de, inclusive, recuperar, em nossas
histórias, as imagens e os movimentos que constituíram os nossos aprendizados.
Pretendemos fazer constatações, que são discursos flexíveis, que buscam a
cientificidade, uma vez que se baseiam em evidências e fatos concretos e compro-
vados e não no senso comum e na criação de afirmações generalistas. Algumas in-
formações obtidas com os familiares podem refletir generalizações ou comparações
com outras pessoas, neste caso cabe ao professor discutir formas de romper com
essas representações normalizadoras e avançar em novas concepções: as concep-
ções disnormalizadoras.
A concepção disnormalizadora, em termos gerais, é um discurso que se con-
fronta com o anterior – a concepção normalizadora que concebe os sujeitos com
Proposta de avaliação de pessoas com deciência na escola: reexões acerca das múltiplas linguagens
567
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 555-579, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
uma padronização, com um corpo ideal –, estabelecendo uma disputa de posições e
um desafio: o de lidar com a diferença constitutiva de cada ser humano.
A base de uma nova pedagogia fundada nas múltiplas linguagens implica uma
avaliação do aluno que não apenas constate características de ausências, mas que,
sobretudo, apresente possibilidades de o aluno interagir na escola e avançar em
termos de conhecimentos.
Esclarecemos que as informações dispostas no Quadro 1, a seguir, são decor-
rentes de constatações que os pesquisadores obtiveram na observação quando do
atendimento educacional especializado (AEE) realizado na escola municipal pes-
quisada. As transposições dessas constatações são decorrentes da observação e,
também, de diagnoses de exames clínicos complementares – laudos das deficiên-
cias – vistos nos arquivos da sala de recursos.
Quadro 1 – Constatações dos quatro participantes da pesquisa
Aspectos Leo (PC) Alex (MDVI) Ana (DI) Lia (S)
Fala
Oraliza poucas pa-
lavras, de forma in-
compreensível para o
interlocutor.
Não tem problemas
de oralização.
Oraliza poucas pala-
vras, de forma incom-
preensível para o inter-
locutor.
Utiliza a Libras.
Oraliza de forma incom-
preensível para o inter-
locutor.
Visão
Não tem problemas
relacionados à visão.
Apresenta proble-
mas relacionados à
visão.
Não tem problemas re-
lacionados à visão.
Não tem problemas re-
lacionados à visão.
Audição
Não tem limitações
auditivas.
Não tem limitações
auditivas.
Não tem limitações au-
ditivas.
É surda profunda
(conforme laudo médi-
co).
Tato
Apresenta problemas
de coordenação mo-
tora.
Apresenta proble-
mas de coordenação
motora.
Usa o apontar. Identifica
partes do corpo.
Tem coordenação mo-
tora fina com a mão es-
querda.
Escrita
Não consegue es-
crever com firmeza e
autonomia, devido as
suas condições físicas
decorrentes da parali-
sia cerebral.
Não consegue es-
crever com firmeza e
autonomia. Escreve
lentamente. Conhe-
ce as letras: A, B, C,
D, I, J, M, O, T, U, X.
Não escreve alfabetica-
mente. Consegue iden-
tificar figuras. Em ativi-
dade de escrita e leitura,
apresenta pouca concen-
tração.
Copia com pouca auto-
nomia. Fica muito pró-
xima do papel, fica cur-
vada sobre a mesa para
escrever. Somente co-
pia os assuntos do qua-
dro ou de outras fontes.
Movimento
Não consegue se mo-
vimentar sozinho. Uti-
liza cadeira de rodas.
Movimenta o lado
esquerdo. Não movi-
menta a sua cadeira
de rodas com auto-
nomia.
Não tem dificuldade de
andar. Gosta de correr.
Corre pela escola.
Não apresenta movimen-
tos involuntários.
Cognição
Não parece ter com-
prometimento cogni-
tivo.
Não parece ter com-
prometimento cogni-
tivo.
Apresenta pouca con-
centração nas ativida-
des.
Não parece ter compro-
metimento cognitivo.
Fonte: elaboração dos autores, 2018.
José Anchieta de Oliveira Bentes, Rita de Nazareth Souza Bentes, Huber Kline Guedes Lobato
568
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 555-579, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
O objetivo do Quadro 1 é estabelecer uma avaliação diagnóstica para orientar
a ação dos pesquisadores em diversas modalidades de linguagens. Como se obser-
va, alguns aspectos indicam as capacidades e potencialidades atuais das pessoas
com deficiência, ou seja, seus pontos fortes. A partir desses aspectos, devem ser
implementados os planejamentos de ensino individualizados e coletivos, para fa-
vorecer um aprendizado significativo a estas pessoas na escola. Destacamos que os
planejamentos coletivos devem se dar em função de elas estarem inseridas em sala
de aula, junto com outros alunos da escola.
O Quadro 2 resume as sugestões de ações de múltiplas linguagens que o pro-
fessor pode realizar para desenvolver as capacidades e potencialidades nos estu-
dantes.
Quadro 2 – Possibilidades de linguagens dos quatro participantes da pesquisa
Aspectos Leo (PC) Alex (MDVI) Ana (DI) Lia (S)
Alfabético/
impresso
Escreve com letras bas-
tão.
Não é funcional, nem a
expressão nem a recep-
ção.
Não é funcional, nem
a expressão nem a
recepção.
Compara a Libras
com a língua portu-
guesa.
Áudio/oral
Embora apresente di-
ficuldade de ser com-
preendido, a expressão
ocorre pela oralidade.
A expressão ocorre pela
oralidade. Sua fala é in-
teligível.
A expressão ocorre
pela oralidade. Sua
fala é inteligível.
A audição e a ora-
lização, em decor-
rência da surdez,
não são funcionais.
Da dança/
do teatro
Ainda não experimen-
tou possibilidades de
expressão pela dança e
pelo teatro.
A expressão e a recepção
ocorrem pelos gestos,
podendo adaptar formas
de dança e teatro utilizan-
do a cadeira de rodas.
Trabalha com ativida-
des de tempo curto,
que sejam envolven-
tes, adaptando formas
de dança e de teatro.
A recepção é bem
compreendida quan
-
do ocorre dramatiza-
ção.
Visual
Uso de pranchas co-
municativas ou fixação
do papel na mesa, para
evitar que se movimente
(carteira adaptada).
Uso de pranchas comu-
nicativas ampliadas (fon-
te 38).
Uso de pranchas co-
municativas.
Conversa por meio
de instruções e do
uso de gravuras.
Uso da Libras e uso
de imagens.
Gestual/
em sinais
Não faz gestos com a
mão. Utiliza-se de ex-
pressões faciais.
A expressão ocorre pe-
las expressões faciais/
corporais e pelos gestos
de cabeça e de mãos.
A expressão ocorre
pelo apontamento e
por gestos corporais.
A expressão é pela
Libras.
Fonte: elaboração dos autores, 2018.
Com base nos elementos dispostos no Quadro 2, pontuamos que “[...] todas
as pessoas se comunicam, ainda que em diferentes níveis de simbolização e com
formas de comunicação diversas” (BOSCO; MESQUITA; MAIA, 2010, p. 11). Esse
pressuposto nos direciona imediatamente para as múltiplas linguagens das pes-
soas com deficiência, considerando que, por mais acentuada que a deficiência possa
Proposta de avaliação de pessoas com deciência na escola: reexões acerca das múltiplas linguagens
569
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 555-579, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
ser, sempre há possibilidade de estabelecer uma interação: os comportamentos da
pessoa estabelecem comunicação, seja receptiva ou expressiva.
A atuação do professor junto a pessoas com deficiência na escola implica a
utilização de variadas formas de linguagens, o que recebe o nome de atividades pe-
dagógicas de múltiplas linguagens, implicando o uso de textos com várias semioses
e a utilização dos diversos sentidos e habilidades: o tato, a visão, a audição, a fala
(oral ou em sinais), o movimento e a cognição.
De fato, “[...] um profundo conhecimento do aluno, do seu contexto familiar e
social e das tarefas a serem realizadas na escola e fora dela possibilitará a tomada
de decisões sobre qual recurso de comunicação será necessário para aquele aluno,
naquele momento” (SARTORETTO; BERSCH, 2010, p. 50).
Os recursos de comunicação são variados, a depender das habilidades senso-
riais que estão preservadas no sujeito. A função do professor de sala de aula comum
é planejar o que vai ser feito em classe: estabelecer os objetos de ensino e utilizar
instrumentos para ensinar esses objetos. Ao professor de sala de recursos, que
atua no AEE, cabe o papel de construir recursos que favoreçam a participação das
pessoas com deficiência em sala de aula comum, sugerindo um trabalho dinâmico
com as múltiplas linguagens: alfabético/impresso; áudio/oral; da dança/do teatro;
visual e gestual/em sinais.
Em relação aos aspectos alfabético e impresso:
Os avanços tecnológicos reorientam a leitura na escola para outros textos e imagens. O ato
de ler se transforma historicamente. Não mais apenas a leitura obrigatória dos densos com-
pêndios clássicos das ciências ou dos herméticos textos cheios de erudição, alguns incom-
preensíveis para os seus jovens leitores. Textos curtos, cartazes, intercalados com imagens,
desenhos, filmes, literatura e conversas fazem a intermediação entre os textos clássicos e
os hipertextos digitais. A escola precisa investir na formação de leitores por diversos cami-
nhos e linguagens. Precisa também ampliar suas concepções de linguagem, de leitura e de
escrita para incorporar as mediações textuais feitas a partir do uso das tecnologias digitais
(KENSKI, 2000, p. 132-133).
Trazemos para o debate a relevância dos hipertextos digitais, pois são facili-
tadores da aprendizagem, capazes de promover oportunidades para o crescimento
intelectual. Cabe à escola e ao professor ampliar suas concepções de leitura e de
escrita, para incorporar outras atividades textuais feitas a partir do uso das tecno-
logias digitais. Assim, as pessoas com deficiência na escola terão a possibilidade de
escolher diferentes direções a partir da dinamicidade de textos presentes em seu
universo educacional.
Em relação aos aspectos áudio e oral:
José Anchieta de Oliveira Bentes, Rita de Nazareth Souza Bentes, Huber Kline Guedes Lobato
570
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 555-579, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Existe nas escolas uma multiplicidade de vozes, de corpos e movimentos. Movimentos e
corpos que se apresentam de forma diferenciada das posturas de professores e alunos. Sem
precisar dizer, é possível saber pela “fala” do corpo a identidade de seu dono e a sua posi-
ção no contexto educativo: os que “ensinam” e os que “aprendem”. Estes últimos, crianças
e jovens em geral, possuem hábitos, atitudes e comportamentos que revelam uma nova
cultura, em muitos casos ignorada (em alguns casos, rejeitada) pela escola (KENSKI, 2000,
p. 126).
As pessoas com deficiência manifestam seus hábitos, atitudes e comportamen-
tos por meio do movimento de seus corpos e das suas expressões faciais. Por isso,
é imprescindível que a escola trabalhe, também, com a “fala” do corpo de seus
alunos, em especial das pessoas com deficiência. Para as pessoas que conseguem
realizar atividades relacionadas aos aspectos áudio/oral, torna-se relevante opor-
tunizar o uso de estratégias e recursos de aprendizagem para o desenvolvimento
das habilidades de compreensão e produção dessa linguagem.
Sobre os aspectos da dança e do teatro, Kenski (2000, p. 126) evidencia que
“[...] os jovens manifestam suas diferenças nas roupas e nas formas como ‘decoram’
seus corpos: piercings e tatuagens, entre eles”. Nesse sentido, a dança e o teatro,
também, precisam acompanhar as especificidades dos jovens, pois são práticas
educativas eficientes e que, por isso, devem estar presentes no processo educativo
das pessoas com deficiência na escola.
A dança e o teatro oportunizam às pessoas com deficiência na escola a utiliza-
ção de diferentes formas de linguagens presentes em nossa sociedade, tais como:
a corporal, a visual, a verbal/sinalizada, a plástica, a escrita, entre outras. Isso
contribui para o enriquecimento do aprendizado e possibilita o desenvolvimento
da identidade e da autonomia das pessoas com deficiência. Por meio da dança e do
teatro:
A linguagem dos corpos nas escolas, no entanto, se modifica a partir da proposta da música
e da dança, linguagens não habituais no contexto escolar. Os corpos ‘dóceis’ se agitam e
se movimentam em coreografias criativas. Dá-se o surgimento natural de lideranças, a
‘performance’ em equipes. Do movimento isolado e discreto de alguns ao livre envolvimento
e fluidez grupal surgem novas formas de diálogo e ação escolar em que estão presentes a
interação, a criatividade e o entusiasmo para o aprender. Momentos que originam, para os
professores, oportunidades novas de estar com os alunos e de ouvir suas ‘vozes’. Observar
seus comportamentos. Descobrir aspectos capazes de estabelecer – em outros momentos
criativos de ensino – as pontes e diálogos que garantam aproximação entre as culturas dos
jovens e a da escola. Entre o conhecimento racional e contemplativo e a ação, a percepção
e a emoção. Condições indispensáveis para se propor o ensinar para e em uma nova era
(KENSKI, 2000, p. 127).
Proposta de avaliação de pessoas com deciência na escola: reexões acerca das múltiplas linguagens
571
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 555-579, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
É sob essa perspectiva que defendemos a presença da dança e do teatro na
escola, ou seja, esta linguagem precisa ser trabalhada com o objetivo de proporcio-
nar performances em equipes, movimentos grupais, diálogo e interação, bem como
aproximação entre as culturas de pessoas com e sem deficiência. Somos a favor de
uma dança e de um teatro que permitam o encontro com o outro ou outros e possi-
bilitem a construção da identidade e da autonomia.
Sobre os aspectos visual e gestual/em sinais, Kenski (2000, p. 138) menciona
que:
O ambiente da sala de aula, seus espaços e apetrechos também comunicam ações e inten-
ções. Quando a aula termina, os alunos continuam próximos. Nos intervalos entre as aulas
fortalecem-se as amizades, programam-se atividades sociais, desenvolvem-se afetos e cum-
plicidades. A coesão social – indispensável para a ação e formação do cidadão – nasce nas
inter-relações pessoais que ocorrem nos intervalos, nos momentos de encontro presenciais
e comunicativos fora das salas, mas dentro do espaço das escolas.
As pessoas com deficiência na escola e no ambiente da sala de aula comunicam
ações e intenções, também, por meio de seus gestos, de seus sinais, de seus olhos e
suas expressões faciais. É mister a escola e os professores utilizarem estratégias de
ensino e recursos didático-pedagógicos que explorem os aspectos visual e gestual/
em sinais, sendo essencial para que a aprendizagem das pessoas com deficiência na
escola ocorra de maneira positiva e a partir de suas experiências visuais.
Com base no que delineamos acerca dos aspectos alfabético/impresso, áudio/
oral, da dança/do teatro, visual e gestual/em sinais, destacamos a necessidade de a
avaliação de pessoas com deficiência na escola considerar as múltiplas linguagens.
Com isso, a escola e os professores estarão cumprindo funções pedagógicas, didáti-
cas e diagnósticas, as quais recorrem a instrumentos de verificação do rendimento
escolar de pessoas com deficiência.
Ao considerar as múltiplas linguagens, a avaliação refletirá de forma qualita-
tiva no trabalho escolar, do aluno e do professor, proporcionando mudanças na vida
escolar das pessoas com deficiência. Assim, torna-se relevante mencionarmos que,
antes de a avaliação ser efetivada, é necessário que seja realizado o planejamento
das atividades a serem desenvolvidas com as pessoas com deficiência na escola.
Então, quem planeja é o professor. Quem sugere formas de mudanças para
que as pessoas com deficiência participem das atividades é o professor especiali-
zado da sala de recursos. Esse professor mobiliza meios e modos que favoreçam a
participação das pessoas com deficiência nas atividades escolares.
José Anchieta de Oliveira Bentes, Rita de Nazareth Souza Bentes, Huber Kline Guedes Lobato
572
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 555-579, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Há uma diferença entre a atuação do professor da sala comum e a do professor do AEE.
Enquanto o primeiro ocupa-se do ensino dos conhecimentos acadêmicos, o segundo identi-
fica as possíveis barreiras impostas pela deficiência e pelo meio e disponibiliza recursos e
estratégias para que este aluno consiga participar, por meio da ampliação de sua comuni-
cação e intervenção no meio, dos vários desafios à aprendizagem na escola (SARTORETTO;
BERSCH, 2010, p. 55).
As orientações didáticas gerais podem ser resumidas nos seguintes itens:
a) descrever oralmente as imagens, os vídeos, os diagramas para pessoas com
baixa visão, cegas e com dificuldades de compreensão de imagens;
b) traduzir o texto para Libras, quando alunos surdos estiverem participando
das atividades;
c) proporcionar momentos de interação a partir da dramatização em sala de
aula;
d) fornecer imagens e traduzir todo o texto para vídeos, que podem ser vistos
por pessoas com deficiência intelectual;
e) gravar textos escritos em áudio, construindo audiolivros;
f) gravar falas que possam ser acionadas por pessoas sem oralidade, mas que
escutam;
g) produzir imagens da comunicação alternativa;
h) promover o acesso à leitura e à produção de textos escritos ou visuais, utili-
zando o computador;
i) produzir animações e vídeos para a compreensão das informações;
j) fazer com que as pessoas com deficiência na escola contem e recontem nar-
rativas de seu cotidiano;
k) incentivar a leitura e a escrita das pessoas com deficiência na escola a partir
das narrativas de seu cotidiano;
l) realizar um trabalho com as pessoas com deficiência na escola a partir dos
diversos gêneros textuais em sala de aula.
Essas orientações didáticas poderão proporcionar ao professor e às pessoas
com deficiência na escola momentos avaliativos mais dinâmicos, a partir de varia-
das formas de linguagens ou atividades pedagógicas de múltiplas linguagens. Com
isso, inferimos que a avaliação das pessoas com deficiência na escola assumirá um
caráter de respeito às múltiplas linguagens destas pessoas.
Proposta de avaliação de pessoas com deciência na escola: reexões acerca das múltiplas linguagens
573
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 555-579, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
O trabalho que considere as múltiplas linguagens das pessoas com deficiência,
além de elaborar ricos e diversificados ambientes com materiais diversos, propor-
ciona possibilidades variadas de aprendizagens, por meio de: gesto, sinal, desenho,
gravura, dança, teatro, uso do computador, cinema, dança, exposições, literatura,
música, textos diversos, entre outras possibilidades. Com isso, as pessoas com de-
ficiência na escola poderão ampliar o direito às manifestações artísticas e culturais
para além do contexto escolar.
Considerações nais
O debate acerca das múltiplas linguagens é fundamental para enriquecer a
discussão sobre a avaliação de pessoas com deficiência na escola. Isso porque se
considera que a escola não é mero lugar de sociabilização dessas pessoas, mas o
lugar em que vão desenvolver capacidades de expressão, de negociação, de críticas,
de lutas e conquistas por melhores condições de vida acadêmica e profissional, o
que pode ocorrer por meio de variadas formas de linguagem.
Se a pessoa com deficiência na escola não escreve, ela pode ser capaz de se
expressar por meio de desenhos, Libras ou gravuras de uma comunicação alter-
nativa, ou ainda por gestos ou por um sistema computacional que favoreça sua
comunicação. Todas essas formas precisam ser reconhecidas pela sociedade e pelas
instituições educativas como possibilidades de estabelecer interação, de construir
sentidos nos seus textos conforme suas diferenças.
Tal ideia também se aproxima das discussões sobre as diferenças culturais
ou a diversidade de identidades, ampliando a discussão em torno de gênero, etnia,
orientação sexual para outros marcadores, como os da deficiência. Não se trata
apenas de um pluralismo simplista e passageiro, que vê a diferença como exótica e
imutável. A diferença passa a ser a questão principal a ser debatida, e as pessoas
com deficiência assumem o centro, demonstrando que podem ser quebrados parâ-
metros comparativos com corpos ideais, com capacidades ideais e valorizadas.
Nesta visão, não deveria haver um padrão de pessoa, um ideal de língua, uma
cultura ou identidade valorizada como universal. A pluralidade de discursos de opo
-
sição é mais produtiva. Conforme nossas constatações, a pedagogia que estamos no-
meando como das múltiplas linguagens pode atender a diversas deficiências – como
os sujeitos com paralisia cerebral, com múltiplas deficiências, com deficiência inte
-
lectual e com surdez –, o que pode ser um contraponto às ideologias sobre o corpo per-
feito e os padrões de língua única centrada apenas em uma abordagem monolíngue.
José Anchieta de Oliveira Bentes, Rita de Nazareth Souza Bentes, Huber Kline Guedes Lobato
574
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 555-579, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Com efeito, os quadros apresentados neste artigo são elementos discursivos e
materiais importantíssimos, que revelam ao professor o modo como as pessoas com
deficiência na escola se manifestam nas suas formas singulares de linguagem e os
comportamentos modificados nesse processo de aprendizagem. Esses quadros de
avaliação permitem, ainda, ao professor, por meio desses critérios de caráter dis-
normalizador, visualizar um perfil inicial de cada aluno. Além disso, as atividades
propostas são refutadas ou aceitas, permitindo ao professor elencar um conjunto de
atividades de natureza diversa, adaptável às condições de pessoas com deficiência,
as quais são mais propícias ao processo de ensino e aprendizagem.
A avaliação de pessoas com deficiência na escola vem sendo encarada e per-
cebida por muitos professores, em especial aqueles de turmas inclusivas, como um
processo complexo, devido às particularidades e às necessidades de cada pessoa
com deficiência, bem como ao seu desenvolvimento diferenciado, que, muitas vezes,
é visto como um desenvolvimento que vai na contramão dos alunos que se destacam
em sala de aula. Contudo, pensamos que os professores possuem um relevante pa-
pel a desempenhar no momento da avaliação de pessoas com deficiência na escola,
pois o processo avaliativo dessas pessoas servirá para que os professores possam
definir outras estratégias de ensino e outros recursos didáticos e pedagógicos que
venham instigar as capacidades e potencialidades das pessoas com deficiência na
escola.
Nota
1 Neste estudo, utilizamos o termo “pessoa(s) com deficiência”, conforme a Lei nº 13.146/2015, que, em seu
art. 2º, define que a pessoa com deficiência é aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial e que, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua partici-
pação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2015).
2
Em relação ao termo “linguagem gestual/em sinais”, pontuamos que as línguas de sinais, incluindo a
Língua Brasileira de Sinais (Libras), são definidas como línguas com estrutura gramatical própria, seme-
lhantes às línguas orais, embora a comunicação, receptiva ou expressiva, dos seus usuários seja realizada
por meio dos gestos e dos sinais (GESSER, 2009).
3
Destacamos que o uso da língua de sinais dá-se pela comunidade surda, por pessoas surdocegas, por
instrutores de Libras e por grupos de ouvintes, como os intérpretes de Libras/Português, por professores
bilíngues de ensino básico e superior e por familiares de surdos.
4 A cidade de Belém, no Pará, é dividida em distritos administrativos e não em zonas, como outras capitais
brasileiras. No caso, a escola pesquisada faz parte do chamado Distrito Administrativo de Belém (DA-
BEL), que abrange os bairros de Batista Campos, Campina, Cidade Velha, Fátima, Nazaré, Reduto, São
Brás, Umarizal e Marco, conforme a Lei nº 7.682, de 05 de janeiro de 1994 (BELÉM, 1994).
5
Optamos em utilizar a denominação (participante “com surdez”), para que concorde com o elemento cen-
tral deste estudo, que são as “pessoas com deficiência”, pois todos os participantes são definidos com uso
da preposição “com” seguida da deficiência do referido participante. Pontuamos que há uma série de dis-
cussões em torno do termo “pessoa surda”, inclusive o termo “Surdo(a)” ou “Surdos(as)”, para alguns pes-
Proposta de avaliação de pessoas com deciência na escola: reexões acerca das múltiplas linguagens
575
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 555-579, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
quisadores, deve ser escrito com inicial maiúscula, pois marca uma concepção política de surdez, vista
para além do fator biológico ou clínico-terapêutico (DORZIAT, 2009). Há discussões em torno da definição
estabelecida pelo Decreto nº 5.626/2005, que considera a pessoa surda aquela que interage no mundo por
meio da Libras, e pessoa com deficiência auditiva (ou pessoa com surdez) aquela que tem perda da audição,
mas que não interage no mundo por meio da Libras. Há pesquisadores que mencionam que o termo “pessoa
com surdez”, refere-se aos aspectos clínico-terapêuticos relacionados à perda auditiva e à deficiência (FER-
NANDES, 2011). Destacamos que a participante Lia é uma pessoa que utiliza a Libras para se comunicar
na escola.
6
É importante destacar que, no município de Belém, o ensino fundamental é organizado em Ciclos I, II, III
e IV. O Ciclo I tem duração de três anos, o que equivale às turmas de 1º, 2º e 3º anos; Ciclo II – 4º e 5º anos;
Ciclo III – 6º e 7º anos; e Ciclo IV – 8º e 9º anos.
Referências
AMERICAN ASSOCIATION ON INTELLECTUAL AND DEVELOPMENTAL DISABILITIES.
Definition of Intellectual Disability. 2018. Disponível em: <http://aaidd.org/intellectual-disabili-
ty/definition#.Wq0M4KjwbIU>. Acesso em: 17 mar. 2018.
BADAWI, N. et al. What constitutes cerebral palsy? Developmental Medicine & Child Neurology,
Bruxelas, v. 40, n. 8, p. 520-527, Aug. 1998. Disponível em: <https://onlinelibrary.wiley.com/doi/
epdf/10.1111/j.1469-8749.1998.tb15410.x>. Acesso em: 17 mar. 2018.
BELÉM. Lei nº 7.682, de 05 de janeiro de 1994. Dispõe sobre a regionalização administrativa do
município de Belém, delimitando os respectivos espaços territoriais dos distritos administrativos
e dá outras providências. Belém, 1994. Disponível em: <https://cm-belem.jusbrasil.com.br/legis-
lacao/583592/lei-7682-94>. Acesso em: 24 mar. 2018.
BENTES, A. C. Linguagem oral no espaço escolar: rediscutindo o lugar das práticas e dos
gêneros orais na escola. In: RANGEL, E. O.; ROJO, R. H. R. (Coord.). Língua Portugue-
sa: ensino fundamental. Brasília, DF: Ministério da Educação; Secretaria de Educação Bá-
sica, 2010. p. 129-154. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
docman&view=download&alias=7840-2011-lingua-portuguesa-capa-pdf&category_slug=abril-
2011-pdf&Itemid=30192>. Acesso em: 17 mar. 2018.
BOSCO, I. C. M. G.; MESQUITA, S. R. S. H.; MAIA, S. R. A educação especial na perspectiva
da inclusão escolar: surdocegueira e deficiência múltipla. Brasília, DF: Ministério da Educação;
Secretaria de Educação Especial; Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2010.
BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Li-
bras e dá outras providências. Brasília, DF, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Leis/2002/L10436.htm>. Acesso em: 17 mar. 2018.
______. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril
de 2002 e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Brasília, DF, 2005. Disponível
em: <https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/96150/decreto-5626-05>. Acesso em: 17
mar. 2018.
______. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Brasília, DF, 2015. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm>. Acesso em: 17 mar. 2018.
José Anchieta de Oliveira Bentes, Rita de Nazareth Souza Bentes, Huber Kline Guedes Lobato
576
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 555-579, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
DORZIAT, A. O outro da educação: pensando a surdez com base nos temas identidade/diferença,
currículo e inclusão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
FERNANDES, S. Educação de surdos. 2. ed. atual. Curitiba: Ibpex, 2011.
GESSER, A. Libras? Que língua é essa? Crenças e preconceitos em torno da língua de sinais e da
realidade surda. São Paulo: Parábola, 2009.
HAMILTON, M. Sustainable literacies and the ecology of lifelong learning. In: HARRISON,
R. R. F.; HANSON, A.; CLARKE, J. (Org.). Supporting lifelong learning. V. 1: Perspectives on
learning. London: Routledge; Open University Press, 2002. p. 176-187.
KENSKI, V. M. Múltiplas linguagens na escola. In: CANDAU, V. M. (Org.). Linguagens, espaços
e tempos no ensinar e aprender. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. p. 123-140.
LIBNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.
MAIA, S. R.; GIACOMINI, L.; ARÁOZ, S. M. M. Desenvolvimento da aprendizagem em crianças
com deficiência múltipla sensorial. In: COSTA, M. P. R. (Org.). Múltipla deficiência: pesquisa &
intervenção. São Carlos, SP: Pedro & João Editores, 2008. p. 49-64.
MELO, A. M.; PUPO, D. T. A educação especial na perspectiva da inclusão escolar: livro acessível
e informática acessível. Brasília, DF: Ministério da Educação; Secretaria de Educação Especial,
2010.
MINAYO, M. C. de S. Trabalho de campo: contexto de observação, interação e descoberta. In:
______. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 34. ed. Petrópolis: Vozes, 2015.
p. 61-77.
MOITA-LOPES, L. P.; ROJO, R. H. R. Linguagens, códigos e suas tecnologias. In: BRASIL.
Ministério da Educação. Orientações Curriculares de Ensino Médio. Brasília, DF: MEC/SEB/
DPEM, 2004. p. 14-56.
QUADROS, R.; CRUZ, C. Línguas de sinais: instrumentos de avaliação. Porto Alegre: Artmed,
2011.
ROJO, R. H. R. Fazer linguística aplicada em perspectiva sócio-histórica: privação sofrida e leve-
za do pensamento. In: MOITA-LOPES, L. P. (Org.). Por uma linguística aplicada indisciplinar.
São Paulo: Parábola, 2006. p. 253-276.
ROJO, R. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola, 2009.
ROPOLI, E. A. et al. A educação especial na perspectiva da inclusão escolar: a escola comum
inclusiva. Brasília, DF: Ministério da Educação; Secretaria de Educação Especial, 2010.
SANT’ANNA, I. M. Por que avaliar? Como avaliar? Critérios e instrumentos. 3. ed. Petrópolis:
Vozes, 1995.
SARTORETTO, M.; BERSCH, R. de C. R. A educação especial na perspectiva da inclusão escolar:
recursos pedagógicos acessíveis e comunicação aumentativa e alternativa. Brasília, DF: Ministé-
rio da Educação; Secretaria de Educação Especial, 2010.
Diálogo com educadores
577
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 318-322, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Reexões sobre a relação de crianças surdas com um recurso digital para a
apropriação de língua portuguesa escrita em ambiente escolar
Reections on the relationship of deaf children with a digital resource for the appropriation
of Portuguese written in a school environment
Heloísa Andreia de Matos Lins
*
Janaina Cabello
**
Resumo
A partir de pesquisa anterior sobre a criação de um recurso digital para ensino-aprendizagem de língua portu-
guesa escrita como segunda língua (L2), o presente artigo busca evidenciar a importância de considerarmos as
percepções das crianças (particularmente as surdas, neste caso) para a elaboração conjunta desses materiais.
São apresentados alguns registros das interações, em sala de aula, de um grupo de crianças surdas – meninas
entre 7 e 11 anos de idade – com o artefato digital desenvolvido, em que se destacam as formas de audiência
infantil na relação com o docente surdo e a mídia em questão. Tendo como aportes teóricos a Pedagogia da
Infância e os estudos no campo da Filosoa da Diferença, conclui-se que o espaço escolar tem se congurado
como local em que tanto o desenvolvimento de recursos didáticos na educação bilíngue de crianças surdas
como as práticas pedagógicas nesse sentido são ainda amplamente controlados pelos adultos. Nesse sentido,
considera-se a necessidade de tensionar práticas tradicionais de ensino de língua portuguesa como L2 para
crianças surdas, uma vez que há possibilidades para fazeres pedagógicos menos normativos na educação bilín-
gue, a partir do envolvimento das crianças neste processo e de um outro olhar dos pesquisadores e produtores
de recursos midiático-tecnológicos nesse ínterim.
Palavras-chave: Infância. Língua portuguesa como L2. Surdez. Tecnologias.
*
Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. Professora do Programa
de Pós-Graduação na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas – Linhas Linguagem e Arte em
Educação e Educação e Ciências Sociais, Brasil. E-mail: hmlins@unicamp.br
**
Mestra e doutoranda em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, na linha de
pesquisa Linguagem e Arte em Educação. Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São
Carlos, Brasil. E-mail: janainacabello@ufscar.br
Recebido em 07/08/2018 – Aprovado em 31/01/2019
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v26i2.8473
Ives Solano Araujo
578
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 318-322, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Abstract
Based on a previous research on the creation of a digital resource for teaching and learning Portuguese as L2,
the present article seeks to highlight the importance of considering childrens perceptions (particularly the deaf
ones, in this case) for the joint elaboration of these materials. Some records of the classroom interactions of a
group of deaf children – girls between 7 and 11 years of age – are presented with the digital artifact developed,
highlighting the forms of childrens agency in the relationship with the teacher deaf and the media in ques-
tion. Having as theoretical contributions the Pedagogy of Childhood and studies in the eld of Philosophy of
Dierence, it is concluded that the school space has been congured as a place where both the development
of didactic resources in the bilingual education of deaf children, such as pedagogical practices in this sense, are
still largely controlled by adults. In this sense, it is considered the need to stress traditional Portuguese language
teaching practices as L2 for deaf children, since there are possibilities for less normative pedagogical activities in
bilingual education, from the involvement of children in this process and from another researchers and produc-
ers of media-technological resources in the meantime.
Keywords: Childhood. Portuguese Language as L2. Deafness. Technologies.
Um contexto sobre a criação de um recurso digital para ensino-aprendizagem de
crianças surdas e a interlocução com os estudos da infância
No ano de 2011, houve a criação do Grupo de Estudos Surdos e Novas Tecno-
logias (Gestec),
1
vinculado ao grupo de pesquisa ALLE (Alfabetização, Leitura e
Escrita), da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, em
que os processos de alfabetização e letramento (também digitais) na surdez eram
temas centrais na discussão de alguns pesquisadores, professores, estudantes de
pós-graduação, graduação e outros interessados na temática. A partir disso, algu-
mas pesquisas se voltaram para o desenvolvimento de atividades para um possível
aprimoramento das práticas pedagógicas nas escolas de educação básica, tendo
como cenário a perspectiva bilíngue na educação de surdos, que tem como pressu-
posto “[...] que o surdo [...] deve adquirir como língua materna a língua de sinais,
considerada a língua natural dos surdos e, como segunda língua, a língua oficial de
seu país” (GOLDFELD, 2001, p. 42).
Algumas dessas atividades desenvolvidas foram concebidas como artefatos di-
gitais, ou seja, recursos criados com o objetivo de serem materiais didático-pedagó-
gicos desenvolvidos em suportes digitais e que abarcam possibilidades de contem-
plar diferentes linguagens (ou semioses) em seu desenvolvimento, além da escrita,
tais como imagens, vídeos, cores, áudio, por exemplo. Nas palavras de Rojo (2012,
p. 19), recursos que “[...] impregnam e fazem significar os textos contemporâneos –
quase tanto ou mais que os escritos em letra”.
Diálogo com educadores
579
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 318-322, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Portanto, através da utilização de recursos digitais e do uso das novas mídias
e tecnologias disponíveis livremente, o Gestec procurava elaborar artefatos digitais
para facilitar processos de alfabetização e letramento de crianças surdas, princi-
palmente, e também ouvintes, em início do processo de escolarização, garantindo,
para tal, “[...] a presença do ‘tripé’ Língua Portuguesa em sua modalidade escrita,
Libras – a Língua Brasileira de Sinais – (sinais) e Imagem (referentes ao signifi-
cado das palavras/sinais)” (LINS, CABELLO, 2013, p. 86-87), na tentativa de pro-
mover às crianças surdas o acesso à Libras e à língua portuguesa escrita, de modo
que elas possam perceber a função social de cada uma, bem como suas diferenças.
A presença desta tríade de semioses (escrita – sinal em Libras – imagem) é
condição primordial em uma educação fundamentada nos pressupostos do bilin-
guismo para os surdos, uma vez que,
[...] se a escrita não repete a história da fala [para crianças surdas] e se é necessário que a
criança se desligue do aspecto sensorial dos sons da fala para a construção desse sistema, o
aluno surdo terá na língua de sinais a grande possibilidade para desempenhar essa tarefa
sem contar necessariamente com a intermediação da fala [oral] (GESUELI, 2003, p. 150).
Em se tratando das potencialidades trazidas pelas mídias digitais, principal-
mente recursos como imagens e vídeos, a língua de sinais pode ser aliada aos de-
mais recursos semióticos que privilegiam as potencialidades visuais na produção
de materiais bilíngues, como aponta Lebedeff (2014, p. 1074):
Para dar conta das especificidades da Libras, tais como os canais de produção e recepção
serem diferentes dos das línguas orais e o respeito pela característica visual da língua de
sinais, acredita-se que os vídeos são excelentes recursos didáticos, para serem utilizados
tanto na modalidade presencial como na modalidade a distância. Entretanto, apenas vídeos
de elementos lexicais, que reproduzem a experiência das antigas cartilhas impressas, as
quais apresentavam o desenho do sinal com seu significado, não possibilitariam a imersão
em práticas sociais de linguagem.
Atentando-nos a essa ressalva feita por Lebedeff, naquele período, observáva-
mos a expressiva falta desses recursos digitais que, de fato, priorizassem a Libras
e uma pedagogia bilíngue/bicultural e visual, que:
[...] deve basear-se numa ampla visão sócio-antropológica [sic] segundo a qual o surdo é um
indivíduo com características diferentes da maioria, [...] e que, historicamente, como tantas
outras minorias, tem sido impedido de exercer seus direitos sociais – principalmente o de
usar uma língua diferente e de ser educado na sua língua natural (SÁ, 1997, p. 17).
Reexões sobre a relação de crianças surdas com um recurso digital para a apropriação de língua portuguesa escrita em ambiente escolar
577
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 577-595, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Reexões sobre a relação de crianças surdas com um recurso digital para a
apropriação de língua portuguesa escrita em ambiente escolar
Reections on the relationship of deaf children with a digital resource for the appropriation
of Portuguese written in a school environment
Heloísa Andreia de Matos Lins
*
Janaina Cabello
**
Resumo
A partir de pesquisa anterior sobre a criação de um recurso digital para ensino-aprendizagem de língua portu-
guesa escrita como segunda língua (L2), o presente artigo busca evidenciar a importância de considerarmos as
percepções das crianças (particularmente as surdas, neste caso) para a elaboração conjunta desses materiais.
São apresentados alguns registros das interações, em sala de aula, de um grupo de crianças surdas – meninas
entre 7 e 11 anos de idade – com o artefato digital desenvolvido, em que se destacam as formas de audiência
infantil na relação com o docente surdo e a mídia em questão. Tendo como aportes teóricos a Pedagogia da
Infância e os estudos no campo da Filosoa da Diferença, conclui-se que o espaço escolar tem se congurado
como local em que tanto o desenvolvimento de recursos didáticos na educação bilíngue de crianças surdas
como as práticas pedagógicas nesse sentido são ainda amplamente controlados pelos adultos. Nesse sentido,
considera-se a necessidade de tensionar práticas tradicionais de ensino de língua portuguesa como L2 para
crianças surdas, uma vez que há possibilidades para fazeres pedagógicos menos normativos na educação bilín-
gue, a partir do envolvimento das crianças neste processo e de um outro olhar dos pesquisadores e produtores
de recursos midiático-tecnológicos nesse ínterim.
Palavras-chave: Infância. Língua portuguesa como L2. Surdez. Tecnologias.
*
Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. Professora do Programa
de Pós-Graduação na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas – Linhas Linguagem e Arte em
Educação e Educação e Ciências Sociais, Brasil. E-mail: hmlins@unicamp.br
**
Mestra e doutoranda em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, na linha de
pesquisa Linguagem e Arte em Educação. Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São
Carlos, Brasil. E-mail: janainacabello@ufscar.br
Recebido em 07/08/2018 – Aprovado em 31/01/2019
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v26i2.8473
Heloísa Andreia de Matos Lins, Janaina Cabello
578
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 577-595, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Abstract
Based on a previous research on the creation of a digital resource for teaching and learning Portuguese as L2,
the present article seeks to highlight the importance of considering childrens perceptions (particularly the deaf
ones, in this case) for the joint elaboration of these materials. Some records of the classroom interactions of a
group of deaf children – girls between 7 and 11 years of age – are presented with the digital artifact developed,
highlighting the forms of childrens agency in the relationship with the teacher deaf and the media in ques-
tion. Having as theoretical contributions the Pedagogy of Childhood and studies in the eld of Philosophy of
Dierence, it is concluded that the school space has been congured as a place where both the development
of didactic resources in the bilingual education of deaf children, such as pedagogical practices in this sense, are
still largely controlled by adults. In this sense, it is considered the need to stress traditional Portuguese language
teaching practices as L2 for deaf children, since there are possibilities for less normative pedagogical activities in
bilingual education, from the involvement of children in this process and from another researchers and produc-
ers of media-technological resources in the meantime.
Keywords: Childhood. Portuguese Language as L2. Deafness. Technologies.
Um contexto sobre a criação de um recurso digital para ensino-aprendizagem de
crianças surdas e a interlocução com os estudos da infância
No ano de 2011, houve a criação do Grupo de Estudos Surdos e Novas Tecno-
logias (Gestec),
1
vinculado ao grupo de pesquisa ALLE (Alfabetização, Leitura e
Escrita), da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, em
que os processos de alfabetização e letramento (também digitais) na surdez eram
temas centrais na discussão de alguns pesquisadores, professores, estudantes de
pós-graduação, graduação e outros interessados na temática. A partir disso, algu-
mas pesquisas se voltaram para o desenvolvimento de atividades para um possível
aprimoramento das práticas pedagógicas nas escolas de educação básica, tendo
como cenário a perspectiva bilíngue na educação de surdos, que tem como pressu-
posto “[...] que o surdo [...] deve adquirir como língua materna a língua de sinais,
considerada a língua natural dos surdos e, como segunda língua, a língua oficial de
seu país” (GOLDFELD, 2001, p. 42).
Algumas dessas atividades desenvolvidas foram concebidas como artefatos di-
gitais, ou seja, recursos criados com o objetivo de serem materiais didático-pedagó-
gicos desenvolvidos em suportes digitais e que abarcam possibilidades de contem-
plar diferentes linguagens (ou semioses) em seu desenvolvimento, além da escrita,
tais como imagens, vídeos, cores, áudio, por exemplo. Nas palavras de Rojo (2012,
p. 19), recursos que “[...] impregnam e fazem significar os textos contemporâneos –
quase tanto ou mais que os escritos em letra”.
Reexões sobre a relação de crianças surdas com um recurso digital para a apropriação de língua portuguesa escrita em ambiente escolar
579
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 577-595, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Portanto, através da utilização de recursos digitais e do uso das novas mídias
e tecnologias disponíveis livremente, o Gestec procurava elaborar artefatos digitais
para facilitar processos de alfabetização e letramento de crianças surdas, princi-
palmente, e também ouvintes, em início do processo de escolarização, garantindo,
para tal, “[...] a presença do ‘tripé’ Língua Portuguesa em sua modalidade escrita,
Libras – a Língua Brasileira de Sinais – (sinais) e Imagem (referentes ao signifi-
cado das palavras/sinais)” (LINS, CABELLO, 2013, p. 86-87), na tentativa de pro-
mover às crianças surdas o acesso à Libras e à língua portuguesa escrita, de modo
que elas possam perceber a função social de cada uma, bem como suas diferenças.
A presença desta tríade de semioses (escrita – sinal em Libras – imagem) é
condição primordial em uma educação fundamentada nos pressupostos do bilin-
guismo para os surdos, uma vez que,
[...] se a escrita não repete a história da fala [para crianças surdas] e se é necessário que a
criança se desligue do aspecto sensorial dos sons da fala para a construção desse sistema, o
aluno surdo terá na língua de sinais a grande possibilidade para desempenhar essa tarefa
sem contar necessariamente com a intermediação da fala [oral] (GESUELI, 2003, p. 150).
Em se tratando das potencialidades trazidas pelas mídias digitais, principal-
mente recursos como imagens e vídeos, a língua de sinais pode ser aliada aos de-
mais recursos semióticos que privilegiam as potencialidades visuais na produção
de materiais bilíngues, como aponta Lebedeff (2014, p. 1074):
Para dar conta das especificidades da Libras, tais como os canais de produção e recepção
serem diferentes dos das línguas orais e o respeito pela característica visual da língua de
sinais, acredita-se que os vídeos são excelentes recursos didáticos, para serem utilizados
tanto na modalidade presencial como na modalidade a distância. Entretanto, apenas vídeos
de elementos lexicais, que reproduzem a experiência das antigas cartilhas impressas, as
quais apresentavam o desenho do sinal com seu significado, não possibilitariam a imersão
em práticas sociais de linguagem.
Atentando-nos a essa ressalva feita por Lebedeff, naquele período, observáva-
mos a expressiva falta desses recursos digitais que, de fato, priorizassem a Libras
e uma pedagogia bilíngue/bicultural e visual, que:
[...] deve basear-se numa ampla visão sócio-antropológica [sic] segundo a qual o surdo é um
indivíduo com características diferentes da maioria, [...] e que, historicamente, como tantas
outras minorias, tem sido impedido de exercer seus direitos sociais – principalmente o de
usar uma língua diferente e de ser educado na sua língua natural (SÁ, 1997, p. 17).
Heloísa Andreia de Matos Lins, Janaina Cabello
580
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 577-595, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Ponderando que “[...] qualquer ação pedagógica [para o ensino de surdos] pre-
cisa considerar sua condição linguística e oferecer a Libras (Língua Brasileira de
Sinais) como forma de acesso” (LACERDA; ALBRES; DRAGO, 2013, p. 67), partía-
mos do pressuposto de que:
[...] os meios disponibilizados pelas novas tecnologias carregam consigo possibilidades im-
portantes de construção de ferramentas pedagógicas para o ensino da língua portuguesa,
em sua modalidade escrita, para crianças surdas, através, por exemplo, da criação de ob-
jetos de aprendizagem (OAs), “compreendidos como qualquer entidade digital (vídeo, sites,
softwares, simulações, aplicativos etc.) que possa ser usada e reutilizada com fins pedagó-
gicos” (ARAÚJO, 2011 apud LINS; CABELLO, 2013, p. 86).
Deste modo, para além das possibilidades ofertadas pelas tecnologias digitais,
cabe destacar também a importância do protagonismo surdo nessas práticas, para
que seja possível constituir um “currículo surdo”, como defendido também pela
pesquisadora surda Karin Strobel (2018, p. 92, grifos nossos
2
), quando afirma que
esses artefatos “[...] não devem ser considerados apenas como entretenimento, mas
sim um importante espaço educacional que faz formar a pedagogia surda e o cur-
rículo surdo e que colaboram na constituição de identidades culturais positivas de
sujeitos surdos”.
É nesse contexto que, no ano de 2013, uma pesquisa mais ampla, realizada por
Cabello (2015, p. 13), teve início, com o objetivo de realizar:
[...] uma análise contrastiva da criação e desenvolvimento de um Objeto de Aprendizagem
(OA) e dos usos e impressões de participantes Surdos (um professor e algumas crianças
em processo de alfabetização), a partir do contato com o artefato digital e das relações
estabelecidas no/pelo processo de ensino-aprendizagem de língua portuguesa escrita como
segunda língua.
3
O trabalho apresenta uma discussão mais adensada sobre as potencialidades
do desenvolvimento de recursos digitais como materiais de apoio aos professores
alfabetizadores de crianças surdas, em uma perspectiva bilíngue de educação de
surdos, que considera a Libras como primeira língua (L1), ou seja, como a forma
com a qual a criança se expressa em uma língua que “[...] possibilita ao sujeito
surdo reconhecer-se e projetar-se no mundo [narrando-se] pela linguagem e deter-
mina-se assim, a língua de sinais como parte subjetiva e constitutiva da criança
surda” (MARTINS; LACERDA, 2016, p. 168), como já apontado.
Naquele momento, questões relacionadas às consequências da leitura e da
escrita realizadas em suportes digitais também foram problematizadas, conside-
rando que as tecnologias digitais podem fazer com que a alfabetização se aproxime
Reexões sobre a relação de crianças surdas com um recurso digital para a apropriação de língua portuguesa escrita em ambiente escolar
581
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 577-595, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
também de um tipo de alfabetização audiovisual (FRADE, 2007), ou seja, percebe-
-se o surgimento de novas pedagogias, que podem se aproximar de diversos recur-
sos multimídias, apoiando de maneira contundente as crianças surdas quanto à
apropriação da escrita.
Daquele período para cá, portanto, enveredamo-nos como pesquisadores tam-
bém na questão das multissemioses/multimodalidades para o aprendizado da lín-
gua portuguesa escrita (CABELLO, 2015; LINS, 2017), uma vez que tais conceitos,
quando pensados na articulação com as tecnologias digitais, materializam-se nas
diferentes formas de linguagem – escrita, oral, visual, por exemplo – em interação.
De acordo com Rojo e Moura (2012, p. 19), portanto, entendemos que, diante dos
recursos digitais, são outras as habilidades para que possamos atribuir significa-
do aos textos multimodais e multissemióticos que circulam, sobretudo, na esfera
digital: “[...] textos compostos de muitas linguagens (ou modos, ou semioses) e que
exigem capacidades práticas de compreensão de produção de cada uma delas (mul-
tiletramentos) para fazer significar”.
Assim, para além de refletir sobre o protagonismo surdo em relação ao desen-
volvimento de artefatos digitais bilíngues, debruçamo-nos também sobre o prota-
gonismo infantil nesses processos, aprofundando as discussões em torno dos estu-
dos interdisciplinares da infância, especificamente sobre as relações de crianças e
adolescentes com as diferentes mídias que habitam suas experiências cotidianas.
Tal como propõe Buckingham (2007, 2008), nessa área de desenvolvimento
midiático endereçado ao público infanto-juvenil, é fundamental a escuta atenta
às perspectivas das crianças e dos jovens, bem como de sua participação ativa nos
processos de criação e também nas pesquisas, uma vez que há muitos elementos
completamente ignorados pelos adultos nesse âmbito.
No entanto, ainda que os adultos desconheçam muitos aspectos que poderiam
contribuir para a compreensão da forte relação entre crianças-jovens/mídias, é
importante considerar as questões geracionais (portanto, relações de poder-saber)
em jogo, tal como Sarmento (2005) nos chama a atenção, ao discutir o conceito de
administração simbólica da infância, que se refere aos “[...] modos paternalistas de
organização social e de regulação dos cotidianos, o desapossamento de modos de in-
tervenção e a desqualificação da voz das crianças na configuração dos seus mundos
de vida e a colonização adultocentrada dos modos de expressão e de pensamento
das crianças” (SARMENTO, 2005, p. 369-370), na direção do que Foucault tratou
sobre os processos de disciplinação da infância (FOUCAULT, 2000).
Heloísa Andreia de Matos Lins, Janaina Cabello
582
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 577-595, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Sarmento também destaca, nesses contextos, a ideia de negatividade consti-
tuinte da infância, instaurada na modernidade, ou seja, a norma da infância (que
vem sofrendo mudanças, certamente):
[...] a criança não trabalha, não tem acesso directo ao mercado, não se casa não vota nem é
eleita, não toma decisões relevantes, não é punível por crimes (é inimputável). Essa norma
assenta num conjunto estruturado de instituições, regras e prescrições que se encarre-
gam da “educação” da criança, especialmente a escola e a família (SARMENTO, 2006 apud
DELGADO; MULLER, 2006, p. 17-18, grifos nossos).
Assim, numa outra perspectiva, para a compreensão da participação dessas
crianças – tanto na pesquisa inicial, de Cabello (2015), como mais recentemen-
te, para refletir sobre a relação delas com a mídia produzida –, centramos nossas
concepções a partir das contribuições da chamada Pedagogia da Infância, que é
também compreendida
[...] a partir do reconhecimento do nascimento de uma área, ou subárea da Educação, que se
vinha preocupando com instâncias educativas específicas, diferentes e anteriores à escola,
mas não só. A acumulação destes estudos também apresentava uma marca peculiar, ao
tomar como objeto de preocupação a infância e os processos educativos voltados para ela, de
forma diferente daquelas tradicionalmente consolidadas nas teorias educacionais, ou seja,
contestando criticamente as Pedagogias da criança, cimentadas nas teorias educacionais
liberais do século XX (ROCHA; LESSA; BUSS-SIMAO, 2016, p. 34).
Nesse outro contexto, para a compreensão e o fortalecimento das agências
infantis (a positividade da infância, portanto), algumas áreas do conhecimento ti-
veram um papel preponderante, tal como a sociologia da infância, uma das áreas
constituintes da Pedagogia da Infância.
Assim, buscando aprofundar as discussões em torno dos estudos interdiscipli-
nares da infância, especificamente sobre as relações de crianças e adolescentes com
as diferentes mídias que habitam suas experiências cotidianas, e compreendendo
que as crianças constituem um importante grupo social como atores/(re)produtores
de saberes na sociedade de consumo globalizada, este trabalho também procura
refletir sobre a questão das diferenças nesses contextos, de maneira mais ampla,
assim como sobre as subjetividades infantis nesses processos (de crianças ouvintes
e surdas), em que a escola ocupa um lugar de destaque.
No entrelaçamento dos campos de estudo da pedagogia bilíngue, educação de
surdos e da Pedagogia da Infância, foram desenvolvidas, inicialmente, atividades
denominadas de sequências didáticas, que pretendiam atender às necessidades
de um grupo de crianças surdas, principalmente, no que se refere ao processo de
aprendizagem do português escrito como segunda língua (L2). Ao final do processo
Reexões sobre a relação de crianças surdas com um recurso digital para a apropriação de língua portuguesa escrita em ambiente escolar
583
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 577-595, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
de desenvolvimento e diante da interação do professor surdo e das crianças surdas
com o material, Cabello (2015, p. 133) explicita que outros caminhos podem ser
percorridos a partir do desdobramento da pesquisa, destacando a necessidade de
que, “[...] para que esses recursos possam ser mais efetivos e significativos, é im-
prescindível o envolvimento dos sujeitos Surdos no planejamento da arquitetura
desses artefatos, apontando para um cenário de pesquisa que poderia ser mais
explorado nessa direção”.
Diante do exposto, assumindo as perspectivas fluidas e instáveis da produção
de conhecimentos, nos tempos atuais, e apoiadas por alguns referenciais dos es-
tudos pós-estruturalistas (ou pós-modernos) – aqui principalmente deleuzianos –,
voltamo-nos aos dados produzidos pela pesquisa de Cabello (2015), sob a influência
dessas outras contribuições teóricas, destacando a participação de algumas crian-
ças na relação com um professor também surdo, diante do recurso digital produzi-
do, para fins de apropriação da língua portuguesa.
A intenção principal deste outro foco aqui esboçado foi a de destacar as lacu-
nas quanto ao processo participativo das crianças surdas, desde o início da criação
e da arquitetura pedagógicas (digitais, neste caso). Isso significa prescindir (ainda
mais) das crianças como protagonistas nas pesquisas e na criação de mídias/recur-
sos digitais de aprendizagem. Como argumenta Cabello (2015, p. 34), sobre “[...] a
essencialidade da criança como participante da pesquisa [...]”, buscamos destacar o
caráter fundante dessa participação, desde a concepção inicial do projeto de criação
midiática/tecnológica.
Para o deslocamento de nossos próprios olhares, a criação de outros mapas,
de outros fluxos e agenciamentos, tal como configurados por Deleuze (1997), foi
fundamental atentar para a fluidez da experiência cartográfica (ou de pesquisa)
e desejar, obviamente, percorrer outras vias, desprendendo-se de caminhos fixos e
anteriormente determinados:
Os mapas, ao contrário, se superpõem de tal maneira que cada um encontra no seguinte um
remanejamento, em vez de encontrar nos precedentes uma origem: de um mapa a outro,
não se trata da busca de uma origem, mas de uma avaliação dos deslocamentos. Cada mapa
é uma redistribuição de impasses e aberturas, de limiares e clausuras, que necessariamen-
te vai de baixo para cima. Não é só uma inversão de sentido, mas uma diferença de natu-
reza [...] cujos objetos, mais do que permaneceram afundados na terra, levantam vôo [...]
Os mapas não devem ser compreendidos só em extensão, em relação a um espaço constituí-
do por trajetos. Existem também mapas de intensidade, de densidade, que dizem respeito
ao que preenche o espaço, ao que subtende o trajeto [...] (DELEUZE, 1997, p. 75-76, grifos
do autor).
Heloísa Andreia de Matos Lins, Janaina Cabello
584
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 577-595, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Assim, concebemos uma pluralidade de trajetos que seriam legíveis e coexis-
tentes num mapa, mas que muda de sentido “segundo aqueles que são retidos” (DE-
LEUZE, 1997, p. 79). Desse modo, uma outra rota foi trilhada, outros sentidos foram
almejados (devires também nossos, de pesquisadoras, no atravessamento com as
cenas das crianças que descreveremos a seguir) e tecidos na busca do que as crianças
surdas poderiam nos dizer, porque nessa complexa simplicidade do que nos (re)apre-
sentam: “À sua maneira, a arte diz o que dizem as crianças. Ela é feita de trajetos e
devires, por isso faz mapas, extensivos e intensivos” (DELEUZE, 1997, p. 78).
Valeria a pena, portanto, lançarmo-nos em outros fluxos trazidos e em novas
rotas traçadas pelas crianças, uma vez que há possibilidades para fazeres pedagó-
gicos menos normativos na educação bilíngue, a partir do envolvimento das crian-
ças neste processo e de um outro olhar dos pesquisadores e produtores de recursos
midiático-tecnológicos nesse cenário.
(Re)tomando as contribuições infantis diante do recurso digital:
alguns uxos e deslocamentos
Cena 1 – Crianças utilizando o recurso digital “O Astronauta”
Fonte: Cabello (2015).
O professor pede para trocarem de lugar, cada uma indo explicar a história da outra, lendo o que cada per-
sonagem poderia ter dito na história da outra. Elas recontam, leem os balões e o que não lembram, buscam
olhar os diálogos que montaram em suas próprias histórias e, a partir daí, dizem o que está escrito nos balões.
Ao término da aula, o professor veio dizer que pediu para elas recontarem as histórias uma da outra porque
assim poderia perceber se estão conseguindo ler, se apenas decoraram a posição dos balões ou se apenas
lembram do significado das palavras pela cor do balão: “consigo ver se é a leitura ou a memória visual do
desenho” – justificou.
Reexões sobre a relação de crianças surdas com um recurso digital para a apropriação de língua portuguesa escrita em ambiente escolar
585
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 577-595, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Cena 2 – Destaque da interação de uma das crianças com o material apresentado
Fonte: Cabello (2015).
Cena 3 Considerações da pesquisadora a partir das observações das interações estabelecidas entre pro-
fessor, crianças e recurso digital durante a aula
Mesmo quando é possível com que as crianças estabeleçam relações mais autônomas com o material, aguar-
dam por orientações do professor do que deve ser feito, ou seja, embora já tenham se apropriado das tecno-
logias em outros contextos não-escolarizados, a situação de ensino-aprendizagem tradicional (sala de aula,
professor que “instrui e alunos que “seguem as instruções”) parece estar também bastante arraigada nos
modos de fazer dos alunos.
Fonte: Cabello (2015).
As cenas supracitadas foram selecionadas do estudo realizado por Cabello
(2015), por trazerem possibilidades de reflexão quanto ao próprio material desen-
volvido, uma vez que tal processo foi elaborado por nós, pesquisadoras adultas
e ouvintes, e contou com a participação das crianças num momento posterior à
sua criação (projeto piloto), fosse por condições concretas da execução do estudo,
como as dificuldades técnicas já apresentadas na referida pesquisa (como softwares
livres que não comportavam vídeos, o que seria fundamental numa arquitetura
que privilegiasse Libras; tempo para execução do recurso/aplicativo; entre outras),
fosse pela compreensão de que a participação das crianças não seria possível desde
o início, muito pela percepção de que alguns elementos do recurso/aplicativo, numa
perspectiva bilíngue/bicultural/visual, precisariam ser executados por estudiosos
(adultos) da área. Assim, ainda que concebêssemos como importante a participa-
ção de surdos nesse processo (crianças e professor), uma concepção adultocêntrica
permaneceu praticamente “intocada” no estudo, deixando para um outro momento
Heloísa Andreia de Matos Lins, Janaina Cabello
586
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 577-595, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
a participação das crianças surdas (após a criação do OA, já no momento dos usos
e percepções a partir daí).
Contudo, buscamos romper com uma série de questões epistemológicas, desde
o início de seus estudos na área, como: a) com a concepção das próprias tecnologias
no campo do bilinguismo e/ou da educação especial, as chamadas tecnologias as-
sistivas (CAMPOS, 2015), que foram assumidas como tecnologias simplesmente;
b) com uma concepção salvacionista diante das mídias/tecnologias no ensino, em
contrapartida, buscamos compreender as tecnologias/mídias como (re)produção/
(re)apropriação cultural; c) com as práticas tradicionais no ensino de língua por-
tuguesa como L2 para crianças surdas, por meio das possibilidades para fazeres
pedagógicos menos normativos na educação bilíngue, a partir do envolvimento das
crianças neste processo; d) com a utilização de materiais prontos e desenvolvidos
por grandes corporações (lógica de mercado e as questões de audiência ativa x pas-
siva
4
), quando optamos pela utilização de softwares livres e criados com ajuda de
crianças e docentes; e, não menos importante, e) com concepções de leitura e escrita
hegemônicas, em direção a concepções multimodais/multissemióticas/híbridas.
De qualquer modo, não se garantiu, naquele momento, uma reflexão mais
aprofundada sobre a referida perspectiva adultocêntrica nesses processos, para
que se considerasse que crianças e adolescentes (re)produzem as mídias/tecnolo-
gias – as chamadas agências infantis (BUCKINGHAM, 2007) –, e tal processo (re)
produtivo deveria ser central na concepção de educadores/pesquisadores, desde o
início do processo participativo (desde a concepção do OA, portanto), porque tal
aspecto poderia aproximar/afastar tais crianças e adolescentes do conteúdo proje-
tado e, consequentemente, das atividades pedagógicas mais estritas sobre Libras
e língua portuguesa.
Houve uma maior preocupação com a construção de uma arquitetura/formato
digital que atraísse o interesse desses participantes, por meio da criação de ati-
vidades-jogo, o que (em si) não garantiu tal envolvimento, como será discutido a
seguir.
Reexões sobre a relação de crianças surdas com um recurso digital para a apropriação de língua portuguesa escrita em ambiente escolar
587
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 577-595, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
(Re)Pensando os fazeres na pesquisa com crianças surdas:
o que elas têm a nos dizer?
Relato 1 – Nem todas as crianças têm o desejo de interagir com o recurso digital
Fonte: Cabello (2015).
Relato 2 – Excerto do diário de campo com o registro de um dos momentos de interação das crianças com
o recurso digital
Valéria repete para mim a instrução que acabou de receber do professor e faz uma cara aborrecida, se me-
xendo na cadeira. Valéria fica de costas para o computador, mexendo no cabelo, debruçada sobre o encosto
da cadeira. Depois volta a olhar para sua tela e depois para o que as outras crianças estão fazendo. Continua
sentada meio de lado, meio de costas para o computador, olhando para o professor, para o lado, para a janela.
Deita na cadeira de costas para o computador.
Fonte: Cabello (2015).
Heloísa Andreia de Matos Lins, Janaina Cabello
588
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 577-595, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Relato 3 – Momento da interação das crianças com o artefato digital
Fonte: Cabello (2015).
Relato 4 Momento da interação das crianças e da mediação do professor na interação com o artefato
digital
Em seguida, chama o professor e repete “acabou, acabou”. O professor diz “acabou tudo? Olha lá, tem mais”
e se vira para outra criança. Alice tenta chamar o professor e aguarda sentada, olhando para Valéria. O pro-
fessor retorna e ao verem que a história acabou, o professor diz “agora você vai ver o dicionário. Como você
vai ver o dicionário? Volta de novo aqui” – e aponta onde a criança deve clicar. Ela fica em dúvida e ele aponta
novamente, “clica você vai ver uma mão” e ela repete o sinal de “mão”. Gisele a ajuda, mostra onde tem que
clicar. Alice clica e abre o vídeo explicando o que é o dicionário.
Fonte: Cabello (2015).
As interações das crianças com o artefato digital evidenciaram que, embora
o material desenvolvido tivesse como um dos objetivos atender as necessidades
Reexões sobre a relação de crianças surdas com um recurso digital para a apropriação de língua portuguesa escrita em ambiente escolar
589
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 577-595, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
das crianças surdas, no que se refere a seus desejos e interesses, o recurso não se
fez atrativo ou interessante em muitos momentos, como exemplificado a partir
dos excertos supracitados. É importante ressalvar que assumimos, com Deleuze e
Guattari (2011, p. 44), os desejos não como falta, mas como produção: “A falta é um
contraefeito do desejo, depositada, arrumada, vacuolizada no real natural e social.
O desejo está sempre próximo das condições de existência objetiva, une-se a elas,
segue-as, não lhes sobrevive, desloca-se com elas, [...]”.
Nessa direção, embora tenhamos buscado elaborar atividades consideradas
lúdicas e interessantes ao grupo de crianças (a partir do conhecimento das lín-
guas envolvidas ou da faixa etária, por exemplo), a interação entre as crianças e
o material bilíngue desenvolvido nem sempre se mostrou espontânea ou mesmo
prazerosa, evidenciando que as nossas expectativas, de pesquisadoras adultas (e
ouvintes), ao desenvolver o material, eram bastante diferentes das expectativas
e da compreensão das crianças, a partir de suas experiências e interações com as
mídias e tecnologias, em seus contextos cotidianos e de aprendizagem (de suas
culturas lúdicas também, como será discutido a seguir).
Nesse sentido, em diversos momentos, as manifestações das crianças, feitas
por intermédio de seus corpos, de suas expressões faciais, de seus olhares (como
exemplificado na imagem do Relato 1, disseram a respeito de como as crianças
não são consumidoras passivas de recursos didáticos digitais – como não são de
quaisquer outras mídias. Os modos como as crianças interagiram (ou deixaram
de interagir) com o artefato evidenciam modos de resistências/agências infantis
(BUCKINGHAM, 2007), em que as crianças inventam e reinventam suas brinca-
deiras e seus modos próprios de aprendizagem, o que se configuraria nas culturas
infantis, no dizer de Corsaro (2011).
Sobre essa relação das crianças com os recursos digitais, com Brougère (2010),
poderíamos refletir sobre o grau de potência criado para a chamada cultura lúdica,
pois ela está bastante orientada para a manipulação de objetos. Da mesma forma, o
autor salienta que, como consequência dessa manipulação constituinte da cultura
lúdica, esta última se desenvolve sob o impulso de novos brinquedos:
Novas manipulações (inclusive jogos eletrônicos e de videogame), novas estruturas de brin-
cadeiras, ou desenvolvimento de algumas em detrimento de outras, novas representações:
o brinquedo contribui para o desenvolvimento da cultura lúdica. Porém, o brinquedo se
insere na brincadeira através de uma apropriação, ou seja, deixa-se envolver pela cultura
lúdica disponível, usando práticas de brincadeiras anteriores (BROUGÈRE, 2010, p. 54).
Heloísa Andreia de Matos Lins, Janaina Cabello
590
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 577-595, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Assim, é importante atentarmos para o fato de que, nessa manipulação reali-
zada pelas crianças, há manifestações de tentativas de (re)apropriação do que foi
projetado por adultos ouvintes e também para uma lógica ainda marcadamente
“pedagógica”, ou seja, neste caso, no experienciado em aula e para o ensino de uma
língua, por mais que se buscasse romper com essa perspectiva “pedagogizante”,
por meio da arquitetura desenvolvida em forma de livro digital, com jogos e outras
atividades, por exemplo. Instala-se nessa relação, portanto, a tentativa de com-
preensão, por parte das crianças, do que estava em jogo, de fato, a começar pelo
próprio personagem central escolhido por adultos ouvintes: o Astronauta, da turma
da Mônica. Essas crianças tinham contato com esse personagem? De que forma?
Como lidaram com essa aproximação, inicialmente, a partir dos referenciais cir-
cunscritos nessas culturas infantis? Enfim, essas são algumas das questões que
não puderam ser exploradas naquele momento, mas seriam cruciais numa tenta-
tiva de compreensão do papel desses objetos numa lógica escolar (e também fora
dela, ainda que as questões, certamente, fossem outras
5
).
Ainda, é importante destacar que, nos momentos em que as crianças se fize-
ram protagonistas, muitas vezes, o próprio lugar do adulto foi colocado em jogo. No
Relato 4, fica evidente o trabalho coletivo infantil, em que as crianças constroem
seus modos de aprendizagem, com a intervenção do professor sendo colocada em
segundo plano, após as crianças assumirem a colaboração (umas das outras) para
a aprendizagem.
Nesse sentido, compreendemos que as crianças, com seu “olhar estrangeiro”,
ou seja, de fora de uma lógica adultocêntrica de aprendizagem, conseguem encon-
trar novos percursos para a construção de seus saberes, menos instituídos, adotan-
do outras percepções não previstas pelos adultos. Nessa ação de aparente desordem
e (re)apropriação, subvertem o que foi proposto por um desenho pedagógico inicial
do recurso digital, trazendo outros percursos, fragmentando um caminho linear,
pré-concebido pelos adultos, materializado pelo desenho (arquitetura) pedagógico.
Quando resistem ao que é proposto pelos adultos inseridos (também) em con-
textos de fazeres escolarizados, as crianças provocam uma ruptura, um dissenso,
que, nas palavras de Oliveira (2015, p. 449), causam uma “[...] perturbação no
sensível, esse marulho, um rumor que produz uma modificação singular do que
visível, dizível, contável”.
Como argumentado por Buckingham (2007 apud CABELLO; LINS, 2017,
p. 187): “As crianças não são vistas aqui como receptores passivos das mensa
-
gens da mídia, mas como processadores ativos de significados. [...]. Nessa pers-
Reexões sobre a relação de crianças surdas com um recurso digital para a apropriação de língua portuguesa escrita em ambiente escolar
591
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 577-595, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
pectiva, o significado dos textos midiáticos não é apenas entregue ao público,
mas construído por ele”.
As crianças, em sua lógica, mostraram-se atentas para a descoberta de outras
ideias, além das delineadas pelos adultos, atribuindo novos contornos aos cami-
nhos para a interação com o recurso digital. Subverteram (abandonaram?
6
), desse
modo, um território proposto para o processo de apropriação da escrita, apresentado
pelo objeto de aprendizagem (e pelos fazeres escolarizados, de modo mais amplo),
desterritorializando/reterritorializando talvez, escapando através da invenção de
linhas de fuga para a construção do novo – um novo território. Nas palavras de De-
leuze e Guattari (2009, p. 69): “Temos que pensar a desterritorialização como uma
potência perfeitamente positiva, que possui seus graus e seus limiares e que sem-
pre é relativa, tendo, em reverso, uma complementaridade na reterritorialização”.
Nesse possível acontecimento da (des)territorialização/reterritorialização, ao
que parece, nem tudo foi passível de brincadeira e encantamento por parte das
crianças
7
, ou de articulação com suas culturas/repertórios anteriormente desenvol-
vidos. A própria relação das crianças com o objeto digital (como brinquedo, ou não,
como se vê na citação a seguir), também pode ser refletida, pois, segundo Brougère
(2010), para gerar brincadeiras, é preciso que os conteúdos ou imagens (da televi-
são, dos jogos, etc.)
[...] possam ser integradas ao universo lúdico das crianças, às estruturas que constituem
a base dessa cultura lúdica mencionada ´…]. É preciso que tais conteúdos possam ser in-
tegrados nas lógicas da brincadeira, que variam menos do que as representações [...]. Nem
tudo se presta à brincadeira. A brincadeira não aparece como uma imitação servil [...],
mas sim como um conjunto de imagens que têm a vantagem de ser conhecidas por todas,
ou quase todas as crianças, de ser combinadas, utilizadas, transformadas, no âmbito de
uma estrutura lúdica. Isso ilustra bem a dupla dimensão da brincadeira: uma estrutura
sobre a qual representações variadas vêm se inserir para animá-la, renová-la. Os efeitos
dos modismos, ou do entusiasmo passageiro, atingem mais facilmente esse segundo nível”
(BROUGÈRE, 2010, p. 56-57, grifos nossos).
Brougère (2010) ainda destaca que o investimento das crianças na brincadeira
está relacionado diretamente ao conhecimento que elas têm dos personagens mi-
diáticos. Segundo o autor, a televisão (neste caso, assumimos a mídia em geral) não
se coloca contrariamente às brincadeiras (numa ideia que remeta à passividade
das crianças, como espectadoras apenas), mas a alimenta, influencia e estrutura,
na medida em que a brincadeira teve uma origem naquilo com o que a criança
é confrontada. O autor ainda salienta que a brincadeira permite a descarga das
emoções acumuladas durante a recepção (no caso que trata, a televisiva), a tomada
Heloísa Andreia de Matos Lins, Janaina Cabello
592
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 577-595, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
de distanciamento, a invenção e criação em torno das imagens recebidas. No en-
tanto, ainda precisamos investigar como tais processos poderiam se dar no âmbito
dos jogos digitais propostos para o campo da educação, numa perspectiva de fato
(cri)ativa para as crianças. Assim, como tais recursos digitais poderiam se tornar
brinquedos, fundamentalmente, e atrair a atenção e os desejos das crianças? Seria
possível criar uma situação delirante dos recursos, novos fluxos (a partir das crian-
ças), em territórios escolares/pedagógicos?
Nessa direção, Deleuze (1997, p. 65) destaca que as “formulações delirantes
são como núcleos da arte”, quando argumenta sobre as transgressões criativas ne-
cessárias para o encontro com a língua (e da literatura, no caso particular em que
analisa na referida obra, mas que talvez pudesse se apresentar numa história em
quadrinhos, como foi a proposta do recurso digital aqui discutido, dada a proxi-
midade com muitas crianças). Deleuze (1997) afirma que é preciso fazer a língua
gaguejar; um processo criador, portanto, “A cada vez que uma língua é submetida a
tais tratamentos criados, é a linguagem inteira que é levada ao seu limite, música
ou silêncio [...]. O suspense dos corpos e o balbucio da língua constituem o corpo-
-linguagem” (DELEUZE, 1997, p. 66).
Assim, para que a língua se tornasse brinquedo, para que gaguejasse, de fato,
o recurso digital deveria trazer essa potencialidade não apenas na arquitetura,
mas nos tópicos linguísticos, nas escolhas dos personagens, na atenção plena às
vozes infantis, para tal e para as intercessões (até desconhecidas) daí decorrentes:
fazer a língua e as crianças pegarem delírio. Tarefa não menos complexa para es-
tudos posteriores, mas que provavelmente pode nos indicar tendências de percurso
nesse terreno investigativo movediço.
Diante desse contexto, salientamos que, embora haja grande urgência para
o desenvolvimento de recursos digitais potentes para o ensino-aprendizagem das
crianças (principalmente no caso das crianças surdas, como destacamos, em que
as múltiplas semioses e a presença da língua de sinais são centrais), não menos
importante é a participação ativa dessas crianças, desde o início, no processo de
criação de tais recursos, bem como o acompanhamento das tarefas desenvolvidas
pelos adultos nesses processos: o que pensam e o que podem nos ajudar a descobrir
nesses novos cenários? Como podem nos apoiar, também, na descoberta de mo-
dos outros para a concepção/utilização das mídias e tecnologias na educação, para
muito além do que pressupõe a gramática escolar e sua lógica que, via de regra,
arrasta o brincar espontâneo das crianças numa obrigação em aprender que faz
desmotivar?
Reexões sobre a relação de crianças surdas com um recurso digital para a apropriação de língua portuguesa escrita em ambiente escolar
593
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 577-595, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Notas
1
Disponível em: <https://www.fe.unicamp.br/alle/gestec.htm>.
2
Os termos em destaque não serão debatidos, por não ser esse o objetivo deste trabalho, mas é importante
salientar que o movimento surdo (em nível mundial e também nacional) traz contribuições significativas
a partir do que apontam como especificidades do ser-surdo, de suas identidades culturais. De qualquer
modo, há discussões nesse campo que questionam as forças mobilizadoras, de fato, da construção das re-
sistências a partir das identidades culturais para quaisquer grupos que constituem minorias sociológicas
e políticas. Ver mais em Guattari e Rolnik (2013), por exemplo.
3
O trabalho está disponível em: <http://www.ecsoft.com.br/ESP2/ESP2.htm>; e <http://www.ecsoft.com.br/
ESP3/ESP3.htm>. Questões metodológicas mais detalhadas podem ser encontradas em Cabello (2015).
4
A audiência é concebida a partir das contribuições de Buckingham (2007), quando se refere ao consumo de
mídias x participação ativa nos processos de desenvolvimento dessas. Assim, o autor aponta que as audi-
ências não pressupõem maior “atividade” por parte de quem consome mídias prontas. Buckingham (2007,
p. 135) destaca que grande parte faz uso “casual e distraído”.
5
Observar, por exemplo, no Relato 3, a dificuldade das crianças em iniciar a interação com o objeto digital
apresentado pelo professor. É bastante provável que, em outra situação, não escolar, as crianças ousassem
manipular tal recurso, sem maiores cuidados ou sem depender dos “comandos” adultos e professorais. A
esse respeito, ver também Lins (2017) e Lins e Ricarte (2017), em que algumas crianças de 4 ou 5 anos
usam, em suas casas, com destreza e autonomia, jogos censurados ao público infantil e indicados para
maiores de 18 anos.
6
Voltar ao Relato 2, por exemplo, em que Valéria chega a deitar na cadeira de costas para o computador.
7
Cumpre ressaltar que alguns elementos geraram algum interesse das crianças, como a presença dos vídeos
em Libras ou a possibilidade de manipularem alguns personagens da história para a construção de cená-
rios diversos (CABELLO, 2015), mas estudos posteriores precisariam atentar para esses aspectos como
constituintes do brincar, de fato, ou como apenas um “entusiasmo passageiro”, conforme Brougère (2010)
analisa em alguns casos.
Referências
BROUGÈRE, G. Brinquedo e Cultura. São Paulo: Cortez, 2010.
BUCKINGHAM, D. Crescer na era das mídias: após a morte da infância. São Paulo: Loyola,
2007.
______. Más allá de la tecnología: aprendizaje infantil en la era de la cultura digital. Buenos
Aires: Manantial, 2008.
CABELLO, J. Desenvolvimento de Objetos de Aprendizagem para alfabetização de crianças sur-
das: novas tecnologias e práticas pedagógicas. 2015. 186 f. Dissertação (Mestrado em Educação)
– Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2015.
CABELLO, J.; LINS, H. A. M. Um olhar para as infâncias, as diferenças e as mídias como en-
trecruzamento: o que se (re)produz mesmo? In: CABELLO, J.; LINS, H. A. M. (Org.). Mídias,
infâncias e diferenças. Campinas: Leitura Crítica, 2017. p. 14-16.
CAMPOS, M. L. I. L. O processo de ensino-aprendizagem de Libras por meio do Moodle da
UAB-UFSCar. Tese (Doutorado em Educação Especial) – Programa de Pós-Graduação em Edu
-
cação Especial, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2015.
CORSARO, W. A. Sociologia da infância. Porto Alegre: Artmed, 2011.
Heloísa Andreia de Matos Lins, Janaina Cabello
594
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 577-595, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
DELEUZE, G. Crítica e clínica. São Paulo: Editora 34, 1997.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34,
2009.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O anti-édipo: capitalismo e esquizofrenia I. São Paulo: Editora
34, 2011.
DELGADO, A. C. C.; MULLER, F. Infâncias, tempos e espaços: um diálogo com Manuel Jacinto
Sarmento. Currículo sem Fronteiras, Porto Alegre, v. 6, n. 1, p. 15-24, jan./jun. 2006.
FRADE, I. C. A. S. Alfabetização digital: problematização do conceito e possíveis relações com
a pedagogia e com a aprendizagem inicial do sistema de escrita. In: COSCARELLI, C. V.; RI-
BEIRO, A. E. Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades pedagógicas. Belo Horizonte:
Autêntica, 2007. p. 29-83.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 2000.
GESUELI, Z. M. Língua de Sinais e aquisição da escrita. In: SILVA, I. R.; KAUCHAKJE, S.; GE-
SUELI, Z. M. (Org.). Cidadania, surdez e linguagem. Desafios e realidades. São Paulo: Plexus,
2003. p. ? 147-159.
GOLDFELD, M. A Criança surda. Linguagem e cognição numa perspectiva sócio-interacionista.
São Paulo: Plexus, 2001.
GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. 12. ed. Petrópolis: Vozes, 2013.
LACERDA, C. B. F.; ALBRES, N. A.; DRAGO, S. L. S. Política para uma educação bilíngue e
inclusiva a alunos surdos no município de São Paulo. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 39,
n. 1, p. 65-80, jan./mar. 2013.
LINS, H. A. M.; RICARTE, L. Em busca das agências infantis na cultura digital: o que as crian-
ças nos apontariam? 2017. (No prelo).
LINS, H. A. M. Leitura, subjetividades e mídias: novas e velhas questões para a formação e atua-
ção docentes. Nuances, Presidente Prudente, v. 28, p. 24-37, 2017.
LINS, H. A. M.; CABELLO, J. Desenvolvimento de objetos de aprendizagem ligados à alfabeti-
zação e ao letramento: o caso do Grupo de Estudos Surdos e Novas Tecnologias (Gestec). Linha
Mestra, Campinas: Associação de Leitura do Brasil, v. VII, p. 85-96, 2013.
LEBEDEFF, T. B. Objetos de aprendizagem para o ensino de línguas: vídeos de curta-metra-
gem e o ensino de Libras. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 14,
n. 4, p. 1073-1094, 2014.
MARTINS, V. R. O.; LACERDA, C. B. F. Educação inclusiva bilíngue para surdos: problemati-
zações acerca das políticas educacionais e linguísticas. Revista de Educação – PUC Campinas,
Campinas, v. 21, n. 2, p. 163-178, 2016.
OLIVEIRA, M. O. Como “produzir clarões” nas pesquisas em educação? Revista de Educação
Pública, Cuiabá, v. 24, n. 56, p. 443-454, maio/ago., 2015. Disponível em: <http://periodicoscienti-
ficos.ufmt.br/ojs/index.php/educacaopublica/article/view/2441>. Acesso em: 14 out. 2017.
Reexões sobre a relação de crianças surdas com um recurso digital para a apropriação de língua portuguesa escrita em ambiente escolar
595
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 577-595, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
ROCHA, E. A. C.; LESSA, J. S.; BUSS-SIMAO, M. Pedagogia da Infância: interlocuções dis-
ciplinares na pesquisa em Educação. Da Investigação às Práticas, Lisboa, v. 6, n. 1, p. 31-49,
mar. 2016. Disponível em: <http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2182-
-13722016000100003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 15 dez. 2018.
ROJO, R. Pedagogia dos multiletramentos. In: ROJO, R.; MOURA, E. (Org.). Multiletramentos
na escola. São Paulo: Parábola, 2012. p. 11-31.
ROJO, R.; MOURA, E. (Org.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola, 2012.
SÁ, N. R. L. Questões a propósito de uma avaliação interativa na educação especial e na educa-
ção de surdos. Dialógica, Manaus, v. 1, p. 1-11, 1997.
SARMENTO, M. J. Gerações e alteridade: interrogações a partir da Sociologia da infância. Edu-
cação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 91, p. 361-378, maio/ago. 2005. Disponível em: <http://
www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: 5 jul. 2018.
STROBEL, K. L. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: UFSC, 2018.
ESPAÇO
PEDAGÓGICO
DIÁLOGO COM
EDUCADORES
Diálogo com educadores
597
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 597-603, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Diálogo com educadores
1
André Luís Alice Raabe
O entrevistado desta edição da Revista Espaço Pedagógico possui larga expe-
riência e vasta produção científica nos campos do pensamento computacional, da
programação e da informática educativa. É doutor em Informática na Educação
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2005), tendo realizado estudos de
pós-doutoramento na Universidade de Stanford (2016). É bolsista de produtividade
em desenvolvimento tecnológico e extensão inovadora (DT2). É mestre em Ciência
da Computação (2000) e graduado em Informática (1996) pela Pontifícia Univer-
sidade Católica do Rio Grande do Sul. É professor e pesquisador da Universidade
do Vale do Itajaí (Univali), onde coordena o Programa de Pós-Graduação em Com-
putação, atua no mestrado e no doutorado em Educação, coordena o Laboratório
de Inovação Tecnológica na Educação (LITE) e o Grupo de Informática na Educa-
ção. É membro da Comissão de Educação da Sociedade Brasileira de Computação
(SBC). Coordenou, em 2017, uma comissão para elaboração de proposta da SBC
para Computação na Educação Básica. É editor da revista International Journal
on Computational Thinking. É membro do Comitê Gestor da Rede de Inovação na
Educação Brasileira. Desenvolve pesquisas sobre educação em computação, pen-
samento computacional, Movimento Maker, software educacional e ambientes de
aprendizagem inteligentes.
Revista Espaço Pedagógico (REP): És um pesquisador destaque na área de
informática educativa. Conte-nos um pouco do caminho que tens percorrido e das
interfaces construídas com a educação.
André Raabe (AR): Eu comecei a me considerar pesquisador da área de in-
formática na educação durante o mestrado que fiz na PUC do Rio Grande do Sul.
Eu me apaixonei muito pela área por influência da Lúcia Girafa, que foi minha
orientadora tanto na graduação quanto no mestrado e no doutorado. Eu sempre
Recebido em 08/10/2018 – Aprovado em 25/02/2019
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v26i2.
André Luís Alice Raabe
598
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 597-603, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
estive na ligação da educação com a informática e tentei muito aprender sobre a
educação nesse caminho e sobre equipes interdisciplinares, sobre a necessidade da
gente, enquanto pesquisador de área tecnológica, aprender, conhecer e entender
melhor os processos educativos. Nesse caminho, me aproximei muito do desenvol-
vimento de software educacional, de ambientes inteligentes, de sistemas tutores,
objetos de aprendizagem e muitos dos temas que a gente sempre vinha pesquisan-
do e eram sempre dentro do espaço de divulgação e de discussão dessas pesqui-
sas. Mas, desde sempre uma coisa me incomodou muito: a questão de que a gente
produz muita novidade, muita inovação, muitas ideias interessantes relacionadas
a como usar a tecnologia na educação, e poucas delas viram prática na verdade,
poucas delas chegam na escola, principalmente na escola pública. Então, depois
do meu doutorado, passei a atuar mais exclusivamente como docente, orientador,
professor de pós-graduação na Univali, onde eu trabalho, comecei a buscar mais
frentes que pudessem levar os resultados de pesquisas para a prática, quando co-
mecei a trabalhar com extensão fortemente.
A extensão trouxe o público-alvo, trouxe a possibilidade de a gente estar den-
tro da escola, trazer a escola para dentro da universidade e começar a vivenciar
um pouco mais na prática o que a gente fazia e ver o resultado. Sair um pouco do
enfoque de publicar artigos e começar a valorizar cada vez mais o enfoque de trazer
um impacto na vida das crianças, dos jovens que a gente atende. Com isso, também
comecei a buscar mais aqueles autores dentro do cenário nacional que tivessem
essa visão, fora os fóruns que eu venho participando, coordenei a comissão de infor-
mática na educação em 2009, depois participei também, junto do Igui Bittencourt,
da comissão especial, quando fui indicado para a Comissão de Educação da Socie-
dade Brasileira de Computação (SBC). Eu fui com essa intenção, de levar um pouco
mais a valorização da pesquisa que gera resultado prático, que gera um resultado
relevante para a escola, para o estudante, para a família, para todos os atores en-
volvidos. Desde então, tenho atuado na SBC dentro dessa comissão de educação, e
também encontrei, dentro do Centro de Inovação para Educação Brasileira (CIEB),
um forte parceiro, que tem como escopo, dentre outras coisas, viabilizar que as ino-
vações cheguem à escola, por meio de fomento, startups e políticas governamentais
que possam fazer isso acontecer.
Então, acho que, de forma resumida, olhando assim a trajetória, eu tenho ten-
tado aliar a pesquisa acadêmica e a relevância acadêmica com a aplicação prática
e com o impacto efetivo na vida do estudante, principalmente aqui no Brasil. Isso é
bem desafiador, é algo que o fomento quase nunca vem nessa direção, são raras as
Diálogo com educadores
599
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 597-603, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
oportunidades de fomento para a aplicação, para a extensão, para a transferência
de resultados para o público-alvo. E eu vou continuar lutando nessa direção.
REP: Nos últimos tempos, a temática do pensamento computacional tem con-
quistado espaço não somente na área acadêmica, mas também nas escolas. Mas
muitas pessoas ainda têm dúvidas acerca do que é o “pensamento educacional”.
Poderias defini-lo?
AR: O pensamento computacional é muito interessante, porque ele não é real-
mente novo! As ideias seminais do pensamento computacional foram lançadas por
Papert na década de 1960, quando ele começou a construir a linguagem logo e per-
cebeu que o computador tinha o potencial de ser uma ferramenta de aprendizagem
nas mãos das crianças. Não para o computador ensinar coisas para a criança, mas
ao contrário, a criança ensinar coisas para o computador, por isso ele criou a lin-
guagem logo. Toda essa abordagem de Papert ficou um pouco prejudicada quando,
em algum grau, pesquisadores norte-americanos começaram a questionar se o logo
trazia realmente resultados, se os resultados eram escaláveis. E aí tem toda uma
questão metodológica, que acabou prejudicando o fomento. Lá pela década de 1980,
mais ou menos, essa pesquisa se esvaiu.
Em 2006, a Jeannete Wing escreveu um artigo que menciona mais explicita-
mente o termo “pensamento computacional”. É um artigo de opinião, um artigo
curto, mas ele traz à tona, de novo, a questão da importância de a gente empoderar
os estudantes a aprenderem a usar o computador como ferramenta de aprendiza-
gem. Sobre o pensamento computacional, é possível apontar que existem algumas
definições bem colocadas, já eu costumo definir como sendo: a capacidade de resol-
ver problemas a partir dos conhecimentos e práticas da computação. Então, o pen-
samento computacional tem sido considerado por vários pesquisadores e autores
como uma competência fundamental para o cidadão do século XXI. Mas eu gosto
muito também e sigo a linha do Papert, do André de Cessa e outros, que defendem
a ideia de a gente aprender a lógica da programação, aprender a lógica de resolver
problemas. Entender o que pode ser automatizado, o que pode ser resolvido com
facilidade por uma máquina, por um computador ou por um dispositivo semelhante
nos dá condições de aprender de um jeito diferente.
André de Cessa tem um conceito que ele denomina “inteligência material”.
Ele faz uma analogia com a ideia da escrita: a gente não aprende a escrever para
ser poeta, para ser escritor. A gente não aprende a ler e escrever só para isso. A
gente aprende a ler e escrever porque isso nos emancipa, a gente consegue ler as
André Luís Alice Raabe
600
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 597-603, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
placas de trânsito, ler as receitas de remédio, a gente consegue se comunicar com
as pessoas, a gente consegue transportar parte da nossa inteligência para um es-
quema num papel, para um artigo, para um diagrama, e isso nos dá condições de
comunicar nossa inteligência de uma forma explícita. Da mesma forma, a lógica do
computador, a possibilidade de a gente resolver problemas e entender a natureza
com base em estrutura que tenha repetição, que tenha a entrada, a saída, a pos-
sibilidade do desvio, nos permite entender o mundo de um jeito diferente. Papert
argumenta que, com o advento da programação, em que você consegue colocar no
concreto, materializar a análise combinatória, criando um loop que gera os elemen-
tos e suas combinações, essas fronteiras entre o concreto e o abstrato começam a
ser diluídas ou transformadas. E, portanto, é uma mudança mais profunda do que
somente aprender uma habilidade que vai nos dar a possibilidade de boas oportu-
nidades de emprego, ou que vai permitir que os jovens consigam prosperar numa
carreira num mundo com tecnologia.
Nós estamos falando da possibilidade de ampliação da capacidade de inteli-
gência. E aí eu acho que já vem a ligação com a educação. Por que é que o pensa-
mento computacional é importante para a educação? Justamente por esse poten-
cial que ele tem de se tornar uma competência fundamental que impulsiona todas
as demais. Também é comum a gente, principalmente conversando com pessoas
que são da área mais tecnológica ou da área que envolve um pouco mais a lógica,
perceber como há uma tendência natural de estruturar a resolução de problemas,
impasses exequíveis, impasses que são mensuráveis, é um tipo de raciocínio muito
útil e eu não tenho dúvida. Sou um entusiasta disso, que é um conhecimento muito
mais útil do que grande parte dos conhecimentos que hoje são ensinados na edu-
cação básica.
REP: Qual a relação existente entre o pensamento computacional e a educação?
AR: Acabei respondendo essa pergunta junto com a anterior, mas gostaria
de acrescentar um aspecto. O pensamento computacional vem sendo reconhecido
como uma competência importante para os cidadãos do século XXI em diversos
países e tem se tornado parte do currículo obrigatório, posso citar: Austrália, Reino
Unido, alguns estados dos Estados Unidos, em algum grau a Finlândia, também
o Uruguai tem algumas iniciativas. Mas também existem outros países que têm
iniciativas na área. Então, é uma tendência que existe em nível mundial e que,
provavelmente, não é algo que é modismo ou vai ser trocado por outra tecnologia
ou outra abordagem nos anos vindouros. É algo que veio para ficar.
Diálogo com educadores
601
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 597-603, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
REP: A publicação da última versão da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) trouxe muito forte a questão das tecnologias digitais. Como você avalia este
fato?
AR: A BNCC traz algum avanço em mencionar as tecnologias de uma forma
um pouco mais explícita e inclusive foi muito comemorado pelos envolvidos. A
competência geral da BNCC menciona, dentre outras coisas, que os estudantes têm
o direito de aprender a criar tecnologia. Essa única palavra, “criar”, traz toda uma
conotação especial para a base. Então, várias das habilidades e vários dos termos
contemplam tecnologia, inclusive tem uma nota técnica feita pelo Centro de Ino-
vação para a Educação Brasileira (CIEB) que mapeou quais são essas habilidades,
e aponta que estão mais presentes na Matemática e no ensino do Português e não
tanto nas ciências, infelizmente. No entanto, nossa análise enquanto consultores
do CIEB, nesse aspecto, é de que a Base, como está, não dá conta de habilitar os
estudantes a criarem tecnologia. Por isso, surgiu a necessidade de a gente fazer
um currículo que a complemente, trazendo não só as habilidades que vão permitir
aos jovens criarem com tecnologia, como também trazendo mais a computação e
o pensamento computacional para dentro das possibilidades da base. Mas, sem
dúvida é um avanço. Eu sei que há muitas controvérsias envolvendo a criação da
base e o processo de como foi feita, mas, ainda assim, eu considero que é um grande
avanço e que a questão da tecnologia agora tem possibilidades mais concretas do
que antes.
REP: Recentemente, você liderou um grande projeto junto ao CIEB, propondo
um currículo de referência para a área de informática educativa. Podes nos explicar
como se deu esta atividade, como se organiza o currículo e quais os desdobramentos
esperados?
AR: Então, a ideia desse currículo surgiu justamente por entendermos que a
Base Nacional Comum não dava subsídio suficiente para os jovens criarem tecnolo-
gia. Para usarem tecnologia até sim, mas para criarem não. Nesse sentido, o CIEB
buscou construir um currículo de referência para as redes públicas que quiserem
incluir mais tecnologia e mais computação em seus currículos estaduais ou muni-
cipais. Não é um currículo obrigatório, ele é um currículo que complementa a base.
Assim, após estudar profundamente a base e entender quais eram as habilidades
que poderiam ser trabalhadas com o uso da tecnologia e da computação, construí-
mos um currículo que tem uma consistência interna em si, mas que dialoga forte-
André Luís Alice Raabe
602
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 597-603, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
mente com a Base Nacional Comum. Esse currículo é dividido em três eixos. Os
eixos são: a cultura digital, em que se espera que os jovens desenvolvam fluência
digital, de aprender a usar a tecnologia, de aprender a resolver problemas com
tecnologia; a tecnologia digital, que traz conceitos sobre a tecnologia, principal-
mente sobre o computador, como funciona o computador, o que é hardware, o que é
software, o que são as redes, o que é internet, o que são bancos de dados, como que a
gente estrutura as informações em binário, ou seja, alguns dos conhecimentos que
são parte de cursos de área de computação; e o pensamento computacional, mais
voltado à resolução de problemas, usando a lógica e dividindo em abstração, identi-
ficação de padrões e lógica algorítmica, o que vai, portanto, possibilitar aos jovens
também desenvolverem aplicações, programarem e entenderem os problemas com
o enfoque da computação. Esse currículo foi fundamentado em um currículo da
Sociedade Brasileira de Computação, que foi construído no final de 2017, do qual
participei da elaboração também e que é uma iniciativa da Comissão de Educação,
coordenada pelo professor Avelino Francisco Zorzo, na ocasião. Ele buscava, justa-
mente, dar uma referência inicial para todos aqueles atores do Brasil que estives-
sem preocupados em colocar esse tema dentro dos seus currículos.
Então, o CIEB, através da equipe que eu coordenei, formada, além de mim,
pelo Flávio Campos, pós-doutor pela PUC de São Paulo, e uma pessoa da área de
educação e da área de currículo, mas que sempre esteve ligado à área de tecnologia,
entusiasta da robótica, e Christian Brackmann, doutor em Informática na Edu-
cação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – seu tema do doutorado
foi o pensamento computacional “desplugado” –, quando realizou o sanduíche na
Espanha e pôde então conhecer perspectivas internacionais do pensamento com-
putacional e, principalmente, das abordagens que não necessariamente usam o
computador. A gente investiu muito na abordagem nesse currículo, por entender
que, na educação básica brasileira, existe muita diversidade em relação à infraes-
trutura nas escolas. Assim como existem escolas muito bem atendidas em termos
de computadores e internet, existem aquelas que estão bastante prejudicadas em
relação a isso. Então, buscamos ser flexíveis, para que esses sistemas pudessem ser
trabalhados com e sem tecnologia.
A principal decorrência que a gente espera desse currículo é que várias redes
de ensino comecem a incluir algumas dessas habilidades que a gente está suge-
rindo e comecem a implantar esse currículo, e que isso gere não só melhoria na
qualidade de ensino e aprendizagem de dentro das escolas, mas, também, uma
busca na melhoria da qualificação dos profissionais da educação que já atuam ou,
Diálogo com educadores
603
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 597-603, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
também, uma mudança no perfil dos profissionais que passem a ser contratados
para esses temas, talvez impulsionando a licenciatura em Ciências da Computação
ou, ainda, formações complementares que se deem na área da Computação para os
profissionais de educação.
REP: Professor André, agradecemos a generosa entrevista que nos concedeu e
desejamos que o seu trabalho continue se difundindo de forma profícua.
Nota
1
A presente entrevista foi mediada pelo Prof. Dr. Adriano Canabarro Teixeira, docente do Programa de Pós-
-Graduação em Educação da Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, Rio Grande do Sul, Brasil.
ESPAÇO
PEDAGÓGICO
RESENHA
Revolução digital e educação: e agora?
605
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 605-611, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
*
Professora das redes municipal e estadual de ensino de Passo Fundo, RS. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: 52032@upf.br
Recebido em 23/09/2018 – Aprovado em 27/02/2019
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v26i2.
Revolução digital e educação: e agora?
Maria Augusta D’Arienzo
*
A escola é fundamental como base de transformação da sociedade, preparan-
do cidadãos com uma perspectiva comprometida com o humanitário, capazes de
construir o presente e aperfeiçoar o futuro. Por isso, a leitura da obra Trabalho,
educação e inteligência artificial: a era do indivíduo versátil, de Rui Fava (2018),
faz com que os educadores perturbados com as revoluções proporcionadas pelos
avanços das tecnologias digitais no contexto social reflitam acerca do papel e das
mudanças necessárias à educação para o século XXI.
No texto, Rui Fava (2018, p. 6) define a era do indivíduo versátil como o tempo
de “[...] imisção das tecnologias digitais, a robotização, a automação e a inteligência
artificial no mundo do trabalho e, consequentemente, no universo da educação, que
tem como propósito preparar profissionais-cidadãos para seu sucesso profissional
e pessoal”.
A parte 1, denominada pelo autor de Passado, presente, futuro, foi dividida em
quatro capítulos. No capítulo 1, Substituição do esforço físico por instrumentos e
ferramentas, Fava descreve a Revolução Agrícola usando os princípios que a carac-
terizam: patriarcalismo, artesanalidade, generalidade, emotividade, religiosidade,
estética e nomadismo. O conhecimento, a cultura e as habilidades eram trans-
mitidas aos jovens por meio da metodologia da imitação, ou seja, os aprendizes
reproduziam e imitavam os mais velhos de acordo com suas práticas, costumes e
hábitos. A escola contemporânea tem sua origem no final do século XVII, quando
há a adoção dos processos de ensino e aprendizagem como método de educação. As
modificações pelas quais a sociedade passou, da Revolução Agrícola para a Revolu-
ção Industrial, são abordadas pelo autor no capítulo 2, intitulado Substituição do
trabalho físico por máquinas mecanizadas. A Revolução Industrial ocorreu nos sé-
culos XVIII e XIX, o uso das máquinas mecanizadas levou à mudança do trabalho
artesanal para o assalariado e produziu uma das maiores angústias da sociedade:
Maria Augusta D’Arienzo
606
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 605-611, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
o trabalho forçado de crianças e adolescentes. Esse movimento fez com que a escola
ofertasse o ensino técnico, como forma de garantir mão de obra habilitada, treina-
da e disciplinada para atuar no setor manufatureiro, com o objetivo do crescimento
industrial. É preciso concordar com a afirmativa do autor, de que “[...] os princípios
tayloristas, a despeito de serem concebidos para o chão de fábrica, onde o trabalho
físico foi substituído por máquinas mecanizadas, ainda estão fortemente arraiga-
dos no sistema escolar contemporâneo” (FAVA, 2018, p. 37).
Ao tratar da Substituição do trabalho repetitivo por máquinas “inteligentes”,
Fava apresenta as transformações ocorridas na passagem da Revolução Industrial
para a Pós-industrial. O autor traz dois conceitos essenciais para compreender
os princípios defendidos na Revolução Pós-industrial: empregabilidade, conceito
que tem origem nos anos 1990 e refere-se à relação e à interdependência da empre-
sa com seu colaborador, ou seja, “quanto ele vale no sentido de transações, mercado
e aquisição de um emprego” (2018, p. 41); trabalhabilidade, que “[...] é como
a pessoa se vê produzindo economicamente, relaciona-se ao know-how de gerar
trabalho e/ou a versatilidade que um indivíduo possui de se ver produzindo na eco-
nomia criativa, por meio de atividades com múltiplas formas de trabalho” (2018, p.
41). Então, o autor declara que “[...] a escola deve ser um sistema vivo, um conjunto
de componentes que trabalha de forma homóloga, correlata, interdependente com
objetivos compartilhados, e não ser uma instituição que gere apenas lucro para
seus acionistas” (2018, p. 44). Enquanto o emprego era abundante, as escolas preo-
cupavam-se em melhorar a empregabilidade de seus egressos, porém, na era em
que prevalecem a inteligência artificial e a automação, o foco das instituições de
ensino é sobre a trabalhabilidade, ou seja, formar empreendedores, afirma Fava.
Substituição do trabalho preditivo por automação, robotização e inteligência
artificial provocando o fim do vínculo empregatício é o título eleito pelo autor para
o capítulo 4. Nele, descreve a Revolução Industrial a partir de dados de pesqui-
sas desenvolvidas na América do Norte, Europa e Ásia, considerando o futuro do
trabalho e a conjuntura de metamorfose provocada pela robotização, automação e
inteligência artificial. Reconhece-se como autêntico o que o autor afirma acerca da
utilização das tecnologias na educação:
O comedimento necessário na adoção das tecnologias nos processos de ensino e de aprendi-
zagem eventualmente é confundido com resistência, às vezes real, de olhar o futuro. Muitos
educadores o temem, por estarem presos ao presente, ao curto prazo. Não querem predicar
como será o futuro da educação, com receio, incerteza e medo da rapidez das mutações
causadas na sociedade, no mercado, no mundo, por meio da IA (FAVA, 2018, p. 56).
Revolução digital e educação: e agora?
607
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 605-611, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Fava relata os avanços da inteligência artificial em dispositivos que interagem
com as pessoas e, ainda, defende que a evolução da convivência entre o ser humano
e as máquinas inteligentes continuará a evoluir. Nessa perspectiva, a educação
necessitará proporcionar atividades para os estudantes de maneira mais lúdica,
desafiadora, relevante, criativa e investigativa, para que possam criar os seus pró-
prios projetos e aproveitar as oportunidades do avanço das tecnologias.
A Parte 2 da obra está dividida em sete capítulos e leva o subtítulo de Disrup-
ção singular. No capítulo 5, Papel e tinta preta versus tela digital, Fava reconta
as realizações humanas relevantes na história do mundo, iniciando pela história
antiga, quando a palavra falada era muito relevante, passando pelo surgimento da
escrita, pela criação da prensa de Gutenberg, momento da substituição da cultura
escrita pela cultura do livro, deslocando-se até a transmissão eletrônica de textos.
Metamorfose tão disruptiva quanto a mudança da cultura da escrita para a cultura
do livro é a transmutação da cultura do livro para a cultura das telas. O autor utili-
za referências do historiador francês Roger Chartier para exemplificar o momento
de transformação da técnica de produção e reprodução de textos, ponderando que
não muda apenas o suporte de leitura, mas, também, os modos de ler. Os educado-
res e os processos de ensino e aprendizagem são fundamentados no texto escrito,
por isso, sentem-se provocados pela fluidez da cultura da tela, diz Fava.
Realidade aumentada e realidade virtual é a designação do tema desenvolvido
pelo autor no capítulo 6, no qual se empenha em diferenciar a realidade aumen-
tada da realidade virtual, tendo em vista que ambas pertencem ao universo da
tecnologia imersiva e, por vezes, erroneamente, são tratadas como sinônimos. Para
a educação, Fava diz que essas tecnologias aproximam o conteúdo à experiência
dos estudantes com o mundo digital. “Eles podem desfrutar de imagens integradas
à realidade tridimensional, que fogem do padrão apenas bidimensional dos objetos,
como vídeos e e-books interativos” (FAVA, 2018, p. 77). Sendo assim, os conteúdos
podem ser apresentados de forma a serem melhores compreendidos pelos estudan-
tes, pois aquilo que era distante, por meio dessas tecnologias, torna-se parte da
rotina dos processos de ensino e aprendizagem.
A partir do título do capítulo 7, Deuses e deusas da tecnologia, pode-se inferir
que o autor fez uso da narrativa mitológica, dos mitos e das características dos
deuses e deusas gregos para comparar determinadas tecnologias. Primeiramente,
a partir do mito da Caixa de Pandora, refere-se à tecnologia, pois, como o mito, ela
possui aspectos positivos e negativos. A descrição da evolução do acesso à internet
foi assemelhada a Deméter, a deusa grega da fartura, pois o termo representa a
Maria Augusta D’Arienzo
608
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 605-611, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
eficiência, a facilidade e a velocidade de informações que o ser humano tem acesso
pela rede de computadores. O processo de criação da TV foi representado por Her-
mes, deus da eloquência, da arte de bem falar, dos viajantes, dos negociadores, dos
espertalhões, mas também dos trapaceiros e dos corruptos. A deusa Mnemosine
e suas encantadoras divas foram escolhidas para significarem a diversidade dos
smartphones. Ao rei dos reis, senhor do Olimpo e deus do trovão, Zeus, coube repre-
sentar a poderosa inteligência artificial (IA) no Olimpo tecnológico. Baseado numa
ficção tangível, Fava também apresenta a origem da IA a partir de personagens do
universo real das tecnologias, como Stephen Hawking, Bill Gates e Elon Musk, os
quais expressam estarem estarrecidos com a possibilidade da revolução das máqui-
nas, pois o potencial da IA é de tornar-se mais inteligente do que qualquer ser hu-
mano. No contexto educacional, Fava reconhece que “[...] o ensino superior já vem
sofrendo forte impacto sobre o perfil de formação do egresso. Mesmo em atividades
especializadas, encontram-se softwares que substituem o ser humano” (2018, p.
102). O Direito é um dos exemplos, há sistema inteligente que concebe, elabora e
constrói petições e recursos com mais sucesso que os advogados.
No capítulo 8, Novos paradigmas para a educação e para o trabalho, Fava
identifica que a escola de massa, originada na Revolução Industrial, conserva-se
até a atualidade. Considerando que, durante esse período, dois séculos, o perfil
dos estudantes, a sociedade, o mercado de trabalho e a tecnologia modificaram-se,
redefiniram-se e transmutaram-se, somente a escola mantém as características de
sua origem. É óbvio que não basta apenas o conteúdo e a prática serem relevantes
para ocorrer a aprendizagem, pois a sua efetividade se dá também pela influência
da forma, da expressão facial, da postura corporal, do tom de voz, portanto, o cor-
po é mediador e significativo no processo de ensino. Os estudantes frequentam o
ambiente escolar na busca de experiência, de encantamento, de interação com os
sujeitos, da cooperação entre pares e da satisfação de se identificar como parte de
um grupo.
Na sequência, o Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci, foi escolhido por
Fava para representar o homem versátil, o qual o autor considera de vital impor-
tância para o sucesso e a manutenção da vida em tempos de inteligência artificial.
A partir disso, no capítulo 9, intitulado Indivíduo versátil, o Homem Vitruviano, há
a descrição das características necessárias ao indivíduo versátil em um mundo que
requer interação, colaboração e participação. Indivíduos versáteis têm capacidade
de adaptação, aprendizagem e crescimento constante, renovando-se em um cenário
de desenfreada metamorfose. Nesse cenário, às escolas cabe a preparação de estu-
Revolução digital e educação: e agora?
609
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 605-611, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
dantes com “[...] amplitude nos braços, mobilidade, profundidade, flexibilidade nas
pernas, sabendo que o conhecimento é efêmero, que as ocupações de hoje poderão
não ser as mesmas de amanhã” (FAVA, 2018, p. 117). As instituições de ensino
precisam se conscientizar de que os conteúdos oriundos das ciências humanas e
sociais auxiliam a pensar que os indivíduos/líderes desenvolvem tarefas de caráter
subjetivo, qualitativo e emocional e não apenas com matérias de natureza quanti-
tativa e racional.
No capítulo 10, Inteligências necessárias para o século XXI, Fava destaca
quatro inteligências fundamentais para o êxito profissional e pessoal no mundo
digitalizado, gradativamente automatizado, robotizado, em que as funções físicas,
repetitivas e preditivas estão sendo substituídas pelas criações de computação e in-
teligência artificial, são elas: cognitiva, emocional, volitiva e decernere. Ao término
da caracterização das quatro inteligências, entende-se que as escolas necessitam
implementar currículos por competência e instituir metodologias ativas que desen-
volvam as quatro sapiências, com o foco na instrução de profissionais capazes de
terem atitudes positivas e objetivos concretos.
Fava, de maneira objetiva, descreve, no capítulo 11, denominado O iluminis-
mo está de volta e provoca o fim da Era da Informação e o advento da Era da Expe-
riência, que as escolas necessitam ensinar os estudantes a processar, a discernir e
a escolher de modo correto as informações e transformá-las em conhecimento, pois
o acesso aos conteúdos não é mais considerado um problema.
A parte 3 da obra, Futuro da educação ou educação do futuro, está subdividida
em seis capítulos. O capítulo 12, Tecnologia, automação e educação, traz a discus-
são acerca dos seguintes questionamentos: que tipos de ofícios estão sujeitos à au-
tomação? Quais serão as competências necessárias para as novas ocupações? Como
preparar estudantes para as funções que realmente existirão quando se formarem?
Para problematizar as questões, o autor traz análises de pesquisas da Europa,
dos Estados Unidos e do Brasil, especificamente, estatísticas do Exame Nacional
de Desempenho dos Estudantes (Enade) de 2015, concluindo que o modelo educa-
cional brasileiro está falido, pois não se harmoniza com a evolução tecnológica, o
desenvolvimento do mercado e o surgimento de novas profissões.
A Educação no mundo contemporâneo é a reflexão proporcionada pelo autor no
capítulo 13. Enquanto os países desenvolvidos tratam a educação com seriedade,
o Brasil trabalha em oposição ao avanço da automação, perde competitividade,
distancia-se dos benefícios que a tecnologia proporciona à inovação dos processos
de ensino e aprendizagem. Utilizando exemplos de educação de países como Ale-
Maria Augusta D’Arienzo
610
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 605-611, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
manha, Finlândia e Reino Unido, o autor discute e propõe um modelo de currículo
que pense no futuro, “[...] aprender com jovens, não de idade, mas de espírito, e não
mais com os mais velhos que não estão acompanhando a metamorfose promovida
pela inteligência artificial” (FAVA, 2018, p. 144-145). Os objetivos, os princípios e os
propósitos do currículo devem ser estabelecidos pela tecnologia, pelo futuro e pelos
jovens, criando um currículo educacional flexível, adaptável e por competências
comportamentais, humanas e técnicas. Esse currículo propiciará conteúdos, mate-
riais didáticos, tecnologias e metodologias ativas.
Na sequência, no capítulo 14, Aprendizagem ativa e experimental, Fava redige
sobre a aprendizagem, destacando que ela é um tema complexo, múltiplo, hetero-
gêneo, o que dificulta delimitá-la. O autor apresenta as perspectivas da taxonomia
da aprendizagem ativa e experimental, ou seja, conhecimento, discernimento, aná-
lise, compreensão, aplicação e avaliação, detalhando cada uma a partir dos proces-
sos de ensino e aprendizagem, e afirma que, “[...] para atingir o estrato aplicação,
é preciso dominar o discernimento e a análise da escolha, bem como a compreensão
dos conhecimentos a serem adquiridos” (2018, p. 151, grifo do autor). Conclui que a
educação é plural, ou seja, para cada conteúdo, habilidade e/ou competência desen-
volvido, há várias estratégias de aprendizagem ativa. Nesse sentido, expõe alguns
exemplos, como: Peer Instruction; Think-Pair-Share; Turn and Talk; Polling.
Dando continuidade ao tema da aprendizagem, no capítulo 15, Currículo por
competências, Rui Fava relata que estudos mostram a exigência de indivíduos ver-
sáteis, que apresentam como características o pensamento divergente, a produção
de ideias, a pró-atividade, a flexibilidade e a originalidade. Para tanto, os currí-
culos precisam privilegiar o desenvolvimento das quatro inteligências citadas no
capítulo 10 e tornar a sala de aula dinâmica, aberta, fluida, com foco no ensino de
hábitos de mentes reflexivas. O autor afirma que os currículos por competências
são mais apropriados, por serem “[...] flexíveis, adaptáveis, desenvolvem concei-
tos, procedimentos, atitudes, pensamento crítico e criatividade, tão necessários no
mundo no qual as ocupações físicas, repetitivas e preditivas estão sendo realizadas
por automação, robotização e máquinas munidas de inteligência artificial” (FAVA,
2018, p. 166).
Competências atitudinais na educação 3.0 é a designação e o tema escolhido
por Fava para o capítulo 16. Cooperação, resiliência, ética e liderança são as com-
petências atitudinais que, na visão do autor, deverão integrar a relação de objeti-
vos educacionais das escolas contemporâneas. Finalizando a obra, o capítulo 17
recebe um questionamento: Como será a educação superior na próxima década?
Revolução digital e educação: e agora?
611
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 605-611, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Nele, Fava faz uma retomada dos elementos apresentados na parte três da obra
e afirma que as mudanças pelas quais passarão os currículos, consequência das
tecnologias digitais e da inteligência artificial, promoverão uma singularidade na
educação. O autor sugere o PDCA Acadêmico, citado em sua obra Educação 3.0:
aplicando o PDCA nas instituições de ensino, de 2015, e explica que esse modelo
é uma adaptação do PDCA proposto por Walter Andrew Shewhart, no qual P – de
Plan – descreve o que e por que ensinar; D – de Do –, como ensinar; C – de Check
–, modalidade ofertadas; A –de Act –, avaliação de todos os processos. Conforme
Fava, o PDCA Acadêmico possui as seguintes etapas: planejamento, organização
curricular, avaliação, disponibilização e distribuição.
“A Era da Inteligência Artificial proporcionará uma transição disruptiva, por-
tentosa e impactante na educação com respeito à escolha, à organização, à dispo-
nibilização, à distribuição e à avaliação do processo de ensino e de aprendizagem”
(FAVA, 2018, p. 4). Essa metamorfose é inevitável, portanto, ser expectador é um
equívoco, mas a tecnologia sem intermediário não é o primordial disruptor, o es-
sencial é compreender as necessidades e a visão do stakeholder, ou seja, da pessoa
ou do grupo que tem interesse. Então, à educação é vital evoluir, valorizando as
demandas do perfil de estudantes e do contexto contemporâneo, pois os robôs não
substituirão os docentes integralmente, mas auxiliarão a aprimorar o desenvolvi-
mento dos processos de ensino e aprendizagem.
A obra é complementada pelas ilustrações de Leonardo Davi de Souza Neves
e integra a série Desafios da Educação. Rui Fava é formado em Administração e
Ciências Contábeis, doutor em Ciências da Educação pela Universidad Católica
de Santa Fé, Argentina. Atualmente, é reitor da Universidade de Cuiabá (UNIC),
vice-presidente da Kroton Educacional e sócio-fundador da Atmã Educar.
Referência
FAVA, Rui. Trabalho, educação e inteligência artificial: a era do indivíduo versátil. Porto Alegre:
Penso, 2018.
Claudionei Vicente Cassol
612
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 612-615, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Individualismo, autorreconhecimento e convívio
Claudionei Vicente Cassol
*
O professor François de Singly, nascido em 1948 na cidade francesa de Dreux,
catedrático da cadeira de Sociologia na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais
da Universidade de Sorbonne, em Paris, Diretor do Centro de Estudos e Pesquisas
sobre as Relações Sociais, especialista da família, das relações privadas e do ado-
lescente, publica, em 2003, na França, pela Editora Armand Colin, Les uns avec les
autres. O livro é traduzido em Portugal pelo Instituto Piaget e publicado, em 2006,
como Uns com os Outros: quando o individualismo cria laços, com 268 páginas
organizadas em cinco capítulos. Os títulos, geralmente seguidos de interrogações
acerca da discussão, têm expressivos subtítulos sintonizados com a proposta temá-
tica da possibilidade instituinte de laços sociais a partir do “individualismo”. A ver-
são portuguesa tem 15 páginas de introdução, dividida em subtítulos, e 8 páginas
de conclusão, índice de nomes contendo 4 páginas e sumário, ao final, após as 15
páginas de bibliografia. Trata-se de obra sociológica de leitura fluente, agradável,
com incursões para a filosofia e a psicologia.
Uns com os Outros segue, conscientemente, na oposição das tematizações ne-
gativas acerca dos tempos atuais que visualizam apenas carências/deficiências e
superficializações para as fortes tendências individualistas. Apresenta, justamen-
te dessa dimensão subjetiva/individual/pessoal, característica profunda da pós-mo-
dernidade, possibilidades constitutivas/autoconstituintes para o indivíduo e para
os laços sociais. Com fonte ontológica, a obra ensina que “o direito de amar” e os
outros direitos, embora contenham compreensões diferenciadas, são atitudes/ações
comuns. Ainda que os laços careçam de permanência, o amor perdura, assim como
o aprender, o desejo de saber algo. Na renúncia a um laço, a um vínculo permanen-
te, ainda há a permanência da busca por um novo vínculo, uma nova possibilidade
Recebido em 27/04/2018 – Aprovado em 19/02/2019
http://dx.doi.org/10.5335/rep.v26i2.
*
Mestre em Educação pela Unisinos, São Leopoldo, RS. Doutorando em Educação nas Ciências pela Unijuí, Ijuí, RS.
Professor no CE Dr. Dorvalino Luciano de Souza e na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões
Campus de Frederico Westphalen, RS, Brasil. E-mail: cassol@uri.edu.br
Individualismo, autorreconhecimento e convívio
613
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 612-615, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
de conexões. É possível, então, salvar o mundo. Para isso, é urgente desenvolver
uma “visão positiva do mundo moderno”, possível de ser pensada pela sociologia a
partir do indivíduo. “O ‘nós’ deve respeitar os ‘eu’ que o compõem”. Os indivíduos
não mudam a tal ponto que a natureza social, o ‘nós’ do privado, difira completa-
mente do ‘nós’ do público. Dessa forma, “indivíduos individualizados” não significa
somente gosto/prazer/satisfação de estar só; o “elo social” está “composto por fios
menos sólidos que os fios anteriores, mas engloba, nitidamente, muito mais fios”. É
esse o indivíduo individualizado que pode, simultaneamente, definir-se como mem-
bro de um grupo e como dotado de uma personalidade independente e autônoma.
Compreensões como “enclausuramento identitário”, característica das “so-
ciedades holísticas”, devem ser substituídas pelo “desenraizamento”, pela “não
pertença”, porque o papel republicano – e a escola/a educação tem lugar aí – não
é condenar cada um a carregar o peso das suas origens e de seus determinismos,
mas ensinar a cidadania, dimensão essencial da modernidade democrática. Para
a educação desses tempos, Singly ensina que eles são muito mais de “ventos” e
“velas” do que de cordas. Essa ação educacional viabiliza o desenvolver/o inventar
de novas raízes. Raízes precisam ter a dinâmica da “âncora” e da “tenda”: podem
ser lançadas/armadas e alçadas/desarmadas a qualquer momento. O “indivíduo
contemporâneo reivindica o direito à porta aberta, o direito a descomprometer-se,
mas não aprecia a interdição de compromisso”. Portanto, ele quer ter prerrogati-
vas, porque a individualização não suprime o social, apenas constitui uma das suas
formas. Na apresentação do “eu em primeiro lugar”, de forma alguma há declara-
ção de egoísmo moral. Singly significa, apenas, que nenhuma dimensão social da
identidade, atribuída e reivindicada, pode ser a trave-mestra do edifício pessoal.
A sociedade moderna pode ser compreendida com duas dimensões: “Sociedades
Holistas” e “Sociedades Individualizadas”. Conceitos muito próximos do que com-
preende Zygmunt Bauman (1925-2017) com “Modernidade Sólida” e “Modernidade
Líquida”. No entanto, nem tempos sólidos nem tempos líquidos podem desconsi-
derar as subjetividades, os “eus”, as identidades, porque é desse lugar que novos
laços/novas conexões podem ser construídos, não como amarras, cercas, mas conví-
vio/relação/tendas. É possível aprender, na análise de Singly, o quanto a liberdade
decorre não da ausência de limitações, mas da escolha das limitações assumidas e
recolocadas num projeto de vida/existência/convivência.
Os lapsos de grafia e concordância resultantes, talvez, da tradução não in-
validam a profundidade com que Singly aborda a temática do individualismo ou
do indivíduo/da individualização/da subjetividade. O autor desenvolve suas afir-
Claudionei Vicente Cassol
614
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 612-615, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
mações, de alguma forma, tornando-as, seguidamente, absolutas/deterministas, o
que pode se constituir risco, porque inviabiliza alternativas que, inclusive, teriam
a potencialidade/viabilidade a partir do próprio indivíduo. Então, apresentam-se
contraditórias no conjunto das compreensões de Singly, inclusive porque é ele pró-
prio quem escreve: “A identidade fluida é necessariamente multidimensional”. O
modo como Singly compreende a individualidade, a subjetividade, denominando-
-a de “individualismo”, talvez aponte para uma radicalidade não condizente com
uma possibilidade paradigmática da atualidade/contemporaneidade, expressa pela
ambivalência/plurivalência, ou que tenha consciência das várias vias possíveis,
nunca únicas, de realização do “convívio”. Contudo, essas questões não invalidam
a hermenêutica, a filosofia social e a análise do indivíduo na relação com a socie-
dade/comunidade que eleva o debate desenvolvido na obra à condição de raridade,
especialmente porque, na contracorrente das tematizações/compreensões pós-mo-
dernas/contemporâneas, Singly visualiza a possibilidade de construção de laços so-
ciais e das suas manutenções, a partir do “individualismo”. É no viver as prerroga-
tivas/as demandas/as escolhas, com autonomia, e na busca pela satisfação de seus
desejos, realizando a sua vontade ontológica, que o indivíduo/o sujeito reconhece a
necessidade do outro. Por isso busca em Anthony Giddens o conceito de “segurança
ontológica”, para justificar que ainda paira, nos indivíduos individualizados, o de-
sejo de estar-com/de convívio.
Ao escrever que “o reconhecimento da alteridade é o horizonte da democracia
avançada, desde que não se perca de vista o reconhecimento da igualdade”, Singly
indica a necessidade de manutenção de alguma regulação, tanto no âmbito priva-
do/pessoal quanto na dimensão do coletivo/social, para assegurar proteção, aten-
ção personalizada, respeito mútuo e igualdade de oportunidades. Essas atitudes
formam, ou deveriam formar, o quadro da educação e da vida comum no seio de
uma sociedade democrática, porque preservam a dignidade humana. Se a educa-
ção opera no sentido da viabilização do respeito à diversidade, à individualidade
e à dignidade humana, lança, dessa ação/dessa práxis, as cepas da diversidade e
indica o diálogo como caminhos possíveis da solidariedade/dos laços sociais. A obra
indica que a “crise” do elo social é uma característica das sociedades modernas, não
um defeito do modelo; é constitutiva do modelo. Quanto ao indivíduo e à sociedade/
comunidade, Singly enfatiza: “[...] o indivíduo não se realiza apenas na discussão,
tem também necessidade de outra forma de relação com os outros para descobrir
a sua originalidade, a sua autenticidade, a sua interioridade”. Nesse sentido, “[...]
Individualismo, autorreconhecimento e convívio
615
ESPAÇO PEDAGÓGICO
v. 26, n. 2, Passo Fundo, p. 612-615, maio/ago. 2019 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
Este artigo está licenciado com a licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
o eu não pode ser alcançado senão pelo diálogo com um outro significativo, através
da formação de relações afectivas, amorosas e de amizade”.
Uns com os Outros tematiza três formas de individualização: “O concorrencial,
próprio do mercado; o relacional, próprio do afectivo; o cidadão, próprio do político”,
para compreender que uma “sociedade” não pode ser viável a não ser que consi-
ga propor condições que permitam aos indivíduos individualizados viver juntos,
porque cada um/cada indivíduo é único. Cada um aspira uma vida em comum.
Contudo, o particular não exclui o comum, mas abre a possibilidade de constituir,
via educação – formal e informal –, a “aprendizagem do descentramento”, ou seja,
“pôr-se no lugar do outro para saber como é que ele deve ser respeitado”. Esse com-
promisso/reconhecimento/respeito mútuo não pressupõe nem uma relação igual
de estatutos nem uma confusão das identidades, mas a relação entre “dignidade
humana, identidade pessoal e identidade social”. Nesta configuração, a realização
do eu exige, por um lado, um âmbito social e econômico elaborado conjuntamente
com a política e, por outro, um reconhecimento mútuo das diferenças afirmadas.
Referência
SINGLY, François de. Uns com os outros: quando o individualismo cria laços. Lisboa: Instituto
Piaget, 2006.