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ESPAÇO PEDAGÓGICO
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Criança, infância e cidadania: diálogos de inspiração em Paulo Freire
v. 28, n. 1, Passo Fundo, p. 359-379, jan./abr. 2021 | Disponível em www.upf.br/seer/index.php/rep
não são incompatíveis (2005, p. 42). Contudo, como ressaltam Sarmento e Pinto
(1997), desses três direitos, não se observam avanços no que diz respeito ao direito
à participação, seja na construção de políticas seja na organização das instituições
educacionais.
Freire (2001 [1993]), ao defender a participação, também alerta para o caráter
indissociável entre participação e proteção. Ao propor que as cidades estimulem as
suas várias instituições sociais a se empenharem em campanhas que tenham por ob-
jetivo desafiar crianças, jovens e adultos a refletirem sobre o direito de ser diferente,
adverte que essa discussão deva ocorrer “[...] sem que isto signifique correr o risco de
ser discriminado, punido ou, pior ainda, banido da vida” (2001 [1993], p. 26).
O direito de ser diferente afirma nossa vocação para “ser mais”, estando esta
condicionada pelo contexto social, político, econômico e cultural no qual estamos
inseridos. Com isso, no aprendizado da democracia, Freire (2003 [1994], p. 203)
ressalta alguns aspectos que devem ser “política e pedagogicamente tratados”:
A luta, no Brasil, pela democracia, passa por uma série de possíveis ângulos a ser política e
pedagogicamente tratados – o da justiça, sem a qual, não há paz, o direitos humanos, o do
direito à vida, que implica o de nascer, o de comer, o de dormir, o de ter saúde, o de vestir,
o de chorar os mortos, o de estudar, o de trabalhar, o de ser crianças, o de crer ou não, o de
viver cada um e cada uma a sua sexualidade como bem lhe aprouver, o de criticar, o de dis-
cordar do discurso oficial, o de ler a palavra, o de brincar não importa a idade que se tenha,
o de ser eticamente inconformado do que ocorre no nível local, no regional, no nacional e
no mundial.
Ao afirmar o direito de as crianças serem crianças, Freire chama a atenção
para as muitas crianças que têm sido expropriadas destes tantos direitos, em espe-
cial aquelas das classes populares, seja pela condição de pobreza, fruto das grandes
desigualdades sociais, seja pela cor de sua pele, gênero, idade, etnia.
Cabe ressaltar que as enormes desigualdades e a discriminação contra e entre
as crianças assentam-se na estrutura social. Desse modo, não se pode deixar de
considerar a interdependência dos diferentes direitos. Defender o direito à educa-
ção, por exemplo, implica, necessariamente, segundo Arroyo (2015, p. 20), defen-
der o “[...] direito à vida, trabalho, terra, território, teto, identidades, igualdade,
diversidade, justiça... direitos atrelados a outro projeto de sociedade, de campo, de
cidade, de padrão de trabalho e de poder”.
Assegurados na forma de Lei, estão os direitos à vida, à saúde, à liberdade,
ao respeito, à dignidade, à convivência familiar e comunitária, à educação, à cul-
tura, ao esporte e ao lazer, à proteção. Entretanto, nesse mundo ao avesso, como
denuncia Galeano (1999), há mais de vinte anos, é negado às crianças o direito de